domingo, 15 de março de 2009

Actividade Político-Estratégica relativamente ao Ultramar


Após a Conferência de Berlim urgia avançar com as medidas que assegurassem a soberania nos territórios onde flutuava a bandeira portuguesa, segundo os ditames acordados no acto final da mesma.
O grande princípio era o da ocupação efectiva, quer dizer militar e administrativa, a que se teria que juntar o desenvolvimento social e económico.
Ora, neste âmbito, Portugal apresentava grandes lacunas. Era forçoso agir se o país quisesse salvaguardar o seu património e ter algum peso nas relações internacionais onde pontificavam uma boa meia dúzia de grandes potências.
O envio de tropas e de funcionários para todos os lugares onde se fazia sentir a sua falta era, porém, virtualmente impossível para Portugal. Por outro lado, o acordado na Conferência de Berlim dizia respeito fundamen­talmente aos territórios junto á costa, já que o “hinterland” africano era muito mal conhecido. Daí as numerosas expedições de reconhecimento organi­zadas.
Os resultados da Conferência acordaram Portugal para a realidade. Se bem que o esforço estratégico tivesse sido orientado para África após a perda do Brasil, pouco se tinha feito por via da instabilidade da vida político‑social da Metrópole e das extensas vulnerabilidades existentes.
Os portugueses estavam habituados a olharem para África, durante séculos, apenas como ponto de apoio às armadas que se dirigiam ao Oriente e entreposto de escravos que alimentavam as indústrias brasileiras. Ao verem o interesse que a África estava a despertar para as potências estrangeiras constataram o muito que lá havia por fazer e a sua importância económica e geoestratégica.
Sem embargo, eram os portugueses que, apesar de tudo, detinham o melhor conhecimento de África e das suas populações e os que melhor comunicavam com estas e auferiam de maior prestígio.
Deste modo, alinhavaram-se no horizonte português os seguintes vectores de actuação estratégica:
– garantir a estabilidade suficiente na Metrópole a fim de desviar recursos para África onde se poderia pensar na construção de um novo império português;
– garantir a posse de pontos de apoio importantes (de que já se dispunha alguns nas costas ocidental e oriental) e o controle de importantes estuários;
– apoiados nas zonas costeiras reconhecidas a Portugal, passar a explorar o hinterland, de modo a garantir a posse de novos territórios;
– garantir a pacificação das zonas ocupadas através do estabelecimento de uma rede de quadrícula de postos militares e administrativos;
– jogar diplomaticamente com as rivalidades existentes entre as potências concorrentes, de modo a favorecer o interesse nacional.
Para executar esta estratégia dispunham os portugueses das seguintes potencialidades:
– conhecimento e experiência acumulados durante quatro séculos de permanência em África;
– facilidade de comunicação com os povos indígenas;
– prestígio junto dos autóctones, para muitos dos quais o nome “portu­guês” era sinónimo de todo e qualquer homem branco;
– direitos históricos que apesar de contestados podiam ser esgrimidos no campo do Direito e da Moral;
– domínio de portos importantes que serviam o interior;
– domínio de alguns estuários de grandes rios, de enorme importância para a navegação, comércio e penetração para o interior;
– coesão no imaginário nacional relativamente á manutenção e defesa dos territórios de além-mar e da sua importância para a sobrevivência da “Metrópole”.
Estas potencialidades eram, porém, contrariadas por extensas vulnera­bilidades:
– agitação político-social na Metrópole;
– deficit crónico nas finanças;
– economia débil;
– fraca organização e deficiente prontidão das tropas de terra e mar;
– inexistência de serviço de informações;
– completa dependência económico-financeira da Inglaterra.
Numa palavra, o Potencial Nacional mobilizável era muito diminuto.
Quando terminou a Conferência de Berlim as diferentes potências apressaram-se a confirmar as relações entre si. Foi assim que, a Espanha renovou com a Itália o tratado sobre o Mediterrâneo; a Alemanha renovou a Tríplice Aliança com a Áustria e a Itália; a França aproximou-se da Rússia e esta procurou estreitar relações com a Alemanha. A Inglaterra jogava (como sempre fez), no tabuleiro europeu no sentido de procurar um equilíbrio ou desavenças que a favorecessem. Na época, oscilava entre a Alemanha e a Rússia.
