The Slave Trade in Congo Basin
Um artigo de 1890, escrito por E. J. Glave, um dos oficiais pioneiros do jornalista explorador, Henry Morton Stanley, que atesta que os negros não foram simplesmente arrancados da África, eles foram resgatados. Este artigo foi publicado originalmente no “The Century Magazine” em abril de 1890.
Texto longo do qual seguem algumas passagens,e finalmente o link que remete para o texto integral.
...A região do coração da África está sendo rapidamente despovoada em
consequência da enorme lista de mortos causada pelo bárbaro comércio de
escravos. Não é apenas a servidão que a escravidão implica que clama o
interesse do mundo civilizado, mas também o derramamento de sangue, a
crueldade e a miséria que isso envolve.
(...)
Não são somente os árabes que praticam reide escravista na África
Central. O limite ocidental desses é o rio Aruwhimi, pouco abaixo das
cataratas de Stanley, mas o escravismo intertribal existe a partir desse
ponto, atravessa todo o Congo em direção ao oeste, alcançando o Oceano
Atlântico. Durante os seis anos que residi na região do Rio Congo eu vi
poucos árabes, e, portanto, neste relatório estou detalhando apenas
minhas experiências relacionadas ao assunto da escravatura entre os
próprios nativos. Eu fui para o Congo em 1883, e viajei sem paradas com destino ao
interior. Ao chegar a Stanley Pool, recebi ordens de meu chefe, Mr.
Henry M. Stanley para acompanhá-lo em seu pequeno barco En Avant.
Naqueles dias, Stanley estava envolvido no estabelecimento de alguns
postos em pontos estratégicos e importantes juntos às margens do alto
Congo. Lukolela, mil e duzentos e quarenta quilômetros interior adentro,
foi uma das escolhidas e eu tive a honra de ser selecionado por ele
para ser o chefe desse posto. Como nunca houve um homem branco vivido
nesse lugar, eu tive um trabalho enorme para me estabelecer. Ali eu vivi durante vinte meses, o único homem branco, de modo que eu
tive todas as oportunidades para estudar o caráter e os costumes dos
nativos. (...)
O EFEITO ESCRAVIDÃO
Este é um retrato fiel do dia a dia da vida levada em uma centena de aldeias do Congo, e se não fosse pela existência da escravidão, isso atravessaria de um ano ao outro sem nenhum distúrbio. É a presença do escravo na aldeia que brutaliza uma comunidade ora inofensiva e pacífica. É a influência venenosa, que um homem recebe por seu poder de vida e morte sobre o infeliz que ele comprara, e que estimula seu instinto selvagem para derramar, durante as execuções e cerimônias, o sangue vivo do homem, mulher ou criança que ele obteve - talvez em troca de algumas barras de latão, alguns metros de pano de Manchester. Aqui em Lukolela, por exemplo, eu mal tinha se estabelecido em meu acampamento, quando fui apresentado a uma daquelas cenas horríveis de derramamento de sangue que ocorrem com frequência em todas as aldeias ao longo do Congo, e que será apregoada enquanto a vida de um escravo for contada como nada, e o derramamento do seu sangue contar tanto quanto o de uma cabra ou de uma galinha.
Neste caso particular a mãe de um chefe tinha morrido, foi decidido, como de costume, comemorar o evento com uma execução. No primeiro sinal da madrugada a batida lenta e compassada de um grande tambor anunciava a todos o que iria acontecer, e avisava ao pobre escravo, que haveria de ser a vítima, que seu fim está próximo. Havia muita evidência que algo incomum estava prestes a acontecer, e que o dia seria dedicado a alguma cerimônia. Os nativos se reuniram em grupos e começaram cuidadosamente a preparar suas vestes, vestir seus alegres panos de ombro, e enfeitar suas pernas e braços com pulseiras de metal brilhante, e sempre se deliciando com gestos e risadas selvagens quando discutem o evento. Após tomarem uma leve refeição, trouxeram de suas casas todos os instrumentos musicais disponíveis. Os tambores são fortemente batidos, enquanto grupos de homens, mulheres e crianças formam-se em círculos e animadamente desempenham danças, que consistem em contorções violentas dos membros, acompanhadas com cânticos selvagens e com repetidos toques das cornetas de guerra feitas de chifre, cada bailarino tentando superar seu companheiro na violência do movimento e na força do pulmão.
