A colonização portuguesa e os colonatos – Angola
Observei, quer directa quer indirectamente, esta realidade, com familiares que dela foram vítimas. E porque me interessava, e continua a interessar, percebê-la, para além da História Oral, riquíssima, que me foi relatada por parentes, aqui fica um documento escrito, fruto da investigação do Prof. Mariano Feio, Prof. Univers. Jubilado e Agricultor, o qual transcrevo com a devida vénia daqui.
«Deficiências do ensino agrícola português postas em evidência pelo fracasso da colonização portuguesa de Angola
A colonização agrícola de Angola testemunha de deficiências permanentes de mentalidade que Orlando Ribeiro (1981, p. 19) classifica de pouco objectiva, pouco critica e pouco realista, e acrescenta “é isto que é indispensável promover por um ensino que não temos”. Referimo-nos às deficiências na gestão da empresa agrícola. Não se esqueça contudo, que o ensino agrícola comporta muitos outros assuntos que não sofrem desta deficiência.
O ideal de transferir para os planaltos tropicais a pequena agricultura portuguesa, a gado e a braço, manteve-se sempre. Apoiavam-no a pobreza e a falta de terra na Metrópole, o desemprego rural e condições internacionais, pois países poderosos e que queriam expandir-se já não aceitavam como título de posse vagas alegações históricas de prioridade de ocupação. Exigia-se uma ocupação actual efectiva, militar, administrativa e económica. Ora o clima dos planaltos angolanos era excelente, mesmo para brancos, e a terra era à farta, julgava-se que muito fértil. A sedução dos grandes espaços vazios era irresistível. E tem que se concordar, acertada. Só que não soubemos aproveitá-la.
O Ministério da Educação é grande culpado da falta de sentido prático dos futuros técnicos, ao estabelecer os critérios de selecção dos docentes, critérios que ainda hoje são os mesmos tanto para o bacharelato (que devia ter orientação mais para a prática) como para a licenciatura (mais teórica e científica). Estas regras dificultam o acesso à carreira dos agricultores de conta própria que, pelo contrário, deviam ser preferidos, em vista do conhecimento prático.
Apresentam-se neste trabalho os colonatos que se podem considerar modelo, a Cela (Aldeamentos e Fazendas Médias) e a Matala (regadio, no Cunene). Foram feitos na década de 50, grandes, com muito dinheiro e toda a técnica disponível. Têm por isso muito significado. É o que vamos apreciar. O presente autor, fazendo então estudos de Geomorfologia na província, pôde visita-los muitas vezes.
Antes destes colonatos modelos fizeram-se muitos outros, em geral pequenos e não apoiados pelo Governo; depois deles, já na guerra, muitos outros, à pressa e que não tiveram tempo para se conhecerem os resultados. À maior parte destes colonatos fazem-se referências muito breves, para não sobrecarregar o leitor.
Vejamos de maneira muito breve os colonatos mais antigos.
Entre 1850 e 1900 houve muitas tentativas, em especial nos planaltos da Huíla (Portugueses de Pernambuco, perseguidos no Brasil, Alemães e Casapianos, Colónias de Militares), também mais ao norte (20 colonos madeirenses no Quanza Norte, 30 casais de lavradores e artífices para a Baía da Pemba. Várias colónias penais em Malange, etc.); em 1894 é fundada a Companhia de Moçâmedes que se obriga a estabelecer 500 famílias portuguesas e algumas estrangeiras, obrigação que não se cumpre.
Tudo falhou e a causa estava bem patente: não existia mercado local para as produções, que são todas agrícolas. Sem mercado, os preços são demasiado baixos (cerca de metade do que eram na Metrópole). Com estes preços os lavradores não se conseguem aguentar ou têm um nível de vida como o dos indígenas.
Alguns colonatos merecem mais atenção. Referem-se a seguir.
Os Boers
Um primeiro grupo de 277 indivíduos pediu autorização para se instalar em 1850 e foi muito bem aceite, pois esperava-se poder observar que agricultura praticavam brancos particularmente enérgicos e trabalhadores, grandes conhecedores do interior de África, bem adaptados à vida do mato. Cada família recebeu uma doação de 200 ha, ou um pouco mais. Breve se verificou, todavia, que estavam tão bem adaptados que, simplesmente, não eram agricultores. O rendimento vinha-lhes da caça, em especial com vista ao marfim, mas também das peles, produtos ricos que podiam suportar o transporte para o litoral. Nós escandalizámo-nos, pois não éramos capazes de nos adaptar, nem tampouco compreender que os outros estavam bem adaptados. Os boers acabaram por sair em 1926, voltando à sua terra.
A imigração dirigida dos madeirenses – 1884
A presença dos boeres mostrou o perigo da desnacionalização; o nosso governo promoveu por isso a vinda de colonos. Escolheram madeirenses, por a ilha estar sobrepovoada e terem fama de muito trabalhadores e resistentes, qualidades que confirmaram. Chegaram em grupos de cerca de 200, num total de 1200 e foram instalados próximo da cidade do Lubango, onde alguns encontraram emprego.
Pouco se produzia na agricultura e esse pouco era consumido pela própria colónia, numa economia de ilha agrícola. O que foi a vida dos colonos e a opinião que havia deles, é bem expressa pelos autores que os conheceram, como o capitão Marcelino (1930, p. 16), um autor independente e de visão acertada. Depois de referir que os indígenas lhes chamam “escronhos”, para os distinguir dos outros brancos, afirma “São quase todos pobríssimos, não progridem e de cada vez se aproximam mais do indígena, na iniciativa do trabalho, na maneira de viver e até na mentalidade e aspecto, que é para muitos andrajoso. Isto não é colonização de europeus, é antes uma adaptação do branco à vida do preto.”