Quanto a África, a abertura do Canal do Suez, em 1869, tornou o domínio do Egipto fundamental para a Inglaterra, já que permitia uma ligação mais rápida com os seus domínios do Oriente, sobretudo com a Índia. Cecil Rhodes comandava os interesses ingleses no Sul de África cobiçando todas as regiões onde pudessem existir ouro e diamantes. Sonhou até, ligar o Egipto ao Cabo através de um extenso corredor.
A França ampliava a sua influência na Tunísia como já tinha feito na Argélia e mais tarde se estenderia a Marrocos.
Por sua vez a Itália penetrava no território que é hoje a Líbia (Tripolitânia) e iniciava a sua influência nas margens do Mar Vermelho. Todo o Norte de África caía politicamente sob o domínio europeu, através das “ajudas” económicas e financeiras. Tudo isto mudava a geopolítica do Mediterrâneo e tinha consequências a nível militar. Entre outras, barrava o caminho ao expansionismo russo naquele mar e ameaçava-se directamente o Império Otomano, em decadência.
O expansionismo ocidental em África acabou por arrastar a Alemanha. Bismark era inicialmente contra o envolvimento do seu país neste continente, apostado que estava (como continentalista que era), no domínio de toda a Europa Central. A Alemanha era, aliás, superior na Europa a todas as potências em termos de economia, indústria e potencial militar terrestre, mas faltava-lhe poder marítimo.
Os objectivos político-estratégicos alemães passavam, prioritariamente, pela neutralização da França, impedindo que esta fizesse “pontes” com a Rússia, ao mesmo tempo que criava atritos com a Itália e mantinha boas relações com o Império Austro-Húngaro.
Contudo, a pressão de comerciantes e industriais alemães ávidos de mercados e matérias-primas, levaram Bismark a entrar na corrida a África criando‑se, assim, a África Oriental Alemã, com a colonização do Tanganica; a África Austral, onde tomaram o Sudoeste Africano; e a África Tropical, com o Togo e Camarões. Tentou ainda influenciar decisivamente a partilha do Continente através da Conferência de Berlim, que patrocinou e preparou. No entanto, só depois da demissão de Bismark, com Guilherme II, a Alemanha iniciou uma política de expansionismo à escala mundial.
Na bacia do Zaire, num vasto e rico território, mas quase sem saída para o mar, dominava o rei dos Belgas, Leopoldo.
Este era o panorama geral.
No meio de tudo isto, Portugal constituía um elo fraco, do qual as diferentes potências pretenderam tirar vantagens, se possível dirimindo eventuais conflitos entre si, à custa do nosso espólio. Sobre o nosso país foi então intentado todo o tipo de acções: desde tentativas de isolamento, acusações de tráfico de escravos, trabalho forçado e intolerância religiosa; conluios secretos entre potências para nos abocanharem pedaços de território; incitamento à sublevação de povos que estavam debaixo da autoridade portuguesa, etc., de tudo um pouco sofreu o país por causa da cobiça alheia.
Com este pano de fundo, aparentemente mal avaliado, resolveu o governo português avançar, em 1887, através do ministro Barros Gomes, com um plano de expansão no Sul de África isto depois de se ter garantido no ano anterior, através de tratados, respectivamente com a França e a Alemanha, os limites fronteiriços na Guiné, no Sul de Angola e Norte de Moçambique.
Era o mapa cor-de-rosa, que tentava ligar Angola a Moçambique através do hinterland africano. A isto opunham-se os interesses ingleses. A ideia não era nova e desde o século XVII que era ventilada.
Em Lisboa reconhecia-se a necessidade de apoios internacionais para esta ideia. Daí as duas convenções com a França e a Alemanha, já citadas, terem servido também para a apoiar.
Estes apoios serviam ainda para alargar as nossas ligações exteriores, devido à excessiva dependência em que o governo de Lisboa se encontrava relativamente à Grã-Bretanha, que não poucas vezes nos tratava como simples protectorado ou não nos defendia.
As terras que ambicionávamos não pertenciam a ninguém e, a nosso favor, podíamos alinhar as diversas explorações feitas em várias épocas por portugueses: Mas os ingleses tinham outros interesses, dos quais se destacam:
– o já citado corredor que ligava o Cabo ao Cairo;
– a descoberta de diamantes em Kimberley e de ouro no vale de Kaap, cujas áreas só poderiam ser tomadas pelo torneamento dos estados bóeres do Orange e do Transval (como veio a acontecer).
