27 MAIO 2005
Em segredo, Marcello planeou deslocar-se a Angola no final do mês de Abril de 1974
Poucos dias antes de a Revolução dos Cravos eclodir em Lisboa, o governador-geral de Angola, Fernando Santos e Castro, reuniu, em Luanda, os membros do seu executivo e revelou-lhes, sem entrar em grandes pormenores, que o Presidente do Conselho, Marcello Caetano, planeava visitar o território no final de Abril de 1974.
"Não tenho a certeza se seria a 28, a 29 ou a 30 de Abril, mas seria por aí", recorda, três décadas depois, o economista Walter Marques, que no início de 1973 tinha substituído Jorge Costa Oliveira na pasta das Finanças de Angola.
"Foi o próprio governador-geral que nos disse isso. Mais ou menos por volta do dia 20 de Abril ou coisa parecida, pedindo-nos, como é óbvio e como era natural, o maior dos sigilos e a maior das reservas sobre o assunto."
O que, aparentemente, foi cumprido por todos.
Tido como "muito próximo" de Marcello Caetano, que o nomeara governador-geral no final de 1972, o certo é que Fernando Santos e Castro pouco, ou nada, adiantou sobre as razões que levavam o (então) presidente do Conselho a querer visitar Angola, um mês depois da frustrada tentativa de golpe protagonizada pelo Regimento de Infantaria das Caldas da Rainha.
Autonomia. Um périplo que poderia vir a incluir também uma deslocação a Moçambique, a avaliar pelas revelações que foram feitas por Baltazar Rebelo de Sousa a José Manuel Barroso, e que estão publicadas em duas séries de trabalhos do DN (Abril de 1999 e Outubro de 2000).
De acordo com o último ministro do Ultramar, já falecido, Marcello Caetano preparava-se para anunciar em 1974 uma viragem na política ultramarina do regime, acentuando a autonomia progressiva da ex-colónias.
Como Santos e Castro não abriu jogo, também ninguém se atreveu a fazer-lhe perguntas, numa atitude pouco perceptível, mas que é hoje facilmente explicada por Walter Marques "na época, essas coisas eram mais distanciadas e mais formais."
Walter Marques e os colegas de Governo - um dos quais era irmão de Roberto Almeida, dirigente do MPLA - ficaram, por isso, sem saber o que é que o Marcello Caetano planeava fazer. Nomeadamente, se ele tencionava, como Baltazar Rebelo de Sousa viria a referir, utilizar tal viagem para desafiar os ultras do regime e, em especial, aqueles que se agrupavam em torno do Presidente da República, Américo Tomás, que se assumia já como o mais intransigente de todos os integristas que se opunham à modificação do legado que lhes fora deixado por António de Oliveira Salazar - Um Portugal uno e indivisível, do Minho a Timor.
"A ideia que retenho é que Marcello Caetano se preparava para anunciar alguma coisa relacionada com a autodeterminação. Tanto quanto me lembro, foi essa a única coisa que Santos e Castro nos disse que a visita estava relacionada com a evolução política de Angola, e que isso iria traduzir-se em algo muito próximo de uma maior autonomia face à metrópole, como então se dizia."
"Não tenho a certeza se seria a 28, a 29 ou a 30 de Abril, mas seria por aí", recorda, três décadas depois, o economista Walter Marques, que no início de 1973 tinha substituído Jorge Costa Oliveira na pasta das Finanças de Angola.
"Foi o próprio governador-geral que nos disse isso. Mais ou menos por volta do dia 20 de Abril ou coisa parecida, pedindo-nos, como é óbvio e como era natural, o maior dos sigilos e a maior das reservas sobre o assunto."
O que, aparentemente, foi cumprido por todos.
Tido como "muito próximo" de Marcello Caetano, que o nomeara governador-geral no final de 1972, o certo é que Fernando Santos e Castro pouco, ou nada, adiantou sobre as razões que levavam o (então) presidente do Conselho a querer visitar Angola, um mês depois da frustrada tentativa de golpe protagonizada pelo Regimento de Infantaria das Caldas da Rainha.