O colonato da Chibia — 1885
A Chibia fica ao sul do Lubango, a uma altitude de 1460 m e tem a vantagem de um rio de curso permanente, com água das nascentes da cornija da Humpata. Os colonos depressa descobriram que podiam cultivar cana-de-açúcar, que permitia fabricar aguardente que tinha excelente colocação nos indígenas, por permuta com marfim, peles, couros, etc..
O desenvolvimento foi rápido; em 1890 a área cultivada de regadio era de 283 ha. mas este período áureo foi breve. Conferências internacionais condenaram o fornecimento de álcool aos indígenas; foram lançados impostos pesados, finalmente em 1911 foi a proibição. Os agricultores da Chibia viram-se obrigados a culturas pobres. A decadência económica foi profunda. Em 1966, “só ruínas e campos abandonados circundam a vila”. Há muita pobreza, 7 famílias vivem de subsídios da Segurança Social.
A tentativa de colonizacão de Vicente Ferreira — 1928
Este alto-comissário, pessoa culta (professor da nossa melhor escola de engenharia) defendia muito o povoamento branco, mas só em altitude, pois julgava que o clima tropical quente provocaria degenerescências; e sem misturas com o sangue negro que seriam prejudiciais; atitude lamentavelmente racista e xenófoba. Avaliava as potencialidades agrícolas e pecuárias com optimismo exagerado, o que mostrava ignorância, própria e dos técnicos com quem certamente se aconselhava.
Apesar desta ignorância, planeou e iniciou vasta colonização branca, melhor do que os grandes colonatos modelo posteriores. Não se pretendia que os colonos amortizassem as construções e a preparação das terras que lhes eram entregues. As fazendas eram maiores, de 100 ha por colono. (Nos colonatos modelos posteriores apenas de 18 ha.) Construíram-se muitas dezenas de casas, que não chegaram a ser habitadas, em vista da nova política de austeridade imposta pela ditadura de Salazar. A colonização não se chegou a completar e não tem por isso significado para apreciar as condições de eventual êxito destes empreendimentos.
A experiência da Companhia do Caminho de Ferro de Benguela – 1935
Em vista dos insucessos de colonização que se repetiam, a Companhia entendeu, e muito bem, estudar o assunto, que lhe interessava directamente, para valorização dos terrenos anexos à linha, também por razões de ordem geral, pois a situação internacional era preocupante, como se referiu atrás.
Obtida sem dificuldade autorização do Governo, foi instalada a experiência, que foi muito bem organizada e acompanhada. Procuraram reconhecer-se os factores negativos, registaram-se as ocorrências e publicaram-se os resultados, em 10 relatórios anuais (que são livros). O primeiro núcleo foi instalado na Chenga e era constituído por 5 fazendas para colonos e uma padrão, dirigida directamente pelo técnico da Companhia. Instalou depois um segundo núcleo de 4 fazendas, em terras piores. A Companhia conseguiu reunir um conjunto de condições difícil de atingir, que permitiu realizar uma experiência com mais possibilidades de êxito do que nenhuma anterior. A principal foi a proximidade da linha férrea, que lhe poupava o longo transporte até ao comboio, que na Cela, alguns anos depois, foram 230 km de camioneta, por caminhos de terra em mau estado. Beneficiou ainda da organização administrativa modelar da Companhia, da assistência sanitária e do apoio do Armazém de Víveres da Companhia, para onde podiam vender ovos, criações, hortaliças, etc., bem como fazer ali compras, fugindo à exploração dos comerciantes.
Os colonos ao chegar receberam uma casa de alvenaria (3 divisões e varanda), alfaias e gado (bovino, suíno e aves). Receberam ainda 14 ha arroteados com as culturas instaladas, para procederem à colheita. O custo total foi de 30.915$.
Os resultados obtidos, na média das 5 primeiras fazendas, culturas instaladas pela Companhia no 1º ano (1935-36), foram os seguintes:
Áreas cultivadas, produções, preços e valor
Culturas | Área (ha) | (k8/Ha) | Cotação (kg) | Valor total |
Milho | 8 | 940 | $31,5 | 2368$80 |
Arroz | 2 | 1004 | 1$00 | 2007$00 |
Feijão | 1 | 1510 | $23 | 352$33 |
Trigo | t | 690 | $50 | 345$00 |
Grão | 1 | 113 | $60 | 67$80 |
Batata | 0,5 | 2208 | $28,7 | 316$60 |
Soja | 0,5 | 108 | 1$50 | 81$00 |
14 | 5538$53 |
Neste rendimento bruto de 5.538$00 há que descontar as despesas da exploração de 2.362$00, os géneros gastos em consumo próprio e as despesas de vestuário e alimentação (no Armazém de Víveres da Companhia). Feitas as contas, restam 846$60, verba praticamente nula, portanto muito insuficiente para pagar as amortizações e juros, não falando na vida desafogada que se deseja para os colonos.
Um inquérito aos preços dos produtos agrícolas mostrou que, de maneira geral, eles eram em Angola cerca de metade dos da Metrópole. Estes preços explicam por si as dificuldades.
Para os colonos terem uma vida razoável e poderem amortizar os adiantamentos feitos, era necessário, portanto, aumentar muito a área cultivada e para isso não se podia dispensar a ajuda da mão-de-obra indígena, como se tinha pensado. As áreas das fazendas foram aumentadas para 30 ha e foi-se para o colono-feitor.
Transcreve-se de um relatório: “A nosso ver, esta primeira demonstração prática é suficiente para tornar patente que, mesmo nestas regiões favorecidas pela vizinhança da linha férrea (drástica diminuição do transporte para o comboio) nenhum europeu, a trabalhar na agricultura, só com os seus braços e os da família, poderá ganhar o bastante para se sustentar convenientemente e efectuar todas as despesas inerentes ás exigências de um homem civilizado.”