Tendo isto em vista, os ingleses começaram a aliciar os chefes indígenas das regiões visadas, incluindo aqueles que já tinham prestado vassalagem a Portugal como os Macololos e os Machonas e até o célebre régulo de Gaza, Gungunhana.
Portugal deu início a várias acções de ocupação: entre 1887 e 1890, o vale do Zambeze foi ocupado por Paiva de Andrada; a região do Niassa foi explorada por António Maria Cardos; Artur de Paiva ocupou o Bié e Paiva Couceiro foi enviado para o Barotze. Numerosos sobas prestaram vassalagem a Portugal.
Quando Serpa Pinto recebeu a missão de estudar no Alto Chire a construção de uma linha de caminho de ferro que assegurasse a ligação do lago Niassa com o mar, apoiado numa forte coluna militar, que mais tarde se ligaria no baixo Catanga a outra coluna portuguesa vinda do Bié, sob o comando de Paiva Couceiro, estaria dado o primeiro passo sério para a consumação do mapa cor-de-rosa.
O Governador inglês de Salisbury, incitado por Cecil Rhodes, resolveu intervir, fazendo chegar um protesto a Lisboa. Das cartas trocadas defendeu‑se o governo português, em 20 de Dezembro de 1889 sendo conciliatório e dando garantias quanto à integridade de todos os direitos ingleses. Não se deu por satisfeito o governo de Londres que, a 11 de Janeiro de 1890, apresentou ao governo português, através do seu ministro em Lisboa, George Pettre, um “ultimatum”, exigindo a retirada portuguesa das terras em disputa. Os termos em que estava redigido e o prazo dado não permitia qualquer negociação, nem apoios externos e o seu não cumprimento levaria certamente a um ataque militar inglês. Assim o entendeu o Conselho de Estado, de imediato reunido sob a presidência do rei D. Carlos.
Na sequência, o governo português que tinha a força do Direito mas não tinha o direito da força, cedeu a esta, protestando no entanto os seus direitos aos territórios em disputa e pretendendo, no âmbito do artº 12 da Conferência de Berlim, ver o assunto resolvido através de mediação ou arbitragem.
Por não concordar com a posição do Conselho de Estado, demite-se o governo e uma onda de indignação anti-britânica percorreu a sociedade portuguesa. Negoceia-se em Londres, em Agosto de 1890 um projecto de acordo mas a emoção é funda e o mesmo é rejeitado. E com isto cai o ministério. O novo governo, de João Crisóstomo continua as negociações assinando-se um tratado definitivo em 11 de Junho de 1891. Foi este tratado que delineou praticamente as fronteiras de Angola e Moçambique e que os portugueses procuraram desenvolver a partir de então.
Da crise de 1890, é fácil concluir que os direitos portugueses eram incontestáveis. Porém cometeram-se erros graves:
– negociou-se separadamente com a França e a Alemanha, sem incluir a Inglaterra;
– não houve coesão política nacional quanto à questão e não se conseguiu reunir força económica e militar suficiente para apoiar os objectivos políticos;
– acreditou-se, ingenuamente, que a França e a Alemanha, iriam afrontar a Grã-Bretanha, para nos defenderem o que, naturalmente, não sucedeu.
No transe, o Conselho de Estado não poderia ter arriscado outra posição.
No fundo e como causa primeira de tudo, a fragilidade económica, política e militar de Portugal.
No seguimento desta gravíssima crise com a Grã-Bretanha colocava-se ao Estado Português a questão do que fazer com a Aliança Inglesa: continuá‑la dentro das nossas possibilidades ou aproximarmo-nos da França ou de outra potência europeia que melhor servisse os nossos interesses? Na definição futura foi importante a acção do rei D. Carlos que tentou encontrar uma política externa tão independente quanto possível.
A rivalidade entre as potências europeias vinha facilitar este desígnio e foram razão essencial pela qual Portugal conseguiu salvaguardar grande parte do seu território ultramarino, nesta época.
