sábado, 24 de julho de 2010

NA PONTA DO PINDA (ANGOLA) EM 76 atiraram homens ao mar... (poema de Namibiano Ferreira)







Em setenta e seis
da Ponta do Pinda
atiraram homens ao mar.
Ninguem viu...
e os deuses, viram?


Em setenta e seis
atiraram da falésia abaixo
os homens para o mar.
Eram seis horas da tarde
se a hora for importante...


Em setenta e seis
os karkamanos
atiraram homens atados
de mãos e pés
da Ponta do Pinda abaixo
para o mar.


Perguntem as ondas da falésia
onde o mar bate no gres
 é lá que existem cazumbis
procurando ainda em vão
se libertarem das amarras
no fundo da falésia
da Ponta do Pinda.


NAMIBIANO FERREIRA

Kung Sun, o povo primitivo da África Austral






Os !Kung San habitam a África Austral há mais de 20 000 anos.

A sua ancestralidade pode ser atestada pelas inúmeras pinturas rupestres que foram deixando pelos caminhos do tempo. São caçadores-recolectores, autênticas relíquias vivas do nosso passado humano. Usam uma linguagem de estalidos (representada graficamente por !) e o nome que se dão a si próprios pode ser traduzido por “Pessoas”. São geralmente conhecidos pela designação inglesa, “Bushmen” que adaptamos para “Bosquímanos”.


Os !Kung vivem no deserto do Kalahari que não é um deserto de dunas, antes, uma espécie de savana que ocupa uma extensa área partilhada pelos actuais territórios da África do Sul, Namíbia e, sobretudo, Botswana. A Norte, algumas franjas entram por terras angolanas. O Kalahari é atravessado por alguns rios que determinam os caminhos dos !Kung e tem época de chuvas que permite que a vida vegetal e animal sejam abundantes. O modo de vida deste povo do deserto que, inesperadamente, passou a contar com uma garrafa de coca-cola, ficou ternamente registado no filme de Jamie Uys, Os Deuses Devem Estar Loucos.


Há cerca de 25 anos, o Professor Viegas Guerreiro, decano da antropologia em Portugal, apresentou-me aos !Kung, exibindo um filme que ele próprio realizara durante os dois anos em que vivera com este povo. Aprendi, assim, que os San não têm chefes e que as decisões que interessam ao grupo são tomadas em grupo. Esses grupos podem ser extensos – até 100 pessoas – se os alimentos disponíveis forem bastantes, mas normalmente são menores, podendo não ultrapassar os 10 indivíduos.

Os San abrigam-se em cabanas que constroem recorrendo à vegetação alta que fazem assentar sobre uma estrutura de ramos. Os homens dedicam-se à caça e não importa os dias que demore até capturarem uma presa, porque a maior vergonha é regressar ao acampamento sem o suprimento de carne necessário. Caçam usando lanças feitas com as próprias mãos, com pontas de sílex (?) habilmente trabalhadas e que embebem em veneno eficaz. Sobre as mulheres recai a obrigação de serem elas a garantir o sustento diário, recolhendo frutos e raízes. Com que mestria o fazem! Onde nós não vislumbramos nada a não ser areia, elas abrem um buraco fundo com as mãos e encontram raízes enormes que o saber ancestral lhes ensinou a descascar bem com as suas lâminas de pedra e a pisar cuidadosamente para lhes extrair o suco venenoso. Depois resta uma farinha que assam sobre as brasas da fogueira pequena. Quando escasseiam as bagas e os frutos vão-se embora, seguindo os trilhos do rio. Pelo caminho vão deixando registos nas pedras com as suas magníficas pinturas rupestres ao ar livre.

Quando morre alguém metem-no na sua cabana. Os vivos, mesmo que haja alimentos, levantam o acampamento e partem, levando consigo o nada que possuem e quase nada deixando que permita o estudo do seu modo de vida a quem se queira guiar pelos restos materiais. O abandono dos mortos, segundo o professor Viegas Guerreiro, é das poucas manifestações religiosas dos San. A outra é a dança ritual dos curandeiros, para curar os doentes ou para pedir ao tempo que mande a chuva da sobrevivência.