As produções unitárias não aumentaram com o tempo, pelo contrário mostram tendência para diminuir, pois nos primeiros anos as terras estavam descansadas (vantagens da cultura itinerante), mas com a repetição das culturas, sem adubações, diminui a fertilidade e aumenta a infestação pelas ervas espontâneas.
Estas más condições tiveram a consequência que, em 1944, de um total de 16 colonos admitidos, restavam 5 no fim do ano, dos quais só 2 dos primitivos. Resumindo, o último relatório conclui “A exigência de largos tratos de terra para fazer viver as famílias europeias provém 1) da pouca fertilidade das terras, 2) da dificuldade de as adubar (adubos muito caros) e 3) do pouco valor dos géneros que se podem cultivar aqui com probabilidade de êxito.”
Alguns colonatos espontâneos merecem uma referência
O colonato de Caconda – 1945-46
Foi de longe o maior colonato de Angola, destinado só a indígenas, que as autoridades administrativas pretendiam fixar. Desde 1952-53 havia uns 800 agricultores, repartidos por 10 núcleos; em cada um deles foi construído um ou dois armazéns para os produtos dos colonos, que podiam vender ao colonato ou a quem quisessem. As casas eram de pau-a-pique, algumas poucas de adobe. Em 1948-49, os serviços centrais de agricultura, reconhecendo a obra realizada, deram apoio, concedendo técnicos, máquinas, para desmatações, gradagens, caminhos, pontões, etc., mas a despesa por colono foi muito inferior (talvez 1/10, segundo Bender) à feita mais tarde na Cela.
A altitude da região é da ordem dos 1600 m e os solos das baixas aluviais são muito bons. Os pastos estavam em comum.
As principais culturas eram o milho e o trigo regado. O valor anual médio por família era estimado em 5.262$.
Hoque – colonato espontâneo – 1947
O Hoque está situado 60 km ao NE do Lubango, então pequena cidade de província com cerca de 10.000 habitantes, já abastecida pelos colonos madeirenses. Situa-se a cerca de 1600 m de altitude, em terreno ondulado, próximo da escarpa da Cheia, que faz a descida abrupta para o lado do mar, Os solos são bastante bons, derivados de rochas eruptivas. O colonato pode-se considerar que começou em 1947, quando dois transmontanos, que se destinavam a outro colonato, compraram uma propriedade e se estabeleceram ali. Familiares e amigos vieram atraídos pelas boas noticias; estabeleceu-se assim uma corrente migratória, espontânea e ténue que se suspendeu por 1965, talvez como consequência da guerra colonial, embora não se sentisse aqui, e das facilidades de emigração para a Europa.
Nos finais da década de 50 e na seguinte, o número de colonos pouco variou. Pelo Recenseamento de 1963, havia 54 explorações, com a dimensão média de 121 ha; desta área, cerca de 40% estava explorada; os processos de cultura eram muito semelhantes aos dos indígenas, com derrube de mata, queima, estrume dos “sambos” dos indígenas e lavoura com bois. As produções médias por agricultor em 1967, considerando as explorações do Recenseamento foi de cerca de: milho 13 t., trigo 4,5 t., batata 5,5 t, feijão 1 ,4 t., o que dá um rendimento bruto por família, da ordem dos 30 a 40 contos, valor baixo porque estes colonos usavam muito o “braço negro”, que de cada vez era mais caro e difícil de arranjar. O fruto do colonato parece mau, pela concorrência dos empregos, em especial comércio, (na vizinha Lubango).
A colonização livre do Catofe – 1950
O Catofe situa-se próximo da Cela (uns 60 kms ao N.) e instalou-se quase ao mesmo tempo deste grande colonato oficial. Permite certa comparação entre as colonizações “dirigida” e “livre”, embora sofra naturalmente de falta de recursos, pois quase não teve apoios oficiais. Os colonos são açoreanos.
“O agrupamento do Catofe começou a instalar-se em 1950, por iniciativa particular da Cooperativa de Colonização Agro-Pecuária “A Açoreana”, sem incentivos nem directrizes oficiais, ao contrário da Cela. Não havia qualquer limitação ao uso da mão-de-obra indígena, também ao contrário da Cela. A Cooperativa tem 177 sócios, dos quais 68 com terra e benfeitorias; 58 residiam nas respectivas explorações.
No núcleo do Catofe, o apoio e a assistência oficiais têm sido reduzidos; note-se a atribuição de um ajudante de pecuária e a colocação temporária de um veterinário. Pode dizer-se que o auxílio do Estado se limitou à cedência da reserva (52.410 ha) e de 2 lotes de bovinos leiteiros, adquiridos no SW. Africano em 1958 e 1959, num total de 102 cabeças de qualidade média, que custaram cerca de 525 contos, postos no local, e ainda alguns empréstimos, no montante total aproximado de 1000 contos, para melhoramentos fundiários. Os colonos abriram algumas dezenas de kms de valas, que permitem regar por gravidade um total de 63,5 ha de culturas.
A industrialização do leite limitava-se ao fabrico de manteiga e algum queijo, fabricados a partir do leite dos colonos. Fabricam-se por ano cerca de 30 t de manteiga e 2 de queijo. O leite é pago aos sócios a 2$50 por litro. Enquanto na fábrica da Cela, muito perto, só se pagam 2$00.
Cultivava-se pouco! Cada exploração possuía em média 2,5 vacas leiteiras, 2,4 bois de trabalho e mais 53 bovinos outros. O leite era de longe o maior rendimento, mas os bovinos para carne também tinham importância, apesar do preço baixo da carne. A produção agrícola era quase toda para o autoconsumo, mesmo o milho, para as vacas leiteiras e para a família.
O rendimento bruto é de 47 contos por ano, que, sem ser desafogado, é o dobro dos, 23,3c. dos aldeamentos da Cela que seguem o esquema inicial, isto é, que se dedicam às arvenses diversas.
