terça-feira, 11 de março de 2008

3 - Introdução ao Estudo da História de Angola

3.4 Os Grandes Períodos da História de Angola


1. A Divisão da História em Períodos

A descrição e o estudo da evolução humana ao longo dos tempos é mais fácil de se compreender quando a dividimos em idades ou épocas distintas, pelas quais agrupamos um ou mais elementos fundamentais comuns.

Por outro lado, a passagem de uma época histórica para a próxima é em geral marcada por um salto qualitativo (uma revolução), geralmente com origem em melhoramentos significativos nas técnicas de produção de alimentos ou na técnica de fazer guerra, ou ainda na organização comercial ou político-militar.

É em geral fácil de reconhecer as mudanças no sistema económico (modo de produção) e nas mudanças das instituições sociais e políticas que demarcam um período do próximo que lhe segue.

Devido à condição específica e única da história de cada grupo humano a ser estudado, não é possível ter uma regra de periodização universal que se aplique às histórias individuais de todos os grupos humanos. Cada grupo humano ou região tem uma evolução única, diferente das histórias de todos os outros grupos humanos; de facto não há duas sociedades humanas com a mesma história.

Assim, a periodização da história de cada grupo humano a ser estudado tem sempre que atender às condições específicas da evolução desse grupo ao longo dos tempos. Assim, a periodização da História de Angola é necessariamente diferente da periodização da História do Brasil, por exemplo, em que ambas partilham a existência de um período colonial, mas encontramos no Brasil o Período do Império sem contraparte na História de Angola.

Contudo, à medida que resumimos e comparamos a história de dois ou mais grupos humanos distintos, podemos notar que certos padrões de evolução são relativamente constantes, o que nos permite agregar a história desses grupos humanos em grupos mais gerais, em que se torna mais fácil identificar essa história em períodos mais gerais. Assim, à medida que passamos de unidades históricas mais pequenas (tribos e povos) para maiores (reinos, impérios ou civilizações) notamos uma agregação dos períodos dessas sociedades em períodos mais gerais e mais globais.

Como exemplo, podemos dizer que apesar das condições específicas de cada povo a entrar na História de Angola, em tempos e processos diferentes, podemos identificar em geral um período antigo, um período pré-colonial, um período de contacto, e finalmente um período de absorção no todo angolano. Assim, o povo original deixou de o ser quando passou a fazer parte da unidade histórica a que chamamos Angola, como é o exemplo do Antigo Reino do Ndongo.


2. A Transição de um Período para o Próximo

É importante notar que a transição de um período histórico para o próximo não acontece numa data exacta ou de um dia para o outro; de facto, o processo de transição pode durar séculos e ser tão vagaroso que nem se nota qualquer transição.

Por vezes os historiadores adoptam um acontecimento extraordinário e marcável como o "momento" de transição de um período para o próximo, como é por exemplo a chegada da esquadra de Diogo Cão à foz do Zaire em 1483, como momento que define o começo do período colonial.

Contudo, no caso da História de Angola é difícil marcar com exactidão a data em que termina o período pre-colonial e quando começa o período colonial. Como marco do início do período colonial aponta-se em regra como acontecimento significativo a chegada da esquadra de Diogo Cão à foz do Zaire em 1483; mas se nos debruçarmos mais atentamente sobre esse acontecimento verificamos que os Portugueses não tinham inicialmente a intenção de colonizar Angola, mas sim encontrar riqueza mineral (as minas de prata de Cambambe e as minas de cobre do Sumbe Ambela), e só com o estabelecimento de Luanda e Massangano por Paulo Dias de Novais em 1576 e 1583, é que, formalmente, se estabeleceu a "colónia" portuguesa de Angola.

Por outro lado, temos ainda que considerar o facto de que a "absorção" de povos e estados africanos no todo angolano durou séculos a se realizar, pois apesar da conquista do Antigo Reino do Ndongo nos fins do Século XVI, a integração do estado Ambó não teve lugar até aos princípios do Século XX.


3. Periodização Eurocêntrica

Habituados que estamos com a periodização eurocêntrica da história universal de acordo com a evolução linear Pré-História - Antiguidade Clássica - Idade Média - Idade Moderna e Idade Contemporânea, é talvez com certa relutância que aceitamos que o mesmo modelo de periodização não se aplique à história da humanidade em África.

Porém, quando nos debruçamos sobre o seu estudo, torna-se imediatamente evidente que a história dos povos africanos seguiu por dezenas de séculos os seus próprios caminhos até se cruzar com os caminhos da Europa desde a época dos Descobrimentos Portugueses.

Mesmo depois do contacto e cruzamento hstórico com os Europeus a História de África seguiu um padrão único e distinto da História da Europa. Assim, como resultado da interacção entre os povos e estados da Europa e da África, encontramos na História de África um período colonial, que não encontramos na história dos povos ou estados da Europa.


4. O Factor Diversidade na História de África

É importante lembrar que a África não é uma unidade geográfica, cultural e histórica homogénea e coesa (decerto um mito eurocêntrico); muito pelo contrário, a África é talvez o continente no mundo com a maior diversidadeecológica e cultural, pois constatamos que existem diversas "Áfricas" muito distintas umas da outras e em que cada uma tem uma identidade muito própria.

Em África não só encontramos o maior deserto do mundo (o Sahara), como encontramos a extensa floresta equatorial, as praias quentes do seu litoral, como as neves eternas do Kilimanjaro; Em África não só encontramos os povos de compleição mais pequena (os pigmeus Mbuti da África Equatorial), como encontramos os homens mais altos do planeta (os Watutsi do Ruanda), os Bérberes do Sahara como também os Fang da floresta equatorial, ou o povo Malgache e os Khoisan da África Meridional.

Assim as grandes regiões africanas como o Magrebe, o Sudão, a África Ocidental (Sahel), a África Equatorial, a África Oriental, a África Central, a África do Sul e Madagáscar são regiões tão diferentes entre si, como a Índia o é da China, ou como Portugal o é da Suécia.

No caso particular da África Central, de que Angola faz parte, a periodização da sua história tem que ter em atenção a sua evolução humana específica na região ao longo de milénios, o que requer uma periodização própria.


5. Os Grandes Períodos da História de Angola

Assim organizei esta Viagem Pela História de Angola em grandes períodos ou épocas, na esperança de que a extensão dos tópicos se torne mais fácil de se compreender. Esta periodização é um pouco arbitrária e opaca, contudo é talvez a mais aceite pela maioria dos estudiosos da História de Angola. Assim sugiro que na História de Angola encontramos quatro grandes épocas distintas, a saber:


5.1 A Pré-História de Angola

A Pré-História de Angola, começa com a Idade da Pedra acaba com o fim do Período Neolítico - em geral de há quarenta mil anos até cerca do ano 1.000 depois de Cristo; cobrindo a proto-história dos povos pré-Bantos - Khoisan, Pigmeus, Cuissis, e Cuepes, que desde longa data habitam o actual território de Angola, até à chegada dos primeiros povos Bantos.

Por sua vez, o Período Pré-Histórico é geralmente dividido em épocas que incluem a Idade da Pedra, o Período Neolítico, e o povoamento do território pelos povos pré-Bantos Pigmeus, Khoisan, até à chegada dos primeiros povos Bantos à região no Séc.XIII, precursores do Antigo Reino do Congo.

Por norma, os Povos Cuíssis e Cuepes são classificados como pré-bantos, o que não quer dizer que existiam como povos diferenciados antes da chegada dos povos Bantos à região. Um número crescente de estudiosos partilha a opinião de que esses povos são de facto o resultado do cruzamento ou absorção de antigos grupos Khoisan pelos recém-chegados povos Bantos à região.


5.2 O Período Pré-Colonial

O Período Pré-Colonial, que começa com a Idade do Ferro, as grandes migrações dos povos Bantos, os reinos da savana, até termina na data da chegada dos Portugueses ao Antigo Reino do Congo em 1481 - desde cerca do ano 1.000 depois de Cristo até aos fins do Séc. XV, que inclui a época desde a chegada dos povos Bantos à região que hoje compreende o território de Angola no Séc. XIII e a chegada dos Portugueses nos fins do Séc. XV.

Foi durante o período Pré-Colonial que se formaram os primeiros estados Bantos na região pelos povos Ambundos e Bakongo
. Este período na história de África inclui a Idade do Ferro, a origem dos povos Bantos e as suas grandes migrações para a África Central e Meridional, os antigos impérios sudânicos, os potentados do Golfo da Guiné, e os antigos estados Bantos que se estabeleceram nas bacias dos rios Zaire, Cuanza, Queve (ou Cuvo), Zambeze, Cunene, Cubango, Cuíto e Cuando, e os reinos Bantos dos Grandes Lagos e da África Oriental e Meridional.


