segunda-feira, 28 de março de 2011

Luíz Wittnich Carrisso, o Herbário de Coimbra em Missão Botânica no Deserto do Namibe em Angola



 Dr. Luis Wittnich Carrisso em Moçâmedes. Á sua esq. os irmãos António e Armando Guedes da Silva



Sobre o KANE-WIA, o mítico morro do Namibe, transcrevo o texto que segue:

«No interior da província do Namibe, em Angola existe, próximo do Virei, um morro conhecido pelo nome de Kane-Wia, termo que, em idioma Tchierero (língua dos Mucubais) significa “quem o subir não volta” ou "quem sobe não volta". Contava-me o meu avô (João Craveiro de Tombwa) que nunca ninguém ousou subir este morro porque as histórias contadas pelos Mucubais referiam que quem subisse este acidente geográfico não mais regressaria. Portanto, O Kane-Wia vivia sossegado e inexplorado, uma espécie de montanha sagrada onde Deus dorme e, por esse motivo, interdita ao comum dos mortais. Em 1937, um eminente biólogo da Universidade de Coimbra, Dr. Luís Wittnich Carrisso, veio até ao Namibe para estudar a flora local e como homem racional e de ciência que era resolveu contrariar a crença subindo o Kane-Wia. Seja por mera coincidência ou por outra estranha razão o grande cientista português, embora socorrido pelo seu companheiro, veio a sucumbir em pleno deserto, a cerca de 80 km da cidade de Moçâmedes (actual Namibe). Nesse mesmo local foi, posteriormente, erguida uma lápide com a seguinte inscrição: “Dr. L. W. Carrisso XIV-VI-MCMXXXVII”. »

Do blog de Namibiano Ferreira



 Monumento no Deserto do Namibe ao Dr. Carrrisso. 

Na terceira das suas expedições científicas, o Dr Carrisso faleceu repentinamente de síncope cardíaca aos 51 anos, a 14 de Junho de 1937 , em pleno deserto do Namibe. A expedição subia o morro e colhia plantas. Carrisso sentiu-se mal e regressou aos veículos, pelo seu pé, sem ajuda, já se sentindo melhor. À beira da tenda, um cajado numa mão, um molhe de plantas na outra, enquanto lhe preparavam a cama de campanha acabou por concordar que fosse chamado um médico a Moçâmedes Deitou-se, ajeitou-se na cama, faleceu!
 Welwitschia Mirabilis

Carrisso e o Herbário de Coimbra

Fátima Sales (2007)

(adaptado de Sales, F. 2005. Carrisso: implicações no desenvolvimento da Botânica. In: Freitas, H., Amaral, P., Ramires, A. & Sales, F. Eds. Missão Botânica, Angola (1927-1937). Imprensa da Universidade: Coimbra)

O espólio do Herbário COI tem sido enriquecido com as contribuições científicas de vários botânicos. Um dos seus directores, Luíz Wittnich Carrisso, contribui em muito para a sua larga colecção de plantas africanas, quer pelas expedições que organizou a Angola durante as quais foi colhido grande quantidade de material, quer pelo legado de entusiasmo pela investigação das plantas dessas paragens.

Carrisso nasceu na Figueira da Foz a 14 de Fevereiro de 1886, filho de Ignácio Augusto Carrisso e da holandesa Leopoldina Wittnich. Faleceu repentinamente de síncope cardíaca aos 51 anos a 14 de Junho de 1937 no deserto do Namibe (Mossamedes), em Angola, no final da sua terceira expedição científica a este país. Por esta altura Carrisso tinha uma longa história de homem das ciências e homem público; era há 19 anos Professor Catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra e Director do Instituto Botânico Júlio Henriques. Estava acompanhado por sua esposa, Ana Maria de Sousa Wittnich Carrisso, Francisco da Assunção Mendonça (naturalista do Instituto Botânico de Coimbra), Jara de Carvalho (assistente do Instituto Botânico de Coimbra), Francisco de Sousa (colector do Instituto Botânico de Coimbra), Arthur Wallis Exell (naturalista do British Museum, Londres) e esposa e o John Gossweiller (botânico suíço ao serviço de Portugal em Angola).