Por volta do meio-dia, por pura exaustão combinada com o calor do sol, eles são forçados a parar, quando grandes jarros de vinho de palma são apresentados e começam as rodadas embriagantes, aumentando o entusiasmo geral, mostrando sua natureza selvagem em cores marcantes. O pobre escravo, que todo esse tempo ficou deitado no canto de alguma cabana, com os pés e as mãos algemados, sendo vigiado de perto, sofrendo a agonia e o suspense que este tumulto selvagem sugere a ele, é agora levado para alguma parte proeminente da aldeia, onde vai receber as vaias e zombarias da multidão embriagada de selvagens. Os assistentes do carrasco, depois de terem selecionado um local adequado para a cerimônia, trouxeram um toco de madeira de mais ou menos um palmo e meio, onde o escravo é então colocado sentado sobre isso, suas pernas são esticadas em linha reta para frente, seu corpo é amarrado a uma estaca por detrás, cuja altura chega próximo dos ombros. E uma estaca é colocada por baixo de cada axila para escorar o corpo, onde seus braços são firmemente amarrados; outras amarrações são feitas em pequenas estacas cravadas no chão, perto dos tornozelos e joelhos.
Uma vara é agora fincada em frente da vítima numa distância de três metros, no topo estão amarrados vários cordões, que estão presos pela outra ponta, a um anel de bambu. A vara é então curvada como uma vara de pesca, e o anel é fixado ao pescoço do escravo, o qual se mantém rígido e imóvel pela tensão. Durante esse preparo, as danças são retomadas, agora mais selvagem e brutal ao extremo pela condição de embriaguez do povo. Um grupo de dançarinos cercam a vítima e começam a imitar as contorções do seu rosto que a dor causada por esta tortura cruel a obriga a mostrar. Mas ela não deve esperar nenhuma simpatia deste bando impiedoso.
Nesse momento, a certa distância, se aproxima duas linhas de jovens, cada um segurando uma folha de palmeira, de modo que um arco é formado entre eles, por onde o carrasco é escoltado. A procissão passa em um passo lento, mas dançante. Ao chegar perto do escravo condenado, todas as danças, cantos e tambores cessam, e a turba embriagada toma seus lugares para testemunhar o último ato do drama.
Um silêncio sobrenatural acontece. O carrasco usa um capacete feito de penas negras de galo, o seu rosto e pescoço estão escurecidos com carvão, exceto os olhos, cujas pálpebras são pintadas com gesso branco. Suas mãos e braços até o cotovelo, e os pés e pernas até o joelho, também estão escurecidos. Suas pernas estão profusamente adornadas com largas tornozeleiras metálicas, e ao redor da cintura possui peles de gato selvagem amarradas. Então ele executa uma dança selvagem em torno de sua vítima, de vez em quando faz uma finta com a faca, um murmúrio de admiração acontece vindo da multidão reunida. Ele se aproxima e faz uma marca de gesso fino no pescoço do homem predestinado. Depois de duas ou três gingadas de sua faca para obter o balanço certo, ele prepara o golpe fatal, e com um golpe de sua arma superafiada, ele separa a cabeça do corpo.
A visão de sangue traz um clímax de frenesi aos nativos: alguns deles furam selvagemmente com suas lanças o tronco ainda tremendo, outros o cortam com suas facas, enquanto o restante entra em uma luta medonha pela posse da cabeça, que foi arremessada para o ar pela tensão liberada da vara. Quando aquele que consegue segurar o troféu é perseguido pela turba embriagada, o horrível tumulto se torna ensurdecedor; um lambuza a face do outro com sangue, e como resultado sempre surgem brigas, onde facas e lanças são utilizadas livremente. A razão dessa ansiedade em possuir a cabeça é esta: o homem, que ficar com a cabeça contra todos os concorrentes até o pôr do sol, receberá um presente do chefe da aldeia pela sua bravura. É dessa maneira que eles testam os bravos da aldeia, e eles dirão com admiração, em relação ao herói local, "Ele é um homem corajoso, ele manteve duas cabeças até o anoitecer".
Quando o gosto por sangue tem sido de certa forma satisfeito, eles novamente voltam ao seu canto e dança enquanto outra vítima é preparada, e a mesma chocante exibição é repetida. Às vezes até vinte escravos são abatidos em um único dia. A dança e o tumulto geral dos bêbados continua até meia-noite, quando mais uma vez reina o silêncio absoluto, em contraste ao abominável tumulto do dia.
Eu frequentemente ouço os nativos se vangloriarem da habilidade de seus carrascos, mas duvidava da sua capacidade de decapitar um homem com um único golpe da faca que eles usam, feita com um metal mole. Eu imaginava que eles seriam obrigados a dar golpes para separar a cabeça do corpo. Quando eu testemunhei esse espetáculo nauseante eu estava sozinho, desarmado e absolutamente impotente para interferir. Mas a silenciosa agonia deste pobre mártir negro, que morreu sem cometer nenhum crime, mas simplesmente porque ele era um escravo, - cujos movimentos comoventes foram ridicularizados pelos selvagens frenéticos, e cada grito de agonia era um sinal para a explosão desenfreada de um carnaval hediondo daquela selvageria - apelou tão fortemente ao meu senso de dever que eu decidi impedir pela força qualquer repetição desta cena. Eu declarei a minha resolução em uma assembleia dos principais chefes, e apesar de terem feito várias tentativas, não houve mais execuções durante o resto da minha estadia naquele distrito.