5.3 O Período Colonial


O Período Colonial, é definido pelos tempos de Angola colónia portuguesa - de 1483 a 1975; O
Período Colonial, começa com a chegada dos Portugueses ao Zaire em 1481 e termina com a Independência de Angola em 1975. O Período Colonial pode ser dividido em três épocas distintas:

a) Primeiro Período - A Época da Conquista Portuguesa - Desde os primeiros contactos com os Portugueses que chegaram ao Antigo Reino do Congo em 1481 e a eventual conquista do Antigo Reino do Ndongo e a fundação de Luanda em 1576 e o estabelecimento dos fortes portugueses de Massangano em 1583 e Muxima em 1594 ao longo do curso do Rio Cuanza. Durante este período, a presença portuguesa era dominada pela procura das famosas minas de prata de Cambambe e do Sumbe Ambela, e em menor grau, pelo crescente tráfico de escravos para São Tomé, Europa e Brasil.

b) Segundo Período - A Época do Tráfico de Escravos, inicialmente orientada para os engenhos de açúcar de São Tomé, ainda nos fins do Séc. XVI, e depois para os engenhos de açúcar do litoral brasileiro (Maranhão, Pernambuco e Bahia) até aos finais do Sec. XVII, e mais tarde para as minas de ouro e diamantes de Minas Gerais e São Paulo. Depois da independência do Brasil em 1822 a exportação de escravos de Angola foi em parte orientada para os Estados Unidos e para Cuba, embora a maioria dos escravos continuasse a ser absorvido pelo Brasil (Rio de Janeiro), já depois da abolição da escravatura em 1836 em Angola e até 1888, ano da proclamação da Lei Áurea no Brasil.

c) Terceiro Período - A Época de Exploração de Produtos Coloniais (produtos tropicais e minérios - mel, borracha, açúcar, café, algodão, tabaco, milho, diamantes, ferro, e petróleo) que começou em 1845 com o consulado do Governador Pedro Alexandrino da Cunha em 1845 e terminou com a independência de Angola em 1975.

Foi durante este período que a ocupação efectiva do território pelos Portugueses se completou através das Campanhas Militares de Ocupação entre 1851 e 1925 (no contexto do imperialismo europeu e da Corrida à África), e a colonização branca do território se realizou, com a exploração mais intensa dos recursos agrícolas e mineiros.


5.4 Angola Estado Independente

Angola como estado soberano, depois da Independência, depois de 1975 até aos dias de hoje (2008). Angola Estado Soberano, começa com a descolonização de África, passando pela luta de libertação nacional, descolonização portuguesa, Independência, breve experiência marxista-leninista, Guerra Civil, petróleo bruto e diamantes e cleptocracia e corrupção, e por fim Angola em paz e em desenvolvimento.

inhttp://introestudohistangola.blogspot.com/2006/05/34-os-grandes-perodos-da-histria-de.html

segunda-feira, 10 de março de 2008

Quem aplaudiu Salazar tem culpas na descolonização


entrevista
Almeida Santos, ex-ministro, ex-pResidente da AR

Quem aplaudiu Salazar tem culpas na descolonização



joão morgado fernandes
jorge gonçalves *

Qual foi, em seu entender, o factor determinante dos processos da independência em 1974/75?

A razão principal que determinou a maneira como decorreu a descolonização foi o facto de termos descolonizado tarde e a más horas e ao fim de dez anos de guerra. Havia factores que deveriam ter servido de advertência, quer a Salazar quer ao Marcelo Caetano, e que não foram tidos em conta. Quando chegou o 25 de Abril, descolonizou-se após um golpe militar que criou instabilidade política e sociológica em Portugal. Tínhamos vivido 48 anos sob a pressão de uma ditadura e foi como se tirássemos a tampa a uma panela de pressão. Por outro lado, o 25 de Abril fez-se fundamentalmente para acabar com a guerra. E a descolonização acabou por se fazer sem cobertura militar, porque, entretanto, deu-se a indisciplina militar no Ultramar. E deu-se a indisciplina militar no Ultramar porquê? Pela simples razão de que o programa do MFA não registou o princípio da autodeterminação, da independência. Naturalmente, os movimentos que nos faziam a guerra desconfiaram "Este princípio está aceite pela ONU, há independências em série, já quase só faltavam as nossas colónias , e Portugal faz uma revolução para se libertar e não reconhece o princípio da autodeterminação?" Ficaram desconfiados. E a guerra continuou. Morreram tantos soldados antes como depois, porque eles aceleraram para negociarem numa posição de força. Resultado: a disciplina esfumou-se, a cadeia de comando rompeu-se, a pressão no sentido da "independência já" foi constante. E foi nessas condições dramáticas que teve que se descolonizar.

O ambiente de grande tensão da guerra fria terá contribuído para que não tivesse sido possível uma solução que não passasse pela descolonização total?

Mas onde é que não passou pela independência? A hora das independências era de tal ordem que não há memória de nenhum país que dissesse "Eu não quero ser independente, quero ficar ligado ao país colonizador." Não há memória disso.

África encontra-se num processo de grande desenvolvimento económico, mas do ponto de vista político tarda em encontrar um modelo de governação.

Não podemos continuar a querer influenciar as nossas antigas colónias, ensinando-lhes como devem organizar-se. Eles só não aderiram mais cedo à democracia pela razão simples de que, em Moçambique, houve uma guerra durante muitos anos e, em Angola, eram três movimentos em guerra entre si, cada um deles com uma potência imperialista por detrás. Houve a deslocação das populações, houve toda aquela tragédia, houve a destruição das infraestruturas e não apenas. Cidades ficaram destruídas, Nova Lisboa destruída, a Cidade da Beira destruída... Estão agora a levantar a cabeça, estão agora a reorganizar-se. Não podemos julgá-los como se tivessem estado estes 30 anos em paz e liberdade. E, tendo em conta estas décadas de guerra, o facto de terem logo a seguir aderido ao modelo democrático e económico ocidental é de louvar. Estão a fazê-lo com relativo êxito. Não se salta de uma cultura africana comunitária e autoritária para uma democracia ocidental. As democracias começam por ser formais e passam depois a reais. As nossas democracias ocidentais começaram por não ser perfeitas.

No relacionamento entre Portugal e as antigas colónias continua a haver muita dificuldade de aproximação na área da economia. A que se deve essa dificuldade?

Faço a crítica a todos os governos portugueses depois do 25 de Abril de ainda não terem sido capazes de compreenderem África e as suas potencialidades. Faço-lhes essa crítica, a todos, sem excepção. Perdemos, em grande medida, uma oportunidade única, mas única mesmo, de termos podido investir em Angola e Moçambique, sobretudo, mas não só. São dois países de enormes potencialidades, enquanto que estamos a investir na Polónia, inclusive no Brasil, um país irmão, sem dúvida, mas que não precisa tanto de nós como Angola e Moçambique precisam. E devo dizer que os investimentos em Angola e Moçambique poderiam ser muito mais rentáveis do ponto de vista económico para o investidor do que aqueles que andamos a fazer noutras latitudes. Vejo a China a investir em Angola, em Moçambique, em Cabo Verde. Vejo o G8 a reagir pela primeira vez, a dizer "vamos perdoar a dívida a África", como reacção à atitude da China. Estes dois poderosos blocos estão a compreender o que significa Angola e Moçambique, e não apenas.

E o que é determinante, do seu ponto de vista, na dificuldade em institucionalizar modelos de relação entre Portugal e África? Há o caso da CPLP, da UCCLA. É culpa portuguesa?

As culpas são sempre repartidas, mais do que nós julgamos. Eu às vezes até digo que nós temos tendência para culpar sempre alguém em especial, porque se a culpa não é concentrada, se não há um bode expiatório, não presta. Se for colectivo, se são todos culpados, então ninguém é culpado. Mas a verdade é que, em relação ao colonialismo e em relação à descolonização, a culpa é mais repartida do que se julga. Todos os indivíduos que estiveram com o Salazar não têm culpa da descolonização e da guerra? Todos os indivíduos que lhe bateram palmas, que lhe deram apoio, não têm? Aqueles que depois disseram que sempre foram o que nunca não tinham sido, não têm culpa nenhuma? É evidente que a culpa é muito mais partilhada do que se julga. Até há uma teoria indiana que diz que todos somos culpados de tudo. Acho um bocado excessivo, mas a verdade é que, no fundo disto, há alguma verdade. Uma vez, um velho amigo, colega meu de Lourenço Marques, avô do Francisco Louçã, um grande resistente, entrou-me pelo escritório adentro e disse-me assim "Eu quero ser preso." "O senhor quer o quê?", disse-lhe eu. "Quero ser preso, você ouviu muito bem." "Mas quer ser preso porquê, homem?", insisti. "Quero ser preso porque se eu estou em liberdade com um regime como este, é porque não fiz aquilo que devia, não resisti aquilo que devia ter resistido".

E a culpa do que se passou depois, deste distanciamento?

Nós não podemos apagar os traumas que a história forma. No momento da descolonização, havia dois traumas. Do lado de África, havia o trauma do ressentimento da era colonial. Houve escravatura, houve trabalho forçado, houve tudo isso, e isso criou um fundo de ressentimento, e esse fundo de ressentimento ainda existe. Nós ainda somos o indivíduo que fez isso. Mas depois os nossos retornados acabaram por ter que se vir embora, perderem os bens, os empregos, afectividades, relações, sonhos, esperanças… e vieram sem nada, com as mãos vazias. Não queria que da parte dessa gente, dos familiares deles, dos amigos deles, não houvesse também um fundo de ressentimento contra a África? É evidente que há um duplo ressentimento, que não é fácil de superar.

Mas, por exemplo, a Commonwealth não é um modelo interessante?

A Commonwealth teve o génio da antecipação. Quero dizer, foram os primeiros. A Inglaterra foi a primeira a perceber que não podia continuar na Índia, sobretudo na grande Índia, para lá de um certo momento, e criou a Common- wealth, mas a Commonwealth é uma fachada. A rainha da Inglaterra é a rainha daqueles países todos, mas não manda nada. É um símbolo, muito bem, mas é uma habilidade, uma habilidade a que eu tiro o meu chapéu, porque permitiu, apesar de tudo, desinflamar o drama da descolonização.