Nem historiadores nem antropólogos são capazes de explicar por que razão alguns povos evoluíram no seu modo de vida enquanto outros se deixaram permanecer imutáveis. Quando, há cerca de 8000 anos o Neolítico chegou a África, os povos que se sedentarizaram e começaram a praticar a agricultura viram a sua população crescer e passaram a exercer grande pressão sobre os territórios percorridos pelos povos nómadas. Assim aconteceu com os Bantos e os !Kung San. Estes foram empurrados para o deserto que nunca foi terra que apetecesse a ninguém. Mas o golpe maior chegaria com os Boers, os puritanos holandeses que, em guerras sucessivas, iriam reduzir este povo a números insignificantes.

Em data que não sei precisar, o governo do Botswana delimitou uma área, a que chamou reserva, e encafuou lá os bosquímanos. Área sem acesso a água e pouco extensa para permitir o modo de vida tradicional, condenando-os à morte lenta. Em 1997, o supremo tribunal desse país, alegando prejuízos para o meio ambiente, decidiu expulsá-los da reserva. O mesmo organismo, há poucos dias, permitiu o seu regresso, mas desobrigando o governo do abastecimento de água e de alimentos.




Falta dizer que, na reserva, tinham sido encontradas importantes jazidas de diamantes. Pobres !Kung San!

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Os Anos da guerra, 1961-1975: os portugueses em Africa : crónica, ficção e ... Por João de Melo




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A utilização abusiva dos termos "colonial" e "guerra colonial"

Os termos e os conceitos têm normalmente um significado preciso. E sendo a língua portuguesa assaz rica, não há razão alguma para que no discurso oficial, nas academias de cultura, nos órgãos de Estado, na comunicação social e nos portugueses em geral, se usar e abusar de termos fora do seu significado e/ou do âmbito em que devem ser aplicados.
    Vem isto a propósito do abuso e despropósito com que se passaram a usar os termos que servem de título ao escrito.     De facto estes termos passaram a ser utilizados a esmo, no pós 25 de Abril de 1974 e foram-no sobretudo por razões ideológicas. Isto é, quem entende que as campanhas de contra-subversão que fomos forçados a conduzir entre 1961 e 1974, em Angola, Guiné e Moçambique eram injustas, utiliza os termos “colonial” e “guerra colonial”. Quem, ao contrário, entende que eram justas as acções desencadeadas pelo governo português de então, utiliza os termos “guerra do ultramar”. E quem não se quer conotar com nenhuma das ”facções” ou entrar em polémicas,  chama-lhe “guerra de África”, assim à moda de “ponte sobre o Tejo”…
    Convém, de uma vez por todas, fazer “doutrina” sobre o assunto e desmistificar ideias feitas (algumas a martelo e… foice).
    O termo “colonial” tem a ver com colonialismo, entendido como a exploração de um povo por outro povo – um conceito negativo, portanto. E por “guerra colonial” terá que se entender o esforço, em termos militares, em impor tal exploração, ou seja, o colonialismo.
    Em contraponto ao colonialismo existe um outro conceito, que é o de “colonização”, isto é, a transferência de cultura, o desenvolvimento económico e a sucessiva integração de populações tidas por “indígenas” por outros povos mais “avançados” com quem contactaram ou que se estabeleceram no seu território.
    Foi isto que se passou, por exemplo, em Portugal continental durante a reconquista cristã, havendo até no século XX, um organismo (extinto em 1966), que dava pelo curioso nome de Junta de Colonização Interna - com a ressalva de que as populações mouras tinham um grau civilizacional idêntico



     Ora o conceito colonizador tem uma carga positiva, em qualquer parte do mundo, e foi isso que os portugueses fizeram durante a sua extraordinária expansão pelas quatro partes do mundo. E fizeram-no de um modo constante, com fins espirituais e não apenas materiais, integrando e não discriminando e oferecendo a sua protecção e até a sua nacionalidade a todos os que se abrigassem debaixo da bandeira das quinas. Ou seja foi um esforço colectivo, orientado de cima e que assumiu, desde o início, o natural prolongamento da mãe-pátria relativamente a territórios e populações.
    Quer isso dizer que não houve latrocínios, erros ou depredações? Houve, mas têm que se ver as coisas à luz da época e da evolução dos conceitos morais dos tempos. E têm que se ver as coisas em termos relativos. Nesse âmbito ninguém se portou melhor do que nós. E as malfeitorias ocorridas, nunca tiveram o beneplácito ou o incitamento das autoridades. Foram combatidos, o pecado não deixou de ter esse nome e o vício nunca foi considerado um bem.
    Houve situações de colonialismo? Houve, nomeadamente por parte de algumas grandes empresas. Sobretudo quando algumas pessoas influentes na sociedade portuguesa se deixaram cativar, no fim do século XIX e princípios do século XX, pelo exemplo do colonialismo inglês e pelos lucros que daí poderiam advir… Esqueceram-se assim dos grandes princípios seculares da colonização portuguesa, causando os danos associados e que eram inevitáveis. Mas tais acções não põem em causa os princípios do Estado Português desde que Afonso de Albuquerque instituiu o “mestiço” e o todo da obra da lusa gente, ao passo que os abusos que ainda havia estavam a ser firmemente combatidos desde o 3º quartel do século XX.
    Ora o que aconteceu no pós 2ª Guerra Mundial, foi ter-se inventado o conceito de autodeterminação dos povos – como do anterior já se tinham inventado alguns, e posteriormente se tentou impor outros.
    Este conceito – caro à Guerra Fria – não visava, objectivamente, dar a povos que estivessem integrados noutras unidades políticas, a capacidade de poderem dispor de si mesmos do modo que entendessem, mas sim a substituição de soberanias e o domínio económico/financeiro/estratégico.

