quinta-feira, 27 de maio de 2010

Polícia africana na Luanda colonial (video)

40 NATIVE POLICEMEN WED IN LUANDA

quarta-feira, 26 de maio de 2010

A segunda humanidade

Estudo genético revela que espécie humana quase se dividiu em duas há cerca de 150 mil anos

CLAUDIO ANGELO
Os bosquímanos da África do Sul sempre foram considerados povos singulares: são fisicamente distintos, preservam uma cultura de caçadores-coletores que remete aos hábitos da humanidade na Idade da Pedra e têm línguas que não se parecem com nenhuma outra (uma de suas consoantes, por exemplo, é um estalo feito com a boca). Agora, um grupo de geneticistas encontrou uma razão para tamanhas diferenças: os ancestrais dos bosquímanos estiveram a ponto de originar uma outra espécie humana.
Durante um tempo que variou de 50 a 100 milênios, os khoisan (nome comum dado a todos esses povos) estiveram evoluindo isoladamente do restante das populações de Homo sapiens, uma espécie relativamente nova e com talento para colonizar novas terras -mas que, no entanto, ainda não havia deixado a África.
Esse isolamento só se rompeu há 40 mil anos. Não fosse essa troca recente de genes, os khoisan possivelmente estariam a caminho da especiação, evento que acontece quando duas populações de organismos evoluem separadamente a ponto de não poderem mais se cruzar entre si.
“Especiação não é um termo adequado”, corrige o geneticista Fabrício Santos, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). “Deve-se falar em diferenciação. Demonstrou-se que realmente eles ficaram separados por um tempo significativo, mas não foi tempo suficiente para haver também isolamento reprodutivo, que é a marca final da especiação. Cinqüenta mil anos são 2.000 gerações, o que é um tempo relativamente curto para a evolução de novas espécies com isolamento reprodutivo.”
Marcas
Seja como for, essa longa separação entre os khoisan e o restante da humanidade deixou marcas profundas nos genes dos bosquímanos. A dimensão dessas marcas foi revelada na semana passada por Santos e colegas de várias instituições de pesquisa ao redor do mundo. Esse grupo de cientistas compõe o Projeto Genográfico, um esforço para mapear a história das populações humanas e de suas migrações ao redor do planeta olhando o DNA.
Em um artigo publicado on-line na revista científica “American Journal of Human Genetics”, o geneticista americano Spencer Wells e colegas de oito países olharam um tipo específico de DNA, contido nas mitocôndrias (as usinas de energia das células). O chamado DNA mitocondrial é um excelente contador de histórias de migração, porque escapa do embaralhamento genético ocorrido entre os cromossomos no núcleo celular durante a fecundação. Além disso, ele só é transmitido de mãe para os filhos e sofre mutações (trocas espontâneas em alguma das letras químicas A, T, C e G que compõem a molécula de DNA) a uma taxa conhecida.
Estudando o DNA mitocondrial (mtDNA, na sigla) de duas pessoas quaisquer, é possível saber em que ponto do passado elas compartilharam um ancestral materno comum.
Wells e seu grupo, no entanto, não estão atrás de um ancestral de duas pessoas, mas sim dos ancestrais maternos de toda a humanidade. Para isso, eles seqüenciaram o DNA mitocondrial completo de 624 pessoas, comparando as mutações que elas têm em comum (haplogrupos) e datando as separações entre cada população de acordo com o relógio molecular oferecido pelo mtDNA (no qual uma mutação ocorre a cada 5.138 anos, em média). Isso permitiu montar a árvore genealógica materna humana.
Dois troncos
O que os cientistas verificaram foi que essa árvore não tem um único tronco e sim dois, ambos enraizados na África -que os cientistas chamam de ramo L0 e ramo L1′5.
Ao tronco L0 pertencem os khoisan. Ao L1′5 pertence basicamente todo o resto da humanidade. As linhagens que deixaram o continente africano a partir de 60 mil anos atrás e geraram desde os índios americanos até os aborígenes da Austrália, passando pelos europeus e os asiáticos, são apenas duas; as outras são todas africanas.
“Simplificando, um bantu (típico africano) é mais relacionado conosco [de ancestrais europeus ou indígenas] do que com os khoisan”, diz Santos.
Para o cientista, o achado foi uma surpresa: “Pouca atenção havia sido dada à diversidade genética na África. Sabia-se que ela era maior, mas o estudo detalhado mostrou que, na maior parte do tempo, nossa espécie esteve lá pela África, diferenciando-se internamente”, antes das migrações para fora.
A análise também indica a formação de pequenas comunidades independentes em vez de um espalhamento uniforme dos humanos modernos. O tamanho pequeno das populações provavelmente facilitou o isolamento dos ancestrais dos khoisan no sul do continente, devido talvez a uma mudança no clima. A barreira só seria rompida milênios mais tarde, quando a tecnologia “moderna” do fim da Idade da Pedra permitiu recolonizar o sul.
“Folha de S. Paulo ciência”
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Posfácio ao Portugal, o Ultramar e o futuro por Manuel José Homem de Mello





Estávamos em 1960.
 (…) O ciclo colonial percorria os derradeiros passos. Portugal encontrava-se numa encruzilhada decisiva: ou procurava resistir a tudo e a todos no intuito de preservar e manter o Império, inclusivé pela força das armas, ou optava pela via das negociações diplomáticas, sigilosas e transparentes. (…). Poucos seriam os que, naquela altura, ousavam defender uma solução negociada designadamente no seio dos comandos militares que, surpreendentemente, encontraram no ministro da Defesa, Júlio Botelho Moniz, o intérprete das mutações políticas que se impunha levar a cabo.(…)
Sondado pelo ministro e pelo genro Manuel Cotta Dias para assumir os Negócios Estrangeiros, devo confessar que senti, aos 30 e poucos anos, um misto de orgulho e receio. (…)
Reconheça-se, ainda, que a opinião pública portuguesa não estava preparada para a «entrega» das colónias por nossa própria iniciativa. Era quase certa a formação de uma organização de extrema-direita, como aconteceu em França com a OAS.
(…) Inviabilizada a tentativa de golpe de Estado, o chefe do executivo português recusou seguir o exemplo do General De Gaulle não aceitando renunciar ao princípio da Argélia Francesa. Também deste lado da fronteira, se gritava “Angola é nossa”. E era. Mas por pouco tempo mais (…).
Em 1954, Portugal perdia os primeiros territórios ultramarinos, Dadrá e Nagar-Aveli. Embora só em 61, antes da invasão de Goa, é que a Índia considerou como concluída a anexação (…).
O malogro do golpe de Botelho Moniz precipitou os acontecimentos embora a agonia do colonialismo português fosse prolongar-se por mais 13 anos. Acabaríamos por regressar ao rectângulo Europeu da pior maneira, sem rei nem roque, como autênticos cavaleiros de triste figura, quando possuíamos todas as condições para continuar - sem sair. (…). Daí à independência seria um ápice. (…) Salazar optou pela guerra para preservar o Império. Perdeu a guerra e Portugal ficou sem as colónias. (…)
Como foi possível que alguém tão inexperiente como eu tivesse visto o que um homem com inteligência, a perspicácia, a ponderação e os acontecimentos do então Presidente do Conselho, se revelou incapaz de prever? Só encontro duas respostas alternativas possíveis:
- Ou o Dr. Salazar, a partir, sobretudo, da perda de Goa, tinha deixado de estar precocemente na plena posse das suas excepcionais qualidades intelectuais e anímicas (…)
- Ou então optou por jogar Portugal na “roleta da sorte”, preferindo continuar no poder, apesar de não ter ilusões quanto ao epílogo da tempestade que se acumulava no horizonte, nem sobre as trágicas consequências dela resultantes (…)
A irreprimível vocação para a independência, pelos territórios por nós descobertos (…), manifestou-se muito antes da febre colonialista que viria apossar-se do Estado Novo três séculos mais tarde para acabar por aderir ao integracionismo que viria a ser oficialmente adoptado pelo regime então vigente, através do célebre grito lançado pelo Presidente Carmona ao chegar a Moçambique: AQUI É PORTUGAL!. E sê-lo-ia, se dependesse apenas da vontade de alguns.
Na verdade, andámos em sentido contrário ao da História: Colonialistas quando não o deveríamos ser; imperialistas quando o colonialismo se definhava rápida e inexoravelmente.
Não se trata de uma simples teimosia ou casmurrice. Continuo a pensar que o nosso caminho não deveria ser o da persistência na colonização mas liderar precisamente o oposto ou seja proporcionar e até mesmo incentivar a descolonização. Se já em 1500 fôramos capazes de proporcionar novos mundos ao mundo no século XX bem poderíamos, e deveríamos, ter seguido idêntico caminho procurando forjar (…) novos “brasis”.
Pois não é verdade que o sucesso de qualquer política se mede pelos resultados alcançados?
O que se afigura extraordinário é encontrar ainda bastante gente -  não muita mas mesmo assim gente de qualidade e em número suficiente para nos perturbar – gente que continua convencida ou dizer-se convencida que a nossa missão era a da defesa da integridade territorial portuguesa do Minho a Timor (…)
Todos sabemos que errar é humano. E humano também é reconhecer que se errou, como aconteceu por exemplo, com Robert Macnamara considerado um dos homens mais inteligentes da sua geração, Ministro da Defesa da administração Kennedy que veio a terreiro confessar que se enganara ao articular e dirigir a invasão norte-americana no Vietname, intervenção essa que acabou por confessar ter sido um erro descomunal.
Quem entre nós teve a coragem de semelhante atitude? Ao que saiba até agora – ninguém (…)
Um erro pode ser pior do que um crime. Ao mandar assassinar o Duque de Enghein, Bonaparte teria cometido um erro que Talleyrand não teve dúvida em considerar mais grave que um crime.
Pois em termos políticos apetece entrar no portal da História à ilharga do príncipe de Perigord,  reconhecendo e catalogando o ocaso do Império, de mãos dadas com a catástrofe de Álcacer-Quibir, como um dos mais trágicos, dolorosos, erráticos e irresponsáveis episódios do historial português.
Dá ideia de que nos consideramos tocados pela varinha mágica da infabilidade (…) mas enquanto os demais reconhecem os erros que cometem, nós nunca erramos, temos sempre razão.
Primeiros a chegar bem poderíamos não ter sido os últimos a partir. E sobretudo a partir como partimos, salpicando de opróbrio a memória daqueles que honraram a nossa Pátria morrendo por ela, glorificando Portugal (…)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Escritor russo revela plano de decapitação de dirigentes da UNITA e FNLA caso estivessem em Luanda no dia da independência