Apesar de tudo, a Commonwealth, e vemos isso em Moçambique, acaba também por ter algum papel de influência económica, por exemplo, de congregar os esforços de comunidades.

Isso é uma questão de proximidade. Moçambique está encostada a um grande país, que é a África do Sul. Se em vez de ser inglês fosse chinês, era a mesma coisa. É o encosto, é mais a proximidade geográfica.

O relacionamento que vai havendo com as ex-colónias não se deve mais a aproximações pessoais do que a estratégias institucionais? Não há, por exemplo, memória de convocação de um conselho de ministros especial sobre África. Não seria importante?

Claro que seria. Mas não se esqueça que, se neste momento lamentamos a falta dessas reuniões, eu lamentei-as muito mais nos governos de que fiz parte durante o processo de descolonização. Nunca o problema foi discutido em conselho de ministros. Nunca. Era discutido no MFA, no Conselho da Revolução, era discutido no Conselho de Estado, era discutido na comissão de descolonização... No Conselho de Ministros nunca foi discutido.

África continua a ter um grave problema de repartição social do desenvolvimento. E isto, é evidente que pode ser justificado pelas condições objectivas do passado recente, mas há que fazer alguma coisa para inverter esta lógica. Não é esse o seu entendimento?

É evidente. Eu digo-lhe mais não é só África que está a repartir mal. É o mundo inteiro. Os EUA, que são o país mais rico do mundo, têm 40 milhões de pobres. O problema da repartição da riqueza é o problema número um dos modelos económicos e também dos modelos políticos e sociais. Nunca conseguimos isso. É o problema da equação entre a liberdade e a igualdade. Em todo o caso, os países africanos, tirando as críticas que possam ser dirigidas às cúpulas, têm feito um esforço de nivelamento. Quer dizer, há riqueza esporádica e chocante às vezes, mas depois dessa riqueza há um nivelamento, em baixo, superior a muitos países ocidentais. Não há classes médias. É a riqueza e depois a pobreza. E a pobreza, segundo um certo conceito de igualdade. Esse é o problema número um do mundo.

Há quem conteste que exista verdadeiramente uma organização de Estado em muitos dos países africanos e, nomeadamente, em alguns de língua portuguesa. Esta questão do Estado, como modelo de organização social e política, pode um elemento de bloqueio do crescimento da economia?

O fundamental para o problema do crescimento são os próprios recursos naturais. Quem me dera ter os recursos naturais de Angola em Portugal, ou até os de Moçambique. Angola tem petróleo, tem diamantes, tem ferro, tem manganés, tem ouro... É um país fabuloso. Moçambique não tem estes recursos, mas tem os vales riquíssimos. Tem o vale do Zambeze, que é um Nilo, tem carvão, tem energia. Pode fornecer energia no futuro a toda a África Austral. Quando houver uma solução para explorar estes recursos - e era aí que nós podíamos ter um papel - serão países que vão crescer. Mas crescer é uma coisa, desenvolver é outra. Desenvolver é crescer com justiça, com repartição dos bens.

Recentemente, os G8 decidiram perdoar a dívida de África. Esse é o caminho para ajudar África?

Têm-se experimentado várias vias. Primeiro, enviar dinheiro. O problema da dívida é esse. Outro, é enviar tecnologia. Mas África não está ainda muito preparada para receber tecnologia. Outro é enviar investimento. Eu acho que têm que se conjugar as três coisas. Alguma ajuda económica sempre que é necessário, sobretudo em situações de calamidade, e de enviar sem a preocupação do pagamento, porque África ainda não está em condições de pagar as dívidas que vai acumulando. Nenhum país estava à espera de receber o dinheiro do seu próprio crédito. Segundo, alguma tecnologia, uma vez que a modernidade implica isso, impõe isso. Mas, sobretudo, investimento. Por uma razão simples. Se for dinheiro, pode haver o desvio desse dinheiro para outras finalidades que não aquela a que se destina. Se vai tecnologia, pode não haver receptividade suficiente para lidar com essa tecnologia e tirar dela a rentabilidade suficiente. Se for investimento, acompanhado da tecnologia necessária, é a solução ideal. É ir explorar com um espírito construtivo, não como antigamente de ir lá "ordenhar a teta".

Destes 30 anos de independências, o que mais o marcou?

O que me marcou foi a noção de perda de tempo. Porque eu, durante muitos anos, enquanto não começou a guerra em Moçambique, em Angola, na Guiné, defendia uma solução comunitária para a África portuguesa. Eu tinha a percepção de que não era uma comunidade para durar até à eternidade. O meu ponto de vista é que se tratava de uma solução que permitia que, quando houvesse que cortar o cordão umbilical, se cortasse sem dor. Tenho a certeza absoluta de que tinha sido possível, inclusivamente com o Brasil. E defendi isso em textos, uma solução comunitária. Mas depois começou a guerra e eu disse "já não vale a pena. Agora o melhor é a independência e já não se fala mais nisso".

É hoje um homem de consciência tranquila quanto à descolonização?

Fui o único político português que negociou e assinou todos os acordos da descolonização. Vivi-os por dentro. Todas as tragédias, dramas, etc. E uma das coisas que eu digo é isto responsabilidades, tenho que ter. Pelas funções que exerci, é evidente que teria sempre que ter. Culpas: zero. Nada. Não me pesa a consciência de ter feito alguma coisa com a consciência de que estava errada e que, apesar de tudo, não a corrigi. Ah, isso não. Posso garantir. Tenho a consciência tranquila. E mais. Esperei 30 anos para dizer algumas verdades. Um livro que vou publicar sobre essa matéria não é um livro justificativo, nem é uma autodefesa. Nada disso. Mas, esperei 30 anos para dizer algumas verdades que ilibam, em meu entender, a minha imagem relativamente às críticas de muita gente. E esperei 30 anos porquê? Porque, tal como eu digo, a História serve-se fria. E havia muitas instituições e até muitas pessoas que deviam ser salvaguardadas de algumas verdades que eu lá refiro.

* director da RDP África

Recomendo também este site:
http://ultramar.terraweb.biz/Noticia_RTP_AGuerra_JoaquimFurtado_16OUT2007.htm


O ÊXODO

ANGOLA NO PERCURSO DE UM NACIONALISTA
Conversas com Adolfo Maria
Fernando Tavares Pimenta
Edições Afrontamento,
geral@edicoesafrontamento.pt

O ÊXODO

Este excelente livro são os relatos do percurso político de Adolfo Maria um ex-membro de Revolta Activa do MPLA. O livro tem copyrigt por isso, pedimos a compreensão e condescendência da editora e do autor porque ele não será facimente acessível ao pessoal de Angola. O tema que aqui descrevemos é por demais pertinente para colocar no site porque não encontrámos noutro lado uma descrição tão clara e séria do êxodo dos brancos de Angola.


Adolfo Maria (foto livro)

90 | F P. - Qual foi a reacção da minoria branca perante o anúncio dos Acordos de Alvor?

A. M. - Os Acordos de Alvor representaram um facto consumado, isto é, em breve Angola iria ser mesmo independente. Ora, uma vez que os três movimentos participaram nos Acordos, se realizariam eleições e se estabeleceu um período de transição sob administração quadripartida (Portugal mais os três movimentos), a maior parte da população branca pareceu sentir-se segura quanto ao futuro. Houve apenas uma parte da minoria branca (e também alguns negros e mestiços) - aquela comprometida na repressão colonial ou imbuída de profundo espírito coloniasta - que decidiu deixar Angola, logo a seguir ao Alvor, possivelmente por medo de represálias. Mas não se registou um fluxo significativo de partidas. Havia tranquilidade nas ruas, a economia continuava a funcionar como antes, a grande maioria dos brancos dava mostras de permanecer em Angola depois da independência e muitos chegaram a integrar os três movimentos.

91 | F. P. - Quando é que começou o êxodo dos brancos?

A. M. - A intranquilidade entre a maior parte da população branca começa a sentir-se logo que, nos primeiros meses de 1975, rebentam os combates entre a direcção do MPLA e a facção Chipenda, em Luanda. A partir de Abril a situação agrava-se em Luanda, devido à troca de tiros, raptos e assassinatos entre militantes dos três movimentos. Mas ainda não há um êxodo dos brancos. O que se verifica são os preparativos para o envio temporário das famílias (mulheres e filhos) para Portugal, enquanto os homens permanecem em Angola.

Eles acreditam que a situação vai acalmar, por isso ficam para ver o que é que se passará até à data da proclamação da independência, marcada para 11 de Novembro de 1975. As partidas das mulheres e dos filhos tomam grande vulto a partir de Junho, isto é, no final do ano escolar. Nessa altura, quer nas cidades, quer nas zonas rurais já se travam ferozes disputas entre movimentos, particularmente entre a FNLA e o MPLA. Aquela vai expulsando do Norte o MPLA e este contra-ataca e procura o controlo das cidades. Os sucessivos e sangrentos combates entre os três movimentos em quase todas as localidades do país alteram radicalmente a situação. O medo instala-se entre a população branca. E vem o pânico a partir da batalha de Luanda, em Julho-Agosto de 1975, conduzida pelo MPLA para a expulsão dos outros dois movimentos da capital, e das batalhas em outras cidades, nomeadamente Uíje, Malanje, Huambo, Benguela, em que a FNLA ou a UNITA expulsam o MPLA de algumas delas. Muitos brancos começam a encaixotar os seus bens para os enviar para Portugal, atafulhando os portos de Luanda, Lobito e Moçâmedes. Numerosos começam a partir e outros ainda não partem. Mas, entretanto, a maior parte coloca os seus bens a salvo, porque começam a duvidar do seu futuro no país.