De facto, as campanhas contra Portugal não paravam, aliás numa tradição que já contava séculos: enquanto havia paz com Portugal na Europa, atacava‑se tudo o que este possuísse além-mar! Eram as mais variadas as acusações lançadas: incapacidade administrativa, atraso económico, prática de escravatura, finanças ruinosas; alegavam-se massacres e fomentava-se a insurreição entre as populações indígenas. As potências ofereciam-se inclusive para substituir Portugal suportando “filantropicamente,” o “fardo do homem branco” que, no seu pensamento, os portugueses não tinham meios para garantir, só assim sendo viável levar a civilização ao continente africano.
A recusa ou resistência do governo de Lisboa a este ideário, era tida como um embaraço inaceitável á alta política europeia...
Deste modo, a Inglaterra e a Alemanha aproveitando a crítica situação financeira portuguesa, vieram a realizar convénios secretos relativamente à partilha de territórios ultramarinos portugueses.
Ao contrário do que se possa pensar da rivalidade anglo-alemã (ou prussiana), derivado sobretudo das duas confrontações mundiais do séc. XX, o entendimento entre estas potências marcou muitas das épocas anteriores. Assim, ingleses e prussianos combateram do mesmo lado nas guerras da Sucessão e Espanha e dos Sete Anos, e contra Napoleão, em Waterloo. A hegemonia da Prússia teve o apoio inglês, cujas famílias reais estavam ligadas desde Jorge II (com a casa de Hanover). Quando o poder de Berlim esmagou a Dinamarca, a Áustria e a França, Londres não reagiu. E quando houve diferendos sempre se tentou dirimi-los à custa de terceiros. A subida ao trono de Guilherme II, que era neto da rainha Victória, veio perspectivar ainda um melhor entendimento entre os dois países.
A rivalidade entre ambos só se começou a desenhar claramente a partir de 1904, com a “entente cordiale” entre a França e a Inglaterra precipitada pela recusa alemã da oferta britânica de aliança, em 1898, 1899 e 1890, feitas pelo ministro das colónias de Lord Salisbury, Joseph Chamberlain. A negativa alemã baseava-se no seu desejo de manter e reforçar as alianças no Continente e de reavivar as desinteligências entre a França e a Grã-Bretanha.
Relativamente a Portugal, porém, Londres e Berlim, temiam que outras potências, nomeadamente os EUA, a Rússia, a França ou a Bélgica pudessem penetrar em áreas de influência que pretendiam preservar como suas – até porque políticos portugueses discutiam na praça pública se se devia vender as colónias ou não. Sabendo Portugal em situação aflitiva face aos credores externos, ofereceram-se os governos inglês e alemão para nos fazerem empréstimos tendo como penhores os rendimentos das alfândegas do ultramar. Em 1898, Balfour assinou com os alemães dois acordos secretos, prevendo a partilha das províncias portuguesas de África: para a Inglaterra, ficaria todo o Sul do Zambeze e o Norte de Angola; para a Alemanha, o Sul de Angola, o Norte de Moçambique e Timor. Suspeitou o governo português, chefiado por José Luciano do acordo e recusou o empréstimo. Por outro lado a França, que também soubera do segredo, apressou-se a oferecer a quantia necessária de “forma desinteressada” já que lhe convinha desfazer o entendimento anglo‑alemão. Com este apoio, com a denúncia da trama feita em Londres, e de alguma forma fortalecida com as vitórias militares obtidas no Sul de África, foi possível levar a Inglaterra a denunciar os seus acordos e a honrar a Aliança e o acordo de 1891 com Portugal.
Um outro aspecto que influiu positivamente nas relações anglo-lusas foi a exploração que o governo português fez da guerra anglo-Boer. Necessitando a Inglaterra do auxílio português, foi-lhe dito que o daríamos caso a Aliança fosse invocada o que veio a acontecer. Como corolário, foi assinado o Tratado de Windsor, em finais de 1899, após o que melhoraram muito as relações entre os dois países.
A luta durou três anos e terminou em 1901, após tenaz resistência dos Boers, que foram abandonados à sua sorte apesar das promessas de simpatia de grande parte dos países europeus.
Importa ainda referir e relacionar a influência da guerra hispano-americana de 1898, para um completo enquadramento dos acontecimentos que afec­taram Portugal. A Espanha tinha entrado em franca decadência após as invasões napoleónicas e as guerras civis que se lhes seguiram.