 
 
Maputo  - Contrariamente ao que se julgava, o Almirante Rosa Coutinho, que após o golpe de 25 de Abril de 1974 em Portugal foi nomeado alto-comissário português em Angola, não foi o único a favorecer o MPLA na tomada do poder pela força em Luanda à revelia do Acordo de Alvor que previa a realização de eleições livres. Leonel Cardoso, que viria a substituir Rosa Coutinho no cargo de alto-comissário português, desempenhou na prática um papel igualmente pernicioso para o futuro do novo Estado independente.


De acordo com Vladimir Shubin, autor do livro, «The Hot Cold War – the USSR in Southern Africa», em Outubro de 1975, cerca de um mês antes da proclamação da independência de Angola, Leonel Cardoso convidou Igor Uvarov, oficial russo que trabalhava sob a capa de correspondente da agência TASS em Luanda, para uma conversa, tendo-lhe confidenciado que “Portugal deparava com um problema: a quem deveria transferir o poder em Angola.” Cardoso disse ainda a Uvarov que “no dia anterior, as autoridades portuguesas em Angola haviam informado o Bureau Político do MPLA de que não poderiam transferir o poder apenas para este movimento, mas que teria de faze-lo para ‘o povo angolano’”.

O autor do livroautor do livro, «The Hot Cold War – the USSR in Southern Africa», revela que Leonel Cardoso em Outubro de 1975, cerca de um mês antes da proclamação da independência de Angola, pediu a Uvarov para que “enviasse uma mensagem a Moscovo no sentido da União Soviética influenciar o MPLA de forma a que a transferência de poderes fosse de ‘natureza conjunta’”, para depois fazer recordar ao correspondente da TASS que “anteriormente as tropas portuguesas haviam ajudado o MPLA a expulsar de Luanda unidades da FNLA e da UNITA”.

Leonel Cardoso chegou mesmo a dizer que “caso os dirigentes da FNLA e da UNITA viessem a Luanda para a cerimónia de transferência de poderes, estas organizações poderiam ser ‘decapitadas’.”

No livro, Vladimir Shubin cita Sérgio Vieira, antigo chefe da polícia política, SNASP, como tendo revelado que o regime da Frelimo também deu o seu aval à violação do Acordo de Alvor, favorecendo a tomada do poder pela força por parte do MPLA, enviando para Luanda uma peça de artilharia, vulgo órgão de Stalin, que, conjuntamente com outras peças idênticas fornecidas por Moscovo, permitiram às tropas de Agostinho Neto impedir que forças fiéis a outros movimentos entrassem na capital angolana para a proclamação da independência.
 

Fonte: Canalmoz      

A Língua Portuguesa como instrumento veiculador de identidade nacional em Angola

Parte de um texto por Mónica Hilário


«.... No momento actual, para o governo angolano, a língua portuguesa serve dois propósitos. Primeiro, continua a servir de instrumento linguístico para a coesão administrativa do país. Segundo, fornece a língua para uma comunicação mais vasta (nacional e internacional). Ganhando um novo poder de base e um novo elitismo. Poderíamos, mesmo, afirmar que o português adquiriu um "status" institucionalizado.
O português tem uma vantagem clara, quer ao nível de atitude, quer ao nível linguístico, adquiriu neutralidade num contexto linguístico onde as linguagens nativas, dialectos, e estilos por vezes adquirem conotações políticas indesejáveis. Em tais contextos o poder de neutralização é associado com o português, o português fornece - com ou sem mistura das línguas bantas - um código adicional sem conotações ou desigualdades étnicas evidentes.
Neste ponto, queria salientar que a língua é um elemento essencial na construção da identidade cultural colectiva (1)de um Estado. A identidade cultural colectiva é constituída de elementos supra-étnicos de forma a preservar e proteger a unidade nacional. Consequentemente, a identidade cultural colectiva é uma garantia de sobrevivência do Estado. Os novos Estados africanos, nos quais se inclui Angola, contém dentro de si vários grupos étnicos - que, geralmente, não tem nada em comum exceptuando o facto de pertencerem ao mesmo Estado -, estes constituem identidades culturais que implicam a possibilidade do surgimento de rivalidades étnicas e, até mesmo, o perigo de uma etnia reivindicar, dentro das fronteiras do Estado, um determinado território como exclusivamente seu. Os riscos que estão subjacentes ao problema de os países africanos se encontrarem fragmentados em etnias diferentes, levam-nos a compreender como a criação de elementos supra-étnicos é indispensável, uma vez que é necessária a afirmação de uma identidade colectiva para a existência e sobrevivência política, económica e social destes territórios. E é, deste modo, que a língua portuguesa - como língua oficial e veicular - surge como um elemento supra-étnico extremamente importante em Angola.
Uma aparente contradicção parece surgir quando o Estado angolano toma a língua portuguesa como a língua oficial e, simultaneamente, revaloriza as línguas nacionais. Se a língua portuguesa é fundamental como elemento supra-étnico, na construção da identidade colectiva da nação, então como explicar a revalorização das línguas nacionais quando estas implicam a fragmentação de Angola por áreas linguísticas e são associadas a diversas identidades étnicas, (que aparecem como potenciais impedimentos à formação da identidade colectiva que se tenta construir)? Uma forma mais directa de pôr a questão é: Como explicar a revalorização das línguas nacionais quando estas estão associadas aos grandes medos do "regionalismo" e do "tribalismo", ou seja ao perigo destes poderem desmembrar o estado angolano? Uma possível resposta pode encontrar-se no estudo de Orvar Löfgren (Löfgren, Orvar. 1989.) sobre a nacionalização da cultura, que passo a transcrever,
"Many forms of regionalism may function not as a potential threat to national break-up but rather as a kind of tension which may keep the national project alive and vital.(...) In some ways the province or region has had the role of providing a micro-level model for patriotism. By learning to love your home region - one part of the national whole - you prepared yourself for national feelings on a higher level"(Löfgren, Orvar. 1989. pp.18-19)
A resposta pode, assim, residir na tentativa de o Estado angolano em transformar os potenciais inimigos da nação em potenciais pilares de suporte da nação. Deste modo, a revalorização e o reconhecimento, que se assiste, das diferenças regionais, culturais, étnicas ou linguísticas tem um interesse subjacente. Ou seja, primeiro tenta-se passar a ideia de que constituem partes importantes do todo nacional. Partes que não se repelem na diferença mas sim que se complementam na diferença, de forma a dar um carácter da nação como um todo integrado. Isto é feito com o interesse de que estas actuem a um nível primário como uma preparação ou formação de um sentimento patriótico. Segundo, pretende-se a extensão a partir deste nível inferior, do sentimento de "amor" à parte, para um nível superior, de "amor" ao todo, ou seja à Nação. No caso das línguas nacionais esta revalorização e reconhecimento é comprovada através da iniciativa da Presidência da República na criação do Instituto Nacional de Línguas, em 1978, por decreto lei nº62/78, de 6 de Abril. Este promoveu um estudo sobre as seis línguas nacionais de maior difusão e a criação de um alfabeto único que possibilitasse a expressão escrita das línguas nativas (Kukanda, Vatomene. 1986). A importância de todo este trabalho realizado em torno das línguas nativas enquadra-se na mesma lógica acima descrita. Em Angola existe uma grande percentagem de indivíduos angolanos em situação de analfabetismo. Estes dominam melhor a sua língua nativa - apresentando grandes dificuldades na fala e na compreensão do português. Dado isto, a transcrição das línguas nativas à expressão escrita, seria o primeiro passo que permitiria a estes indivíduos aprenderem a ler e a escrever mais facilmente (pois estariam a reconhecer a sua língua nativa oral na escrita, ao longo da sua alfabetização), o segundo passo seria então a aprendizagem do português. O bilinguismo português-língua nacional, que se pretende, não quer dizer que as duas línguas se encontram ao mesmo nível de importância prática. O português é sempre a língua preferencial no ensino pós-alfabetização, na informação, nos contactos formais ou exteriores. O que implicitamente significa que mesmo na revalorização das línguas nacionais que se proclama, na prática estas continuam, de longe, a ter um valor muito abaixo do da língua portuguesa.
....."