Em Setembro, Outubro e Novembro de 1975 dá-se o grande êxodo dos brancos, que abandonam uma terra mergulhada na tragédia e no desespero de uma guerra civil acirrada pela invasão de tropas estrangeiras. Julgo que a maioria dos brancos (sobretudo os naturais de Angola) queria sinceramente permanecer em Angola e contribuir, de alguma maneira, para o futuro do país de que se considerava parte. Mas as terríveis circunstâncias em que se produziu a independência levaram a maior parte da população branca a deixar Angola, privando o pais de um grande número de quadros, que eram importantes para o desenvolvimento da economia e sociedade angolanas.

92| F. P. - Para além da insegurança causada pela guerra civil e intervenção militar estrangeira, existiu algum tipo de hostilidade da população negra para com a minoria branca angolana?

A. M. - Bom, nos Acordos de Alvor os três movimentos nacionalistas reconheceram que «angolanos» eram todos os naturais de Angola sem distinção de cor. Foi a primeira vez que essa posição foi assumida publicamente pelos três movimentos. Como tal, não havia uma prática anterior que tranquilizasse o anónimo cidadão branco, pouco politizado. Na verdade, a prática vivida a partir de meados de 1974 e, sobretudo, durante o ano de 1975 era de facto de uma profunda hostilidade das populações, militantes e quadros negros em relação aos brancos em geral, salvaguardando-se, dentro dos movimentos de libertação, os seus elementos brancos reconhecidamente militantes. Nestes casos estavam sujeitos ao ódio dos movimentos rivais, tal como os seus companheiros de cor diferente.

Essa hostilidade existia porque o próprio sistema colonial tinha criado uma situação em que a população branca era um instrumento da política colonial portuguesa, portanto era muito fácil confundir o branco com o colonialista, nomeadamente em meios pouco instruídos. O facto de nenhum dos três movimentos nunca ter explicado bem a questão do colonialismo e a questão da nação angolana, nas suas componentes, acabou por manter ou acentuar o equívoco. Uma grande parte dos brancos sentia-se angolana: eram filhos da terra, mas não se sentiam reconhecidos como tal pelos futuros dirigentes do país.

Por fim, no período pós-25 de Abril (sobretudo durante o ano de 1975), nas várias estratégias de corrida ao poder, os três movimentos privilegiaram o populismo e a demagogia, apresentando a independência como a passagem dos cargos e das riquezas directamente para as mãos do povo, obviamente identificado com a população negra. Acrescente-se a isto todo um conjunto de acções individuais de pessoas, militantes e quadros que queriam apoderar-se dos vários meios económicos, instigando assaltos e outros crimes, tendência que se acentuou depois da independência, durante algum tempo.

93| F. P - Mas houve ou não uma estratégia deliberada de algum dos três movimentos para obrigar os brancos a abandonar Angola?

A.M. - Eu julgo que não, ao nível de decisão das suas direcções. Mas não sei até que ponto as facções mais racistas de cada movimento (falo de alguns dirigentes e quadros) não teriam influenciado certos acontecimentos.

Verificaram-se situações e sentimentos extremamente contraditórios naqueles conturbados anos. Desde 1974 e sobretudo início de 1975 que havia militantes brancos em cada um dos três movimentos - até havia famílias em que as pessoas estavam repartidas pelos três movimentos. Aliás, ocorreu uma coisa curiosa. Em 1974/1975, os movimentos mais antibrancos, isto é, a FNLA e a UNITA, foram os que se mostraram mais abertos à entrada de brancos nas suas fileiras como militantes e quadros. Subitamente, a FNLA chegou a ter muitos brancos - talvez mais do que o próprio MPLA - possivelmente porque a FNLA não tinha implantação urbana e, como tal, precisava dos brancos para se implantar nas cidades. Além disso, a FNLA estaria ideologicamente mais próxima da maioria dos brancos (pelo contrário, o MPLA representava o «papão comunista»).

Como disse, a guerra civil despoletou, em Julho de 1975, um êxodo que foi crescendo até se tornar maciço em Outubro e Novembro. Os desmandos nas zonas controladas pela UNITA e pela FNLA fizeram fugir os brancos em direcção ao litoral ou à Namíbia (então Sudoeste Africano). Mas as exacções podem não ter sido emanação das direcções desses movimentos, em colectivo, mas sim de alguns dirigentes e quadros médios ou de militantes de base no sentido de afugentar os brancos para se apropriarem dos seus bens.

Em Luanda, apercebi-me de que a maior parte dos brancos teria a intenção de voltar, só que as circunstâncias no pós independência não lhe facilitaram o regresso. Por exemplo, logo a seguir à independência, o governo do MPLA publicou um decreto pelo qual nacionalizava os bens de todos os indivíduos que no espaço de quarenta e cinco dias não estivessem presentes em solo angolano. A maioria dos brancos não teria conseguido regressar em quarenta e cinco dias mesmo que a situação de segurança em Angola se tivesse normalizado. Isso teve influência decisiva na opção da maioria dos brancos permanecer em Portugal, no Brasil, na África do Sul ou em qualquer dos outros países que acolheram os refugiados brancos de Angola. Refira-se que, mesmo sem o tal decreto, muitos desses bens começaram a ser tomados por indivíduos, normalmente familiares de gente ligada ao poder (sobretudo membros da DISA - a polícia política, das FAPLA - as Forças Armadas, etc.). Acrescente-se que a facção de Nito Alves, que vinha a ganhar significativas posições no seio do MPLA, desde meados de 1974, começou a impor-se no aparelho do Estado e tinha um discurso e uma prática cada vez mais radicais de apelo à «verdadeira revolução» e às «massas populares», com a exclusão obrigatória (ou mesmo esmagamento) dos «burgueses» e «pequeno-burgueses», que eram invariavelmente conotados com a cor da pele, visando-se os mestiços e os brancos. Através da imprensa angolana daquela época pode-se avaliar como a linguagem e os actos políticos daquela facção eram eivados de alusões raciais.

94 | F. P. - Durante o ano de 1975, face ao desenrolar dos acontecimentos, as elites brancas de Angola - as chamadas «forças vivas», isto é, as direcções das associações económicas e as chefias políticas e militares locais herdeiras da administração colonial - permaneceram, aparentemente, apáticas. A única excepção parece ter sido o Coronel Gilberto Santos e Castro, relacionado com círculos da direita portuguesa no exílio, que comandou o célebre Exército de Libertação Português (ELP). Como é que isto se explica?

A. M. - Eu penso que as elites brancas foram surpreendidas quer pelo próprio 25 de Abril de 1974, quer pela rapidez como os acontecimentos se sucederam. Daí que não tenham tido capacidade de resposta e força suficientes para tentar impor uma solução que lhes conviesse politicamente. Também não creio, dada a sua prática anterior, que estivessem politicamente preparadas para tal. E é claro que após os Acordos de Alvor, já estabelecida a data da independência, ficaram drasticamente reduzidas as margens de manobra para qualquer movimentação visando realizar uma independência favorável aos interesses brancos instalados. Eram também impossíveis as veleidades de contrariar a próxima independência de Angola.

Contudo, logo após o 25 de Abril de 1974, houve movimentações no sector branco da população, tendo algumas continuado até à proclamação da independência. Uma grande parte das elites brancas dos planaltos procurou instrumentalizar a UNITA, lançando-a como terceiro movimento; outros foram apoiar a FNLA e alguns outros — inclusive o próprio Fernando Falcão — iriam colocar-se ao lado do MPLA, depois de uma efémera tentativa de relançamento da FUA. A ala reaccionária dos brancos, liderada pela PIDE e pelo Coronel Gilberto Santos e Castro, organizou-se como força militar de apoio à FNLA. Santos e Castro recrutou uma série de militares - comandos - e pides portugueses e angolanos, armando-os com o apoio da CIA. O objectivo deles, em 1975, não seria o de instaurar um poder branco (tal já não se podia pôr nem como hipótese), mas de implantar um poder favorável à África do Sul e, quiçá, fazer de Angola uma base de rectaguarda de forças reaccionárias portuguesas para um futuro combate ao novo regime de Portugal.

Parece evidente que o objectivo de Santos e Castro, em Angola, era derrotar o MPLA, que era apresentado como agente do comunismo soviético. Neste sentido, em Novembro de 1975, o ELP entrou em Angola pelo Norte, conjuntamente com as forças da FNLA e do exército zairense, numa tentativa de tomar Luanda antes da data de independência, mas foram todos travados à porta da capital, no Panguila, pelas forças do MPLA, reforçadas pela artilharia cubana, que desempenhou um papel fundamental. Pelo Sul tinham entrado tropas sul-africanas que foram detidas no Ebo, Kwanza Sul, por forças militares cubanas (aí morreu um general cubano). Face à derrota do Panguila, apenas a quinze quilómetros de Luanda, o ELP deslocou-se para o Centro, apoiando a ala de Chipenda, que partilhava o poder com a UNITA e a FNLA no Huambo, na proclamada «República Democrática de Angola».