A 1 de Junho de 1927 Carrisso e Mendonça partiram para a primeira Missão Botânica a Angola. A verba era pouca e, portanto, a organização foi modesta contando apenas com material simples para herborizações e equipamento fotográfico. Viajaram em condições difíceis como era, aliás, costume na época em África e está patente em várias memórias fotográficas. Mais de metade do tempo passam-no na zona remota do noroeste de Angola mas também visitaram o deserto do Namibe (Mossamedes). Foram ainda a Cabinda e ao Congo Belga. Chegaram a Lisboa a 13 de Dezembro do mesmo ano com grande quantidade de material vegetal.Totalmente enfeitiçado por África (quantos o não ficam??), Carrisso regressou a Portugal e, de imediato, planeou a segunda expedição, a qual teve lugar em 1929, e teve o título “Missão Académica a Angola”. A expedição foi pensada com um grande sentido pedagógico, como uma grande aula prática de campo. Nela participaram 22 pessoas entre professores universitários de todo o país, alunos universitários dos últimos anos, Mendonça, Carrisso e Ana Maria, sua esposa.

A experiência científica e pessoal constituiu qualquer coisa de único na vida dos aprendizes de expedicionários tendo-se estabelecido uma ligação profunda entre os elementos do grupo. Partiram de Lisboa a 10 de Agosto, percorreram 6.000 km em Angola onde estudaram a flora, a fauna, as potencialidades económicas, as condições de vida social e os problemas locais. A viagem fez-se, primeiro de barco, ao longo da costa, depois utilizando o sistema ferroviário e depois por estrada. De regresso passaram por São Tomé onde admiraram a sua vegetação tropical. Durante estas duas explorações científicas a Angola foi colhido muito material vegetal. Durante 3 anos Carrisso e Mendonça prepararam um Syllogue Florae Angolensis do material colhido [sumário de colecção de exemplares]. Ao trabalhar com esse material, arquivá-lo, determiná-lo e tentar lidar com a sua nomenclatura foi reconhecida a necessidade de, como recomenda a boa metodologia taxonómica, compará-lo com a maior quantidade de material possível e estudar a bibliografia relevante.

Nesse tempo não havia nem grandes colecções de África em Coimbra nem uma biblioteca adequada; como colaborador, Carrisso contava apenas com Mendonça. Dado que as melhores colecções e conhecimentos sobre a flora de Angola estavam em Londres, no British Museum Carrisso estabeleceu, então, uma colaboração oficial entre o Conselho da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra e o British Museum para a elaboração da obra Conspectus Flora Angolensis, obra de âmbito incomparavelmente maior do que o preliminar Syllogue. Em 1934 convidou Exell (naturalista experimentado em trabalho de campo e de herbário) para tomar conhecimento dos trabalhos já iniciados em Coimbra. Convidou Gossweiller com o mesmo objectivo. Organizou a visita de Mendonça aos herbários de Londres e Berlim-Dahlem tornando-o num naturalista cosmopolita. Passaram-se quase 7 anos na elaboração deste primeiro fascículo do volume 1 do Consp. Fl. Angol. Durante este tempo tornou-se óbvio que as expedições florísticas a Angola não se podiam dar por terminadas. Preparou-se, então, a terceira missão. Do ponto de vista científico esta terceira expedição foi a melhor organizada, e foi a mais frutuosa do ponto de vista botânico. Havia mais experiência e melhor conhecimento da área a explorar; os anos de estudo da flora tornaram os objectivos mais precisos; a equipa tinha o número ideal de botânicos experientes. Em Fevereiro de 1937, poucos dias depois de publicado o primeiro fascículo do Conspectus Flora Angolensis, Carrisso e os seus companheiros de Coimbra partiram de Lisboa rumo a Luanda. Lá juntaram-se a Exell, sua esposa e Gossweiller e iniciaram uma viagem em que colheram cerca de 25.000 exemplares de herbário. Esses exemplares têm sido um contributo precioso para a elaboração do Conspectus (ainda hoje inacabado) e outros estudos florísticos na área de Angola. No total, as três viagens somaram cerca de 30.000 km, mais do que os 28.000 km da rede de estradas de Angola à altura.