Texto completo: AQUI

A Declaração de Guerra da Alemanha a Portugal

 

Expedição de 1914
Forças expedicionárias a caminho de África, em 1914

A Declaração de Guerra da Alemanha a Portugal

Em 9 de Março de 1916 a Declaração de Guerra da Alemanha a Portugal veio formalizar um conflito que já havia começado há algum tempo entre Portugueses e Alemães.O conflito luso-alemão já vinha sendo travado, há algum tempo, no sul de Angola e norte de Moçambique. Decidindo-se, então, a participação do Corpo Expedicionário Português nas trincheiras da Flandres.

«Senhor Ministro.
Estou encarregado pelo meu alto Governo de fazer a V. Exa. a declaração seguinte:
O Governo português apoiou, desde o começo da guerra. Os inimigos do império Alemão por actos contrários á neutralidade. Em quatro casos foi permitida a passagem de tropas inglesas por Moçambique. Foi proibido abastecer de carvão os navios alemães. Aos navios de guerra ingleses foi permitida uma larga permanência em portos portugueses, contrária à neutralidade, bem como ainda foi consentido que a Inglaterra utilizasse a Madeira como base naval. Canhões e material de guerra de diferentes espécies foram vendidos ás Potências da Entente, e, além disso, á Inglaterra um destruidor de torpedeiros. O arquivo do vice-consulado imperial em Modeles foi apreendido.
Além disso, foram enviadas expedições á África, e foi dito então abertamente que estas eram dirigidas contra a Alemanha.
O governador alemão do distrito. Dr. Schultz-Jena, bem corno dois oficiais e algumas praças, em 19 de Outubro de 1914, na fronteira do Sudoeste Africano alemão e Angola. Foram atraídos, por meio de convite, a Naulila, e ali declarados presos sem motivo justificado, e, como procurassem subtrair-se à prisão, foram, em parte, mortos a tiro enquanto os sobreviventes foram à força feitos prisioneiros.
Seguiram-se medidas de retorção da tropa colonial. A tropa colonial, isolada da Alemanha, precedeu na suposição, originada pelo acto português, de que Portugal se achava em estado de guerra com o Império Alemão. O Governo português fez representações por motivo das últimas ocorrências, sem, todavia, se referir ás primeiras. Nem sequer respondeu ao pedido que apresentámos de ser intermediário numa livre troca de telegramas em cifra com os nossos funcionários coloniais, para esclarecimento do estado da questão.
A imprensa e o Parlamento, durante todo o decurso da guerra, entregaram-se a grosseiras ofensas ao povo alemão, com a complacência, mais ou menos notória, do Governo português. O chefe de Partido dos Evolucionistas pronunciou na sessão do Congresso, de 23 de Novembro de 1914, na presença dos ministros portugueses, assim como na de diplomatas estrangeiros, graves insultos contra o imperador da Alemanha, sem que por parte do presidente da Câmara, ou dalgum dos ministros presentes, se seguisse um protesto. Às suas representações, o enviado imperial recebeu apenas a resposta que no boletim oficial das sessões não se encontrava a passagem em questão.
Contra estas ocorrências protestámos em cada um dos casos em especial, assim como por várias vezes apresentamos as mais sérias representações e tornámos o Governo português responsável por todas as consequências. Não se deu, porém, nenhum remédio. Contudo, o Governo Imperial, considerando com longanimidade a difícil situação de Portugal, evitou então tirar mais sérias consequências da atitude do Governo português.
Por último, a 23 de Fevereiro de 1916, fundada num decreto do mesmo dia, sem que antes tivesse havido negociações, seguiu-se a apreensão dos navios alemães. Sendo estes ocupados militarmente e as tripulações mandadas sair de bordo. Contra esta flagrante violação de direito protestou o Governo Imperial e pediu que fosse levantada a apreensão dos navios.
O Governo português não atendeu este pedido e procurou fundamentar o seu acto violento em considerações jurídicas. Delas tira a conclusão que os nossos navios imobilizados por motivo da guerra nos portos portugueses, em consequência desta imobilização, não estão sujeitos ao artigo 2.º do tratado de comércio e navegação luso-alemão, mas sim à ilimitada soberania de Portugal, e, portanto, ao ilimitado direito de apropriação do Governo português, da mesma forma que qualquer outra propriedade existente no pais. Além disso, opina o Governo português ter procedido adentro dos limites desse artigo, visto a requisição dos navios corresponder a uma urgente necessidade económica, e também no decreto de apropriação estar prevista uma indemnização cujo total deveria mais tarda ser fixado.
Estas considerações aparecem como vazios subterfúgios. O artigo 2.º do tratado do comércio e navegação refere-se a qualquer requisição de propriedade alemã em território português. Pode ainda assim haver dúvidas sobre se a circunstância de os navios alemães se encontrarem pretensamente imobilizados em portos portugueses modificou a sua situação de direito. O Governo português violou, porém, o citado artigo em dois sentidos, primeiramente não se mantém na requisição dentro dos limites traçados no tratado, pois que o artigo 2.º pressupõe a satisfação duma necessidade do Estado, enquanto que a apreensão, como é notório, estendeu-se a um número de navios alemães em desproporção com o que era necessário a Portugal para suprir a falta de tonelagem. Mas, além disso, o mencionado artigo torna a apreensão dos navios dependente dum prévio acordo com os interessados sobre a indemnização a conceder-lhes. Enquanto que o Governo português nem sequer fez a tentativa de se entender, quer directamente, quer por intermédio do Governo alemão, com as companhias de navegação. Desta forma apresenta-se todo o procedimento do Governo português como uma grave violação do Direito e do Tratado.
Por este procedimento o Governo português deu a conhecer que se considera como vassalo da Inglaterra, que subordina todas as outras considerações aos interesses e desejos ingleses. Finalmente a apreensão dos navios realizou-se sob formas em que deve ver-se uma intencional provocação à Alemanha. A bandeira alemã foi arriada dos navios alemães e em seu lugar foi posta a bandeira portuguesa com a flâmula de guerra. O navio almirante salvou por esta ocasião.
O Governo Imperial vê-se forçado a tirar as necessárias consequências do procedimento do Governo português. Considera-se de agora em diante como achando-se em estado de guerra com o Governo português.
Ao levar o que precede, segundo me foi determinado, ao conhecimento de V. Exa. tenho a honra de exprimir a V. Exa. a minha distinta consideração.»

Tradução do texto alemão entregue por Friedrich Von Rosen a Augusto Soares, Ministro Português dos Negócios Estrangeiros

HISTÓRIA DE ANGOLA (cont...)

 A FORMAÇÃO TERRITORIAL E A DIVERSIDADE ÉTNICA NA CONQUISTA COLONIAL


"Terra Gigante/
terra Grande Gigante/
De Queimadas sem fim/
terra Quente de mulatas/
D’um Bronze-chocolate/
E de negras Que Remexem/
Ao som do Batuque/
Nas noites Quentes de Luar". 

 (Rasgado,1996:11)

A República de Angola é, depois do Congo (Ex-Zaire), a maior nação ao sul do Saara. Com uma área de 1.246.700 Km2, foi durante quinhentos anos uma grande colônia portuguesa. Angola está situada na costa ocidental da África, em frente ao Brasil e tem fronteiras ao norte com a República Popular do Congo; a nordeste, com a República Democrática do Congo ou Ex-Zaire; a leste com a Zâmbia; e ao sul, com a Namíbia.
O território tem um comprimento máximo de 1.277 Km no sentido norte/sul e 1.236 Km de leste a oeste. Em fronteira marítima tem 1.680 Km e terrestre 4.928 Km.
A formação étnica de Angola iniciou-se a partir da migração dos bantos, povos que falam as línguas bantu, comum na África Oriental, Central e Meridional cujo termo singular é muntu, que significa "homem", "pessoa". Segundo o historiador Ralph Delgado, em 1482, quando os portugueses chegaram ao estuário do Rio Congo, os povos bantos já se encontravam ali em diversos reinos. Segundo Vansina (1985:556), "a expansão das línguas bantu pode refletir a ocorrência de grandes migrações que terminaram bem antes do ano 1100".
No entanto, a história desta população primitiva da África Negra só começou a ser decifrada a partir do século XIX, quando o mapa do continente negro foi discutido intensamente na Conferência de Berlim de 1884.
De acordo com os etnólogos especialistas em África, a etnia Banto, compreendia vários grupos como: Bakongos, Lunda-Cokwel, Mbundu, Ovimbundu, Ambós e outros pequenos subgrupos, que se expandiram pela África a partir da zona equatorial.
A penetração dos portugueses nos seus territórios teve início no reino dos bakongos, atual Zaire, província de Angola ao norte do país. Dentro da visão expansionista dos portugueses já havia uma consciência de que a conquista deste território não seria fácil, porque os bakongos, antes da chegada do colonizador, já dominavam técnicas da metalurgia, transformando ferro em instrumentos de guerra, conseguindo assim hegemonia territorial sobre os outros reinos próximos ao seu Estado.
Em volta do reino bakongo havia outros Estados menores. Em virtude da distância do centro, eram considerados independentes teoricamente, na prática respeitavam a supremacia do "manicongo". (Manicongo: o mesmo que reino do Congo. Compreendia Matamba e Angola).