Posteriormente, o recuo estratégico do Secretário de Estado norte-americano, Kissinger, alterou a pressão sobre o MPLA e levou à retirada dos sul-africanos em finais de Março de 1976. Estava selado o destino dos apoiantes de Santos e Castro que retiraram para a África do Sul, via Sudoeste Africano (actual Namíbia). Convém acrescentar que embora o ELP tivesse simpatias em alguns sectores da população branca de Angola, nunca teve o apoio da maior parte desta população (pelo menos da grande maioria dos brancos nascidos em Angola que não se reviam nas soluções aventureiras e militaristas representadas por Santos e Castro).

Inhttp://petrinus.com.sapo.pt/exodo.htm


INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA

INDEPENDÊNCIA A 11 DE NOVEMBRO

Angola Governada por Angolanos a Partir de 31 de Janeiro

Era este o título da primeira página do jornal a Província de Angola, em 16 de Fevereiro de 1975, com as fotografia de Costa Gomes, Jonas Savimbi, Agostinho Neto e Holden Roberto. "Foi num ambiente de confiança mútua e de franca cordialidade, que decorreu, esta noite, no Hotel da Penina, a cerimónia de encerramento da conferência geral sobre Angola. Presidiu ao acto o Presidente da República Portuguesa, general Costa Gomes, que se encontrava ladeado, à direita pelos elementos da Delegação portuguesa e do FNLA, e à esquerda, pelos representantes das Delegações do MPLA e da UNITA. Em lugar especial sentavam-se o primeiro-ministro do Governo Provisório português, brigadeiro Vasco Gonçalves, o ministro sem pasta, major Vítor Alves e o alto comissário de Angola, almirante Rosa Coutinho.

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Presidente Costa Gomes


(foto DN 1/8/2005) Presentes à cerimónia, igualmente, todos os elementos das Delegações de Libertação de angolanos, bem com o da Delegação portuguesa, e os conselheiros do Alto Comissário de Angola, que se deslocaram a Lisboa. Também assistiram à cerimónia todos os elementos dos órgãos de informação portugueses, angolanos e estrangeiros, que desde o primeiro dia acompanharam a Cimeira do Algarve. Usou em primeiro lugar a palavra, o ministro Melo Antunes, que leu o texto do Acordo, o qual foi depois assinado pelos presidentes das três Delegações emancipalistas angolanas e pelos elementos da Delegação portuguesa.(...)".


Rosa Coutinho ("almirante vermelho") falando aos jornalistas.
(foto Prov. Angola 16/01/1975)

O POVO ANGOLANO SENTE NA ALMA O BÁLSAMO DA ESPERANÇA
Palavras do Presidente Costa Gomes

"Senhores presidentes: As vossas assinaturas selaram com Portugal um acordo de transcendente importância nos destinos dos povos de Angola. Ficou assim encerrado um capítulo que forças retrógradas prolongaram injustamente. Trabalhámos nesta reunião cimeira com uma geração de atraso nas correntes da História. Compete-nos agora ser generosos quanto ao passado, diligentes quanto ao futuro e presente e esclarecidos ao futuro.(...). Senhores presidentes: O povo angolano, todos os homens bons que em Angola desejam viver e trabalhar em clima de justiça social, penosamente saturados por uma guerra sem grandeza, sentem na alma o bálsamo de esperança. O seu desejo de paz e tranquilidade é tão forte que, estou certo, todos darão o melhor do seu esforço e colaboração para que os seus sofrimentos e esperanças não sejam vãos na história da grande pátria que vai nascer. Vós, angolanos, governantes e governados, sereis capazes de dirigir e aplicar as potencialidades do território ao ritmo trepidante de quem tem a construir um dos mais florescentes países do continente africano. Repousará nas vossas mãos, homens de Angola, tudo quanto o destino vos reservou para criardes uma pátria materialmente grande e rica, espiritualmente fraterna e justa". AGOSTINHO NETO AO POVO ANGOLANO
Saibamos Reforçar e Consolidar as Conquistas Obtidas "Agostinho Neto, presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola, dirigiu a seguinte mensagem ao povo angolano: "Povo angolano, companheiros de luta, camaradas e simpatizantes do MPLA angolanos: Falo-vos no momento de particular transcendência do processo já longo da luta de libertação do nosso povo e do nosso país. Não interessa relembrar agora os inúmeros sacrifícios, os incalculáveis sofrimentos por que passou o nosso povo, pois o sangue derramado pelos nossos heróis, os sacrifícios consentidos pelo nossos mártires, as humilhações dos vivos e dos mortos, constituem já, historicamente, a argamassa indestrutível que construiu os alicerces da nossa libertação. O que importa neste momento é que a grande e portentosa nação que já se vai erguer, sobre as bases conquistadas, saiba trilhar o mesmo caminho de dignidade e justiça e de humanidade que sempre caracterizaram a acção do Movimento Popular de Libertação de Angola. (...). Compatriotas camaradas: agora que os trabalhos da cimeira estão concluídos, agora que o Mundo inteiro nos olha com a consideração e o respeito que a nossa luta de libertação constituíram, saibamos reforçar e consolidar as conquistas obtidas. Um só povo, uma só nação, defendendo intransigentemente, sem subterfúgios ou ambiguidades a democracia e o direito sagrado de podermos entrar no seio da comunidade mundial com as credenciais conseguidas ao longo de 18 anos de luta. FNLA, UNITA e MPLA unidos, pretos, mestiços e brancos unidos são a garantia para construirmos uma pátria independente para o povo angolano. A vitória é certa".

HODEN ROBERTO
Acabou o Colonialismo que Oprimiu Angola

"Boa noite, angolanos. Como é do vosso conhecimento, a cimeira de Alvor acaba de terminar. Foi à beira do Oceano Atlântico, nesta distante província portuguesa do Algarve, que há cinco séculos as caravanas portuguesas receberam ordem de partida para as distantes terra de África. Foi desta terra que partiu Diogo Cão, desses conquistadores, desses colonizadores para atracar no nosso país. Pois, meus irmãos, é com regozijo que vos anuncio que nessa mesma terra onde nasceu o colonialismo, o colonialismo que oprimiu Angola, acabou. É o fim de uma época e a primeira de outra, e neste momento solene em que os corações de todos os angolanos batem à uma, os meus pensamentos estão dirigidos para vós. Ao mesmo tempo peço para celebrarem comigo esta vitória que o nosso povo depois de catorze anos de luta sangrenta e implacável acaba de alcançar, mas tendo em conta que essa vitória é alcançada com sangue, com lágrimas e com o suor dos filhos mais queridos de Angola. E este momento que celebramos esta vitória é nosso dever dirigir o nosso pensamento para aqueles que se sacrificaram para que este dia tão glorioso nos anais da história do nosso povo se torne uma realidade. 11 de Novembro de 1975 Angola será independente para toda a eternidade. Regozijai-vos, cantai e dançai porque a liberdade pela qual tanto sofremos, se torne uma realidade. Daqui a pouco assumireis novas responsabilidades e não sereis homens sem pátria, meios cidadãos. Pois sereis, doravante, verdadeiros cidadãos.(...)." Jonas Sabimvi não falou. Passados que são 30 anos se analisarmos bem estes discursos veremos que são eivados de pura hipocrisia. Nenhum dos partidos conhecia a realidade angolana de 1974 porque os seus dirigente estavam no estrangeiro. O MPLA até então, não tinha lutado no terreno nem praticamente a UNITA. Estes discursos foram uma autêntica humilhação aos portugueses permitida pelo então presidente da República Costa Gomes que presidiu à conferência. De Vasco Gonçalves e de Rosa Coutinho podia esperar-se tudo porque já tinham planos para a entrega incondicional de Angola aos comunistas do MPLA. Ninguém ali teve a coragem de dizer ao assassino Holden Roberto que ele foi o principal responsável pelos horrendos crimes no Norte de Angola em 1961 como anteriormente aqui foram descritos e ilustrados com fotografias nunca antes vistas na Net. Costa Gomes, Almeida Santos e Mário Soares foram os principais responsáveis pela tragédia consequente da descolonização com milhares de mortos numa guerra fraticida e destruição quase total de um país, porque conheciam perfeitamente a situação. Angola, como já referimos antes, tinha todas as condições para ser uma nação independente para todos sem excepção mas a oportunidade certa não foi aproveitada por Marcello Caetano. Agora já era tarde demais com os comunistas no poder. Mal sabiam a FNLA e a UNITA o que os esperaria mais tarde. A guerra civil em Angola foi protagonizada pelo MPLA com o beneplácito dos Judas portugueses Vasco Gonçalves e Rosa Coutinho e auxiliares, com o apoio incondicional do PCP.