    Os países visados foram os europeus, que dispunham de territórios fora da Europa e apenas esses. Para tal, entre outras “armas”, confundiu-se o conceito de colonização em colonialismo e apenas nesse, diabolizando-o. Tudo isto se transformou num monumental embuste a ser aplicado de forma cega.
    Ora Portugal que vivia em paz e sossego dentro das fronteiras, há muito estabilizadas e sem fazer má vizinhança a ninguém, viu-se, primeiro atacado em termos político-diplomáticos e depois com extrema violência física.
    A resposta que naturalmente foi dada a isto, contemplou várias vertentes e, quando se tornou necessário, a vertente militar.
    Ora, chamar a isto “guerra colonial” é um despautério sem qualificação que só a defesa de uma ideologia vesga pode justificar.
    O termo “guerra do ultramar” aceita-se no sentido em que as operações se desenvolveram em territórios ultramarinos, conceito antigo e sem qualquer carga pejorativa, ou outra.
    Mas, pensem bem, o que as FAs portuguesas e as policiais e de segurança, bem como todas as autoridades civis empenhadas, andaram a fazer durante 13 anos, não terá sido a “condução de operações militares e policiais de contra guerrilha, em larga escala, em defesa da integridade do território e salvaguarda das populações, em reforço dos meios das autoridades provinciais”?
    E tal esforço não foi feito contra infiltrações vindas do exterior e apoiadas por potências estrangeiras? (recorde-se que em qualquer território português que fosse ilha nunca houve qualquer perturbação).
    Será que 36 anos depois e com os ânimos aparentemente serenados esta evidência ainda não entra pelos olhos adentro?

João José Brandão Ferreira
TCor/Pilav(Ref)
31/05/2010
 
Fotos:
1) Estátua de Cristo-Rei em Sá da Bandeira, Angola (Fonte: "Os nossos Kimbos"). A preocupação de evangelizar sempre esteve presente nos objectivos da nossa expansão ultramarina.
2) Coluna de militares portugueses em viaturas "Unimog", no Norte de Angola. O envio de tropas para as Provínicas Ultramarinas nunca foi uma acção de "guerra colonial", mas simplesmente uma resposta necessária e justa aos ataques terroristas instigados pelo comunismo internacional, liderado pela Rússia Soviética.

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domingo, 18 de julho de 2010

Colonização: Entrevista com Adriano Moreira



Entrevista
Adriano Moreira
Primeira parte da entrevista concedida por Adriano Moreira, distinguido com a edição de 2009 do «Prémio de Cultura Árvore da Vida - Padre Manuel Antunes», a Paulo Rocha e Luís Filipe Santos, da Agência Eccesia.
No seu livro «Espuma do Tempo» afirma: "A arte de esquecer a inutilidade em que se traduz a maior parte das inquietações que consomem o nosso tempo, reduz as recordações a tão pouco que, muitas vezes, se contam num gesto, e sem palavra". Que gesto recordaria o seu contributo para a sociedade portuguesa ao longo destes anos?
Não me considero um exemplo dessa capacidade de resumir tudo num gesto. No entanto, tenho a convicção de que - isso corresponde à verdade - aquilo que sempre sublinhou a minha intervenção foi a convicção do papel da Universidade na vida portuguesa. Para que tal acontecesse tive de praticar alguns gestos e, certamente, não foram todos agradáveis. Tivemos dificuldades grandes no percurso, mas acho que está suficientemente recompensado. 
 