"Entre estes reinos distantes destaque para três: Ngoyo; Kakongo e Luango na costa do Atlântico a norte do estuário do Congo, área conhecida como Matamba atravessado pelo vale do Cuango a sudeste, e a região de Ndongo, que incluía quase toda a parte central de Angola, de ambos os lados do Rio Kuanza. Quando houve os primeiros contatos com os portugueses, o mais importante dos muitos pequenos chefes da região de Ndongo era um que possuía o título hereditário de Ngola, que os colonizadores deturparam dando mais tarde o nome de Angola à Colonia" (Oliver. R. E. Fage, 1980:139).
Em 3 de maio de 1560, o navegador português Paulo Dias Novaes chegou à barra do Cuanza, apesar de Diogo Cão ter sido o descobridor. A ocupação Lusa em Angola se deu efetivamente no século XVI. Favorecido pela diversidade étnica dos Bantos, Paulo Dias Novaes iniciou sussessivas guerras contra os sobas que resistiam à ocupação. Segundo historiadores "do ano de 1579 até hoje, Angola não teve mais do que 20 anos consecutivos de paz" (Folha de São Paulo, 1996:1-12). Apesar da resistência, o avanço do colonizador era incontestável, pois era uma luta extremamente desigual, valendo apenas a bravura daqueles pioneiros na batalha contra a expansão ultra-marítima. Um outro lado a considerar é que diversidade não cria unidade, desta forma a estratégia utilizada pelo colonizador foi de criar desentendimento entre as diferentes etnias, apoiados por outros reinos de seu interesse.

"Às surriadas de tiros das armas européias e luso-angolanas, ripostavam verdadeiros chuvadas de flechas e pedradas nustras, despedidas pelos indígenas. Por fim, a defesa cedeu, caindo na mão do exército grande número de prisioneiros, entre os quais Ngunza-a-Mbambe e seus macotas, imediatamente degolados, com muitos companheiros. Estava-se em 9 de agosto de 1679. Enterrados os mortos, tratados os feridos e restaurados as forças dos sobreviventes, Luis Lopes de Sequeira prosseguiu a rota determinada pelo regimento, isto é, deslocou em direção ao "Sobado" (provém de Soba – autoridade tradicional de um lugar, chefe de tribo africana), de Quitequi Cabenguela, causador da mobilização. Pelo caminho avassalou matumbo-a-Hoji e Catuculo Caquariongo, sobas poderosos, o primeiro dos quais reforçou o exército com seus homens de arco.
Findas oito jornadas de marcha, a coluna alcançou um morro elevado, em cujas cumiadas se sobrepunha a senzala principal de Ngola Quitumba, importante chefe negro da região, e fez alto neste ponto; e vindo a saber, depois que se encontrava ali refugiado Quitequi Cabenguela, o grande adversário a combater, abriu trincheiras e tomou todas as medidas para conquistar a difícil posição" (Delgado,1955:30).
A luta do povo angolano do ponto de vista da resistência representou o início de um ensaio da libertação política, já que as determinações da coroa portuguesa eram explicitas em direção a futura expansão territorial.
Durante os anos que Paulo Novaes passou nas terras angolanas, pôde ver bem em que condições poderia fazer a ocupação e a colonização portuguesa. Dentre as informações colhidas sobressai uma, que dizia respeito às minas de prata do Cambambe.
Paulo Novaes na visita que fez ao reino, conseguiu despertar interesses do soberano por aquelas terras. Ele deixou a impressão à coroa portuguesa de que poderia fazer em Angola uma colonização agrícola fácil, semelhante à do Brasil. Soube ver o perigo da infiltração das outras potências européias, que começavam a olhar com cobiça para as terras além-mar. Como o Brasil, Angola teve o seu período pré-colonial, quando os interesses da coroa portuguesa ficaram voltados para outros territórios em virtude das condições mercadológicas do século XVI.

"Os colonialismos e imperialismos espanhol, português, holandês, belga, francês, alemão, russo, japonês, inglês e norte-americano sempre constituíram e destruíram fronteiras, soberanias e hegemonias, compreendendo tribos, clãs, nações e nacionalidades. São muitos os que reconhecem que os Estados Nacionais asiáticos, africanos e latino-americanos foram desenhados, em sua quase totalidade pelos colonialismos e imperialismos europeus, segundo os modelos geo-histórico e teórico, ou ideológico, que configurou toda a Europa (Ianni,1996:41).
Não poderia ser diferente a forma adotada pelos portugueses na ocupação e colonização de Angola, adotando o sistema de capitanias. A diferença básica é que a capitania foi atribuída ao próprio Paulo Dias de Novaes.
Tinha trinta e cinco léguas de Costa, começando a contar da foz do Rio Cuanza para Sul. No interior podia entrar até onde fosse possível, recebendo ainda outras doações, que poderia escolher sob três condições: deveriam ser repartidas em quatro partes; entre cada uma delas haveria pelo menos um espaço de duas léguas; sendo aproveitadas no prazo máximo de vinte anos a contar da data da posse. O capitão Paulo Dias de Novaes tinha obrigações como:
1º - defender, povoar e cultivar a terra, sem qualquer custo à coroa portuguesa;
2º - construir três fortalezas nas terras do domínio real;
3º - explorar toda a costa ocidental da África desde o Rio Cuanza até ao Cabo da Boa Esperança.
O donatário ficava, contudo, com uma larga margem de benefícios, porém sem qualquer recurso da coroa. Nestas condições o mercado escravocrata foi uma opção rentável, além da utilização de todos os recursos dos rios e portos que nestas terras houvessem. Acreditava-se que D. Sebastião estivesse decididamente resolvido a aproveitar ao máximo as terras africanas. Paulo Dias de Novaes tinha ainda a obrigação de estabelecer as famílias européias na sua capitania, sobretudo agricultores e os mais variados grupos sociais, independente da procedência na antiga metrópole. Pretendia-se com esta medida espalhar naquelas terras os costumes europeus e ensinar aos autóctones o aproveitamento das riquezas naturais. Enfim, era um plano de colonização. Procurava-se evitar em Angola os erros cometidos no Brasil, aproveitando a experiência adquirida para os futuros indígenas nas terras de Ngola. Apesar de todo o planejamento o "rei de Angola não se mostrou tão fiel aliado dos portugueses como o rei do Congo." (Santos, 1967:35).
Reagindo a invasão, os sobas e os reinos dominados, iniciaram uma série de revoltas. As mais importantes revoltas ocorreram no sobado da Kisama, e no sobado dos Dembos que protegiam grupos de escravos fugitivos, do Ndongo, da Matamba, do Kongo, de Kasanje, do Kuvale e do Planalto Central. Das pequenas revoltas, que foram apagadas na história dos vencedores, algumas permaneceram como testemunho da resistência, mostrando que as revoltas nunca cessaram na extensa capitania de Paulo Dias Novaes.
1ª - A Revolta de 1570: foi liderada pelo carismático "Bula Matadi", um aristocrata, que vendo o perigo que corria o seu povo, fez uma guerra de resistência para que não fossem explorados e dominados pelos portugueses. Bula Matadi mobilizou toda a comunidade para expulsar os portugueses do reino do Kongo, com a perspectiva de acabar com as intrigas que enfraqueciam o reino. Os portugueses interviram militarmente ao lado do rei do Kongo, depois de muitas batalhas Bula Matadi foi morto no último combate.
2ª - Resistência no Ndongo: No reino do Ndongo, foi forte a resistência contra a chegada dos portugueses. Com o espírito aventureiro, Paulo Dias de Novaes procurou o Ngola a fim de se informar das riquezas que havia no Ndongo. Desconfiado das intenções de Novaes, não lhe facilitou seu desejo e teve-o preso em Kabasa durante cinco anos. Quando libertou o capitão português, ele regressou ao seu país e voltou alguns anos depois com homens armados, dispostos a fazer a guerra ao Ndongo, a partir da cidade de Luanda, onde se instalou e mandou construir uma fortaleza.
Ngola Kilwenje era então o rei do Ndongo. O seu exército conseguiu vencer os portugueses em várias batalhas, embora as armas fossem simples arcos e flechas contra as armas de fogo que os invasores traziam.
Contudo, a resistência enfraqueceu à medida que alguns chefes foram abandonando a luta e, quando Ngola Kilwanje morreu, o Ndongo foi aos poucos ocupado pelos agressores. Muxima, Massangano, Kambambe foram caindo na posse dos portugueses que construíram fortes nos pontos altos a fim de melhor vigiar e dominar as populações. Algumas tribos e chefes sujeitaram-se a esta situação e pagaram tributos em escravos aos capitães portugueses. Outros preferiam fugir das áreas ocupadas e continuar a lutar, refugiando-se em zonas protegidas como as ilhas do Kwanza.
3ª - Njinga Mbandi: O maior símbolo da resistência ficou para a Rainha Njinga Mbandi, que além da luta contra a ameaça do colonizador, conseguiu aliar os povos do Ndongo, Matamba, Kongo, Kasanje, Dembos, Kissama e do Planalto Central. Foi essa a maior aliança que se constituiu para lutar contra os portugueses. As diferenças e interesses regionais foram esquecidos a favor da unidade contra o inimigo comum. Esta unidade teve os seus efeitos positivos: durante vários anos, os portugueses perderam posições e foram reduzidos a um pequeno território de onde seriam expulsos se não recebessem reforços. Segundo o historiador Ralfh Delgado em seu livro História de Angola (terceiro período, de 1648 a 1836),