Acordo de Alvor (foto Net)

ACORDOS DO ALVOR: UM FRACASSO ANUNCIADO

"A 15 de Janeiro de 1975, no Hotel da Penina, sob a chuva miudinha que caía no Algarve, representantes dos três movimentos de libertação assinavam no Alvor os acordos para a independência de Angola. Mas, do que foi assinado no Alvor, aos três só interessava a independência, o que significava, para cada um, e sozinho, o exercício do Poder. O que ainda hoje se revela impossível. Na Guiné e em Moçambique, Portugal tinha sabido exactamente com quem iria negociar os acertos para a independência: do outro lado da mesa iriam estar só o PAIGC e a FRELIMO. Mas a existência de três movimentos de libertação no caso de Angola tornava impossível qualquer tentativa de uma rápida solução negociada. Foram necessários meses de cuidadosas negociações. Primeiro, a Organização de Unidade Africana reconheceu a UNITA como parte tão legítima como o MPLA ou a FNLA. Depois, em Mombaça, no Quénia, os líderes dos três movimentos prepararam o terreno para as negociações com os representantes de Portugal. Finalmente, no Alvor, os três concertaram com o Governo português um acordo sobre a fórmula pela qual Angola se tornaria independente. No Alvor, os três movimentos foram reconhecidos como únicos e legítimos representantes do povo angolano, e Angola como país indivisível, incluindo o enclave de Cabinda. Seria estabelecido um governo de transição, baseado numa fórmula de coligação. Um alto-comissário seria nomeado por Portugal, sob ordens directas do presidente da República, Costa Gomes, e o Governo de transição seria constituído por 12 ministros, três portugueses e os restantes nove distribuídos igualmente pelos movimentos de libertação. Um conselho presidencial, constituído por um representante de cada movimento, presidiria ao Governo, rotativamente, até à data marcada para a independência, 11 de Novembro. O Governo devia tomar posse até ao fim de Janeiro, marcar eleições no prazo de nove meses, e deveria ser constituído um exército unificado. Na altura da independência, essas forças militares unificadas deveriam ter 48 mil homens - 24 mil efectivos portugueses e oito mil de cada um dos movimentos. Os militares portugueses em excesso seriam evacuados até 30 de Abril, e todas as tropas portuguesas deveriam deixar Angola até Fevereiro de 76. Os interesses dos portugueses residentes eram assegurados, e os movimentos comprometiam-se a considerar angolanos todos os que tivessem nascido em Angola, ou os que ali vivessem e se declarassem angolanos por opção. Contudo, a concessão de cidadania aos não nascidos em Angola era remetida para o que fosse estabelecido na futura Constituição.

Assinaram por baixo, por Portugal, o ministro sem pasta major Melo Antunes, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares, o ministro da Coordenação Interterritorial, Almeida Santos, e, por Angola, os líderes do MPLA, da FNLA e da UNITA".


http://jn2.sapo.pt/secdiv/especial/angola4.htm

Traição ao Acordo do Alvor

"A ida de tropas cubanas para Angola antes de 11 de Novembro, portanto antes da independência, pode ser considerada uma traição ao Acordo. Até Melo Antunes aceitou essa traição ao concordar com a ida das tropas cubanas para Angola. A tal ilusão, a tal cegueira em relação ao «imperialismo sul-africano». Mas, de qualquer modo, considero que o Acordo de Alvor foi um erro completo em face do que as superpotências haviam acordado. Por isso Agostinho Neto me disse: «O Alvor é o maior disparate histórico que se vai fazer sobre Angola». Estas palavras mostram que ele já sabia tudo o que se iria passar. Sabia o que estava assente nas altas esferas mundiais. Sabia que Angola seria para o MPLA. Aliás, todas as personalidades angolanas - e não angolanas - que posteriormente estiveram em Portugal, condenaram o Acordo de Alvor. Todos afirmavam aquilo que os americanos já tinham percebido, isto é, que não é possível governar um país africano a não ser com o sistema de partido único. E diziam-me: «Vocês, portugueses, que conhecem a África como ninguém, que têm em relação a África uma visão e uma vivência ímpares, estão a cometer um erro político gravíssimo, que é querer inventar partidos políticos em África. Se vocês, portugueses, têm em Angola e Moçambique fortes movimentos nacionalistas, e um fortíssimo na Guiné, como não procuram impedir que eles caiam no bolso dos comunistas?». Na realidade, devíamos ter tentado aproximar-nos desses movimentos. Mas a ambição soviética foi mais forte e com certeza mais hábil. E do nosso lado não houve um estadista com dimensão e capacidade para resolver o problema. Anteriormente, os assassínios de Amílcar Cabral e Eduardo Mondlane, decretados pela estratégia soviética, dificultaram-nos essa possibilidade porque, com esses homens, teria sido possível haver entendimento. E com Agostinho Neto também, se tivéssemos sabido dominar o assalto comunista. Agora temos de esperar que as experiências marxistas ali em curso falhem e cedam o lugar a sociedades livres, com economias que admitam a iniciativa privada, única forma de os portugueses poderem regressar como irmãos e ajudar a construir os novos estados africanos.

O VI Governo e a descolonização

Quando assumi o cargo de Primeiro-Ministro, formando o VI Governo em Setembro de 1975, a descolonização era assunto arrumado. Por isso mesmo o general Vasco Gonçalves perdeu o apoio do PC por a este já não interessar manter essa figura que -cumprida a «missão»- se tornava antipática e perigosa aos olhos da população. Mas a descolonização ainda influiu nos acontecimentos, em especial pela existência e acção do MDLP (Mo­vimento Democrático de Libertação de Portugal). Afastado do País depois do malogro do 11 de Março, bem como os seus mais próximos colaboradores, o general Spínola não desistiu de lutar. E organizou esse «Movimento Democrático para a Libertação de Portugal», procurando obter o apoio da CIA. Mas a CIA, conforme a decisão assente superiormente, só teve interesse em desmobilizar o MDLP. Aos americanos, a hipótese de confrontação violenta do movimento de Spínola com os comunistas não interessava de forma alguma: não tinha objectivos estratégicos. A CIA poderá ter ajudado os spinolistas a tentar um golpe, mas se o fez foi com a certeza de que a KGB providenciaria o contra-golpe - que sairia vitorioso pois o importante era que o V Governo efectuasse a descolonização. E isso, sim, tinha objectivos estratégicos. O mais provável, porém, é que a CIA não tenha sequer encorajado o MDLP a tentar qualquer golpe. Mas esteve com certeza a entreter os spinolistas durante meses, a ganhar tempo. Pediu-lhes um pro­grama de intervenção armada em Portugal, que o MDLP orçamentou em vários milhões de contos. E a CIA levou imenso tempo a dar uma resposta, se é que a chegou a dar. Entretanto, o MDLP interferia como podia na evolução política, por intermédio dos elementos militares que simpatizavam com os objectivos de Spínola. Na Assembleia de Tancos, por exemplo, a 5 de Setembro de 1975, o MDLP actuou na sombra, como eminência parda. Actuação directa não teve. Mas noutras oportunidades teve: a 9 de Novembro de 1975, por exemplo, promoveu uma manifestação contra a independência de Angola, com o fim de agitar a opinião pública e criar ambiente para a execução de um plano audacioso que consistia em prender os Conselheiros da Revolução que queriam precipitar o reconhecimento do Governo do MPLA em Angola. Esse plano abortou porque os Conselheiros, avisados a tempo (há sempre agentes-duplos nestas acções... ) dispersaram : uns foram para o Funchal, outros para o Norte .

Os USA recusam auxílio

De qualquer modo o reconhecimento do MPLA como governo legítimo de Angola não se fez sem problemas. Pelo menos não foi imediato, como seria natural, porque a isso me opus, como Primeiro-Ministro - o que alguns estranharam porque no 25 de Abril manifestei simpatia pelo MPLA. A explicação é simples: entendi que o Acordo de Alvor era para ser cumprido e que faltava a necessária legitimidade democrática ao MPLA para governar Angola, obrigando milhares de portugueses a fugir da terra onde tinham nascido.

Para impedir a entrega de Angola ao MPLA, pedi auxílio aos Estados Unidos por intermédio das ligações que tinha com elementos do Pentágono. Mas a resposta que obtive dos meus antigos companheiros dos cursos militares que fiz na América e na Inglaterra, foi inteiramente desencorajadora. Reconheciam que eu tinha razão mas nada havia a fazer : estava decidido que Angola seria entregue ao MPLA e Moçambique à Frelimo. A política americana não se faz com a clareza e a lógica que muitos supõem, até primeiros-ministros de outros países.. Se a resposta do Pentágono tivesse sido outra, a minha intenção era fazer cumprir integralmente o Acordo de Alvor e organizar rapidamente um quarto movimento com os brancos e os africanos dos quadros de Angola. Esses angolanos das duas etnias eram milhares, eram os mais fortes." 25 de Novembro sem Máscaras, Pinheiro de Azevedo, Editorial Intervenção. DN, 22 de Agosto de 2005. 1975 Verão Quente.


Agostinho Neto, Rosa Coutinho e Jonas Savimbi (foto DN 25/8/2005.