Autonomia. Um périplo que poderia vir a incluir também uma deslocação a Moçambique, a avaliar pelas revelações que foram feitas por Baltazar Rebelo de Sousa a José Manuel Barroso, e que estão publicadas em duas séries de trabalhos do DN (Abril de 1999 e Outubro de 2000).
De acordo com o último ministro do Ultramar, já falecido, Marcello Caetano preparava-se para anunciar em 1974 uma viragem na política ultramarina do regime, acentuando a autonomia progressiva da ex-colónias.
Como Santos e Castro não abriu jogo, também ninguém se atreveu a fazer-lhe perguntas, numa atitude pouco perceptível, mas que é hoje facilmente explicada por Walter Marques "na época, essas coisas eram mais distanciadas e mais formais."
Walter Marques e os colegas de Governo - um dos quais era irmão de Roberto Almeida, dirigente do MPLA - ficaram, por isso, sem saber o que é que o Marcello Caetano planeava fazer. Nomeadamente, se ele tencionava, como Baltazar Rebelo de Sousa viria a referir, utilizar tal viagem para desafiar os ultras do regime e, em especial, aqueles que se agrupavam em torno do Presidente da República, Américo Tomás, que se assumia já como o mais intransigente de todos os integristas que se opunham à modificação do legado que lhes fora deixado por António de Oliveira Salazar - Um Portugal uno e indivisível, do Minho a Timor.
"A ideia que retenho é que Marcello Caetano se preparava para anunciar alguma coisa relacionada com a autodeterminação. Tanto quanto me lembro, foi essa a única coisa que Santos e Castro nos disse que a visita estava relacionada com a evolução política de Angola, e que isso iria traduzir-se em algo muito próximo de uma maior autonomia face à metrópole, como então se dizia."
Uma das visitas de Marcelo a Angola.
É de notar a convivência com o povo jovem africano. (foto DN)
É de notar a convivência com o povo jovem africano. (foto DN)
Uma versão corroborada por alguns testemunhos, aproximando--se, por exemplo, da análise que é feita por José Ribeiro e Castro, filho de Fernando Santos e Castro e recém-eleito líder do CDS/PP, mas que não impede interpretações radicalmente opostas. Como, por exemplo, a de João Fernandes, antigo director da revista Notícia.
Distraídos pelo frenesim de um crescimento económico que concentrava todas as atenções e energias, o certo é que nem Walter Marques nem nenhum dos seus colegas voltaram a recordar-se deste episódio, nos dias que se seguiram à comunicação do governador-geral. "Foi tudo muito rápido. De tal forma que só depois do 25 de Abril é que me lembrei que o Presidente do Conselho era suposto ter ido à Angola nessa altura."
Ano e meio depois, o MPLA e Agostinho Neto proclamavam em Luanda, uma cidade cercada por forças da FNLA, do Zaire e da África do Sul, a independência da República Popular de Angola, e a história seguiria o seu curso. Sem recordações, nem memórias.
Acusações. Até 1985, altura em que o general Silvino Silvério Marques e o historiador Joaquim Veríssimo Serrão se envolveram numa polémica nas páginas do jornal O Dia, e que viria a ser, dez anos depois, compilada em livro pelo último governador-geral de Angola - Marcello Caetano, Angola e o 25 de Abril.
Nesse livro, Silvino Silvério Marques recorre a vários depoimentos para acusar Marcello Caetano de ter 'encomendado' a independência de Angola a Fernando Santos e Castro, chegando mesmo ao ponto de afirmar que o 'Dia D' desse plano estava marcado para 15 de Agosto de 1974, na Fortaleza de Massangano.