"Desejando restabelecer a paz com o Governador, depois de exaustivas lutas, a nova rainha mandou à Luanda (principal base dos portugueses), uma embaixada, que alcançou os seus objectivos, mediante a intervenção, por ela solicitada, de figuras eclesiásticas de realce entre as quais o bispo. Proposto em 6 de setembro de 1683, o tratado de vassalagem obedeceu a oito condições, estipuladas pelo Governador e aceites pelos protetores da soberania". O destaque destes termos está no item quatro, que na íntegra força a rainha a dar abertura em suas terras para os forasteiros e caçadores de escravos "Será a mesma rainha obrigada a mandar abrir os caminhos para o comércio, sem impedimento algum franquiar nas terras do seu estado, e para que os pumbeiros possam ir e vir livremente sem que ela ou vassalo seu algum lhe possam impedir, antes lhe mandará fazer toda a boa passagem e tratamento para que sem dilações façam os resgates a quem foram encaminhados não se consentindo se alterem as fazendas dos banzos que serão na mesma forma que sempre foram sem engano ou imposto algum quibasco; ordenará outrossim que no seu quilombo se pratique e corra somente o côvado de Portugal que é de três palmos, e o verdadeiro por onde as fazendas neste reino se costumam vender, porém, as que nele se medem por vara que é de cinco palmos se medirão também no mesmo quilombo; e assim mais será a dita senhora rainha obrigada a consentir que os pumbeiros dos moradores possam ir comerciar, com os potentados do reino do Sonso, Quiacar, Punamujinga, Sundi, Casem e Damba, sem que disso possa impedir nem vassalo seu algum; e o que este impedimento se atrever, de mais do castigo que lhe der, será remetido a este governo para também por ele se mandar castigar; e para o bom efeito deste ponto mandará abrir os caminhos aos pumbeiros para que sem embaraço possam passar" ( Delgado, 1955:72).

Escravos "cangados" (foto Net)
O termo pumbeiros é o mesmo que pombeiros: agentes na sua maioria formados por mestiços. Os pombeiros trabalhavam com conta dos grandes chefes, sobas ou militares portugueses. Durante um ou dois anos, internavam-se no interior de Angola, trocavam os escravos por tecidos, vinho e objetos de quinquilharias, voltando com uma centena de negros, homens e mulheres acorrentadas. Este tráfico tinha o nome de "Guerra Preta" porque arrancavam sempre por meios violentos os negros das aldeias. Contudo eram os próprios negros, entre os quais os Jingas, que, levados pela ambição de possuir os objetos trazidos pelos portugueses, faziam guerra aos seus irmãos de cor. Existia até uma moeda especial para pagar os escravos. Em determinada altura, foi uma espécie de conchinha, importada do Brasil, a que deram o nome de Jimbo. Mais tarde, um tecido de folhas de palmeiras o "pano" substituiu o Jimbo. Muitas vezes os auxiliares da "guerra preta" eram os próprios chefes negros, os Sobas que trocavam os seus súditos por vinho, tecidos, sal ou pólvora. Os portugueses forneciam auxiliares a estes sobas: um dos seus soldados servia igualmente de guarda e ordenança. Como constatamos neste documento do século XVII, o comércio, a espionagem e a evangelização, sempre foram armas imprescindíveis na conquista colonial. Há quem pretenda que as razões econômicas estão na base da infiltração portuguesa na África, mas nesse período histórico todas as formas para subordinação foram utilizadas com estratégias traçadas e coordenadas a partir das principais falhas das futuras colônias, principalmente na composição étnica de território Angolano. Os acordos de vassalagem foram extremamente desiguais na composição do reino do Sonso, Quacar, Puriamujinga, Lindi, Cassem e Damba, pois a passagem dos pombeiros teve a garantia do governo central, cabendo aos vassalos, sobas e toda a comunidade indígena de Angola aceitar as condições acordadas na base da imposição militar. Na revolta da Rainha Njinga Mbandi, apesar da sua percepção para uma possível unificação étnica na luta contra o colonizador, a questão da força bélica Lusa foi um fator decisivo. No entanto, passados vários séculos da morte da Rainha Njinga, a idéia da unidade do povo angolano ainda não configurou-se. Ao final do século XX, vencida a luta contra o colonizador, permanecem as disputas internas pelo poder, com ideologias marcadas pelo rancor dos diferentes grupos étnicos na contra-mão da história.
4º - EKWIKWI II do Bailundo. Ekwikwi II, foi outro herói da resistência, que reinou no Bailundo no planalto Central de Angola há cerca de cem anos, com influência notável em toda a região. Quando chegou ao poder, os portugueses já dominavam todo o norte de Angola e preparavam para a penetração no interior do Planalto Central em busca de cera, borracha e outros produtos. Nessas circunstâncias, Ekwikwi resolveu preparar o seu povo militar e economicamente para enfrentar a guerra prevista. Sendo assim, ele intensificou a agricultura, principalmente o cultivo do milho, dieta indispensável na cultura dos Bantos. O milho era enviado em caravanas para o litoral na base de troca com os sobados vizinhos. As caravanas do bailundo, com o passar do tempo, passaram a avançar para outros Estados. Com essas viagens, foram expandindo para as novas áreas da borracha e colmeias, tornando o reino do Bailundo conhecido em toda a África Central como o estado mais rico do planalto com vários produtos para o consumo interno e exportação. A comunidade do bailundo viveu intensamente os modelos para a defesa dos direitos e soberania dos estados do planalto baseados nos princípios de Ekwikwi II que, além de fortalecer o seu exército, estabeleceu uma aliança sólida com Ndunaduma I, rei do Bié, para fortalecer sua posição na região. Ekwikwi II foi um rei progressista, dinâmico que sempre governou ao lado do seu povo. Ele foi sucedido por Numa II, que, corajosamente, enfrentou a guerra contra a pesada artilharia portuguesa no ataque à capital do Bailundo. Aos poucos as forças militares portuguesas foram ocupando pontos estratégicos. O Bailundo foi totalmente dominado, sem qualquer resistência a nova imposição Lusitana.
5º- Mutu-Ya-Kevela. Em 1902 os portugueses já tinham o domínio, e ocupação de grande parte do território angolano. Na região do planalto houve a fixação de alguns comerciantes portugueses em busca do milho, cera e borracha. Havia também fortificações construídas em Huambo e Bié para apoiar as trocas comerciais e manter a ocupação na região. Mesmo em pleno século XX, os portugueses mantinham o recrutamento para trabalho escravo na agricultura. Mutu Ya Kevela, o segundo homem mais importante na região, após o rei Kalandula do Bailundo, questionou as autoridades portuguesas contra o trabalho forçado imposto pelos imperialistas. Mutu-Ya-Kevela reuniu todos os sobados e reinos do planalto, convocando 6000 homens contra as colunas militares portuguesas, que sufocaram os rebeldes de Angola em 1902.
6º - Mndume, Rei dos Kwanyama. O sul de Angola esteve sempre disputado pelos portugueses e alemães. Aproveitando tal rivalidade, Mandume, rei do Kwanyama, conseguiu obter armamentos dos alemães, que serviriam para lutar contra os portugueses. Preocupados com uma futura ocupação dos alemães, os portugueses atacaram Njiva de surpresa, antes que o mesmo organizasse a luta armada. Mandume fugiu, iniciando em todo o território Ambó, uma tentativa de unir todas as tribos contra os portugueses. Os Ambós, muito bem organizados, comandados por Mandume, venceram os portugueses numa série de batalhas, obrigando os militares lusitanos a buscar reforços. Os portugueses utilizaram um sistema que ambos conheciam muito bem, corromperam parte da guerrilha Kwanyama, assim venceram as batalhas de Mongwa e Mufilo. Sabendo da vitória dos portugueses, devido ao grande poder de artilharia, e pela traição de alguns sobas, Mandume suicidou-se em 1917, preferindo a morte do que viver sob a subordinação dos colonialistas. Apesar da resistência e com a luta pela independência de alguns reinos, a ocupação do litoral ocorreu por meio de um jogo de interesses comerciais entre os portugueses e as diferentes tribos de Angola. A espionagem, evangelização e tribalismos muito contribuíram para a ocupação tanto no passado, como no presente. A configuração étnica de Angola, determina um provincianismo, ou regionalismo, que dificulta a regulação social do Estado, em função dos diferentes dialetos no mesmo território.
Segundo o etnólogo português, José Redinha, em 1950, as principais etnias que habitavam Angola, então com uma população de 3.989.486, estavam assim distribuídas.
TABELA 1: Principais dialetos de Angola