Investiu muito dos seus recursos e esforços nesse projecto.
A Universidade é um compromisso de vida. A Escola Superior Colonial - onde comecei a minha vida - estava organizada como escola de quadros. Depois de ter ganho alguma experiência nesta área e no panorama universitário português pareceu-me que tínhamos chegado a um momento em que já não era uma escola de quadros que poderia corresponder às exigências da conjuntura que tínhamos entrado. Era necessário transformá-la, realmente, numa instituição universitária que obedecesse aos princípios, à ética, aos objectivos e à relação da Universidade com a comunidade. Os factos, infelizmente, confirmaram que a conjuntura se agravaria. Naquele tempo, se averiguarmos a relação do Ensino Superior com problema fundamental que era o Ultramar, verificamos que o ensino era muito limitado: as Faculdades de Direito tinham uma cadeira - em geral era de um semestre - sobre administração colonial; a Agronomia tinha também uma cadeira sobre a agricultura tropical e nas escolas de Economia não era muito vasto o leque de matérias sobre esta área.
Essa paixão pela transformação da escola teve consequências negativas aos olhos daquele tempo?
Não digo que foram negativas, mas foram difíceis. Naturalmente que outras pessoas mantinham outra concepção e estavam envolvidas no passado feito com devoção naquele sentido. Aqui tratava-se - com maior ou menor acerto - entender que a conjuntura era completamente diferente e que a alteração tinha que ser feita. A Escola passou por dificuldades muito grandes - designadamente suspensão de cursos -, mas foram vencidas. Hoje, acho que ela desempenha um papel suficiente dentro da Universidade Técnica.
Para além da educação, a questão colonial foi também uma das suas paixões. A sua tese foi sobre as questões prisionais no Ultramar.
Há uma espécie de queda no mundo, que suponho se traduziu em duas quedas. Em primeiro lugar, a minha formação foi na Faculdade de Direito de Lisboa. Era uma ocupação muito relacionada com o Direito Positivo. A certa altura, o Almirante Sarmento Rodrigues - era Ministro do Ultramar - que tinha como subsecretário o Raul Ventura - uma das inteligências mais brilhantes da sua geração - pediu-me para estudar uma reforma do sistema prisional do Ultramar. Algo que não conhecia, ou melhor só conhecia de livros. Fiz uma visita a todos os territórios de África que mudou completamente a minha atitude. Verifiquei que o plano normativo português, incluindo os grandes princípios constitucionais, não tinham uma aplicação muito rigorosa nesses territórios.
Nessa altura África entrou-lhe no sangue.
Comecei a derivar para o estudo das questões sociais e menos para a capacidade da legislação ser o instrumento orientador. Indispensável sim, mas na vigência da época bastante afastado dos factos. Daí resulta todo o trajecto de reforma da Escola, modificação de currículos e o chamamento de jovens para o professorado - muitos deles enviados para o estrangeiro para obterem os títulos académicos - para combater um pouco o sistema arquipelágico em que se vivia.
Depois tenho outra queda no mundo que foi a ida na delegação de Portugal às Nações Unidas. Aí, acentuou-se a ideia que a mudança da Ordem Internacional não podia deixar de afectar o país severamente. Foi preciso acrescentar, às inquietações anteriores, o estudo dos desafios internacionais que não têm deixado de crescer em relação ao estatuto real do país na Ordem Internacional. Neste momento - como todos sabem - está numa crise enorme. Estas duas quedas implicaram uma mudança na minha vida.
Mudanças radicais até ao convite, em 1960, para Subsecretário de Estado do Ultramar e, posteriormente, para Ministro do Ultramar.
Este chamamento foi um pouco surpreendente. Tinha estado nas Nações Unidas e escrito relatórios [para o Ministério do Ultramar] sobre o que lá se passava porque a Escola - durante bastante tempo - dependia, administrativamente, do Ministério do Ultramar por causa dos orçamentos. Fui chamado porque num dos relatórios tinha escrito que Portugal tinha evitado a condenação das Nações Unidas porque tinha conseguido manter o terço de segurança que impede a condenação, mas que entre 1960/61 a questão passaria para o terreno. Tudo indicava que deixaria de ser um debate puramente parlamentar. E isso aconteceu... Fui chamado para me questionarem como tinha previsto isso. Dei uma explicação simples. Não foi uma grande ciência porque vi o programa de entrada de novos países e, nessa data e com a entrada desses países, perderíamos o terço. Portanto, a condenação viria aí. E com esta, a legitimidade da reacção poderia ser armada de acordo com a experiência que já tínhamos do mundo.


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