Algumas palavras são necessárias para definir a posição dos chefes de aldeia, como o mais importante fator na vida selvagem africana, pois de uma forma ou de outra, eles estão intimamente ligados com as piores características do sistema escravista, e são responsáveis por quase todas as atrocidades praticadas nesse imbróglio.
Tais chefes são os líderes das aldeias, e são classificados de acordo com o número de seus guerreiros. O título de chefia não é hereditário, e sim adquirido por um membro da tribo por provar a sua superioridade em relação a seus companheiros. O chefe mais influente numa vila tem necessariamente o maior número de combatentes, e estes são principalmente escravos, pois a fidelidade de um homem livre pode não perdurar. A ideia do chefe sobre riqueza é - escravos. Qualquer tipo de dinheiro que ele possa ter será convertido em escravos logo na primeira oportunidade. A poligamia é regra em toda a África Central, e um chefe compra quantas escravas ele pode pagar, e também se casa com mulheres livres - que é, afinal, apenas outra forma de compra.
MODOS DE TORTURA.
Todas as tribos que conheci têm uma ideia de imortalidade. Eles acreditam que a morte que os leva para outra vida, é uma continuação das mesmas condições da vida que estão levando agora; e um chefe acha que, quando ele entra nessa nova existência, ele será acompanhado de um número suficiente de escravos que o credenciará a ter o mesmo valor no outro mundo que ele tem no presente. A partir desta crença é que emana um dos seus costumes mais bárbaros - a cerimônia de sacrifícios humanos após a morte de alguém importante. Após a morte de um chefe, certo número de seus escravos é selecionado para serem sacrificados, para que seus espíritos possam acompanhá-lo para o outro mundo. Se este chefe possui trinta homens e vinte mulheres, sete ou oito dos primeiros e seis ou sete dos últimos morrerão. Os homens serão decapitados, e as mulheres serão estranguladas.
Quando uma mulher está para ser sacrificada, ela
será adornada com pulseiras de metal brilhante, suas vestes serão
cuidadosamente preparadas, seus cabelos serão perfeitamente trançados, e
seu corpo será coberto por tecidos fortemente coloridos.
Suas mãos serão então atadas para trás, uma corda
será passada em volta de seu pescoço e a outra extremidade será passada
por cima do galho de uma árvore mais próxima, e um sinal é dado para o
inicio da zombaria; e enquanto o corpo pendurado no ar realiza seus
movimentos convulsivos, os selvagens o seguem imitando
prazerosamente. Muitas vezes acontece de uma criança também se tornar
vítima dessa terrível cerimônia, sendo enterrada viva na sepultura,
servindo de travesseiro para o chefe morto. Estas execuções ainda são
perpetradas em todas as aldeias do Alto Congo.
Mas o escravo não é privado de sua vida apenas com a
morte do chefe da tribo, quando sua sorte é lançada. Vamos supor que a
tribo à qual ele pertence esteja em uma guerra autodestrutiva com outra
tribo do mesmo distrito, e por alguma razão política o chefe resolve
declarar o fim da disputa, então um encontro é organizado com o seu
rival. Na conclusão do encontro, para que o tratado de paz seja
solenemente ratificado, sangue deve ser derramado.
Um escravo é, portanto, selecionado e o modo de
tortura antes de sua morte varia entre os distritos. No distrito de Rio
Ubangi o escravo é suspenso de cabeça para baixo no galho de uma árvore,
e ali é deixado até morrer. Porém, bem mais horrível é o destino desses
miseráveis em Chumbiri, Bolobo, ou nas grandes aldeias ao lado do rio
Irebu, onde a vítima expiatória é enterrada viva, com a cabeça deixada
acima do solo. Mas antes, todos os seus ossos são esmagados ou
quebrados, e numa silenciosa agonia ele espera por sua morte. Geralmente
é enterrado em uma encruzilhada, ou ao lado de um caminho bem trilhado
na saída da aldeia, e todos os moradores que passam por lá, mesmo que
sintam uma pontinha de pena momentânea, nunca se atrevem a aliviar ou
acabar com a miséria do condenado, pois seriam punidos com as mais
severas penalidades.
Como os nativos são escravizados.
Os prêmios da guerra entre tribos fornecem os
mercados com escravos, cuja marca cicatrizada, mostra que eles são
membros de diferentes famílias e de aldeias muito distantes. Mas há algumas tribos, as mais inofensivas e mais pacíficas, cuja fraqueza os coloca, frequentemente, à mercê de seus vizinhos mais poderosos.