ANO 1950
DIALETO ÁREAS DE INFLUÊNCIA POPULAÇÃO
Umbundo Bieno, Bailundo, Sele, Sumbe ou Pinda, Mbui, Quisange, Iumbo, Dombe, Ihanha, Huambo, Sembó, Cacondo e Chicuma. 1.443.742
Kimbundo Ngola ou Jinga, Bondo, Bangala, Halo, Cari, Chinje, Minungo, Songo, Bambeiro, Quissana, Libolo, Quibala, Haco e Sende. 1.083.321
Kikongo(Bakongo) Vili, Iombe, Cacongo, Oio, Sorongo, Muchicongo, Sosso, Congo, Zombo, Iaca, Pombo, Guenze, Paca e Coje. 479.818
Lunda-Kiolo Lunda, Lunda-Lua-Chinde, Lunda Ndemba, Quioco, Mataba, Cacongo ou Badinga e Mai. 357.693
Ganguela Luinbe, Luena, Lovale, Lutchz, Gangela, Ambueta, Mambunba, Engonjeiro, Ngoliebo, Mbaude, Cangala, Iashuma, Gengista ou Luio, Ncoia, Camachi, Ndungo, Nhengo, Nhemba e Avico. 328.277
Nhaneka-Humbe Muila, Gambo, Humbe, Donguena, Hinga, Cuancua, Handa (Mupa-Handa-Quipungo), Quilenge-Humbe e Quilenge-Muso 191.861
Ambo Vale, Cafima, Cunhama, Cuamato, Dombandola e Cuangar 62.141
Herero Dimba, Chimba, Chavicua, Cuanhoca, Mucubal e Guendengo 25.184
Hotentote-Bochimane Bochimane, Cazama 7.049
Vátua Cuepe e Cuissi 5.895
Xingonga Cussu 4.505
Fonte: VALAHU, M. (1968: 30-32).
De acordo com a tabela, Angola conta com onze dialetos diferentes, sendo que metade da população usa o Umbundo e Kimbundo.
Para distinguir um reino do outro, em 1557, os historiadores deram ao reino dos Kimbundos o nome de Ndongo - Ngola e Ndongo-Matamba, na região de Malange onde viviam as tribos Jingas. O reino dos Jingas tornou-se famoso pela crueldade das suas rainhas, que estenderam sua supremacia por toda parte da etnia Umbundo, sendo que metade deste grupo era dominado pelos Kikongos.
Os Kimbundos ocupam a região de Luanda, na direção norte-oeste, sendo vizinhos dos Kikongos. Umbundos formam a maior tribo negra de Angola e ocupam o litoral e o interior. Na porção Leste encontramos o grupo Lundo, que conjuntamente com os Quiocos vivem na fronteira catanguesa. No sudeste temos as tribos mais primitivas que são os Ganguelas.
Perante essa "Babilônia", os Portugueses impuseram a sua própria língua sem a qual aliás não é possível viver. Ao contrário dos Belgas, os Portugueses recusaram terminantemente a falar as línguas indígenas. A imposição lusa no aspecto lingüístico, que descaracterizou a identidade do povo angolano, foi a segunda forma de dominação, pois militarmente a metrópole sempre foi superior em todas as suas ações imperialistas.
Concluindo, podemos observar na conquista territorial uma seqüência de determinações que favoreceram a tomada portuguesa do território. Elementos como: diversidade étnica, evangelização, poder bélico, espionagem e comércio fizeram parte de um conjunto de estratégias que deram aos portugueses não só a posse do território angolano, como também de Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e o Enclave de Macau, além da sua maior conquista que foi a terra do Pau-Brasil.

Continua....

CAPÍTULO 1 - CONTEXTO HISTÓRICO - Valêncio Manuel

domingo, 16 de maio de 2010

Os Khoisan (2.ª Parte) - Campeões da Sobrevivência no Sul da África


















" (…) Os Bosquímanos, um dos ramos do grupo khoisan, fizeram frente a um destino mais tormentoso do que o dos seus irmãos hotentotes. Isto porque o avanço dos trekboers para leste se realizou muitas vezes através dos seus campos de colheita e caça, tornando o choque inevitável.
Assemelhando-se a mongóis de cabelo enca­rapinhado, eles palmilhavam, livres e infati­gáveis, no seu caminhar gracioso e saltitante, as extensões poeirentas do karroo. Deslocavam-se em grupos cujo efec­tivo rondava, em média, a dezena e meia de pessoas. Campeões da sobrevivência, predadores superdotados, extraíam proveito de tudo o que obtinham daquele meio agressivo e avaro - desde os tubér­culos aos cágados, passando pelos pássaros e o mel, as bagas e os ovos, as larvas e os gafa­nhotos, as toupeiras e as térmitas. Com o auxílio de caniços sorviam de solos queimados, aparentemente enxutos e estéreis, a água preciosa e vivificante, que re­colhiam em cabaças, bexigas de animais ou cascas de ovos de avestruz. Nas caça­das untavam as pontas das flechas com vene­nos violentos, tirados de ve­ge­tais, de cabeças de víboras ou de uma providencial larva de lagarta. Utilizavam cães para desentocar as rapidíssimas lebres saltadoras e capturavam os animais de maior porte em grandes fossas de fundo armadilhado com estacas aguçadas. À noite recolhiam-se a choças temporárias e saudavam, sempre que ocorria, o apa­recimento da lua cheia, onde pairavam os espíritos dos seus mortos.
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Na altura em que as caravanas bóeres principiaram a devassar-lhes o território, os Bosquímanos ripostaram tal como haviam feito os seus antepassados diante das invasões dos negros bantos. Não tardou que se decidissem por audaciosas incur­sões, durante as quais, recorrendo a estratagemas de caça, se acercavam à sorrelfa dos rebanhos dos invasores para lhes subtraírem algumas cabeças. Por ve­zes leva­vam mais longe as suas iniciativas, não hesitando em atacar os brancos que sur­pre­endiam isolados no mato. Mas os belicosos calvinistas, nada dispostos a re­nuncia­r ao que entendiam ser os caminhos da sua predestinação, constituíam de facto uma nova e temível espécie de inimigo para o povo san. Organizados em co­mandos de voluntários, eles devolviam com impiedosa crueza todos os golpes e ameaças. Certa ocasião, no derradeiro quartel do século XVIII, um comando de duzentos e cinquenta bóeres levou a cabo uma devastadora acção de represálias. Por trágica ironia, faziam-se acompanhar de muitos auxiliares hotentotes, incorporados nas su­as carava­nas como fiéis servidores. No termo da operação, tinham sido aniquilados mais de cinco mil bosquímanos. Sem possibili­dade de reac­ção eficaz diante daque­las vagas de intrusos que os acossavam por todo o lado, cuspindo um fogo mortí­fero do cimo dos cavalos, os minúsculos caçadores do mato viram-se banidos dos seus territórios. Varridos para leste e para norte, só lhes restou acolherem-se, como proscritos, às estremas adversas dos grandes deser­tos.
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À semelhança do que sucedera na época das lutas contra os Bantos, os Khoisan deixaram registo, nos rochedos do Cabo, do seu fatídico encontro com os brancos. Trata-se de desenhos toscos, de uma comovente expressividade, de cujo traço in­génuo parece soltar-se uma silenciosa mas pungente inquie­tação. Ou, então, o pul­sar de uma ameaça mortal. Num deles sobressai um vistoso galeão, porventura ob­ser­vado numa das baías de aguada. Exibe a proa er­guida, o esporão arrogante, os pavilhões orgulhosamente desfraldados no topo de quatro mastros nus. Noutras re­presentações divisam-se europeus de cabeças som­breadas por chapéus de aba larga, empoleirados em cavalos altivos, e as avantaja­das mulheres holandesas de grossas ancas realçadas por saias em balão. Aparece ainda, como que dotado de movimento, um dos característicos carros de bois das deambulações migratórias: transporta um animado grupo de homens, mu­lheres e crianças gesticulantes. São fi­gurações de intenso e incomodativo drama­tismo. Se forem olhadas longamente e com vontade de sentir, deixam adivinhar murmúrios, risos e clamores desprendidos do fundo dos tempos.(...)
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(José Bento Duarte - Senhores do Sol e do Vento - Histórias Verídicas de Portugueses, Angolanos e Outros Africanos - Editorial Estampa - Lisboa - 1999)

