quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Pacto colonial e industrialização de Angola



Adelino Torres
Instituto Superior de Economia

INTRODUÇÃO

De 1961 aos anos 70 verificou-se uma viragem na política colonial portuguesa, especialmente no que se refere a Angola.
O pacto colonial tradicionalmente aplicado pelo colonialismo português foi substituído por uma política «desenvolvimentista» de que resultaram, para o aparelho produtivo e para o próprio conjunto societal angolano, profundas transformações.
Depois de observar alguns aspectos dessa nova orientação nos sectores das indústrias extractivas e transformadoras e no sector bancário, o objectivo deste trabalho é tentar demonstrar, ainda que parcialmente, que o processo de «industrialização/desenvolvimento» da colónia traduzia finalmente a passagem do antigo pacto colonial (Angola fornecedora de matérias-primas, economia de exploração e mercado das indústrias transformadoras e do vinho metropolitano) a um novo pacto colonial de que a industrialização de Angola era, paradoxalmente (pelo menos na aparência), a condição básica.

Essa reestruturação global, ao mesmo tempo da metrópole e da colónia, passava pela deslocalização das indústrias no interior do «espaço económico português» e respondia aos imperativos da integração progressiva de Portugal na CEE, que começava a preparar-se. Para poder suportar, com uma certa «margem de manobra» económica, mas também política, a concorrência da chamada ordem económica internacional, Portugal propunha-se alterar previamente certas coordenadas do seu espaço metropolitano-colonial. No termo de etapas forçosamente gradativas, a economia portuguesa pretendia alcançar um estádio «europeu» onde a sua classe dirigente detivesse o controlo dos principais mecanismos do poder económico moderno: a tecnologia, as finanças, o domínio de um mercado interno (interterritorial) alargado, a participação crescente dos recursos não renováveis e a disponibilidade, de uma mão-de-obra barata na área neocolonizada africana.

O crescimento registado em Angola de 1961 a 1974 inseria-se portanto, antes de mais, na estratégia global de um projecto de reconversão da própria economia e da sociedade portuguesa, confrontada, por seu turno, com a mundialização progressiva da economia internacional.

Até aos anos 60, Angola foi, como dissemos, essencialmente um reservatório de matérias-primas e de produtos primários e um mercado dos produtos semitransformados da economia metropolitana. As estruturas industriais eram praticamente inexistentes na colónia, os investimentos desencorajados e a penetração dos capitais estrangeiros severamente regulamentada.

A era das independências africanas veio, contudo, exercer uma pressão externa considerável, completada, em 1961, pela revolta do movimento nacionalista angolano. 1961 marca, por consequência, o início de um novo período e a década caracterizar-se-á por modificações importantes na acção colonialista. O território foi aberto aos investimentos nacionais e estrangeiros. Progressivamente, as exportações de ferro e de petróleo ocuparam lugares cimeiros ao lado de produtos «tradicionais», como o café e os diamantes, e as importações para equipamento tornaram-se realmente significativas. Os II e III Planos de Fomento, respectivamente de 1959-64 e de 1968-73, consagraram grande parte dos investimentos previstos às infra-estruturas económicas - transportes, comunicações, indústrias extractivas e indústrias transformadoras.

Nos princípios da década de 70, a taxa de crescimento da economia angolana atingia níveis elevados e o período iniciado em 1961 apresentava um balanço onde eram evidentes as modificações estruturais decorridas.

A produção diversificara-se, o sistema bancário expandira-se e o capital apresentava fortes indícios de concentração em vários ramos de actividade. Apesar disso, a colónia não perdeu a raiz extrovertida do seu aparelho produtivo e continuou a caracterizar-se por uma profunda dependência em relação ao exterior, evidenciada, em particular, na acumulação dos saldos negativos da sua balança de pagamentos.

Em Novembro de 1971, com a publicação do Decreto-Lei n.° 478/71, assistiu-se a uma nova viragem da política portuguesa em Angola. Pretende-se «solver o défice» da balança de pagamentos, «proteger» as indústrias transformadoras locais e impulsionar «um arranque económico equilibrado» no quadro da «interdependência» dos territórios no «espaço económico português».

Na verdade, projectada a progressiva integração na Comunidade Económica Europeia, consagrada pelos acordos de Bruxelas de 1972, a classe dirigente metropolitana preparava uma profunda reestruturação da economia, através da descolonização de indústrias e capitais no interior do espaço metrópole/colónias, numa dinâmica que lhe permitisse conciliar as forças centrífugas expressas na aproximação à Europa e nas alterações inevitáveis do estatuto colonial.

Essa dinâmica passava justamente pela industrialização (relativa) de Angola e pela deslocalização para aquela colónia das indústrias portuguesas «subalternas». O mercado único português não era mais do que uma nova redistribuição de funções nas esferas da circulação e da produção dentro de um bloco politicamente dominado.
CONTINUA...


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