Em homenagem ao historiador José Capela
obreiro da memória luso-moçambicana
Em 1930 teve lugar em Angola, então a mais importante colónia portuguesa em África, o que alguns qualificaram como "tentativa de golpe de Estado" e outros, mais eufemisticamente, chamaram movimento "de indignação popular" contra os abusos do Alto Comissário Filomeno da Câmara3. Esta questão, que poderia ter desencadeado na
época uma guerra civil em Angola, foi objecto de violenta polémica, especialmente na imprensa da colónia. Sessenta e seis anos depois ela mergulha no esquecimento, e, que se saiba, nenhum historiador a tratou até hoje4.
O objectivo deste artigo não é de fazer uma descrição dos acontecimentos que tiveram
então lugar em Angola e que poderiam ter tido repercussões profundas sobre o próprio
regime em Portugal. Limitamo-nos apenas a esquissar os contornos de uma trama que teve essencialmente lugar em 1929-30, aproveitando-a para tentar pôr em relevo algumas das características da própria colonização portuguesa enquanto política global. Esses elementos parecem essenciais para a compreensão da situação económica e social de Angola nas décadas que se seguirão.
A documentação da época sobre esta rebelião de 1929 é constituída por dois livros,
hoje praticamente desconhecidos, e por um volumoso dossier de documentos inéditos
descoberto há poucos anos num leilão em Lisboa5.
O objectivo desta resenha é, nomeadamente, de analisar à luz dos acontecimentos
referidos a validade de certas concepções ainda hoje muito partilhadas - pelo menos no que diz respeito à colonização portuguesa em África - sobre a relação metrópole-colónias africanas, nomeadamente: o conceito de "burguesia colonial" como um todo indiferenciado que pressupõe uma dicotonia radical colonos-africanos, quase maniqueísta; o conceito de "dominação colonial capitalista" que, sem ser falso em todos os seus aspectos, ignora todavia uma realidade muito mais complexa que tem pouco a ver com o "capitalismo" (entendido este aqui como o "capitalismo liberal" clássico evocado por Adam Smith, e
mesmo numa acepção mais moderna do termo) enquanto tal.
Continua...
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