PORTUGAL SUSPENDEU ALVOR PARA JUNTAR MPLA E UNITA

E

m pleno Verão Quente de 1975, Portugal suspendeu a aplicação dos Acordos de Alvor em Angola, assumindo, assim, a sua impotência para travar a escalada do conflito que opunha MPLA, FNLA e UNITA. E que levara já o movimento de Agostinho Neto a expulsar de Luanda as restantes formações. Estava-se a 22 de Agosto. Em Lisboa, Vasco Gonçalves vivia os últimos dias como primeiro-ministro e Carlos Fabião (que chefiava o Estado-Maior do Exército) tentava, com o apoio de Costa Gomes, formar um executivo que lhe sucedesse, evitando o braço-de-ferro que já se anunciava entre a Esquerda Militar e o Grupo dos Nove, tendo Otelo Saraiva de Carvalho pelo meio. Excessivamente absorvido pelas suas próprias contradições, Portugal ainda tentou, in extremis, impulsionar um acordo que juntasse MPLA e UNITA, alargando a base de apoio de Agostinho Neto e enfraquecendo a aliança que já se desenhava entre a FNLA, Zaire e África do Sul e que contava com o beneplácito dos EUA. Inicialmente, tal acordo ainda chegou a parecer possível, como Melo Antunes [em O Sonhador Pragmático] e Pezarat Correia (em A Descolonização de Angola) admitiram, retomando o projecto que Rosa Coutinho tanto acalentara. Uma ilusão que duraria apenas alguns dias. O tempo suficiente para que os EUA percebessem o que estava a ser a negociado, pondo termo às veleidades de Jonas Savimbi, como John Stockwell, o operacional que Washington destacara para Angola, revelou em Search of Enemies-A CIA Story. "Savimbi causou um pequeno embaraço aos EUA, quando (...) enviou elementos para sondarem o MPLA para uma solução negociada. A CIA soube disso (...), e Savimbi foi, de imediato, interrogado por um elemento da "estação" de Kinshasa. Não queríamos aliados que fossem "moles" na nossa guerra contra o MPLA." Na tese de doutoramento que dedica aos anos do processo revolucionário (A,RevoluçãoPortuguesa e a sua influência na transição espanhola), o historiador catalão Josep Sánchez Cervelló avança com outra explicação. Segundo Cervelló, MPLA e UNITA chegaram a firmar um acordo entre si, que seria depois posto em causa pelos apoiantes de Neto, que consideraram excessivas algumas das concessões feitas a Savimbi. Seja como for, o facto é que, nessa altura, Savimbi já era um reincidente na matéria, tendo beneficia­do da ajuda que as estruturas do MFA em Angola lhe tinham dado durante o "consulado" de Rosa Coutinho. Sempre com a ideia de o catapultar para uma dimensão que a UNITA não tinha no quadro da luta de libertação, esperando que eles viessem a alinhar pelo diapasão de Neto, que então deparava com a forte oposição da Revolta Activa e, em especial, da Revolta de Leste, que reunia grande parte da força militar do MPLA. Recursos que Daniel Chipenda ameaçava colocar à disposição de Holden Roberto e da FNLA, deixando Neto to­talmente dependente dos guerri­lheiros da região dos Dembos, que Nito Alves já mandara avançar para os musseques de Luanda. Savimbi já tinha, contudo, ensaiado outras aproximações. Uma delas, ocorrida ainda em 1974, só não teve maiores repercussões porque o líder da UNTTA recuou no último momento, deixando de apoiar ó projecto que o general António de Spínola e o líder zairense Mobutu tinham negociado na Iha do Sal, visando barrar os caminhos do poder a Neto, contrapondo-lhe uma plataforma alternativa liderada por Holden Roberto e pela FNLA. RECUSAS. Quando Portugal suspendeu os Acordos de Alvor já o general Silva Cardoso - que sucedera a RosaCoutínho em Janeiro de 1975 - tinha deixado Luanda, criando um certo vazio de poder que se prolongaria por várias semanas. Este impasse só viria a ser des­bloqueado no final de Agosto, quando o Presidente da República conseguiu, finalmente, convencer o almirante Leonel Cardoso - que integrava a equipa de Silva Cardoso e trabalhara já com Rosa Coutinho - a aceitar uma incumbência que seis pessoas já tinham recusado: levar o território até à independência (11 de Novembro), custasse o que custasse. Na origem da suspensão dos Acordos de Alvor, que fixavam os termos e o calendário pelo qual tanto Portugal, como o MPLA, a FNLA e a UNITA deviam reger-se durante o período de transição, estava o conflito armado entre os três movimentos, que se espalhara a todo o território, tornando evidente toda a desagregação do dispositivo militar português em Angola. Numa altura em que Portugal assistia igualmente às sucessivas contradições no seio do MFA, onde gonçalvistas (Esquerda Militar), moderados (Grupo dos Nove) e revolucionários (Otelo) se combatiam entre si. Com o apoio e a cumplicidade mais ou menos activa dos diferentes partidos políticos e o crescente envolvimento de países como os EUA e a URSS, que em plena Guerra Fria não tinham deixado de acompanhar com particular interesse tudo o que dizia respeito ao processo de descolonizacão que Lisboa estava a efectuar. Designadamente o de Angola, que tinha dado origem a uma das primeiras fracturas do MFA, levando o general Spínola a renunciar ao cargo de Presidente da República no final de Setembro de 1974, ao não conseguir impor a sua tese federalista a quem tinha derrubado uma ditadura em nome da descolonizacão. VIOLAÇÕES. Sinais contraditórios que Portugal reflectia, quando as tropas sul-africanas já tinham entrado em Angola, e as forcas regulares do Zaire, apoiadas pelos comandos do coronel Santos e Castro, assumiam o grosso das colunas da FNLA.


Independência de Angola a 11/11/75. O MPLA, que vencera a batalha de Luanda no início de Agosto, expulsando os seus adversários, contava, por sua vez, com a ajuda que lhe fora proporcionada pelos instrutores cubanos que tinham chegados a Angola com a conivência de certos sectores do MFA. O que lhes permitiu garantir o controlo da capital até à data da independência. Beneficiando sempre da "neutralidade activa" de Portugal, um eufemismo para quem já não dispunha ali das forças necessárias para fazer valer os seus pontos de vista e, muito menos, para impor os compromissos alcançados na Cimeira do Algarve. DESENLACE. Com uma parte substancial do jogo aberto em cima da mesa, as forcas militares portuguesas que ainda se encontravam em Angola aguardavam apenas pelo seu regresso, enquanto garantiam a segurança da ponte aérea que transportaria os retornados. Algumas dessas forças, como os páraquedistas que estavam sob o comando de Heitor Almendra, e que escapavam às influências do processo revolucionário, acabariam por ser decisivas para o desfecho do 25 de Novembro. Mas, nessa altura, já Angola se tornara num Estado independente e já Vasco Gonçalves tinha saído de cena com a queda do V Governo Provisório. Um Executivo que só viria a durar escassas cinco semanas, levando Josep Sánchez Cervelló a contemplar a hipótese de esse Governo só ter sido empossado - quando a sua fragilidade já era por demais evidente - para garantir que Angola seria "entregue" ao MPLA e a Agostinho Neto, e não à FNLA e a Holden Roberto, nem à UNITA e a JonasSavimbi.


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A descolonização portuguesa



A descolonização portuguesa

Pedro Pezarat Correia *

separador

A impropriamente chamada "descolonização das colónias portuguesas posterior ao 25 de Abril" mais não é do que o epílogo da experiência imperial portuguesa que teve o seu início nos finais do século XV. Esta experiência histórica compreende três períodos bem distintos, a que podemos chamar os "três ciclos do império" e é identificável uma lógica coerente, nos planos interno e externo, nas formas que cada ciclo assumiu, quer no quadro da expansão quer no da retracção do império.

Destes ciclos excluo as feitorias do Norte de África, por onde aliás se iniciou a expansão, mas onde nunca se chegou a estabelecer um império e não se procedeu a uma colonização. Por isso não houve também aí descolonização, vindo a retirada portuguesa a verificar-se em resultado de confrontos militares, de doação, negociação ou mero abandono.

O Ciclo do Oriente

O objectivo inicial da expansão portuguesa era o Oriente longínquo, o que exigia a ocupação de feitorias e praças militares na costa africana, de apoio à navegação. O ciclo do Oriente, iniciado nos alvores do século XVI, não corresponde a um império no sentido rigoroso da expressão, porque lhe faltava continuidade e extensão territorial, ocupação humana de colonos deslocados da metrópole, e porque ainda nem sequer se adivinhava a Revolução Industrial que geraria o modelo de exploração colonial europeu. Tratou-se de um império de feitorias dispersas, para apoio a uma política de comércio e transporte e de praças fortes para protecção das feitorias e da liberdade de navegação no oceano Índico.

O encerramento deste ciclo ocorreu em meados do século XVII, quando a metrópole atravessava uma crise prolongada, sob o domínio da coroa espanhola. Portugal perdia, para as novas potências marítimas emergentes, Holanda e Inglaterra, a quase totalidade das suas possessões do Oriente, apenas salvando os territórios residuais de Goa, Damão, Diu, Macau e Timor.

O Ciclo brasileiro

Encerrado o ciclo do Oriente, Portugal investe no continente americano. No Brasil tem lugar a colonização de um verdadeiro império, de grande extensão e continuidade territorial, com a fixação de elevado número de colonos que se lançaram na penetração do interior e instalaram estruturas de uma economia colonial com base na exploração do trabalho escravo.

O ciclo brasileiro do império encerrar-se-ia, também, no quadro de uma conjuntura, interna e externa, bem caracterizadora do início do século XIX. Portugal enfrentava uma profunda crise, que se iniciara com as invasões napoleónicas e a consequente retirada da Casa Real para o Brasil, substituída pelo humilhante consulado britânico de Beresford, a que se seguiu a convulsão da Revolução Liberal de 1820. No continente americano, a exemplo da independência dos Estados Unidos ocorrida em 1776, as primeiras décadas do século XIX eram marcadas pelo fim dos impérios coloniais espanhol e português.