Deve-se reconhecer à iniciativa privada uma orientação mais acertada, voltada ao leite e á carne, boa comercialização do leite, espírito cooperativo, utilização de maiores áreas, e, muito importante, usar o “braço negro”.
Estes factores trazem grande vantagem em relação aos aldeamentos oficiais, apesar de não terem beneficiado de investimentos estatais. Melhor do que o colonato oficial, mas ainda assim um nível de vida insuficiente.
Os colonatos modelo — as deficiências
Foi em 1952 que se começou a instalação dos colonatos da Cela e da Matala, que consideramos modelos por terem sido feitos por decisão do Governo, grandes, com bom apoio financeiro e a técnica disponível. Já se sabia o bastante para trabalhar bem, com base principalmente na experimentação da Companhia de Caminho de Ferro de Benguela, que tinha sido publicada e foi referida no esquema geral da Cela. Mas não houve 1) a noção fundamental da necessidade das explorações serem rentáveis (sem rendimento não há agricultura). Preferiu-se apresentar uma colonização como agradava aos políticos, isto é, que ficasse baratinha. Pelo contrário, devia-se ter apresentado a realidade – necessidade de apoios financeiros – que eram perfeitamente viáveis. Outros defeitos: 2) ter imaginado um esquema e produções e não as ter experimentado. Diferença entre o que se imagina e a realidade. Esta realidade era muito inferior ao imaginado e devia-se conjugar com os baixíssimos preços de venda dos produtos para apreciar a rentabilidade. Devia-se ter estabelecido logo uma exploração modelo, e acompanhá-la um ou dois anos nos custos e nos rendimentos; ver-se-ia logo que não era rentável, por grande diferença. Outra grande deficiência: 3) os solos de “damba” negros de matéria orgânica, foram considerados muito férteis, apesar de os indígenas durante séculos nunca os terem utilizado. Não houve a humildade de os ter experimentado, pelo contrário escreveram-se opiniões muito depreciativas acerca das qualidades dos indígenas. Ora estes é que tinham inteiramente razão.
É com estas deficiências que nos vamos encontrar ao longo de toda a execução dos colonatos modelo. Elas são responsáveis pelo total fracasso destes colonatos.
Colonatos modelos — a) Cela (Aldeamentos) — 1952
É o mais representativo – quase um modelo – dos que se fizeram em Angola, pela dimensão, pelos meios financeiros com que foi executado, pelo número de famílias instaladas e pela divulgação na imprensa, a meia distância entre Luanda, Nova Lisboa e o Lobito era passagem a jeito, com uma pequena pensão, em que apetecia ficar. Situado no Planalto do Amboim, em vastas planícies, a altitudes de 1260 a 1320 m; tem excelente clima, com 1300 mm de chuva, repartidos por 8 meses e temperaturas como entre nós em Maio e Junho. Foram construídos 349 casas, em 15 aldeamentos, ocupados por 224 casais, pois 2 aldeias foram construídas, mas não chegaram a ser distribuídas, por se reconhecer (um pouco tarde…) que não havia condições económicas para funcionarem.
O Plano Geral em que se baseou a instalação do colonato é um documento de 24 pp., da autoria do Eng. L. Barbosa, sem dúvida bem organizado, formalmente perfeito; os problemas são apresentados com inteligência e aparente, só aparente, bom-senso. Compreende-se que aliciasse qualquer governante, tanto mais que ia ao encontro dos seus desejos de gastar pouco. Grande parte da área era constituída por “solos de damba”, solos orgânicos das baixas alagadiças, que no reconhecimento se calcularam em 7000 ha, mas depois se reconheceu serem 15.000. Estes solos originaram grave equívoco técnico. Julgava-se que eram de grande fertilidade e afirmava-se no “Plano Geral”; “E o indígena embora tenha cobiçado as terras negras e humosas – a sua chiqueta’’ – sente-se impotente para as dominar, porque a abertura das valas (de drenagem) requer força que ele não possuí, ou não quer despender. Assim, à custa das terras que remove das encostas para fazer seus “arimos” vai desprezando as baixas que ele não pode ou não sabe aproveitar. Tanto assim é que, dentro da área escolhida de terras de baixa, não somam 2 ha as lavras que nela trabalha”.
O nosso técnico despreza completamente esta experiência secular, afirma o contrário e com lamentável orgulho técnico e étnico, não se dá ao incómodo de comprovar. Constroi-se assim o colonato sobre terras péssimas, julgando que são óptimas.
A ideia inicial foi a colonização por aldeamentos de trabalhadores rurais, o que se pode considerar como uma tentativa de “aclimatação tropical da freguesia rural da metrópole.” A cada empresário era atribuída uma exploração completa, com a área que “uma família de constituição média poderá trabalhar em boas condições técnicas e económicas”. Era-lhe ainda facultado crédito em dinheiro para a manutenção da exploração até às primeiras colheitas. O valor atribuído às construções, benfeitorias, gados e alfaias, oscilava de 200 a 250 contos, pretendia-se que amortizassem em 25 anuidades, a partir do 4º ano da instalação.
Não era autorizada a utilização do chamado “braço negro”. A agricultura era de sequeiro, pois a água do rio na estação seca dava apenas para regar cerca de 1 ha de cada exploração (horta da casa e pomar).
O plano geral previa as seguintes produções e rendimentos:
Produções e rendimentos previstos no plano geral
Área (há) | Prod. Unit. (kg/ha) | Prod. Total (kg) | Preço por kg | Valor | |
Milho | 10 | 1 200 | 12 000 | $90 | 10 800$ |
Feijão | 5 | 250 | 1 250 | $50 | 625$ |
Soja | 5 | 750 | 7 500 (a) | 2$00 | 15 000$ |
Arroz | 5 | 2 000 | 10 000 | $90 | 9 000$ |
Trigo | 5 | 600 | 3 000 | 1$80 | 5 400$ |
40 825$ |
Há um lapso na produção total de soja, que devia ser de metade do valor indicado, como consta do quadro da rotação. Mas foi com este lapso que se justificou o rendimento bruto da família de 40 825$, por isso se mantém aqui.