O material de herbário colhido durante estas expedições foi juntar-se às colecções do alemão Friedrich Welwitsch (1806-1861) e Gossweiller constituindo o todo material de referência de uma parte muito interessante de África. De facto, Angola estende-se dos paralelos 5º (incluindo Cabinda) – 18ºS e dos meridianos 12º –24º E, ou seja, cobre uma variedade enorme de habitats, da floresta tropical ao deserto, da orla marítima, passando pela longa escarpa até ao vasto planalto interior o qual, no seu extremo este, vê passar o rio Zambeze. Espécies novas descritas de Angola têm muitas vezes distribuição ou em todo o sul da África ou na África central — daí a grande importância destas colecções históricas. Carrisso foi mais um homem de acção, um explorador, um condutor de homens e eventos, do que um investigador de laboratório ou de herbário. Não deixou muitos artigos científicos escritos pelo seu próprio punho; mas ficou memória de várias conferências vibrantes e sempre, sempre frontais na apreciação que fazia da sociedade portuguesa. 
Segunda-feira, 14 de Junho de 1937. O deserto de Mossamedes (Namibe) pela terceira vez. Expedição a 102 km a sul da cidade de Mossamedes (Namibe). Acampamento a 2 km do Morro das Paralelas. A expedição subia o morro e colhia plantas. Carrisso sentiu-se mal e foi rodeado por Ana Maria e Jara de Carvalho. A expedição regressou aos veículos, Carrisso pelo seu pé, sem ajuda, já se sentindo melhor. À beira da tenda, um cajado numa mão, um molhe de plantas na outra, enquanto lhe preparavam a cama de campanha acabou por concordar que fosse chamado um médico a Mossamedes (Namibe). Deitou-se e ajeitou-se na cama (Cristão, 1937). Não teve filhos. Publicou artigos científicos. Colheu plantas. Semeou ideias.Texto integral AQUI 

------------- "ALGURES NO DESERTO DE MOÇAMEDES" ------------

..." Quem sai de Moçâmedes pela estrada asfaltada em direcção a Porto Alexandre, percorridos cerca de dezassete quilómetros, encontra à esquerda a estrada-picada que, remando ao Pico do Azevedo, alcança o Virei, o Cainde e o Planalto da Chela : era em tempos idos o caminho dos candongueiros do peixe seco que, fugindo à fiscalização, por ali se aventuravam naquela época, em que o Posto Administrativo do Cainde era o único obstáculo a enfrentar, cujo chefe estava quase sempre ausente na Chibia (área do Concelho a que pertencia) e que mais tarde passou a área do Distrito de Moçamedes, que construiu a Sede da Circunscrição do Virei num local desértico em que um afloramento de água matava a sede às gazelas e era o ponto onde os ditos candongueiros descansavam para à noite galgarem os contrafortes da Chela. Eram homens batidos, que agarrados aos seus camions, atravessavam o arenoso rio Cubal (em Moçamedes o Bero), percorrendo caminhos pedregosos, sempre a subir até à Hunguéria, último "treck" que ligava ao Planalto.

É nessa estrada-picada, a cerca de meio caminho entre o Pico do Azevedo e o Virei que, quem fôr com atenção encontram junto à berma da estrada uma abandonada lage alusiva ao ali falecido botânico Luiz Wittnich Carrisso, que fora professor da Universidade de Coimbra, um notável catedrático (1886/1937). Estudou a flora tropical e foi autor dfe "Flores de África", "Agrostologia de Angola" e "O Problema Colonial perante a Nação", etc.

Aquele homem sucumbiu no seu posto, naquele sítio ermo, onde a curiosa Welwitschia não medra e as Suricatas vegetam a par de uma ou outra Tua pernalta e os arbustos, certamente por ele estudados, mais densos à volta daquela modesta laje , perecem querer protegê-lo do sol ardente que ali se faz sentir; qualquer pessoa de formação cristã que ali se apeie, sente a tristeza daquele quadro abandonado e, ao ler o epitáfio naquela laje gravado, nostalgicamente não deixará de ali fazer uma oração em homenagem a tão ilustre botânico.



Desconhecendo a causa que o vitimou, não posso deixar de recordar os velhos pioneiros do deserto e suas zonas limítrofes que, se falassem, poderiam fazer alguma luz sobre aquele caso de uma época remota da tipóia e do Boi Cavalo que, com os carregadores se aventuravam na vida, bebendo águas inquinadas, sujeitos ao paludismo e à Biliosas.
Só mais tarde, com o aparecimento do carro boer, cuja lentidão das longas juntas de bois que o atrelavam, lhes transmitiam mais segurança, começaram a penetrar no sertão, abrindo trilhas aos lugares susceptíveis de água e contacto com o gentio. Muitos por lá ficaram vitimados pela malária e as Biliosas (doença transmitida por um vírus africano), cuja imobilidade era, para esses casos, a mais recomendada, impossibilitando-os de procurarem recursos".