As suas colónias na América foram ganhando a independência, após a revolta das tropas do Corpo Expedicionário, enviado em 1820, para dominar as insurreições. Do seu vasto domínio colonial a Espanha conservava em 1898, Cuba, Porto Rico e as Filipinas. Tais domínios, pela sua importância, garantiam à Espanha um sentido de grandeza e uma missão fora da Europa. Porém, em 1868, ocorreram em Cuba, os primeiros surtos de revolta. Desde 1823, que os EUA faziam propostas de compra de Cuba à Espanha, o que sempre esta rejeitou.
Apoiaram, por isso, os EUA, todos os descontentes que havia na ilha. Em 1878, o governo espanhol obteve a pacificação da ilha, mas, em 1895 reacendeu-se a guerrilha e surgiu nova proposta de compra por parte dos EUA. A imprensa americana começou a preparar a opinião pública para uma intervenção militar.
Esta deu-se, após um incidente com o couraçado Maine que explodiu, durante uma demonstração de força na baía de Havana.
As esquadras americanas atacaram em simultâneo as esquadras espanholas em Cuba e nas Filipinas.
A derrota e humilhação dos espanhóis foi total. A paz foi obtida através do Tratado de Paris tendo a Espanha renunciado a Cuba, Filipinas e à ilha de Guam, ficando Porto Rico em regime de “retenção.”
Por via de tão grande desastre, houve receios de que a situação em Espanha se deteriorasse e viesse a afectar Portugal que aliás, declarou a sua neutralidade perante o conflito, a 14 de Maio.
O quadro da política mundial era completado pelo revés sofrido pela Itália, na Abissínia; um forte conjunto de nações onde se distinguiam a Áustria, a Itália, a França e a Rússia, opunha-se aos interesses britânicos no Oriente e a Turquia criava-lhes dificuldades no Egipto; a França aproveitando os conflitos e que os ingleses estavam envolvidos no Sul de África, ocuparam Tunis, ao passo que a Alemanha procurava entender-se com a Rússia e se estabelecia na Turquia, na Pérsia e na China, sem descurar as suas colónias em África. No Panamá, em 1897, construía-se o célebre canal do mesmo nome que tinha começado a ser construído, em 1881, mas só viria a ser concluído em 1914, já na administração americana. No Brasil, na sequência da proclamação da República deram-se vários movimentos revolucionários. Os ocorridos em 1893 e 1894, vieram a afectar as relações entre Portugal e o Brasil. Soldados do Exército e da Marinha revoltaram-se contra o governo do Marechal Floriano Peixoto. A gravidade dos eventos levou a que o governo português enviasse para o Rio de Janeiro dois navios de guerra a fim de defenderem os interesses nacionais e procederem a eventuais evacuações. Sufocada a revolta pediram asilo ao comandante português, 70 pessoas. Os incidentes que se seguiram perturbaram as relações entre os dois países ao ponto do governo brasileiro ter cortado relações com Lisboa durante cerca de um ano, sendo restabelecidas a 16 de Março de 1895. Esta situação, bem como a conjuntura internacional levaram a que se tentasse organizar, mais tarde, uma visita oficial do rei D. Carlos ao Brasil.
A visita, para a qual muito contribuiu o ministro português no Rio de Janeiro Camelo Lampreia, ficou acordada para Junho de 1908, e servia também para comemorar o centenário da abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional.
O regicídio veio frustar esta visita de grande alcance político e sentimental. Nesse mesmo ano a Inglaterra, através do “Board of Trade” fez uma análise da economia alemã, tendo ficado alarmada com os fantásticos progressos científico-tecnológicos daquele país.
Ao entrar no séc. XX, Portugal completara mais de oito séculos e meio de existência e possuía cinco milhões de habitantes no Continente e Ilhas Adjacentes. Moçambique fora pacificado por António Enes, Mouzinho e seus seguidores. Em Angola dá-se a pacificação dos Dembos, pelo Capitão João de Almeida, (concluída em 1913 por Norton de Matos), e Roçadas pune os Cuamatos; na Guiné, ainda em 1906 o Comandante João Muzanty pacifica aquele território, tarefa que só veio a ficar concluída em 1913, através da acção de Teixeira Pinto.
Em 1903, visita Lisboa, Eduardo VII e Afonso XIII e os irmãos Wright, fazem os primeiros voos da história da aviação. Em 1905, é a vez da capital portuguesa receber a visita do Kaiser e do Presidente Loubet, da França.