O autor considera necessário o correspondente a um salário de 1200$ mensais, o que, para as 2,4 unidades de trabalho da família, daria cerca de 34 000$ de rendimento anual, que permitiria um nível de vida “razoável”.
Os colonos eram apoiados por três estruturas industriais: uma fábrica de lacticínios (leite pasteurizado, queijo e manteiga, dirigida durante 2 anos por técnico dinamarquês), outra de descasque de arroz e ainda uma pequena fábrica de rações, com o investimento total de cerca de 10.000 contos.
Os resultados obtidos de facto passada uma dezena de anos, dados pelo apanhado estatístico da M.I.A.A. são os seguintes:
Rendimentos pelas produções da M.I.A.A. – 1962-63
Área (há) | Prod. Unit. (kg/ha) | Prod. Total (kg) | Preço por kg | Valor | |
Milho | 10 | 759 | 7590 | $80 | 6 072$ |
Feijão | 5 | 155 | 75 | $50 | 388$ |
Soja | 5 | 213 | 1065 | 2$00 | 2 130$ |
Arroz | 5 | 1021 | 5105 | 1$30 | 6 636$ |
Batata | 1,4 | 1791 | 2507 | $70 | 1 755$ |
16 981$ |
Como comparação, tenha-se presente que os preços na Metrópole naquela época eram (pela estatística): milho 2$20, feijão 4$40, arroz 2$60 e batata 1$30.
Quer dizer, o rendimento bruto das culturas arvenses, de cerca de 17 contos, apurado atrás, acrescentado de 7 c. do rendimento do gado, diminuído de 12 c. de despesas, dá um resultado anual de 12 c., a comparar com os 34 c. julgados necessários pelo autor para ter um nível de vida razoável.
Como se vê, o rendimento unitário verificado é da ordem de metade do que se tinha previsto. Não admira, pois, o movimento de abandono. Em 1962-63 estavam ocupados 234 casais. Em 1967 havia 192 colonos. Em Abril de 1970, as casas vagas começaram a ser vendidas em hasta pública. No ano seguinte foi decidido que se vendessem 126 casas.
Colonatos modelo b) Cela (Fazendas Médias) – 1958
Introdução. Plano de Desenvolvimento do Colonato
Em vista do desejo de instalar na Cela 200 famílias e como consequência das dificuldades económicas dos colonos dos aldeamentos, em 1958 procura-se mudar de orientação, para explorações com maiores dimensões e voltadas para actividades mais rentáveis, como o leite e o café. Serão as Fazendas Médias, que devem ter uma parte regada, necessária para o café e para as forragens intensivas.
É neste contexto que surge a Hydrotechnic Corporation, firma americana que se dizia instituída para este efeito, encarregada por contrato de 1958 de proceder ao reconhecimento dos solos, planear e dirigir o desbravamento dos terrenos a cargo da firma Luso-Dana e aconselhar a comissão administrativa do colonato acerca da utilização dos terrenos e dos problemas agronómicos das novas áreas. A H.C. contratou dois técnicos competentes portugueses para os levantamentos de solos e dois agrónomos estrangeiros para a agricultura, um que mal se viu e outro um aventureiro inteligente (R. Delouette) que teve o atrevimento de pôr em prática o que se aconselhava aos colonos (fazenda Boa Esperança, que foi grande falhanço), alguns anos mais tarde preso por introduzir heroína de contrabando de Cuba para os Estados Unidos e por ser considerado espião no último país.
O esquema da H. C. tinha grandes perspectivas e dimensões. O caudal de estiagem do rio Queve era insuficiente para a rega e para a energia eléctrica. Propôs por isso a construção de uma grande barragem de 1900 milhões de m3; as áreas previstas para rega eram muito grandes, da ordem dos 15.000 ha. Tratava-se de um exagero, uma maneira de encobrir as dificuldades das fazendas com a fartura de capital disponível para as obras. O projecto de aproveitamento hidro-agricola foi todavia submetido à apreciação do Eng. Lains e Silva, chefe da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar, cuja opinião competente é inteiramente negativa. Nega qualquer fundamento agronómico para o projecto, bem como bases económico-sociais, tanto para os aldeamentos familiares, como para as Fazendas Médias em instalação. “Erros gravíssimos que têm vindo a ser cometidos no colonato da Cela…” o Plano de Desenvolvimento não foi por diante, mas continuaram a instalar-se as Fazendas Médias, com a dificuldade suplementar de necessitarem de um sistema de rega próprio, que por isso fornecia necessariamente água mais cara.
As explorações deviam ter superfície da ordem dos 100 ha e orientar-se para o leite e o café, mas também ter alguma agricultura (arroz e milho), um pouco de horta e de fruta, uma pequena pecuária de subsistência (porcos, galinhas e coelhos) e naturalmente área grande de culturas forrageiras. O café precisa ser regado na longa estação seca e bem assim as forragens intensivas, em especial os trevos. Pretendia-se que o nível de capacidade dos agricultores, para este tipo de exploração, fosse mais elevado do que o dos colonos dos aldeamentos, prevendo-se uma selecção rigorosa e a exigência não só de algum capital, mas também de suficiente experiência agro-pecuária em sistemas semelhantes. Exigia-se ainda que cada colono se fizesse acompanhar de cinco “criados de lavoura”, forçosamente metropolitanos, cláusula que aliás parece não ter sido satisfeita pela maioria dos empresários.
“Tomando como exemplo uma fazenda de 100 ha – caso mais geral, – o encargo inicial do empresário (construções e preparação de terras, tractores e alfaias e as 46 vacas Red Danish que eram distribuídas a cada colono) totalizava 2.144.520$00. Subsídios mensais de 4 c. durante 2 anos e empréstimos para muitas despesas.