-- (Artigo de ANTÓNIO LUIS CORREIA, ex-residente na CHIBIA e LOBITO)--
in Blog AngolaBrasilPortugal


Missão Académica a Angola
Alguns Aspectos Cinematográficos da Viagem
(reportagem da segunda expedição, realizada em 1929)


Para saber mais, clicar AQUI
e AQUI

domingo, 27 de março de 2011

OS MILITARES E O APOIO SÓCIO-ECONÓMICO ÀS POPULAÇÕES

MAJOR MIGUEL GARCIA

OS MILITARES E O APOIO SÓCIO-ECONÓMICO ÀS POPULAÇÕES
O CASO DE MOÇAMBIQUE (1964-1974)
Pelo interesse de que possa revestir o assunto,  o texto completo pode ser encontrado clicando AQUI

Grandes Homens – 3 Ainda Silva Porto e o seu temp




Não vale a pena repetir que Silva Porto foi um grande sertanejo, homem honesto, trabalhador, que, enquanto sempre português, conseguiu um bom entendimento e amizade com praticamente todos os sobas de Angola. No século XIX.
Muito choram alguns ignorantes, a “desgraça” que foi para o povo das “colônias” portuguesas os “500 anos de colonialismo”!
Até 1890 Portugal tinha alguns lugares fortificados, que talvez não ocupassem um por cento do território! Para circularem e comerciarem pelos outros noventa e nove, tinham os “pombeiros” que pagar tributo aos sobas, por vezes tributos pesados, quando não assaltados e roubados de toda a sua “fazenda”! O próprio Silva Porto sofreu um violento ataque à sua libata em Belmonte, tendo ficado gravemente ferido, mesmo sendo, com o mais velho sertanejo Guilherme José Gonçalves, “homens de reconhecida capacidade, e que os povos têm muita consideração.”
A região do Bié pode considerar-se o centro geográfico de Angola. Planalto, com altitude média de 1.200 metros, daquela região nascem quase todos os rios que banham o país, o que permitia estabelecer ligações fáceis (?) em todos os sentidos.
Já vimos que Livingstone chamava mulatos aos comerciantes portugueses, incluindo o “chefe do bando”! Tinha alguma razão nisso, porque naquele tempo, entre 1843 e 1846 foi possível fazer uma lista dos “moradores-comerciantes” que viviam no Bié. Cerca de cem. Cinquenta e quatro eram negros, quarenta mestiços e somente seis brancos. Todos sabiam ler e escrever e haviam adotado algumas “regras européias”, como por exemplo usarem calças! “Nestas paragens dão o nome de brancos a todas aquelas pessoas que vestem calças, sem exceção de cor e menos de condição, é bastante para isso possuir alguma fazenda.” Bastava esta “indumentária” para serem reconhecidos como comerciantes e brancos! (Alguém imaginaria isto possível em colônias inglesas?)
Coisa curiosa, porque, um século mais tarde, sobretudo em Luanda, passou a usar-se o termo “calcinhas”, aplicado ao indivíduo africano, vaidoso, normalmente ignorante, mas que queria parecer “evoluído”! Será que o termo virá do século XIX ou XVIII?
Boa parte destes comerciantes, brancos ou não, recebiam as primeiras letras ensinadas pelos “professores” ambaquistas! Homens inteligentes, da região de Ambaca, onde foi grande a ação missionária.
Escreve Francisco Castelbranco, na sua História de Angola (Luanda, 1932), que “o ambaquista é ladino e manhoso. Conta-se que “tendo os ambaquistas que dirigir uma representação ao governo contra certa autoridade provincial, ao assiná-la se levantou a dificuldade de quem o faria primeiro, porque nenhum queria figurar à cabeça; resolveram então inscrever as suas assinaturas em circunferência de círculo, que mostra bem a manha de que são dotados!”
Sensacional.
Esta capacidade do português conviver com outros povos mereceu do grande sociólogo Gilberto Freyre o conceito de luso-tropicalismo, de que se aproveitou Salazar para justificar a continuação do tempo colonial. E criou na maioria das cabeças africanas, que Gilberto Freyre teria, quase, incentivado o colonialismo! Ignorantes!
Mas há outro “retrato” dessa convivência. Está escrito num relatório enviado à coroa portuguesa em 1776, pelo então governador do Piaui, João Pereira Caldas, que “encontrou uma região tipicamente brasileira, misturada, miscigenada, sem distinções de raças e cores”. E mais: “Neste sertão, por costume antiqüíssimo, a mesma estimação têm brancos, mulatos e pretos, todos, uns e outros, se tratam com recíproca igualdade, sendo rara a pessoa que se separa deste ridículo sistema.” (Laurentino Gomes, em “1822”).
Voltemos ao Bié. Nos primeiros anos após a abolição da escravatura, que Portugal decretou para todo o império em 1836, o movimento comercial no Bié caiu muito, e entre 1840 e 1846, a situação dos comerciantes era de extrema penúria, “vivendo os descendentes de portugueses ao desamparo, vestidos à moda gentílica, sujeitos a serem vendidos, como têm sido a maior parte deles pelo gentio!” (segundo Joaquim Rodrigues Graça, sócio e talvez amante da famosa D. Ana Joaquina dos Santos Silva, uma das mais poderosas comerciantes e traficantes de Luanda, em “Expedição ao Muatayânvua”, 1848). Só lentamente se recuperou o comércio, com marfim, urzela (1), cera, e a goma copal (2), sendo os dois primeiros os de maiores valores. E um pouco de óleo de palma e couros.
A “fazenda”, que era a “moeda” usada nas trocas comerciais no interior, era quase composta de zuartes, fazenda de lei (esta constando de quatro variedades todas de fraca qualidade: chita ordinária; crumadel ou coromandel, chita indiana); tapulins ou mabala, nomes brasileiros para uma espécie de tecido de algodão; birola, fazenda de algodão importada de Inglaterra para o Brasil e daqui reexportada para Angola e manguina (também inglesa e reexportada), pintados, lenços, riscado, algodão cru, baeta (tecido caro mais utilizado para presentes ou tributos), missangas, coral verdadeiro e falso, campainhas e outras miudezas, armas lazarinas e reúnas (3) e pólvora.
No entanto os tecidos representavam mais de 37% do total.
Ainda voltaremos a Silva Porto e o seu tempo.