FONTE

Os Khoisan (1.ª Parte) - Campeões da Sobrevivência no Sul da África















"(...) Quando principiaram a assenhorear-se da região do Cabo, os Calvinistas de­pararam com bandos errantes de pequenos homens de epiderme castanho-amare­lada, olhos oblíquos, faces ossudas e precocemente enrugadas e cabelos dispersos em tufos encarapinhados. A cor e os traços fisionómicos dessa gente, que se ex­primia num dialecto pontuado de estalidos, não apresentavam semelhanças com os dos povos africanos encontrados a norte. Tratava-se dos Hotentotes, ou Khoi-Khoi, e dos Bosquímanos, ou San, modernamente agrupados sob a designação de Khoisan. Os Bosquímanos viviam em exclusivo da caça e da recolecção, ao passo que os Hotentotes acrescentavam a criação de gado a tais actividades.
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Estes seres constituíram, desde tempos sem memória, os primitivos habitantes de grande parte dos espaços africanos. Surpreendidos em épocas remotas pelas invasões de negros bantos oriundos do Norte, viram-se batidos e empurra­dos para sul e sudoeste do Con­tinente, inexoravelmente esbulhados das pastagens e dos territórios de caça. Para sobreviver, refugiaram-se nas periferias dos desertos ou procuraram as fran­jas costeiras de menor fertilidade. Gravaram para a posteridade, em cavernas e ro­chedos dispostos ao longo dos caminhos da fuga, dramáticas figurações dos seus recontros com aqueles negros enormes e robustos, de pele retinta e olhos salientes, que lhes iam subtraindo os domínios ancestrais. (…).
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Certos viajantes e exploradores europeus deixariam dos Khoisan algumas re­pugnantes descrições. Não hesitaram em apresentá-los, de pena ligeira e cheios de suficiência, como estúpidos, feios e horrendos, talvez mais próximos do irracional do que do ser humano. Estas desapiedadas impressões, caso fossem levadas ao co­nhecimento daqueles entes minúsculos e engenhosos, maravilhosamente adaptados ao seu meio, dotados de apurada sensibilidade e cultores de um refinado sentido de humor, suscitariam decerto entre eles a hilaridade ou um pasmo escandalizado. Com efeito, desde as deambulações do português Bartolomeu Dias pela região, os Khoisan jamais tinham deixado de emocionar-se com a terrífica aparência desses mareantes de tez leitosa e descomunais narizes afilados, os lábios finos e os olhos arregalados, as barbas hirsutas e as cabeleiras esvoaçantes, os enormes corpanzis semeados de pêlos como os dos macacos. Os forasteiros exibiam-se por ve­zes co­bertos de estranhas carapaças metálicas ou de trajos espessos que os faziam suar abundantemente. Possuíam a inquietante faculdade de mudar de cor sempre que se encolerizavam ou quando se entregavam a esforços intensos. Nessas ocasi­ões, em que as faces se lhes tingiam de um vermelho carregado, tornavam-se ver­dadeira­mente pavorosos. Como se não bastasse, dedicavam-se a manobras e ceri­mónias nebulosas, que incutiam o receio e a suspeita nas gentes do Cabo: arrasta­vam para bordo, em grandes recipientes, quantidades prodigiosas de água das nas­centes, dei­xavam nas praias, devorados pelas chamas, alguns dos navios em que se tinham feito transportar e, espanto dos espantos, enterravam no chão esquisitos ob­jectos de pedra ou madeira, em volta dos quais entoavam depois, de joelhos em terra, longas e graves lengalengas na sua fala incompreensível. Não admira que, mal os navega­dores lhes davam as costas e se sumiam de novo no mar, os Hotentotes caíssem com ligei­reza sobre essas ameaçadoras construções e procurassem reduzi-las a pe­daços, es­conjurando qualquer efeito maléfico que delas pudesse desprender-se. (...)
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(José Bento Duarte - Senhores do Sol e do Vento - Histórias Verídicas de Portugueses, Angolanos e Outros Africanos - Editorial Estampa - Lisboa - 1999)
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(Continua)
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quarta-feira, 5 de maio de 2010

ANGOLA 1820-1890 por Júlio Alves Victor



Précis crítico de “O Império Africano 1825-1890, Part 3 - Angola”,
de Jill Dias, in Nova História da Expansão Portuguesa,
dir. Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques, ed. Estampa, Lisboa, 1998.


por Júlio Alves Victor * Angola nas Vésperas da Abolição (1820-1845)

a) O Quadro Africano
(1)

A sociedade nativa: a população angolana em fins do século XVIII era menos de 10-20 milhões (2) numa área de 2,5 km2 com distribuição muito desigual, preferencialmente congregada em aldeias linhageiras (3) nos vales dos grandes rios e nos planaltos férteis de Luanda (‘Congo highlands’) e Benguela (‘Huambo’), (4) dado que os agregados da savana eram muitos escassos e dispersos. As interacções culturais dos povos da região seriam (p. 324) «milenárias...» (5) e cultivavam-se tradicionalmente «bananeiras e, especialmente, palmeiras...» (6) . A alimentação de origem americana teria entrado no baixo Zaire (p. 325) no século XVI. (7) . No reino do Congo os antigos chefes regionais vieram a exprimir «a sua unidade através de forte adesão a ritos e símbolos cristãos, tais como a investidura da Ordem de Cristo, o direito de enterro nos túmulos reais cristãos situados em S. Salvador e o casamento cristão» que reputavam protegê-los «ao mesmo tempo, dos efeitos da feitiçaria.» O ntotela viu, porém, o seu poder reduzido, a partir de c. 1800, [e à semelhança do Papa] às imediações da sua capital.

A sociedade da região [pensa Dias] era ‘linhageira’ [porém já antes de 1565 havia guerreiros profissionais, ou a nziku (‘anzicos’), provavelmente escravos, e no tempo de Cadornega (1680) os súbditos do ngola encontravam-se completamente estratificados em duas camadas bem definidas: a gente mulenda (‘de mulinda’) ou linhageira e a do ki nyiku (‘de quinjico’) ou adquirida – guerreiros, serviçais, escravos.] e que a sua escravização se intensificou em resposta ao tráfico. [Esta é a conclusão lógica, porém a priori: de facto, a escravização jurídica tradicional, que decorria a) da condenação de indivíduos, seria limitada pela impraticabilidade de fabricar acusações para criminalizar alguém,
(8) prática de que só o soba beneficiaria; e b) o deflagrar ‘normal’ de conflitos entre etnias por razões territoriais – pastos, lavouras, águas – tenderia a reconhecer-se como contra-produtivo para os interesses das próprias populações. O aumento da escravaria no século XVIII não significará, portanto, uma intensificação do tráfico dentro do território, mas, primeiro, uma extensão da prática a territórios vizinhos – historicamente o vasto império Luba – agenciada pelos chefes de Cassanje, e finalmente ao trato directo de Luanda com os chefes do interior de África].

O tráfico em geral: os africanos obtinham pelo tráfico têxteis e armas de fogo, estas e a pólvora em 3º lugar de preferência,
(9) ou seja 10% do valor exportado, seg. Miller (1980). O número de pessoas exportadas legalmente para a América, de que há registos, entre meados do século XVI e 1850, totalizou aproximadamente 2 milhões. A partir de 1780 o tráfico de Luanda e Benguela escalou-se seg. Miller (1980) de 168.000 na década de 1791-1800, 188.400 (1801-1810), 246.000 (1811-1820) a 248.900 (1821-1830), (10) com um impacto demográfico incerto (11) mas que geralmente se considera coberto pela fertilidade natural das mulheres, já que, maioritariamente, eram homens o que se exportava.

Congo e Luango: territórios onde «o governo português de Luanda... tinha pouco ou nenhum poder de intervenção efectiva...»
(12) e onde quem agenciava o tráfico, desde o século XVII – entre o vale do r. Cuango e os Bavili, cruzando o Cacongo – eram os “Mubires”, muito respeitados por exercerem o ofício semi-mágico de ferreiro: (13) trocavam os escravos nas feitorias norte-americanas, brasileiras, espanholas e portuguesas da costa do Luango por mercadorias europeias que utilizavam em parte para a aquisição de mais escravos além-Cuango; (14) para sul a actividade dos mubires penetrava o reino do Congo e chegava aos distritos de Dembos, Dande e Zenza, em território português. Estes mercadores, precursores (15) de uma oligarquia comercial e burguesa na costa africana [entre o Luango (hoje Cabinda) e o Ambriz], subordinavam-se às [i. é, negociavam directamente com] as «autoridades linhageiras locais». (16) A sul do r. Zaire bem como e ao norte (o Cacongo) o poder central [exercia-se, por tradição, apenas no domínio religioso, e pareceria, assim, que] estava moribundo: o ntotela, e o maloangu do Maiombe, apareciam como figuras de ritual nas administrações feudais respectivas; assim, «...as relações formais entre o governo português e o Mani Congo, no século XIX, reduziam-se... à manipulação política dessa dimensão ideológica e espiritual, (17) uma vez que os missionários... se encontravam em Luanda.»

Em Cacongo os mubires iam aos portos de Cabinda e Boma; no Congo, onde o poder político era há muito exercido pelos chefes regionais [dos ducados e marquesados sugeridos por D. Manuel I] de Sonho, Bamba, Bata, Pango, Sundi, Pemba, Uembo e Uando, os dois primeiros eram costeiros e povoados por mussorongos [Quic. mu sulungu, ‘senhor das canoas’, canoeiro]; encontravam-se então, porém, já fragmentados em pequenos sobados e foi nestes que se radicaram os mubires que abasteciam as feitorias de Mbidji (Ambriz, na foz do r. Loje) e Quissembo (Ambrizete): [os transportadores, naturalmente, não reconheciam a autoridade portuguesa sobre os embarques nestes portos, e por isso] os impostos lançados pelo governo de Luanda entre 1800 e 1820 causaram atritos com os capitães de navios. No Congo o soba mussorongo mais forte era o «Marquês de Mossulo», verdadeiro chefe da rede comercial da região; no Cacongo o mesmo acontecia em Boma.