O encerramento do ciclo brasileiro do império correspondeu ao modelo da descolonização norte-americana, que marcou aquela época. Desencadeado pelos colonos europeus fixados ou seus descendentes já ali nascidos, e contando com o apoio dos estratos crioulos, que constituíam uma classe intermédia, não introduziu alterações nas relações sociais dominantes, mantendo à margem as populações indígena e escrava, esta produto de um processo violento de emigração forçada a partir de África. Constituiu como que uma antecipação, adaptada às condições de então, do sistema de apartheid imposto à África Austral no século XX, mas correspondeu à realidade histórica daquela época, em que a dinâmica revolucionária, inspirada nos ideais da Revolução Francesa, foi assumida pela minoria burguesa contra os privilégios de uma outra minoria, a aristocracia.

O Ciclo africano

Uma vez fechado o ciclo americano, as potências coloniais europeias descobriram no continente africano o novo palco da luta pelas suas ambições hegemónicas e pela busca das matérias-primas que a Revolução Industrial requeria. Portugal, reclamando interesses que queria preservar, abre assim o ciclo africano do império, ainda que, durante o ciclo do Oriente, tivesse procedido, por antecipação, à colonização dos arquipélagos de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Com as campanhas de penetração e ocupação do interior do continente, em resposta às exigências da Conferência de Berlim, de 1885, que procedeu à partilha de África pelas potências europeias, começa a colonização africana, a qual, apesar das nuances dos vários modelos coloniais, do de "sujeição" ao de "autonomia", passando pelo de "assimilação", se vai caracterizar por grandes linhas comuns.

Depois da Guerra Mundial de 1914-1918, com a abertura de uma nova era em que os valores da autodeterminação e dos direitos humanos ganham espaço de afirmação, os Movimentos Pan-Africano e Pan-Negro iniciam a campanha pela descolonização da África, que vai receber uma nova dinâmica depois da segunda Guerra Mundial de 1939-1945, quando aqueles valores se alargam a todo o espaço planetário. Este movimento atinge as colónias portuguesas e é então que, verdadeiramente, se inicia a descolonização do ciclo africano do império português. Mais uma vez se desenvolve em sintonia com o fenómeno que alastrava pelos restantes impérios e que viria a terminar com o reconhecimento das independências proclamadas pelos povos colonizados.

A natureza ditatorial repressiva do Estado Português procurou ignorar a marcha da história, obrigando a luta de libertação das colónias a ascender ao patamar da luta armada, que se traduziu numa guerra colonial de 13 anos e em três teatros de operações distintos e distantes. Guerra colonial que introduziria condicionamentos acrescidos, que reduziram a capacidade negocial portuguesa quando, com o 25 de Abril de 1974, Portugal entrou, finalmente, no processo de descolonização, para negociar a transferência do poder. O maior condicionamento resultou da necessidade de, antes de tudo, negociar a paz, o que obrigou a antecipar algumas cedências, sem as quais os movimentos de libertação não cessariam a guerra. Mais uma vez, à semelhança do que se passara com os ciclos do Oriente e americano, o ciclo africano do império encerrava-se quando Portugal enfrentava uma grave crise institucional interna, resultante do derrube da ditadura e da emergência de um regime de liberdade, fragilizado pela sua natureza transitória e pela aguda luta pelo poder que se ia instalando.

Contexto internacional

As independências das colónias portuguesas de África, nomeadamente de Angola e Moçambique, foram profundamente afectadas pela situação internacional então dominante. A nível global, estava-se no auge da Guerra Fria e as duas superpotências, EUA e URSS, entraram numa disputa aberta pelo alargamento das suas zonas de influência àquela região, prejudicando os esforços de Portugal para uma transição pacífica e alimentando mesmo as guerras civis e as intervenções armadas externas. No quadro regional, a África do Sul, na desesperada tentativa de sobrevivência do apartheid, lançou-se no que chamou a "Estratégia Nacional Total", que passou pela desestabilização militar nos países vizinhos mais hostis. Mas a marcha da história não parou e foi o apartheid que acabou por sucumbir.

A marca mais assinalável do fim do ciclo africano do império português, para além das independências das próprias colónias, terá sido o contributo para a abreviação das independências do Zimbabwe e da Namíbia e do termo do apartheid na África do Sul, fenómenos que alteraram, radicalmente, todo o panorama geopolítico da África Austral. O que se vulgarizou chamar descolonização depois de 1974 é, então, apenas a fase da transferência do poder no fim do ciclo africano do império, mas que em Portugal se tende a confundir com a descolonização, por ser a única fase em que a potência colonial nela participou pela positiva.

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Marcos decisivos

Três momentos decisivos assinalam a entrada de Portugal na fase da transferência do poder. O primeiro é o 25 de Abril de 1974 e a divulgação do Programa do MFA. Ainda que diminuído no seu alcance quanto à questão colonial, por alterações de última hora impostas por Spínola, o seu projecto libertador e de pôr fim à guerra, abria a porta da descolonização a Portugal. Mas o novo poder, condicionado pelo papel do presidente Spínola, agarrado às teses federalistas do seu livro "Portugal e o futuro" chocava-se com as posições dos movimentos de libertação, que ameaçavam agudizar a guerra se não vissem reconhecido o direito à independência. Estava-se num círculo vicioso. Portugal exigia o cessar-fogo, como condição prévia para negociar o futuro estatuto de cada colónia, os movimentos exigiam o reconhecimento do direito à independência, como condição para negociarem o cessar-fogo.

O segundo momento foi a promulgação da Lei 7/74 de 27 de Julho: Portugal reconhecia o direito das colónias à independência, rompendo aquele círculo vicioso. O terceiro momento foi o do Comunicado Conjunto ONU/Governo Português, de 4 de Agosto de 74, na sequência da visita do secretário-geral Kurt Waldheim a Lisboa. Reafirmava o direito à independência e reconhecia a legitimidade dos movimentos de libertação para negociarem com Portugal.

Iniciar-se-ia, então, o período frenético das negociações para a transferência do poder, em que a estratégia portuguesa enfrentou poderosos condicionamentos, como a prévia necessidade de obter paz, as resoluções da ONU e a conjuntura interna resultante da ruptura revolucionária do 25 de Abril. Portugal definiu como objectivos fundamentais o respeito pelo direito à independência, a recusa de abandono ou de soluções neo-coloniais e a defesa dos interesses nacionais. E estabeleceu tarefas globais, definição do quadro legal e constitucional, negociações de cessar-fogo, legitimação dos interlocutores para negociar as transferências do poder e preparação de relações frutuosas de cooperação futura. Além destas tarefas globais houve que definir tarefas particulares para cada colónia, de acordo com as suas especificidades, nomeadamente para Angola, em que foi necessário aproximar três movimentos que se combatiam e assegurar a integridade territorial.

A apreciação a posteriori da forma como cumpriu o que lhe coube na transferência do poder, permite concluir que Portugal respeitou os princípios fundamentais e que os objectivos foram globalmente atingidos. No que respeita à defesa dos interesses nacionais o mais conseguido foi a salvaguarda das condições para uma eficaz cooperação futura e o menos conseguido foi a permanência, após a independência, de muitos portugueses que o desejavam e para tal, à partida, parecia reunirem condições. Este último relaciona-se com outra conclusão: a transferência do poder, ou a fase pós-independência, só assumiram dimensões trágicas onde se verificaram intervenções externas armadas e guerras civis por elas apoiadas, às quais Portugal, enquanto presente, não teve capacidade para se opor eficazmente.

Informação Complementar

A viragem geopolítica na África Subsariana

O norte-americano Saul Cohen deu conta do alcance que a independência das colónias portuguesas teve no quadro geopolítíco africano. Em meados da década de 60, no seu livro “Geografia e Política Num Mundo Dividido", avançava a tese do mundo dividido em Regiões Geo-estratégicas, Regiões Geopolíticas e numa terceira categoria espacial a que chamou Cinturas Fragmentadas. A África Subsariana era a única zona do globo que Cohen, intencionalmente, excluía de qualquer destas grandes divisões e mesmo do direito a uma classificação específica. Mas, na reedição do livro, em 1980, quando a única alteração significativa, residia nos novos países que tinham sido colónias portuguesas, revê o seu mapa, reconhecendo que

“ (...) a África ao sul do Sara se tenha convertido numa Cintura Fragmentada (...) ”, ao nível das outras duas, que eram o Médio Oriente e o Sudeste Asiático.

A África Negra, da década de 60 para o início da de 80, tinha entrado no mapa. Ganhara importância geopolítica.

As colónias do extremo Oriente

Os territórios residuais do ciclo do império do oriente tinham em comum a sua reduzida dimensão, encravados em grandes potências regionais, Índia, China e Indonésia, influentes no bloco dos não-alinhados. Nenhum passou por um processo típico de descolonização.

O problema de Goa, Damão e Diu estava resolvido, de facto, desde 1961, com a anexação violenta pela Índia. Depois do 25 de Abril apenas se formalizou o facto consumado.

Macau, na sequência das negociações Portugal-China regressará a 20 de Dezembro de 1999 à soberania chinesa, com o estatuto de Região Administrativa Especial, assente no princípioo "um país, dois sistemas".

Timor, sujeito a brutal invasão armada em 7 de Dezembro de 1975, quando Portugal negociava a independência com os partidos timorenses, foi posteriormente anexado pela Indonésia, apesar da repetida condenação na ONU. Regrediu à fase da luta armada de libertação, já não contra a antiga potência colonial, mas contra a nova potência ocupante.

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* Pedro Pezarat Correia

Oficial general reformado. Professor convidado do Curso de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.