Nem a data, nem o local parecem surgir por acaso, como nota Jorge Costa Oliveira, um dos pais do boom económico angolano. Foi na fortaleza de Massangano, que, em 1648, terminou a ocupação holandesa do território, facto que passou a ser assinalado a 15 de Agosto, o dia da Nossa Senhora da Assunção, padroeira de Angola.
testemunhos. Em abono da sua tese, vivamente contestada por Veríssimo Serrão, o general Silvino Silvério Marques apresentou dois testemunhos, que pertenceram ao círculo próximo de Fernando Santos e Castro, em Angola Joaquim Mendes, vice-presidente da Assembleia Legislativa do território, e João Fernandes, director da Notícia.
Tanto um como outro confirmam os contactos tidos com Santos e Castro, no sentido de uma emancipação que viria a ser travada pelos acontecimentos.
Recentemente falecido em Lisboa, o advogado Joaquim Mendes revelaria mesmo, numa carta enviada a Silvino Silvério Marques, que a independência de Angola "seria decidida pela Assembleia Legislativa em reunião plenária convocada por um dos vice-presidentes da mesma e imediatamente proclamada por esse vice-presidente em exercício (...). Na verdade, o presidente da Assembleia Legislativa de Angola era, por inerência, o governador-geral, que, como representante do Estado e do Governo central, teria de ser afastado desse processo e dessa proclamação."
No mesmo sentido, pronunciou-se João Fernandes, num texto publicado pelo Jornal de Macau, em Abril de 1995.
"No início do ano de 74, (...) Marcello sente que o tempo se está a fazer curto e que alguma coisa tem de acontecer para romper o círculo vicioso. Em princípios de Fevereiro, chama a Lisboa um dos seus fiéis, que colocara como governador de Angola [Fernando Santos e Castro] e tem com ele uma longa conversa de que não há registos. No regresso a Luanda, Santos e Castro chama--me ao Palácio e explica-me (exigindo-me a confidencialidade necessária) o plano que traçara com o presidente do Conselho rápida instalação de um ambiente de 'nacionalismo angolano'; exploração pública de dificuldades com o centralismo de Lisboa; conflito sério, devido à recusa de Lisboa em construir uma refinaria no Lobito (para refinar o petróleo de Cabinda), a favor da opção por Sines; explosões de protesto, manifestações de repúdio e o governador a por-se ao lado de Angola, condenando a decisão da Metrópole; chamada a Lisboa do governador, para previsível demissão; e recusa deste, que iria a Nova Lisboa anunciar o corte com a metrópole."
Sinais. Quase 20 anos depois da sua polémica com Veríssimo Serrão, Silvino Silvério Marques continua sem quaisquer dúvidas "Por carta, ou pessoalmente, muitas pessoas falaram-me desse episódio. E todas elas eram unânimes em afirmar que tinha sido Marcello Caetano a empurrar Santos e Castro para a independência de Angola. O objectivo era conseguir que os europeus lá ficassem."
Uma ideia muito próxima daquela que viria a ser também expressa por Franco Nogueira, o eterno ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar, para quem Marcello Caetano só desejava poder desembaraçar-se de África para fazer evoluir o regime, tese que é parcialmente subscrita por Rui Patrício.
Há, de resto, quem entenda, como Jorge Costa Oliveira, que a substituição de Franco Nogueira por Rui Patrício no Palácio das Necessidades era já - no início de 1970 - um sinal da teia que Marcello Caetano começava lentamente a tecer em torno das questões ultramarinas.
O que explicaria, por exemplo, que o presidente de Conselho tivesse, na mesma altura em que recebia Fernando Santos e Castro para uma longa conversa em Lisboa, encarregue o diplomata José Manuel Villas-Boas de se reunir com uma delegação do PAIGC em Londres, enquanto Jorge Jardim negociava com o Presidente da Zâmbia, Kenneth Kaunda, uma solução para a independência de Moçambique.
Intransigência. Saberia cada uma destas peças aquilo que, nesses momentos, se estava a passar no resto do tabuleiro?
Ao que tudo indica, não saberiam.