(1) – Urzela: uma espécie de líquen tintorial – Rocella tinctorica – que fornece uma bela cor azul-violácea.
(2) – Goma copal: é uma resina vegetal, de alta qualidade, usada para fabricar vernizes, sendo chamada em Angola também de Kausi.
(3) – Lazarina era uma arma de fuzil comprida e de pequeno calibre, primeiro de fabrico português, mais tarde belga e por fim em Inglaterra. Trazia gravada a legenda “Lazaro Lazarino Legitimo de Braga” enquanto fabricada em Portugal e na Bélgica. Por fim chamada de "reúna".

15/03/11

sábado, 26 de março de 2011

Jornal "A Huila" nº 789 , 19 de Maio de 1956: A mão d'obra indígena . A assistência às populações nativas.




Nesse intuito e agora com a nomeação do novo Chefe de Serviços dos Negócios Indígenas, S. Exa. traçou assim os pontos básicos dessa orientação: -- Censo da mão de obra disponível, por áreas administrativas. -- Censo das necessidades reais de mão de obra para trabalhos públicos e particulares. -- Revisão dos sistemas de licenças de angariamento. -- Revisão do angariamento incluindo o establecimento de agências de angariamento e sociedades de engajamento. -- Justa remuneração do trabalhador, incluindo a das mulheres e menores, nos termos da Lei. -- Fiscalização do trabalho, com vista aos deveres dos patrões e trabalhadores. -- Aplicação de sanções a quem não cumpra ou não queira cumprir. Competando essas directrizes deverá existir a mais estreita colaboração e entendimento entre as agências de curadoria, bem como inspecções às autoridades administrativas por parte dos inspectores. ---------- A assistência ao indígena --------- Dentro dos aspectos necessários a cumprir, Sua Exaª, classificou estes três principais : -- A saúde, o amparo na invalidez e a habitação. Para poder satisfazer a esses problemas torna-se necessário uma maior e mais perfeita rede de estabelecimentos de saúde para indígenas, quer nos grandes centros populacionais, como ainda nas solidões do interior. Assim, também deverão ser constituídos em toda a Província albergues para inválidos, para que possam dispor de protecção à sua miséria moral e física. Quanto à habitação do indígena, principalmente nos centros urbanos,merece bastante atenção, pois deve ser encarada a construção dum tipo adequado de habitação, bem assim como localizados os bairros definitivos, sem que os indígenas se vejam na contingência de se irem afastando à medida que crescem as cidades, e para que sintam a responsabilidade pela propriedade, cultivando com amor e com arte, sem mais receios de destruição ou abandono dos seus haveres.Desse modo o indígena se sentirá mais seguro e por certo procurará conseguir melhorias nas suas instalações e terras em vez de gastar as suas economias em coisas de somenos importância, motivadas talvez por essa falta de segurança e pela inconstãncia, em prejuízo até da sua saúde e de sua constituição moral. ----------------- A defesa do Indígena ------------- S.Exa. não deixou de se referir a este melindroso assunto, demonstrando assim a sua sensibilidade e o seu carácter, analisando e compreendendo a vida privada e íntima do indígena. Assim, julgado como ser humano sensível, a reacções perante a sociedade, sentindo como ser vivente, dotado de razão e de inteligência, o indígena precisa de ser melhor compreendido na sua maneira de ser e nos hábitos privados, procurando-se com sabedoria adaptá-lo ao trabalho e dando-se-lhe responsabilidades