Sem exceção, a raça mais perseguida no território Congo Free State é a Balolo com suas tribos, que habitam a área que envolve os rios
Lulungu Malinga, Lupuri, e Ikelemba. Eu quero aqui mencionar que o
prefixo "Ba" na língua dessas pessoas designa o plural, por exemplo,
Lolo significa um Lolo - Ba-lolo, significa o povo Lolo. Essas pessoas
são naturalmente meigas e inofensivas. Suas pequenas, e desprotegidas
aldeias são constantemente atacadas pelas poderosas e ociosas tribos do
Lufembe e Ngomb.
Estas duas tribos são vorazes canibais. Eles cercam as aldeias dos Lolos à noite, e ao primeiro sinal do alvorecer invadem as aldeias dos distraídos
Lolos, matando todos aqueles homens que resistem e aprisionando todos os
demais. Depois os mais fortes são selecionados, algemados pelas mãos e
pés para impedir sua fuga. O restante eles matam, e sua carne é
distribuída entre si.
Como regra geral, após o rei de eles formam um
pequeno acampamento, acendem suas fogueiras, apoderam-se de todas as
bananas da aldeia, e devoram a carne humana. Em seguida, marcham para um
dos numerosos mercados de escravos, onde eles trocam os cativos do Rio
Lulungu por colares, roupas, fios de latão, e outras bugigangas com os
traficantes de escravos. E esses traficantes, por sua vez, agrupam seus
escravos em suas canoas e os levam às aldeias do rio Lulungu onde estão
os mercados mais importantes.
Masankusu, situado na junção dos afluentes Lupuri e Malinga, é de longe o mais importante centro de comércio de escravos. O povo de Masankusu compram
seus escravos dos assaltantes de Lufembe e Ngombe, e os vendem aos
nativos e comerciantes do rio abaixo. Em Masankusu, os escravos são
expostos para venda em longos galpões abertos, cobertos de grama presa
em madeira lavrada. É comovente ver os detentos em um desses galpões de
escravos. Onde são amontoados como animais.
NO GALPÃO DOS ESCRAVOS.
As imagens que acompanham, a partir de esboços que eu tracei em Masankusu, dão uma ideia do sofrimento que é suportado pelos cativos em inúmeros mercados. Eles são amarrados em troncos cortados grosseiramente que lhes causam enormes feridas em seus membros, às vezes algum é imobilizado pelo peso de um tronco de árvore sobre seu corpo, enquanto seu pescoço é preso em uma forquilha de madeira. Outros permanecem sentados por dias com seus membros amarrados em uma única posição, presos ao pilar por um cordão amarrado a um anel de bambu que envolve seus pescoços ou são entrelaçados com seus cabelos lanosos.
Muitos morrem por pura fome, enquanto que outros
recebem alimentação o suficiente para sobreviverem, e mesmo assim com
muita relutância. Essas famintas criaturas, de fato, formam uma visão
verdadeiramente deplorável.
Depois de sofrer nesse cativeiro por um curto
período de tempo eles se tornam meros esqueletos. Ali se pode ver: mães
com seus bebês, jovens de ambos os sexos, meninos e meninas, e até mesmo
bebês que ainda não sabem andar, cujas mães morreram de fome, ou foram
mortas pelos Lufembes. Raramente se veem velhos, estes são todos mortos
nos ataques: seu valor comercial é muito pequeno, nenhum fardo é
carregado por eles.
Ao testemunhar os grupos desses infelizes pobres e
indefesos, com suas aparências definhadas de olhos afundados, seus
rostos com semblantes de muita tristeza, não é difícil perceber a dor
intensa que sofrem internamente, mas eles sabem muito bem que nada
adianta apelar para a simpatia de seus impiedosos senhores, que foram
acostumados, desde sua infância, a testemunhar atos de crueldade e
brutalidade, de modo que para satisfazer sua insaciável ganância eles
próprios vão cometer ou permitirão que seja cometido, qualquer
atrocidade, até mesmo pior. Essa lamentável visão em um desses barracões
de escravos não representa nem a metade da miséria causada pelo tráfico
– casas destruídas, mães separadas de seus bebês, maridos de suas
esposas e irmãos de suas irmãs.