Paralisado pela intransigência de Américo Tomás - que contra quase todas as expectativas voltaria a ser reeleito em 1972 - Marcello Caetano parecia, sobretudo, apostado em ganhar tempo. Especialmente entre Novembro de 1973 (data da sua última remodelação governamental) e Novembro de 1974 (altura em que o Presidente da República deveria renunciar o cargo, aproveitando o seu 80.º aniversário), confiando, talvez, nas diligências que estavam em curso e nas promessas que levariam Portugal a adquirir novos equipamentos militares. Designadamente junto de países como a África do Sul e Israel (mísseis Red-Eye, helicópteros e aviões).
O que, não sendo, pelo menos aparentemente, susceptível de alterar o rumo dos acontecimentos, poderia permitir-lhe recuperar, no entanto, alguma iniciativa nos teatros de operações. Por exemplo, na Guiné-Bissau.
Confrontado com as acusações de Silvino Silvério Marques, José Ribeiro e Castro é peremptório "não acredito que o meu pai se tivesse candidatado a fazer uma independência de Angola."
Uma convicção alicerçada nas incumbências e no mandato que Fernando Santos e Castro terá recebido de Marcello Caetano, e que se inseriam apenas na lógica de uma maior autonomia.
Conversas. Só que isso não permite explicar o alcance das seis horas de conversa que Marcello Caetano e Fernando Santos e Castro viriam a manter em Lisboa, em Fevereiro de 1974, nem a "agenda de trabalhos" que era suposto preencher a reunião da Assembleia Legislativa de Angola que chegou a estar prevista para Agosto.
Salvo se Marcello Caetano pensasse que podia negociar e influenciar o destino dos territórios africanos, obtendo em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau a força necessária para se impor em Lisboa.
O que lhe teria permitido ganhar tempo, avançando para uma ampla autonomia das antigas colónias - devidamente partilhada com os movimentos independentistas -, abrindo um processo gradual de autodeterminação, que gerasse os tais "novos brasis", de que o historiador Veríssimo Serrão tanto fala.
"Mas", como sublinha Jorge Costa Oliveira, "nessa altura, já era tarde. Já era muitíssimo tarde."|
Distraídos pelo frenesim de um crescimento económico que concentrava todas as atenções e energias, o certo é que nem Walter Marques nem nenhum dos seus colegas voltaram a recordar-se deste episódio, nos dias que se seguiram à comunicação do governador-geral. "Foi tudo muito rápido. De tal forma que só depois do 25 de Abril é que me lembrei que o Presidente do Conselho era suposto ter ido à Angola nessa altura."
Ano e meio depois, o MPLA e Agostinho Neto proclamavam em Luanda, uma cidade cercada por forças da FNLA, do Zaire e da África do Sul, a independência da República Popular de Angola, e a história seguiria o seu curso. Sem recordações, nem memórias.
Acusações. Até 1985, altura em que o general Silvino Silvério Marques e o historiador Joaquim Veríssimo Serrão se envolveram numa polémica nas páginas do jornal O Dia, e que viria a ser, dez anos depois, compilada em livro pelo último governador-geral de Angola - Marcello Caetano, Angola e o 25 de Abril.
Nesse livro, Silvino Silvério Marques recorre a vários depoimentos para acusar Marcello Caetano de ter 'encomendado' a independência de Angola a Fernando Santos e Castro, chegando mesmo ao ponto de afirmar que o 'Dia D' desse plano estava marcado para 15 de Agosto de 1974, na Fortaleza de Massangano.
Nem a data, nem o local parecem surgir por acaso, como nota Jorge Costa Oliveira, um dos pais do boom económico angolano. Foi na fortaleza de Massangano, que, em 1648, terminou a ocupação holandesa do território, facto que passou a ser assinalado a 15 de Agosto, o dia da Nossa Senhora da Assunção, padroeira de Angola.
testemunhos. Em abono da sua tese, vivamente contestada por Veríssimo Serrão, o general Silvino Silvério Marques apresentou dois testemunhos, que pertenceram ao círculo próximo de Fernando Santos e Castro, em Angola Joaquim Mendes, vice-presidente da Assembleia Legislativa do território, e João Fernandes, director da Notícia.