Período de amortização de 25 anos. (Note-se que neste total se considerou como custo do gado leiteiro o valor de 10 c. por cabeça, corrente na província, e não o custo de 46 c. que custou o gado importado. Encobriu-se assim uma verba da ordem dos 1700 c. por colono. Quase metade do total, ressalvados por o colono ter de pagar este gado com descendência da mesma raça. Haveria compensação se houvesse quem lho comprasse por este preço, o que não aconteceu em vista da má adaptação deste gado.)
Resultados. Existe felizmente um inquérito, referido ao ano 1966-67, que contém um “Conselho de gestão”. Esta informação é quanto a nós abstracta e duvidosa, mas permite fazer ideia da rentabilidade das explorações. Passaram-se cerca de 5 anos da instalação, o que já é suficiente para uma primeira apreciação.
Vejamos a situação económica das explorações, com base nos quadros publicados: em primeiro lugar só 5 explorações têm saldo positivo, entre o rendimento bruto e o custo de produção (mas estes resultados são de pouca confiança e teriam de se corrigir, o que traria modificações, sempre para baixo); uma tem resultado equilibrado, mas as 13 restantes saldo negativo. No conjunto, média de todas, o saldo é negativo de 42,5 contos. E este saldo não conta com encargos importantes, como a amortização e juros dos capitais fixos (construções, gados e máquinas) e de outras dívidas constituídas na fase de instalação, nem com os juros do capital de exploração circulante e a remuneração do empresário.
Com saldo negativo de que vive o empresário? Arruina-se e tem de conseguir empréstimo, aumentar as dívidas (naturalmente à Junta de Povoamento). É certamente por a economia correr tão mal que 12 explorações não foram distribuídas e continuam na posse do Estado.
Quais as razões desta situação? Os resultados do café, em que se tinham posto tantas esperanças, são muito maus: 6 agricultores, com a área de 108 ha, ou seja 43 % do total, abandonaram as plantações. Doenças (ferrugens)? Geadas? O café, mesmo o arábica, está aqui no seu limite ecológico e só nalguns microclimas resiste ao frio. Mendes da Ponte (1957), num estudo acerca da adaptação do café arábica aos planaltos, fala de “condições precárias” e conclui que “não sendo muito favoráveis as condições, todavia não são proibitivas…” A realidade da Cela, note-se que um planalto relativamente baixo, mostrou-se bastante pior. Note-se que o cafezal é uma plantação que se compara à nossa vinha: o investimento, uma vez feito, é irreversível e leva 4 a 5 anos para dar rendimento; é preciso que a cultura resulte muito mal, para, desprezando os investimentos, não compensar ao menos as despesas de exploração.
Nas fazendas que estamos a apreciar, os cafezais que se mantêm dão um rendimento bruto de 3,1 c./ha, o que corresponde a menos de 300 kg/ha, uma produção muito baixa. Compare-se com o abacaxi, que dá um rendimento bruto por ha de 13,2 c. e contribui em média com 48,5 c. para o rendimento bruto de cada exploração mais do dobro do café, apesar de a área do abacaxi ser mais pequena. Mas esta cultura veio a ter grandes dificuldades de colocação, pois era consumida pelas fábricas de bebidas fermentadas alcoólicas, com adições de açúcar de cana. Estas fábricas foram encerradas mais tarde e as culturas praticamente abandonadas. Repetiu-se assim um episódio parecido com o da aguardente de cana da Chibia.
A produção de leite é baixa, 3,3c. por cabeça normal de gado leiteiro. Se as parições fossem de 90 %, corresponderiam a cerca de 1800 litros por vaca lactante, valor muito baixo, a comparar com os 4000 litros que se esperavam de animais de tanta categoria e preço. Na verdade, as dificuldades de adaptação das vacas dinamarquesas foram grandes: má fertilidade, muitos abortos, vitelos em mau estado, muitas mamites e vaginites, grande susceptibilidade às muitas e graves doenças locais (febre das carraças, carbúnculo, peripneumonia, septicemia hemorrágica, enterotoxémia, etc.). As vacas açorianas adaptaram-se melhor. Foi um erro grave ter importado animais de clima completamente diferente, cuja aclimatação se desconhecia, quando havia bem perto, na África do Sul e no Sudoeste Africano, vacas Schwiz adaptadas a clima parecido e que custavam no local pouco mais de 1/10.
Não se esqueça que a produção de leite no clima da Cela é cara, por causa dos pastos acres e grosseiros, que obrigam à instalação de prados artificiais, que têm de ser regados na longa estação seca.
A verba “bovinos” é difícil de apreciar, pois, não havendo inventários inicial e final, pode corresponder a variações de efectivo e não a lucro ou prejuízo. Poderá ser a explicação do resultado muito favorável da primeira fazenda nesta rubrica, pois conjuga um rendimento muito elevado com um efectivo pequeno. Pode ter havido grande diminuição de efectivo, que aqui aparece como rendimento. A única exploração de porcos e a de aves também mostram incongruências e a última resultado negativo.
Note-se a ineficácia de um método de gestão baseado abstractamente em índices. Não se chega a ideias claras, o conselho de gestão é, por vezes, inaceitável, como aconselhar mais café a quem já o abandonou, porque só se considerou para e média do “grupo de cabeça” as duas explorações que se tinham mantido nesta actividade, abstraindo das três que a tinham abandonado. Era preciso haver observação agrícola para poder apreciar as explorações quanto abandono do café, doenças e outros acidentes das vacas, estado das pastagens cultivadas e das espontâneas, o problema da criação de porcos sem concentrado, etc.