Através de convenções e tratados tinha-se regulado os problemas territoriais e fronteiriços: com a França em 1886, delimitaram-se as fronteiras da Guiné portuguesa com a África Ocidental Francesa (ratificadas mais tarde em 1905); com a Inglaterra em 1892 e 1899 (Angola e Moçambique); com a Bélgica, em 1891, sobre Angola; com a Alemanha (Sul de Angola e Norte de Moçambique) tendo esta potência ficado com o “triângulo de Quionga”; em 1903, com a Holanda, sobre Timor, em 1859 e com a China, sobre Macau, em 1888, pelo qual aquele país aceitava a ocupação perpétua de Macau por Portugal.
Todo este esforço fora compreendido pelo povo português. Estava-se perante um problema vital para o país e baseados numa política tanto possível nacional, puderam sucessivos governos, tomar providências e contra muitas destas foram impotentes os conluios palacianos, os ódios pessoais dos dirigentes partidários, o desinteresse e a cobardia de muitos. Numa palavra, a baixa política. De 1 de Julho a 28 de Setembro, o príncipe herdeiro D. Luís Filipe visitou S. Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique. Estava-se, porém, no décimo terceiro ano de uma grave crise financeira que corroía o país.
O enquadramento político-estratégico a nível mundial era nos primeiros anos do séc. XX, o seguinte:
a Inglaterra a ver os seus interesses políticos e económicos nas Américas em perigo ou mesmo desaparecer, por via do poder crescente dos EUA, sobretudo a partir do fim da guerra civil que opusera o Norte contra o Sul, procurava na Índia e no Sul de África as compensações para as perdas sofridas, ao mesmo tempo que se escorava no Egipto, ponto de passagem crucial para a Índia e eventual zona tampão para cobiças russas em toda a zona que ia do Mediterrâneo Oriental até ao Afeganistão e à Índia.
A França recuperava lentamente da derrota de 1871, expandia-se no Norte de África, em Madagáscar e na Indochina. A Alemanha imperava na Europa Central e tentava levar a cabo o seu plano de “Pangermanismo”, procurando dificultar a expansão das outras potências em África e contando com o apoio da Áustria e da Itália.
A Rússia continuava cobiçosa dos despojos do Império Otomano e das riquezas lendárias da Índia e do acesso aos mares quentes, política que tinha sido traçada desde o Czar Pedro, o Grande. A sua aproximação interessava‑lhe para fazer frente à Alemanha e Áustria e, àquela potência, não incomodava o expansionismo russo, e convinha-lhe até, para recuperar os territórios do Reno perdidos no desastre de 1871. Os russos tinham imposto aos turcos, pelo tratado de San Stefano uma série de ganhos territoriais e sujeições políticas que em muito reduzira os efeitos da vitória ocidental na Guerra da Crimeia. Deste modo o Montenegro, a Sérvia, a Roménia e a Bulgária pas­saram a ver reconhecidos em temos formais as suas independências, sob protecção russa. A Inglaterra sentiu-se ameaçada no Mediterrâneo Oriental e pelo Congresso de Berlim, obrigou a Rússia a ceder parte dos ganhos obtidos e aproveitou-se para extorquir a ilha de Chipre, de grande importância estratégica, aos Otomanos.
O caos balcânico mantinha-se o que provocou o massacre do Arménios, em 1894 e a guerra Grego-Turca, de 1897. De tudo resultava grande confusão nas influências, sobretudo russa e austríaca, sobre a Sérvia o que estaria na origem do rastilho que fez deflagrar a I Grande Guerra Mundial.
A Rússia aproximou-se então da França, sobretudo a partir do afastamento de Bismark e da cobertura das suas dificuldades financeiras por parte daquele país, a partir de 1892. Garantindo alguma segurança a Oeste, voltou a Rússia o seu interesse sobre o Oriente. No seu extremo despontava o poder nipónico que forçara a China, em 1895, a entregar-lhe parte de Manchúria, a ilha Formosa e a Coreia (“de facto”). Deste modo, Moscovo começou a temer Tóquio e instalou-se em Port Arthur e noutros locais. Tóquio reagiu, conseguindo um tratado com a Inglaterra, em 1902.