Tanto um como outro confirmam os contactos tidos com Santos e Castro, no sentido de uma emancipação que viria a ser travada pelos acontecimentos.
Recentemente falecido em Lisboa, o advogado Joaquim Mendes revelaria mesmo, numa carta enviada a Silvino Silvério Marques, que a independência de Angola "seria decidida pela Assembleia Legislativa em reunião plenária convocada por um dos vice-presidentes da mesma e imediatamente proclamada por esse vice-presidente em exercício (...). Na verdade, o presidente da Assembleia Legislativa de Angola era, por inerência, o governador-geral, que, como representante do Estado e do Governo central, teria de ser afastado desse processo e dessa proclamação."
No mesmo sentido, pronunciou-se João Fernandes, num texto publicado pelo Jornal de Macau, em Abril de 1995.
"No início do ano de 74, (...) Marcello sente que o tempo se está a fazer curto e que alguma coisa tem de acontecer para romper o círculo vicioso. Em princípios de Fevereiro, chama a Lisboa um dos seus fiéis, que colocara como governador de Angola [Fernando Santos e Castro] e tem com ele uma longa conversa de que não há registos. No regresso a Luanda, Santos e Castro chama--me ao Palácio e explica-me (exigindo-me a confidencialidade necessária) o plano que traçara com o presidente do Conselho rápida instalação de um ambiente de 'nacionalismo angolano'; exploração pública de dificuldades com o centralismo de Lisboa; conflito sério, devido à recusa de Lisboa em construir uma refinaria no Lobito (para refinar o petróleo de Cabinda), a favor da opção por Sines; explosões de protesto, manifestações de repúdio e o governador a por-se ao lado de Angola, condenando a decisão da Metrópole; chamada a Lisboa do governador, para previsível demissão; e recusa deste, que iria a Nova Lisboa anunciar o corte com a metrópole."
Sinais. Quase 20 anos depois da sua polémica com Veríssimo Serrão, Silvino Silvério Marques continua sem quaisquer dúvidas "Por carta, ou pessoalmente, muitas pessoas falaram-me desse episódio. E todas elas eram unânimes em afirmar que tinha sido Marcello Caetano a empurrar Santos e Castro para a independência de Angola. O objectivo era conseguir que os europeus lá ficassem."
Uma ideia muito próxima daquela que viria a ser também expressa por Franco Nogueira, o eterno ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar, para quem Marcello Caetano só desejava poder desembaraçar-se de África para fazer evoluir o regime, tese que é parcialmente subscrita por Rui Patrício.
Há, de resto, quem entenda, como Jorge Costa Oliveira, que a substituição de Franco Nogueira por Rui Patrício no Palácio das Necessidades era já - no início de 1970 - um sinal da teia que Marcello Caetano começava lentamente a tecer em torno das questões ultramarinas.
O que explicaria, por exemplo, que o presidente de Conselho tivesse, na mesma altura em que recebia Fernando Santos e Castro para uma longa conversa em Lisboa, encarregue o diplomata José Manuel Villas-Boas de se reunir com uma delegação do PAIGC em Londres, enquanto Jorge Jardim negociava com o Presidente da Zâmbia, Kenneth Kaunda, uma solução para a independência de Moçambique.
Intransigência. Saberia cada uma destas peças aquilo que, nesses momentos, se estava a passar no resto do tabuleiro?
Ao que tudo indica, não saberiam.
Paralisado pela intransigência de Américo Tomás - que contra quase todas as expectativas voltaria a ser reeleito em 1972 - Marcello Caetano parecia, sobretudo, apostado em ganhar tempo. Especialmente entre Novembro de 1973 (data da sua última remodelação governamental) e Novembro de 1974 (altura em que o Presidente da República deveria renunciar o cargo, aproveitando o seu 80.º aniversário), confiando, talvez, nas diligências que estavam em curso e nas promessas que levariam Portugal a adquirir novos equipamentos militares. Designadamente junto de países como a África do Sul e Israel (mísseis Red-Eye, helicópteros e aviões).