Mas se o valor como análise de gestão é limitado, o trabalho em que nos temos apoiado permite fazer uma ideia, que nos parece aproximada e muito significativa, da situação económica das Fazendas Médias. Tem de se reconhecer a dificuldade de estabelecer uma agricultura rentável naqueles planaltos, nas condições de mercado e preços existentes. Depois do fracasso das explorações familiares dos Aldeamentos, baseadas em culturas arvenses, já com conhecimento e prática da região e muito apoio técnico, planeia-se novo tipo de exploração – maior dimensão, base no leite e no café – e o insucesso é semelhante. Não se esqueça, todavia, que Lains e Silva, antes da execução, já tinha opinião decididamente negativa. Para finalizar, reproduza-se a opinião de Polonah alguns anos depois (1971): “falhado este período romântico, as Fazendas Médias, que, a serem bem sucedidas, dariam passo às fazendas grandes, estão, neste intervalo, em hasta pública… O insucesso deste empreendimento…”.
Colonatos modelo c) Regadio da Matala – 1954(1)
O regadio tem muito pouco interesse nos trópicos (a não ser nos climas semi-áridos e áridos, como o Egipto), ao contrário do clima mediterrânico, pois neste a estação quente é esterilizada pela secura, enquanto nos trópicos, a estação das chuvas é quente, de modo que se podem efectuar as culturas destas condições com a rega gratuita das nuvens. Assim, nos planaltos pode-se dizer que só os pomares (para passarem a estação seca, se for longa) e as hortas necessitam de rega. Estas diferenças não se compreendiam claramente e dominava a mística da transplantação da agricultura minhota, familiar, pequena propriedade, cultura intensiva, trabalho a braço e a gado, ainda mais imposta pela forte personalidade de Trigo de Morais, que já tinha sido o apóstolo do regadio na Metrópole e em Moçambique.
O regadio tradicional português ocupava muita gente, o que constituía grande vantagem para o povoamento nas colónias. A escolha de um local interior (329 km tem a linha eléctrica da Matala ao litoral em Moçamedes) tinha a vantagem de estender a ocupação para o interior. A barragem hidroeléctrica da Matala tinha assim duplo aproveitamento.
Mas as distâncias são enormes, sempre por estrada: 160 km da Matala ao Lubango, mais 230 a Moçâmedes; ao Huambo (Nova Lisboa) 280 km. Todas centros de consumo modestos e abastecidos localmente. As estradas eram péssimas, do Lubango para a Matala vinha-se por terraplanagens, sem qualquer piso, uma sucessão ininterrupta de covas, durante horas, pior do que as simples “picadas”, o que impedia a saída de mercadorias de camião. Esta estrada veio a ser asfaltada em 1970. É certo que havia o comboio e que tinha havido o cuidado, que os serviços de Trigo de Morais nunca esqueciam, honra lhe seja, de estabelecer pequenas indústrias de transformação, que se referem adiante.
O colonato foi estabelecido em 1954, em conjugação com a grande barragem hidroeléctrica do Cunene. A altitude é de cerca de 1230 m, o que faz as noites muito frias na estação seca. A área a regar constitui uma faixa de 2 a 5 km de largura, que se estende ao longo da margem direita do rio por cerca de 22 km. Os solos são de maneira geral de boa qualidade, derivados de doleritos e lavas basálticas; foram considerados por estudos pedológicos próprios para o regadio em um pouco mais de metade.
O património distribuído a cada colono devia ser constituído por: 1) Casa de habitação modesta, com 5 divisões, logradouro em volta, estábulos para bovinos e porcos, galinheiro e arrecadação de alfaias. 2) Uma parcela regada com 5 ha para colonos que tenham até 2 filhos, complementos conforme a família. 3) Uma parcela de 0,5 ha incorporada no lameiro comunitário, explorado pela associação de regantes; cultivada principalmente com luzerna para o gado leiteiro do lameiro comunitário e para a fábrica de desidratação de forragens explorada pela cooperativa. 4) Uma parcela de 30 ha de sequeiro para o gado.
Nem tudo foi bem assim. As parcelas de 30 ha de sequeiro não foram distribuídas, pois seriam longe dos casais e das aldeias, de modo que seriam muito difíceis de utilizar.
O lameiro comunitário – mais um sonho europeu – faliu passado pouco tempo e os colonos perderam quase todo o gado que ali tinham, o que lhes pareceu muito mal, pois eram sócios, mas obrigados, e não tiveram qualquer interferência na gestão do lameiro, que foi de técnicos teóricos. Cultivou-se luzerna que não se dava bem; mais um erro por querer copiar as culturas da Europa. Aprendeu-se alguma coisa. Os colonos pagaram o erro da escolha da luzerna que não tinha sido deles.
A colocação dos estábulos junto das habitações não era aconselhável, por razões de salubridade, ainda mais em clima tropical.
O colonato era constituído por 5 aldeias. Infelizmente, as distâncias a percorrer pelos colonos para irem aos campos eram grandes, gastando em regra o agricultor uma hora por dia na deslocação à exploração e regresso.
O custo da instalação de um casal agrícola, foi computado no total de 393 contos (inclui 164 c. do regadio).
Em 1963 estavam instaladas 324 famílias sobre 2.756 ha regados.
Em 1968, havia 319.