Na minha última passada por Masankusu vi uma mulher
escrava que tinha com ela seu filho, cujo esfomeado corpo, ela
carregava enquanto mamava em seu exaurido seio. Eu fui atraído pela
tristeza em seu rosto, que demonstrava um enorme
sofrimento. Perguntei-lhe a causa disso, e ela soluçando me respondeu em
voz baixa o seguinte: "Eu vivia com meu marido e meus três filhos em
uma aldeia do interior, a poucos quilômetros daqui. Meu marido era um
caçador. E dez dias atrás, os Lufembes atacaram a nossa vila; meu marido
defendeu-se como pôde, mas foi dominado e ferido com lanças até a morte
junto com vários outros moradores. Eu fui trazida para cá com meus três
filhos, dois dos quais já foram comprados pelos comerciantes. Eu nunca
mais os verei. Talvez eles vão matá-los após a morte de algum chefe, ou,
talvez, para servir de alimento. Meu filho restante, você vê, está
doente, morrendo de fome, e eles não nos dão nada para comer. Imagino
até que ele seja tirado de mim em poucos dias, pois o chefe, temendo que
ele morra e se torne uma perda total, o tem oferecido por um preço
muito pequeno. Quanto a mim", disse ela "eles vão me vender para uma das
tribos vizinhas, para trabalhar nas lavouras, e quando eu me tornar
velha e incapacitada para o trabalho, então serei sacrificada".
Havia certamente quinhentos escravos expostos à venda nesta única aldeia. Grandes
canoas estavam constantemente chegando vindas do rio abaixo, com mercadoria de todos os tipos para trocar pelos escravos. Outro grande comércio é realizado entre os rios Ubangi e Lulungu. As pessoas que habitam o pontal do Ubangi compram os escravos Balolos em Masankusu e em outros mercados, os levam até o rio Ubangi para trocá-los por marfim com outros nativos. Estes nativos compram os escravos apenas para alimento. Após comprá-los, os escravos são alimentados com bananas maduras, peixes e azeite, e quando estiverem em boas condições são mortos. A cada mês, centenas de escravos Balolos são levados para o rio e sacrificados. Outra grande quantidade de escravos é vendida para as grandes aldeias do Congo, para suprir as vítimas das cerimônias de execução.
canoas estavam constantemente chegando vindas do rio abaixo, com mercadoria de todos os tipos para trocar pelos escravos. Outro grande comércio é realizado entre os rios Ubangi e Lulungu. As pessoas que habitam o pontal do Ubangi compram os escravos Balolos em Masankusu e em outros mercados, os levam até o rio Ubangi para trocá-los por marfim com outros nativos. Estes nativos compram os escravos apenas para alimento. Após comprá-los, os escravos são alimentados com bananas maduras, peixes e azeite, e quando estiverem em boas condições são mortos. A cada mês, centenas de escravos Balolos são levados para o rio e sacrificados. Outra grande quantidade de escravos é vendida para as grandes aldeias do Congo, para suprir as vítimas das cerimônias de execução.
Muitas vidas são perdidas durante a captura, e muitas sucumbem no cativeiro por
fome. Do restante, uma parte é vendida para se tornarem vítimas do canibalismo e das cerimônias dos sacrifícios humanos. Poucos são os que realmente conseguem sobreviver e prosperar.
fome. Do restante, uma parte é vendida para se tornarem vítimas do canibalismo e das cerimônias dos sacrifícios humanos. Poucos são os que realmente conseguem sobreviver e prosperar.
Canibalismo.
O canibalismo existe entre todos os povos do Alto Congo a leste da longitude 16 ° E, e isso prevalece numa extensão ainda maior entre os povos que habitam as margens de seus numerosos afluentes. Durante uma viagem de dois meses no rio Ubangi eu fui constantemente colocado em contato com o canibalismo. Os nativos de lá se orgulham do número de caveiras que possuem, quando demonstram o número de vítimas que foram capazes de obter. Eu vi uma cabana indígena, em torno da qual fora construída uma mureta feita de barro com 30 centímetros de largura, onde havia fileiras de crânios humanos, formando um quadro horripilante, mas aquilo que o chefe mais se orgulhava, pela maneira com que ele me demonstrou e mais chamou minha atenção, eram as pencas formadas com vinte ou trinta caveiras, dependuradas em posições de destaques da aldeia. Perguntei a um jovem chefe, cuja idade, certamente, não passava de vinte e cinco anos, quantos homens ele havia comido na sua aldeia, e ele me respondeu: trinta. Ele se espantou com o horror que demonstrei pela sua resposta. E também em uma aldeia, ao comprar uma presa de marfim, os nativos pensaram que talvez eu pudesse comprar crânios e várias braçadas dessa mercadoria foram trazidas para o meu barco em poucos minutos. Senti que seria um pouco difícil negociar no rio Ubangi, pois o padrão de valor por ali era a vida humana - carne humana. Recebi em diversas ocasiões, ofertas para trocar um homem da minha tripulação por uma presa de marfim, e também me lembro de uma oferta para trocar um dos tripulantes do meu barco por uma cabra. "Carne por carne", disseram eles. Fui muitas vezes convidado, também, para ajudá-los na luta contra outras tribos vizinhas. Eles diziam: "Você pode levar todo o marfim, que ficaremos com a carne", ou seja, é claro, todos os seres humanos que poderiam ser mortos na luta. Os mais hostis deles frequentemente ameaçam que iriam nos comer, e eu não tenho dúvida de que eles teriam feito isso se não fossemos forte o suficiente para cuidar de nós mesmos.