O que, não sendo, pelo menos aparentemente, susceptível de alterar o rumo dos acontecimentos, poderia permitir-lhe recuperar, no entanto, alguma iniciativa nos teatros de operações. Por exemplo, na Guiné-Bissau.
Confrontado com as acusações de Silvino Silvério Marques, José Ribeiro e Castro é peremptório "não acredito que o meu pai se tivesse candidatado a fazer uma independência de Angola."
Uma convicção alicerçada nas incumbências e no mandato que Fernando Santos e Castro terá recebido de Marcello Caetano, e que se inseriam apenas na lógica de uma maior autonomia.
Conversas. Só que isso não permite explicar o alcance das seis horas de conversa que Marcello Caetano e Fernando Santos e Castro viriam a manter em Lisboa, em Fevereiro de 1974, nem a "agenda de trabalhos" que era suposto preencher a reunião da Assembleia Legislativa de Angola que chegou a estar prevista para Agosto.
Salvo se Marcello Caetano pensasse que podia negociar e influenciar o destino dos territórios africanos, obtendo em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau a força necessária para se impor em Lisboa.
O que lhe teria permitido ganhar tempo, avançando para uma ampla autonomia das antigas colónias - devidamente partilhada com os movimentos independentistas -, abrindo um processo gradual de autodeterminação, que gerasse os tais "novos brasis", de que o historiador Veríssimo Serrão tanto fala.
"Mas", como sublinha Jorge Costa Oliveira, "nessa altura, já era tarde. Já era muitíssimo tarde."|
PORTUGAL EM LINHA
REVELAÇÕES HISTÓRICAS NUM ENCONTRO, EM CURITIBA, BRASIL, COM O PROBO EX-VICE PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE LUANDA, O ANGOLANO DO MPLA/REVOLTA ATIVA ABÍLIO AUGUSTO FERREIRA DE LEMOS. PROCLAMAÇÃO UNILATERAL DE INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA E MOÇAMBIQUE - UM PLANO DE MARCELO CAETANO QUE FRACASSOU PORQUE TERÁ SIDO TRAÍDO POR UM DOS SEUS MAIS "CONFIÁVEIS" CONFIDENTES
Carlos Mário Alexandrino da Silva
Carlos Mário Alexandrino da Silva
(...)-Voltaremos ao assunto, para escalpelizar o que aconteceria na Fortaleza de MASSANGANO, às margens do grande rio Kuanza, se, conforme soubemos em Pretória em Agosto ou Setembro de 74 e mais tarde nos foi confirmado por um amigo "böer" bem informado, uma personalidade portuguesa de elevada patente militar, cujo foro íntimo era inequivocamente criptocomunista, e o fôra sempre, subrepticiamente, ao longo de toda a sua carreira, até ao "estrelato", íntimo de Marcelo Caetano, que depositava nessa figura a mais alta confiança, não se tivesse esgueirado, às pressas, acompanhado da esposa, em férias, rumo a Moscou, onde, segundo informações, que nos foram reveladas por uma proeminente figura, já abordada acima, da Intelligence sul-africana, o distinto fito-geneticista e ferrenho partidário do regime "boer" sul-africano, Doutor Harold Müller, o qual há bem poucos anos trabalhava na Bahia, para onde viera proveniente da Costa Rica, onde trabalhara, em melhoramentos de plantas, para uma multinacional francesa, se teria apresentado ao Burô Político do Comité Central do Partido Comunista da URSS, patrão do MPLA, da FRELIMO, do PAIGC e do PCP e PC do B, para denunciar o plano marcelista e sugerir sua colaboração activa visando, a partir de um problema ridículo - o do ingresso de oficiais milicianos "combatentes" no quadro permanente em condições que os já profissionais oriundos da Academia Militar classificavam de prejudiciais aos seus interesses - antecipar, com oportunismo mobilizador, um movimento dos fardados. (...)
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