quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O FIM DO IMPÉRIO

A Chaimite que Transportou Marcelo Caetano
A Chaimite que Transportou Marcelo Caetano

O golpe de Estado do 25 de Abril de 1974, levado a efeito por militares dos três ramos das Forças Armadas, dirigidos pelo MFA, pôs fim a 41 anos de Estado Novo e a 48 anos de ditadura em Portugal. Ao 25 de Abril seguiu-se um período revolucionário que transformou radicalmente o Estado e a Sociedade. Em apenas dois anos, Portugal sofreu a mais profunda mudança na sua história não só do ponto de vista do sistema político, mas também nas concepções, estruturas e relações sociais e económicas. As independências dos territórios coloniais, ocorrida entre Outubro de 1974 e Novembro de 75.
A guerra colonial constituiu a motivação dominante do MFA para conceber e preparar um golpe de estado contra o regime. O golpe de Estado obedeceu a um planeamento muito cuidadoso e a execução de grande eficácia, baseada em princípios militares muito simples (surpresa, coordenação e concentração de forças)
O sinal utilizado pelos golpistas foi uma canção de José Afonso "Grândola, Vila Morena", transmitida pela rádio Renascença. Estava assim iniciada a revolta.

A maior parte dos objectivos a conquistar situava-se evidentemente em Lisboa, razão pela qual, a partir das 3 horas da manhã de 25 de Abril (operacionalmente considerada a Hora H ), começaram as forças a efectuar os respectivos movimentos em direcção aos objectivos que a cada uma estavam destinados. A partir desta hora, sem qualquer esboço de resistência, foram caindo nas mãos dos revoltosos os centros nevrálgicos da capacidade de manobra do regime: RTP, Rádio Clube Português, Emissora Nacional (sintomaticamente os primeiros objectivos conquistados eram todos meios de comunicação social, vitais para qualquer dos contendores), Quartel-General de Lisboa, Aeroporto Internacional, Banco de Portugal e Rádio Marconi. Nas primeiras horas foram igualmente bloqueadas vias de comunicação importantes e executados movimentos de tropas em direcção aos centros de decisão do regime: Terreiro do Paço, instalações da DGS, quartéis da Legião Portuguesa e tropas potencialmente adversas.
Em poucas horas, e sem que fosse visível qualquer reacção governamental organizada, grande parte do plano operacional do MFA estava executado.
Só muito tarde o regime acordou.

Marcelo Caetano foi induzido pelos próprios sistemas de segurança a dirigir-se para o Quartel do Carmo, que se transformou no ponto central das operações militares. Ao princípio da tarde, Salgueiro Maia, comandante dos revoltosos no local, dispôs as forças em posição de cerco e preparou-se para a queda do último símbolo do regime. O povo de Lisboa, figurante activo e cada vez mais interveniente, respondia com crescente entusiasmo ao teor dos comunicados transmitidos e aos objectivos políticos do MFA.
Do posto do comando, instalado no quartel do Regimento de Engenharia 1, na Pontinha, o MFA procurou conduzir a acção militar e pôr fim à expectativa.
Entretanto, no próprio Quartel do Carmo, efectuou-se um contacto entre o general Spínola e Marcelo Caetano, ficando deste encontro a expressão deste último ao afirmar que preferia entregar o poder a alguém que lhe desse garantias, em vez de deixar que caísse na rua. De certa forma, formalizou-se neste cenário a queda do governo, com a prisão de Marcelo Caetano e de alguns Ministros.
Ao princípio da noite, o MFA divulgou a sua proclamação, primeiro documento programático preparado antecipadamente e que continha as intenções fundamentais do movimento militar: entrega do Governo a uma Junta de Salvação Nacional, próxima difusão de um programa do MFA, restituição ao povo português das liberdades cívicas e eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte.
Spínola chegou entretanto ao quartel-general do MFA, na Pontinha, onde ficou surpreendido com o facto de não serem oficiais da sua confiança os responsáveis pela condução das operações militares que acabavam de derrubar o regime. De facto, mesmo antes do 25 de Abril, estavam claramente esboçadas duas correntes principais no seio do movimento militar. Spínola, que servia de referencial a uma delas, tinha a ideia de que o seu prestígio e a qualidade dos seus incondicionais apoiantes lhe garantiriam o domínio da situação nos momentos decisivos. A «transmissão de poderes» no Quartel do Carmo, que afinal acontecera num clima de euforia em torno da sua figura, culminava numa série de acções que pareciam orientar-se no sentido de lhe ser atribuído o papel dominante. Contudo, tanto a coordenação das acções militares, como a sua execução concreta fora, e continuava a ser, obra da corrente do movimento não incondicionalmente apoiante de Spínola. Num instante o potencial significado da transmissão do poder encenada no Carmo deixava de ter sentido, já que a intervenção estava a ser protagonizada pela corrente não comprometida com o general.
E assim, à medida que o confronto com o velho regime se atenuava, com a queda sucessiva dos seu apoios, um conflito interno surgia desde as primeiras horas no interior do poder emergente.