Durante a minha primeira visita às águas do alto
Rio Malinga, o canibalismo chamou minha atenção pela forma diabólica que
foi realizado. Numa noite eu ouvi gritos penetrantes de uma mulher,
seguido por um abafado gemido, então ouvi gargalhadas e tudo voltou ao
silêncio novamente. De manhã fiquei horrorizado ao ver um nativo
oferecendo aos meus homens um pedaço de carne humana, em cuja pele havia
a tatuagem que marcava a tribo Balolo. Mais tarde me contaram que o
grito que ouvi durante a noite era de uma escrava cuja garganta havia
sido cortada. Eu fiquei ausente desta vila de Malinga por dez dias. Na
minha volta, eu perguntei se algum derramamento de sangue havia
acontecido, e fui informado de que outras cinco mulheres haviam sido
mortas.
Na minha estada no rio Ruki, no início deste ano,
eu fui apresentado à outra prova do terrível destino dos escravos. Em
Esenge, uma aldeia onde eu parei a fim de cortar lenha para o meu barco,
ouvi sinistras batidas de tambores e sons de muita alegria e
animação. Fui informado por um dos nativos da vila que uma execução
estava acontecendo. Pela minha indagação se eles tinham o hábito de
comer carne humana, ele respondeu: "Nós comemos o corpo
inteiramente." Eu ainda perguntei o que eles faziam com a
cabeça. "Comemos", ele replicou, "mas primeiro a colocamos no fogo para
queimar o cabelo".
Existe um pequeno rio situado entre o Ruki e
Lulungu, o chamado Ikelemba. Na sua foz não possui mais do que 130
metros de largura. Suas águas são navegáveis por 220 quilômetros através
das terras dos Lolos. Em proporção ao seu tamanho ele fornece mais
escravos do que qualquer outro rio. Ao observar no mapa, vê-se que o
Ikelemba, Ruki, e Lulungu correm paralelos um ao outro. As grandes
tribos escravagistas que habitam as terras entre esses rios, trazem seus
escravos aos mercados mais próximos descendo qualquer um desses rios.
O MERCADO LOCAL DE ESCRAVOS
Há algumas clareiras em certos intervalos ao longo das margens do Ikelemba, onde em determinados dias são realizados os pequenos mercados locais para a troca de escravos. Na medida em que se sobe o rio nota-se que os pequenos assentamentos às margens do rio vão se tornando cada vez mais frequentes, e oitenta quilômetros acima de seu pontal, sua margem esquerda torna-se densamente povoada. É notório que as vilas são todas do lado esquerdo do rio, pois seu lado direito é infestado por tribos saqueadoras e itinerantes que atacam qualquer assentamento praticado em sua margem. Todos os escravos deste rio são Balolos, uma tribo que é facilmente reconhecida pelas exageradas tatuagens marcadas na testa, nas têmporas e no queixo.
Durante minha visita de dez dias a esse rio
encontrei dezenas de canoas das regiões da foz do rio Ruki e do distrito
Bakute, cujos proprietários vieram para a compra de escravos, e estavam
retornando com suas mercadorias adquiridas.
Quando são transportados pelo rio, por
conveniência, os escravos são aliviados dos seus pesados grilhões. Os
comerciantes sempre levam consigo, pendurados nas bainhas de suas facas,
algemas leves feitas de corda e bambu. O escravo quando comprado é
colocado no assoalho da canoa em uma postura de agachamento com as suas
mãos à frente, atadas por essas algemas. Durante a viagem ele é
cuidadosamente guardado pela equipe de remadores que trabalham em pé, e
quando vem a noite, a canoa é apoitada nas margens, suas mãos são
mudadas para trás e amarradas para evitar que tente fugir roendo a
corda. Para tornar qualquer tentativa de fuga impossível enquanto
dormem, seu pulso é atado ao de um de seus mestres. Em uma das canoas eu
notei que havia cinco comerciantes, e sua carga de miseráveis humanos
era composta de treze magros escravos Balolos entre homens, mulheres e
crianças pequenas, todos mostrando, inequivocamente, através de seus
olhos fundos e corpos definhados a fome e a crueldade, a que foram
submetidos. Esses escravos são levados para as grandes aldeias no pontal
do rio Ruki, onde são trocados por marfim com as pessoas do Ruki ou do
distrito Ubangi, que os compram para abastecer suas orgias canibais.
Alguns, no entanto, são vendidos pela redondeza, os
homens para serem usados como guerreiros, e as mulheres como esposas,
mas em comparação com os números daqueles que sofrem com a perseguição
dos caçadores de escravos, muito pouco de fato sobrevivem para alcançar
uma posição segura, porém muito humilde em uma vila.