Cassanje e Matamba: a abertura de uma rota do sal da Matamba à Quiçama é oposta pelo soba bângala, que se dava o título de ‘Quinguri’ (ki nguli, ‘o leão’) e pretendia ter laços de parentesco com o mwata Yanvu, gera tensão entre os dois estados. Em 1790 o governo de Luanda não conseguiu que os naturais do pequeno estado Holo sobre a escarpa oriental do planalto de Luanda lhe destinassem o tráfico entre a margem direita do r. Cuango e a costa do reino do Congo, onde «as feitorias inglesas, americanas, espanholas e francesas ofereciam...» mais, e o Ambriz, então habitado por feitores ingleses. A subsequente perda de prestígio pelo Quinguri – que não conseguia controlar a interferência, apoiada pelos matambulas, dos Baholo no tráfico – leva ao contrato directo de Luanda com o Mwata: a feira de Cassanje é abandonada (entre 1804 e 1827), a primeira caravana do chefe Lunda para a costa angolana cruza o Cuango em 1808 e em 1810 os primeiros comerciantes portugueses visitam a corte do Leste com o fim de ali impedirem a actividade de contrabandistas; governo do mwata Naweji II (c. 1820 a c. 1850) teve por base o comércio directo resultante.

Angola: [a incipiente administração civil portuguesa estendia-se, com diferentes graus de dificuldade, a 4 regiões: Angola (Dongo e Quiçama), palco da actividade militar da Conquista, onde a influência de Luanda era, naturalmente, maior; Dembos, onde a] hostilidade dos chefes comarcões que frequentemente impedia as deslocações de Luanda ao norte [o que, dada a ascendência do rei conguês sobre aqueles chefes montanheses, influenciou em grande parte a colocação da sede da diocese na costa], não impediu que em teoria a região se encontrasse então dividida em dois distritos: Dembos, entre os rios Zenza e Dande, com seis sobados,
(18) e S. José do Encoje – fundado em 1750 para tentar impedir os libambos de atingirem o Ambriz – com onze sobados; (19) [o planalto de Benguela, ou] planalto ‘Central’, onde as campanhas militares da década de 1770 puseram em evidência os sobados de Bailundo [ba Ilundu], Huambo [U’ambu], Bié [b’Yeh] e Galangue [Ngalangi] (20) no período em apreço o Bié tornara-se um entreposto do tráfico, e o soba poderoso; para o Galangue foi nomeado um regente em 1820; com o Huambo não havia ligação formal.

O sul: no planalto da ‘Huíla’,
(21) [ou de Moçâmedes] a primeira penetração portuguesa terá sido a «invasão dos Gambos» de 1760; (22) formara-se o sobado Nhaneca pela união de clãs «para se defenderem» de populações meridionais, (23) e o da Huíla foi fundado pelo «guerreiro Njau»: os chefes de ambos beneficiavam do tráfico que forneciam para o norte (Bié, Pungo Andongo), para a costa (Benguela) e, mais tarde, para as feitorias [agricultura e pesca] de Moçâmedes, e o da Huíla [então o limite administrativo meridional de Angola] chegou a ser poderoso: em 1820 forçou o regente respectivo a refugiar-se em Quilengues. Mais a sul [os Himbas (ramo dos “Hereros” namibianos), vinham a ser espoliados do seu gado pelos Nama (“hotentotes”) desde a seca de 1829, em golpes-de-mão a norte do Cunene que os trouxeram até ao r. Curoca e Porto Alexandre; entretanto] o sobado dos Gambos, e especialmente os povos agro-pastores dos sobados Humbe e dos povos Ambó [a Mpo, ‘do avestruz’], eram «os únicos... [então] relativamente autónomos e isolados do tráfico atlântico» [graças, provavelmente, à pastorícia, anteriormente monopolizada pelos Himba mas desde a década de 1830 impulsionada pelos contactos com os salteadores “hotentotes”, o chefe mais poderoso dos quais, o mestiço afrikaner Jan Jonker, construiu a primeira igreja em Windhoek em 1840: este foi o ano em que] os Cuanhamas começaram a emancipar-se da tutela política dos Humbes [e cinco anos depois já funcionava em pleno a linha de fornecimento de gado do sul de Angola, a troco de aguardente, às companhias de Walvis Bay pelos cavaleiros Nama – e os Himbas haviam concebido uma antipatia perene pelos Cuanhamas]. 

Continua...


1. Dias refere frequentemente J. C. Miller (The Way of Death, Madison, 1980).
2. Enorme variação! Ainda hoje pouco ultrapassa os 10 milhões, incertamente.
3. A visão idealista da ‘sociedade linhageira’ – essencialmente pré-banta e descrita do sub-continente por Vedder em relação aos Berg Damaras – deve-se provavelmente a Miller: já no tempo de Diogo Cão a sociedade banta do território se regia por monarquias eleitorais de chefes religiosos a norte do rio Dande, e por tiranias hereditárias baseadas em linhagens ‘de sangue sagrado’, da tradição dos Grandes Lagos, a sul daquele rio – os miata calundas, os oulombe ovimbundos, os ngolas mbundos e os jagas bângalas.
4. Portanto na metade setentrional do território actual.
5. Mas não no actual território de Angola, com referência aos povos bantos, dos quais os mais antigos, antepassados dos Ovimbundo, terão passado a Cameia no século IX, e a monarquia conguesa se terá estabelecido no século XIV.
6. A primeira sim, a segunda brotava de pés múltiplos, sendo os palmares, então, aflorestações naturais.
7. Assumindo que a mandioca e o milho foram plantados ao princípio dos contactos portugueses com o reino do Congo, o que é duvidoso, já que a gramínea fora trazida para o golfo da Guiné pelos Espanhóis nas primeiras décadas do século XVI mas Cadornega (1680) ainda não menciona o seu plantio pelos nativos, e a raiz só foi introduzida como cultura em Angola pelo governador Fernão de Sousa em c. 1624, temendo um bloqueio pelos Holandeses, que haviam tomado a Baía.
8. Dias refere aqui o ordálio, que era uma prática particular – usava-se entre pessoas aparentadas – e não jurídica; de resto, sendo evidente que tendia a causar a morte ou severa debilitação do suspeito, não caberia no esquema de um chefe para aumentar o números de seus ‘filhos’ vendáveis.
9. Não se indica o que estava em 2º lugar.
10. Total: 850.400 em 40 anos, à média anual de 21.260, deixando 1.149.600 para o período 1550-1790 (240 anos), ou seja, à média de 4.790 por ano.
11. Não se faz menção de taxas de crescimento natural.
12. Naturalmente, já que eram territórios independentes, sendo o Congo, em teoria, um estado aliado da Coroa de Portugal; o Luango era, também em teoria, um território vassalo do Congo, com Cacongo e Ngoio.
13. Sendo, assim, provavelmente, de origem Vili, tradicionalmente os grandes ferreiros da região.
14. Tuckey, J. K. – Narrative of an expedition to explore the River Zaire, pp. 126, 282-3, 285. Degrandpré, L. – Voyage à la côte occidentale d’Afrique fait dans les années 1786 et 1787, Paris, 1801.
15. Semelhantemente aos ‘pumbeiros’ angolanos dentre os quais, a partir de Ambaca, saíram algumas futuras famílias comerciais nativas do século XIX.
16. Proyart, L. B. – Histoire de Loango, Kakongo et autres royaumes d’Afrique, Paris, 1776, pp. 77, 95, 155.
17. Trata-se de conclusão a priori: havia missionários no Congo, embora a sede da diocese (de Angola e Congo) fosse em Luanda; não é evidente que a Igreja se prestasse no século XIX à ‘manipulação’ do reino independente do Congo com fins políticos – e quais? De resto, segundo Dias, D. Garcia pediu missionários em 1804 que só chegaram em 1814 – mau método de ‘manipular’ o monarca.

18. Dos quais os mais importantes eram Ngombe Amuquiama, Cazuangongo e Caculo Cacaenda.
19. Mais importantes: Ambuíla e Nambuangongo.
20. Vide Angola. Notícias de alguns dos distritos de que se compõe esta Província, A.C.U. 2.ª Série, Lisboa 1860, pp. 87 e 93; Sarmento, Alfredo – Os Sertões de África, Lisboa 1880.
21. Huíla – Nh.H. U’Ila, ‘para cima’, sem ‘h’ aspirado; escrito Oíla (o’Ila) no século XVII.
22. Dias refere aqui Pilarte da Silva – Relatório (?) de 09.12.1770; Homem e Magalhães, Pedro José Correia de Quevedo (gov. Benguela) – Carta de 16.09.1785, A.H.U. maço 13; Barão de Moçâmedes – Parecer sobre uma consulta do Conselho Ultramarino, 24.02.1796, A.H.U. maço 6.
23. Noção que contrasta com a tendência histórica para incursões do norte – os imbangalas diziam guerrear no planalto – buscarem escravos e gado no sul, e com a própria identidade da língua Nhaneca com os guerreiros de além Cunene os Nkhumbi de ascendência imbangala. 


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Natural de Moçâmedes, hoje Namibe, Angola. Amigo e colega no Helderberg College, África do Sul, nos anos 60. Depois de terminar os estudos universitários, em Geologia, fixou residência naquele país. 
Agradeço ao Júlio Victor mais esta contribuição. Com a sua vasta cultura, conhecida por todos os seus amigos, é uma honra receber a sua colaboração dedicada à nossa Terra Angola.

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