Este facto precipitou a guerra Russo-Japonesa de 1904-1905 onde, pela primeira vez na história, um estado asiático vencia uma potência europeia. Este desfecho teve consequências no tratado anglo‑russo de 31 de Agosto de 1907, onde se definiram as esferas de influência na Ásia tendo a Rússia renunciado à Índia e ao Afeganistão.
Reforçada em África pelo desfecho da guerra com os Boers, segura no Oriente pela vitória japonesa sobre a Rússia e ligada à França pela “Entente Cordiale”, de 1904, a Inglaterra podia achar-se como potência dominante a nível mundial. À Alemanha não agradava este predomínio e intentou contes­tá‑lo. Para isso escolheu garantir a independência do Sultão de Marrocos, país que a França tentava dominar. Em 1905, Guilherme II visitou Tanger onde proferiu declarações muito violentas. A guerra esteve iminente e para a evitar realizou-se em Algeciras uma reunião internacional, em 7 de Abril de 1906. A Alemanha deixou de se interessar por Marrocos após cedência de parte do Congo Francês, em 1911, a ocupação de Fez pelos franceses e a demonstração naval alemã em Agadir.
As cobiças das potências estrangeiras, apesar dos tratados, convenções e negociações, sobre os territórios ultramarinos portugueses, não conheciam tréguas. O caso mais grave voltou a ser protagonizado pela Inglaterra e pela Alemanha que assinaram em Agosto de 1913, um novo tratado de partilha, idêntico às convenções secretas de 1898 mas com uma ressalva: para não hostilizar a Austrália, Timor era agora substituído por S. Tomé e Príncipe na parte que caberia aos alemães. Estes, por influência de Tattenbach, enviaram uma esquadra a Lisboa para pressionar o governo português logo seguida por outra esquadra da Inglaterra, sita em Gibraltar, para “equilibrar” aquela pressão.
Logo reagiu a França que pretendia ficar com Guiné, Cabo Verde e Cabinda, exigindo em Londres e Berlim, que nenhuma alteração seja feita na Bacia do Zaire sem o seu acordo. Tendo sido tolerada a ingerência da França, as três potências assinam um acordo em Julho de 1914, cuja execução foi frustrada com o início da I Grande Guerra.
Por alturas de 1907 a situação política, militar e social, na metrópole portuguesa, começou a deteriorar-se acentuadamente. No ano anterior tinham‑se revoltado as guarnições dos cruzadores D. Carlos e Vasco da Gama e quando o novo presidente do ministério, João Franco, entra a governar em ditadura com reforço dos poderes do Juiz de Instrução Criminal, (na altura o Conselheiro Francisco Maria da Veiga), a contestação republicana cresceu de tom. Na Haia reuniu-se a II Conferência Mundial da Paz, que reconheceu o princípio das arbitragens obrigatórias, estabeleceu um Tribunal de Justiça Arbitral e aprovou 14 convenções que sintetizavam o desejo da subordinação crescente da força à Justiça e ao Direito.
Os EUA davam início à sua política de expansão colonial no Pacífico, tendo feito uma aliança defensiva com o Japão, o que foi visto em Londres como uma ameaça.
Em 1908, deu-se o regicídio e os preparativos para a revolução republicana entram em movimento uniformemente acelerado. D. Manuel tenta seguir as coordenadas político estratégicas de seu pai, apesar do seu afastamento dos seus principais colaboradores, de conservação dos territórios ultrama­rinos, jogando com apoios possíveis das várias potências e de paz com a Espanha, com entendimentos comuns uanto à neutralidade ou belige­rância. Incentivou o jovem rei os contactos externos visitando oficialmente Madrid, Paris e Londres, onde foi bem recebido, para além do que mandava o protocolo. Nenhum casamento, porém se conseguiu consertar, talvez devido ao facto das diferentes cortes estrangeiras sentirem a fragilidade da monarquia lusitana. Lisboa foi entretanto visitada por embaixadas da Inglaterra e da Alemanha.
A Revolução viria a ter lugar em 5 de Outubro de 1910, não sem antes uma delegação do Partido Republicano ter ido a Londres informar o governo britânico do que se preparava e garantir que o novo regime não afectaria as relações com a Inglaterra nem poria em causa a “Velha Aliança”. Seguiu-se novo período de agitação político-social, tendo-se reacendido a questão religiosa.


Fonte:http://www.revistamilitar.pt/modules/articles/article.php?id=103

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