Os serviços do Eng.º Trigo de Morais souberam compreender as necessidades de transformação dos produtos; já assim tinham feito no colonato de regadio do Limpopo (Moçambique). Na Matala, com mais razão, em vista da falta de mercados próximos e das enormes distâncias a percorrer pelos produtos. Construíram-se, logo de princípio as seguintes estruturas industriais:
Preparação do tabaco 2235 contosMoagem 761 contos
Desidratação e farinação da luzerna 1802 contos
Concentrado de tomate 5701 contos
Embalagens 451contos
As áreas semeadas na média de 1960-69, as produções unitárias de 1967-68, os preços aproximados do 1º período e as receitas médias anuais são dadas pelo quadro seguinte:
Áreas cultiv. médias 1960-69 ha | Prod. unit. em 1967-68 kg/ha | Produ. total por colono kg | Preços por kg | Receitas totais | |
Tabaco | 1,0 | 529 | 529 | 20$00 | 10.580$ |
Tomate | 0,7 | 8943 | 6260 | 0$50 | 3.130$ |
Milho | 1,0 | 1070 | 1070 | 1$20 | 1.284$ |
Trigo | 1,8 | 1181 | 2126 | 2$50 | 5.315$ |
Arroz | 0,3 | 1590 | 477 | 1$80 | 858$ |
Batata | 0,7 | 6319 | 4423 | 1$50 | 6.635$ |
27.802$ |
O colono estava obrigado a descontar 1/6 das receitas para amortizar os investimentos, restavam 23,1 contos, rendimento bruto muito baixo, ao qual tinham que se descontar despesas obrigatórias, como sementes, adubos e alguma mão-de-obra, da ordem dos 12 c., como se referiu para a Cela. Restavam 11 contos verba muito inferior aos 34 c. anuais, considerados necessários pelo Plano Geral para ter um nível de vida razoável.
A causa destes rendimentos tão baixos tem de se procurar nos preços muito baixos, consequência da falta de mercado local e dos transportes longos e caros. também é consequência das baixas produções unitárias que resultam do mau clima. A produção do tomate era muito baixa (cerca de 8 vezes menos do que a Metrópole, com preços iguais naquele tempo). O trigo tinha produções parecidas com as nossas, mas com o grave inconveniente de ter de ser deslocado para a estação seca, para fugir ás ferrugens, obrigando a regar, o que encarece muito a produção. A batata também tem muitas doenças. Nem o milho, a cultura mais maleável, vai bem neste clima.
Numa apreciação final, choca a pobreza de opções do regadio, apesar de se considerar o trigo e o tomate, que se dão muito mal, o último com a agravante das temperaturas muito baixas da estação seca. A pobreza de opções obrigou ainda a cometer o erro grave de colocar três solanáceas numa rotação tão curta. Porque não se foi para as culturas tropicais? Estamos no planalto e as temperaturas não são suficientes. A luzerna outra transplantação, também falhou e perdeu-se o gado e o investimento industrial. Confirmou-se assim, pelo menos para aqui, a falta de interesse do regadio nos trópicos.
(1) Não nos foi possível consultar o inquérito da M.I.A.A. relativo a este colonato, embora procurássemos com persistência em todas as entidades que o poderiam ter, mesmo na FAO, em Roma, e junto de muitos particutares. Podemos todavia substitui-lo por excelente estudo de Margarida Silva e Castro (Luanda, 1971), que incluí os elementos do inquérito que importam e ainda muitas informações e apreciações agronómicas e sociais, além de profundas análises económicas, que enriquecem muito a informação.
Quero exprimir aqui a minha gratidão à autora, então no Brasil, pelo empréstimo do trabalho e por todo o apoio concedido.
Resultados
Como se vê, continuaram a praticar-se os mesmos disparates nos colonatos modelo, apesar dos resultados obtidos e publicados da Experimentação do Caminho de Ferro de Benguela. Não se guiaram por esta experimentação, nem se fez um ensaio das produções, antes de as generalizar a todo o colonato, para saber de origem segura quais eram as produções unitárias, multiplicá-las pelos preços do mercado local, para saber quais eram os resultados (neste caso, encontrar-se-ia enorme prejuízo).
Se os políticos queriam colonização europeia, muito bem, até podiam não estar errados, mas tinha que se lhes fazer ver que tinham que criar boas condições económicas aos colonatos. E este esclarecimento competia aos técnicos. Em vez disso quiseram agradar e propor colonatos baratinhos. Foi um desastre!
Dar condições económicas razoáveis aos colonos era bem possível. Os produtos agrícolas que se importavam na Metrópole pagavam um imposto para igualar os preços ao que se entendia pagar ao agricultor metropolitano. Era o imposto do “Fundo de Abastecimento”. O agricultor ultramarino também pagava este imposto, o que não era justo porque merecia ser ajudado tanto como o da Metrópole e porque não tinha condições para pagar este imposto. O milho era pago na Cela, com o imposto a cerca de $85 por kg; se não fosse o imposto subiria para cerca de 1$30, um aumento da ordem de 50 % . Os adubos custavam em Angola cerca do dobro da Metrópole. Não devia ser difícil vendê-los lá aos preços de aqui, se necessário com pequeno subsídio. Podiam-se encarregar disso as cooperativas. As mesmas entidades deviam ter tractores e outras máquinas agrícolas que alugassem aos colonos a preços favoráveis. A amortização e juros das despesas de instalação deviam ser simplesmente esquecidas, como já tinha proposto o colonato de Vicente Ferreira. Liberdade de utilizar o “braço negro”. E não seria preciso recorrer aos subsídios por ha, hoje tão usados pela Comunidade Europeia, que naquele tempo podiam parecer mal, por falta de hábito.
Falta de realismo, falta de estudar a economia e de apresentar os resultados com realismo, pelos técnicos, de tudo resultou o fracasso total dos colonatos.»
Inicio por lhe dizer que gosto deste blog.
ResponderEliminarVenho até este espaço muitas vezes para recordar e aprender a História de uma Angola que continuo a amar apesar de não desejar lá voltar. Tenho medo do que poderei encontrar.
Estive a ler sobre o colonato da MATALA, vila onde vivi e reconheço que há alguns erros.
Na Matala o tomate era de muito boa qualidade e a colheita produzia pelo menos duas vezes no ano.
A batata também era de boa qualidade, era uma zona rica em gado, em fruta, em arroz etc.
Poderei dizer mesmo que em 1975, era um colonato em próspero desenvolvimento.
A industria também fazia parte desta zona. Recordo que havia fábricas para o descasque de cereais, lacticínios, enchidos, tomate etc.
Cumprimentos
Conceição Santos