O estado deplorável destes Balolos sempre me
entristeceu, intelectualmente falando eles possuem um grau bem acima de
seus vizinhos; e realmente é devido à sua natureza mansa, e à sua
disposição pacífica, confiante, que facilmente caem como presa das
hordas degradadas e selvagens de seu distrito.
Eles têm gosto artístico e genialidade mecânica, fazem escudos primorosamente tecidos, e curiosas lanças e facas moldadas e decoradas. Eles são extremamente inteligentes, fiéis, e, quando devidamente treinados, são corajosos.
NO EXTREMO INTERIOR.
Nos meses que eu viajei pelo Alto Congo e seus afluentes, em várias ocasiões tive que defender-me contra a hostilidade dos nativos. Minha equipe era composta por quinze homens, a maior parte dos quais eram Balolos, e nunca fui enganado por eles.
Quando eu os empreguei, eles chegaram às minhas mãos como pedra bruta. Eles eram selvagens, alguns deles canibais, mas eles são de natureza muito maleável, e com uma política firme e justa fui capaz de convertê-los em servidores dedicados e fiéis.
Como prova do que pode ser feito por ganhar a
confiança dos nativos, através de uma política de firmeza e justiça, eu
acho que posso, seguramente, citar a minha experiência na Estação
Equador. Eu permaneci por lá quase um ano, com apenas um soldado
Zanzibari, todo o resto do meu povo eram nativos que eu recrutei pelas
aldeias vizinhas. Eu estava cercado por todos os lados por pessoas
poderosas, que, se quisessem, poderiam facilmente ter me superado e
pilhado o meu posto. Mas nunca houve tentativa do menor ato de
hostilidade ou de natureza hostil, e eu me senti tão seguro entre eles
como sinto na cidade de Londres ou Nova Iorque.
É verdade que os nativos não tinham nada a ganhar
por molestar-me, e eles eram inteligentes o suficiente para perceber
esse fato. Na realidade, minha presença era, em boa dose, benéfica para
seus interesses. Eu tinha pano, colares, espelhos, colheres, copos, e
outras bugigangas, e eu as trocava com eles, e sempre que eu organizava
uma pequena caçada atrás de elefantes e hipopótamos, a minha parte no
consumo desses animais era muito pequena, a maior parte da carne eu dava
aos nativos.
Minha vida durante a minha estada na Estação
Equador foi muito agradável. As pessoas eram de uma disposição feliz e
alegre, todos foram simpáticos e falantes. Eles sentavam e por horas
ouviam atentamente aos meus contos da Europa, e suas perguntas
inteligentes provavam que eles eram dotados de profundo
entendimento. Não há público mais atento em todo o mundo que um grupo de
selvagens africanos, se você puder falar sua língua e se fazer
entender.
Quando eu me cansava de falar, passava a fazer-lhes
perguntas sobre os seus modos, costumes e tradições. Como eu sempre
ficava muito impressionado por sua crueldade, sempre fizera questão de
expressar a minha repulsa, e até mesmo dizia a eles que um dia eu
lideraria um levante dos escravos. Minha audiência em tais ocasiões
consistia principalmente de escravos, e esses pobres miseráveis sempre
ficavam muito satisfeitos por ouvir minhas opiniões favoráveis a eles.
Meus argumentos, eu pude ver muitas vezes, atraía
fortemente os interesses dos próprios chefes, quando eu lhes perguntava:
"Por que vocês matam essas pessoas? Vocês pensam que eles não têm
nenhum sentimento, porque são escravos? Como vocês gostariam de ver seus
próprios filhos levados para longe de vocês e vendidos como escravos,
para satisfazer os desejos de canibalismos, ou de execução?". Alguns
deles, na época, até disseram que não iriam mais realizar
execuções. Estas execuções continuaram a acontecer, mas de forma
secreta, e as notícias desses acontecimentos ficavam longe dos meus
ouvidos até algum tempo depois, quando eu ficava sabendo através de meus
próprios homens. Embora eu fosse incapaz de impedir a realização de
tais cerimônias, com a força que eu tinha à minha disposição de um único
soldado Zanzibari!
ALGUNS COSTUMES BÁRBAROS.
Lembro-me de uma execução que aconteceu, os
detalhes eu fiquei sabendo bem depois. Foi para celebrar a morte de um
chefe que morrera afogado durante uma expedição comercial.
Tão logo a notícia de sua morte chegou à aldeia,
vários de seus escravos foram amarrados pelas mãos e pés, e presos no
fundo de uma canoa. À noite, essa canoa foi rebocada para o meio do rio,
buracos foram feitos na mesma, e foi deixada para afundar com sua carga
humana.