Contudo, na noite de 25 para 26 de Abril todos procuraram estabelecer relações minimamente conflituosas, embora a noite não tivesse sido fácil para nenhum dos lados. Com efeito, a questão que fundamentou a atitude dos oficiais do MFA, relacionada no fundo com a solução da Guerra Colonial, polarizou duas atitudes profundamente distintas. Na lógica do projecto inicial do programa do MFA estava uma concepção inequívoca do acesso das colónias à autodeterminação e independência, única forma de por fim à guerra. A supressão da alínea que o declarava formalmente – negociada entre as duas tendências emergentes na própria noite de 25 de Abril – não desfez o modelo resultante do restante articulado, mas vem a prestar-se ao nascimento de novos equívocos, como os factos se encarregarão de demonstrar.
À medida que o triunfo do MFA se desenhou, cresceu a participação popular em todas as acções, em Lisboa e um pouco por todo o país. O povo da capital viveu intensamente todas as peripécias da revolução, acompanhou de perto as evoluções militares e participou com entusiasmo em muitas das conquistas dos revoltosos; tomou mesmo à sua conta a execução de algumas acções, redobrando o seu empenhamento à medida que descobriu sinais do sentido democrático do movimento. No final do segundo dia, os últimos redutos do regime tinham sido completamente derrubados, com a tomada da sede do DGS e a abertura das prisões políticas. De certa forma se poderá considerar que estava consumado o golpe de Estado.
O não reconhecimento, no programa do MFA do direito à independência dos povos das colónias criou uma situação equívoca durante os messes que se seguiram ao 25 de Abril, que só viria a ser emendada pela Lei 7/24 de 27 de Julho, seguida da comunicação do general Spínola, Presidente da República. A posição pró-independentista então anunciada possibilitou o incremento de conversações oficiais entre o Estado Português e os movimentos de libertação e o início do processo de descolonização. Entretanto, os três meses já decorridos tinham produzido demasiadas situações de desequilíbrio nas forças militares em serviço nas colónias.
A ambiguidade das primeiras posições relativas à nova política colonial gerou, de facto, situações duvidosas, que não puderam depois ultrapassar-se sem graves desentendimentos. Os dois projectos distintos que repartiram o poder em 25 de Abril tinham em grande parte, na base da sua distinção, as questões ligadas ao futuro das relações de Portugal com as suas colónias. E mesmo os pontos comuns dos dois projectos acabaram rapidamente por ser submetidos à prova prática dos factos, o que exigiu, a maior parte das vezes, a sua revisão. Cada revisão foi um combate. Cada passo na redefinição do processo colonial exigiu uma dura luta entre Spínola, cuja tese carecia de prazos de concretização dilatados e não atendia às situações reais vividas nos teatros de operações, e a Comissão Coordenadora do Programa do MFA, que procurou guiar-se por um modelo político de acordo com os princípios dos direitos dos povos à autodeterminação e independência e com realidade militar vivida no terreno.
Definido, com a Lei 7/74, o direito dos povos coloniais à autodeterminação, com todas as suas consequências, incluindo «a aceitação da independência dos territórios ultramarinos», estava dado o sinal para as populações brancas das colónias de que o processo de descolonização iria entrar na fase definitiva. O comunicado conjunto de Portugal - ONU, publicado em 4 de Agosto, pôs fim às últimas dúvidas.
Com base neste novo enquadramento, foram retomadas as negociações com o PAIGC e a Frelimo, chegando as delegações à assinatura de protocolos de acordo. Em Argel, em 26 de Agosto, ficou concluído o processo de conversações entre Portugal e o PAIGC, no sentido do reconhecimento da «República da Guiné-Bissau como Estado soberano pelo Estado Português». Em Lusaca, a 7 de Setembro, foi solenemente assinado pela delegação portuguesa e pela Frelimo um «acordo conducente à independência de Moçambique». Contudo neste mesmo dia, vários grupos de brancos organizados num movimento contrário ao acordo assaltaram, em Lourenço Marques e noutras cidades moçambicanas, as instalações do Rádio Clube de Moçambique e dos seus emissores regionais, preconizando, em contínua emissão radiofónica, a independência branca e a intervenção da África do Sul. Apesar da dificuldade de que se revestiu a acção das Forças Armadas para pôr termo à situação a tentativa acabou por fracassar.
Criados assim os instrumentos de transmissão para a Guiné e para Moçambique, com respeito pelo direito dos povos à independência, com o reconhecimento dos respectivos movimentos de libertação e com a marcação de um calendário de transferência de poderes, efectivaram-se os actos que concretizaram as cláusulas dos acordos.