Quando formos capazes de proibir essa terrível
perda de vidas, que as crianças de hoje são obrigadas, constantemente, a
testemunhar, sentimentos mais humanos poderão se desenvolver, e cercado
por influências mais saudáveis - pelo menos longe das exposições
abertas da crueldade - eles crescerão no meio de uma geração muito mais
nobre.
Nativos que sofriam nas mãos dos traficantes de escravos, repetidamente, pediam-me para ajudá-los.
No Malinga, onde a carne humana fora me ofertada
para venda, os chefes reunidos votaram uma oferta a mim de várias presas
de marfim se eu vivesse entre eles e os ajudasse a se defenderem dos
Lufembes, e prepará-los a resistir às perseguições que sofriam das
tribos vizinhas, que continuamente realizavam incursões em seus
territórios, capturando seus povos.
Eles alegaram: "Nós vamos acabar morrendo de fome,
pois não podemos mais fazer plantações, porque quando nossas mulheres
vão para a lavoura elas são capturadas, mortas e comidas pelos argilosos
Lufembes, que vivem, constantemente, rondando por perto e levam
qualquer desgarrado que encontram". Um velho chefe, Isekiaka, me disse
que 12 das suas mulheres haviam sido roubadas, uma a uma, e várias de
suas crianças.
Na verdade, a condição de vida das pessoas na
região dos Malingas é tão miserável, que vários deles foram expulsos,
pelos Lufembes, de suas plantações, e realmente compelidas a viverem no
rio, em palafitas apoiadas sobre estacas. E dessas miseráveis habitações
lançam suas redes, e quando o rio está cheio de peixes eles subsistem
quase que inteiramente do produto de suas pescas.
Isto deu origem a um curioso estado de coisas,
pois, como os Lufembes cultivam apenas mandioca e produzem mais raízes
do que consome a tribo, eles então ficam felizes em trocar esse produto
pelo pescado capturado por suas vítimas. E assim, quando esse mercado é
realizado, uma trégua armada é declarada, então os Lufembes e os
Malingos se misturam e negociam, com os seus produtos mantidos em uma
mão e uma faca de espera na outra. Pode, assim, ser facilmente imaginado
que a perseguição incessante, as quais esses nativos sofrem, os torna
cruéis e impiedosos.
Em todas as regiões do Malinga eles se tornaram tão
brutalizados pela fome que comem os seus próprios mortos, e a aparência
de qualquer uma de suas aldeias sempre denota degradante miséria e
fome. Eu tenho visto repetidas vezes, crianças pequenas comendo raizes
de bananeira, tentando em vão obter algum tipo de alimento de sua seiva.
O fato de eles permanecerem vivos é um mistério. Qualquer coisa viva
que eles são capazes de pegar é visto como alimento; vários tipos de
moscas, lagartas, grilos são todos consumidos por essas pessoas.
Somente quem vive durante algum tempo na África
Central, pode entender a imagem da vida, que resulta nas mentes dos
selvagens pelas mais atrozes e desenfreadas crueldades.
Cercados desde a infância por cenas de derramamento
de sangue e tortura, seus feriados e grandes cerimônias marcadas por
massacres de escravos, a mais branda e mais sensível das naturezas
torna-se brutalizada e insensível, e se isto acontece com o livre, qual
deve ser o efeito sobre o escravo, arrancado de sua mãe quando ainda
criança, talvez com a idade de dois anos, e ainda, em sua infância
obrigada a sofrer privações. Se realmente esta criança participa do
desafio do canibalismo e
das cerimônias de execução, não se pode esperar que ele pudesse se apiedar com qualquer sofrimento.
das cerimônias de execução, não se pode esperar que ele pudesse se apiedar com qualquer sofrimento.
As pessoas na parte inferior do alto Congo
raramente praticam captura de escravos. É somente quando vamos ao
distrito Bakute que temos contato com isso. As grandes aldeias ao redor
de Stanley Pool, - Chumbiri, Bolobo, Lukolela, Butunu, Ngombe, Busindi,
Irebu, - Lago Mantumba, e o Rio Ubangi todos contam principalmente com
as tribos Balolos para obterem seus escravos. Todas essas aldeias,
exceto Stanley Pool fazem diariamente sacrifícios humanos, seja pela
morte de algum chefe ou por algum outro motivo cerimonial.
Qualquer tipo de comércio realizado nesta parte da
África só aumenta o derramamento de sangue, porque a ambição do nativo é
ter o maior número possível de escravos ao seu redor, e quando ele
vende uma presa de marfim ou qualquer outro artigo ele dedica quase
todas as bagatelas que ele obteve na compra de novos escravos. Assim,
ele estará cercado por muitas mulheres e guerreiros durante sua vida, e
terá sua importância marcada em sua morte pela execução da metade do
número de seu povo.
CONTINUA....
http://jornalggn.com.br/blog/stanilaw-calandreli/trafico-de-escravo-na-bacia-do-congo