Na Guiné fez-se a transferência administrativa, que poderia prolongar-se até 31 de Outubro. De forma geral decorreu sem incidentes, publicando o governo português a declaração de reconhecimento solene da independência da República da Guiné- Bissau em 10 de Setembro de 1974.
Relativamente a Moçambique, o governo português accionou rapidamente os mecanismos acordados em Lusaca nomeando, ainda em 10 de Setembro, o alto-comissário previsto no acordo, cargo em que foi investido Vítor Crespo, destacado elemento da Comissão Coordenadora do MFA, que de imediato partiu para Moçambique. Entretanto, numa operação de grande envergadura planeada pelo quartel-general de Nampula e pela e pela direcção da Frelimo, foram transportados para o interior do território e para as principais cidades os efectivos militares e quadros dirigentes deste movimento de libertação por forma a cumprir-se ao Acordo de Lusaca e a permitir que o governo de transição, presidido por Joaquim Chissano, tomasse posse a 21 de Setembro.
Quanto a Angola, considerando as previsíveis dificuldades de aproximação dos três movimentos de libertação e a amplitude da comunidade branca angolana, o Presidente da República, e de forma geral os órgãos de soberania portugueses, interrogava-se legitimamente sobre a melhor forma de levar à prática a descolonização. Com efeito, os altos interesses em jogo no território angolano quer do ponto de vista da África do Sul e dos países ocidentais, quer do ponto de vista da União Soviética e dos seus aliados faziam adivinhar o alargamento de um confronto à margem de Portugal. Na sequência de várias decisões, Spínola encontrou-se com Mobutu na ilha do Sal, em 15 de Setembro, reunião que se revestiu de grande sigilo, mas cujo objectivo foi a questão de Angola. As iniciativas de Spínola tiveram ainda alguma continuidade quando, em 27 de Setembro, exactamente nas vésperas da sua ruptura com o novo regime, recebeu uma delegação das «forças vivas de angola», a quem apresentou «as linhas gerais do programa de descolonização daquele território», o seu último acto oficial relativo a tal matéria. Três dias depois, Spínola renunciaria ao cargo.
Com Costa Gomes na Presidência da República não diminuíram as preocupações com a descolonização e, em especial, com a resolução do caso de Angola.
O processo de negociações conheceu várias frentes, desenvolvendo-se essencialmente em torno de acções da Presidência da República, do ministro Melo Antunes, do ministro dos negócios estrangeiros e das autoridades portuguesas de Angola. Neste período, uma primeira frente de conversações desenvolveu-se em direcção à FNLA, a partir de Kinshasa, onde esteve presente uma delegação portuguesa em 11 e 12 de Outubro, prosseguindo estas conversações, alguns dias depois, em Luanda. Ainda durante o mês de Outubro, no interior de Angola, encontraram-se delegações de Portugal e do MPLA, vindo a ser acordado um cessar-fogo.
Entretanto, várias diligências ao nível diplomático e político procuraram desbloquear algumas desconfianças mútuas e várias dificuldades práticas, até poder ser anunciado, os últimos dias do ano, uma cimeira dos três movimentos em Mombaça, preparatória de uma plataforma comum perante o Governo português. Efectuada esta nos primeiros dias de 1975, foi possível dar mais um passo em direcção à assinatura de um acordo global, com realização, no Algarve, de uma cimeira dos três movimentos e de Portugal, entre 10 e 15 de Janeiro. Neste último dia foi assinado o Acordo de Alvor, que definia um modelo de transferência de poderes e criava os instrumentos-base do entendimento mútuo e do esforço comum no sentido de Angola se tornar num Estado independente a partir de 11 de Novembro de 1975. Contudo, os interesses brevemente silenciados não tardaram a fazer-se ouvir, desfazendo em migalhas as esperanças de Alvor. Sem que a data da independência tivesse sido posta em causa, o edifício constitucional laboriosamente construído durante as conversações acabou rapidamente por ruir.

Nos outros territórios processaram-se entretanto os últimos actos da presença portuguesa.
Da República da Guiné-Bissau, o último contingente militar regressou a Lisboa em 15 de Outubro.
Em Moçambique prosseguiu a acção do alto-comissário e do Governo de transição, que, apesar de alguns incidentes puderam ultrapassar as dificuldades e conjugar esforços para a preparação da independência de Moçambique, em 25 de Junho de 1975.
Relativamente a São Tomé e Príncipe foi assinado um acordo em 26 de Novembro de 1974, em Argel, entre o Governo português e o respectivo Movimento de Libertação, que marcou, a independência do território para 12 de Julho de 1975.
Quanto a Cabo Verde, o acordo assinado entre Portugal e PAIGC, em Agosto de 1974, estabelecia o princípio do acesso do arquipélago a autodeterminação e independência. Em 17 de Dezembro, foi publicado o Estatuto Constitucional de Cabo Verde, prevendo a realização de eleições por sufrágio directo e universal, em 30 de Julho de 1975, para uma assembleia com «poderes soberanos e constituintes». Esta proclamou a independência do território em 5 de Julho de 1975.
Em Angola, a guerra civil fez do processo de descolonização um desastre, com milhares de vítimas e a fuga dos portugueses. Também em Timor se viveram dias dramáticos, com as facções locais envolvidas em luta aberta e sem que as autoridades portuguesas dispusessem de capacidade para por fim à situação, acabando a Indonésia por invadir a ilha.
O que depois se passou ultrapassa o âmbito deste trabalho dedicado à Guerra Colonial.

Fonte/Net: Centro de Documentos 25 Abril

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