sociais, sem que se deva exigir demasiado do seu rendimento e permitindo-se-lhe a sua escolha e adaptação às profissões, mas sempre dentro do melhor espírito de justiça e disciplina. A brilhante exposição de S. Exa., visa pois uma magnífica política indígena e a melhor colaboração e entendimento entre os trabalhadores e seus patrões,os angariadores e as autoridades, com o respeito devido à pessoa humana, atendendo aos aspectos morais e sociais dos indígenas, sem que se deturpe o sentido de justiça e disciplina, Os indígenas são huamanos, dotados de inteligência e de qualidades de trabalho, mas, para tal, é preciso que sejam aproveitados convenientemente, sem serem explorados.Eles,como os outros, merecem a vida calma e sadia, na memsma comunhão espiritual, de trabalho e de ideias, com os olhos postos no progresso e economia de Angola, com os olhos postos nos comuns interesses da Nação. É preciso que os compreendamos e por vezes sejamos condescendentes; é preciso que eles tenham fé e confiem nas nossas possibilidades de lhes darmos melhores condições de vida. É preciso até que eles não descurem as suas qualidades artísticas e que respeitemos certos ritos sagrados, o rufar dolente e compassado dos batuques, a sua música misteriosa em noites de luar e poesia.
(de "SOURREIA" - Jornal "a HUila" nº 789 - pg. 3 - 19 de Maio de 1956)

quinta-feira, 24 de março de 2011

A guerra no sul de Angola em 1914 (2)



(...)
A crítica condena, por todas as razões, a dispersão das poucas forças expedicionárias de que se dispunha, por pontos longínquos em relação ao Cunene.
O facto é tanto mais estranho quanto é certo que a decisão de mandar para o Pocolo a divisão de artilharia e para Ediva-Otchinjau-Otchitoto a 11ª companhia do B.I.14, foi tomada já em face da missão que nos propúnhamos realizar — opor-se aos Alemães no Cunene.
E desde que íamos para o Cunene, mandava a lógica que não nos enfraquecêssemos, por este lado, de um quarto de infantaria e metade da artilharia expedicionárias. Ficaria no Pocolo a protecção habitual que já lá estava, isto é, a lª companhia europeia de infantaria de Angola, com um dos seus pelotões em Otchinjau, e mais nada. Que solução milagrosa ia levar ao Pocolo uma divisão de artilharia, à custa da inutilização da única bateria que se tinha digna deste nome?
Porque a dispersão de forças à última hora, sem o mais leve factor novo de decisão que levasse a considerar o avanço de forças alemãs, de importância ou não, pelo lado Otchinjau-Pocolo?
Perante a situação que se lhe apresentava e em face dos diminutos meios de acção de que dispunha, o comandante teria a tomar uma resolução geral definitiva, acto essencial da sua vontade, sobre a forma de conduzir e empregar o pequeno agrupamento expedicionário, sabendo o que queria, como queria e por que queria.
O chefe não tinha que aguardar indefinidamente uma última palavra sobre a situação para traçar a conduta geral de emprego do referido agrupamento. Disse Clausewitz: «A guerra é o campo das incertezas». Esperar, para adoptar uma decisão de ordem geral, que todas se dissipem, é arriscar-se a um fatal e nocivo atardamento.

No sul de Angola, a situação de contacto com a Damaralândia deu lugar a preocupações levando a curiosos voos de imaginação.
Pessoas chegavam a ver colunas de Alemães a invadirem o território, através do Baixo Cunene, em várias direcções, após marcha de centenas de quilómetros por precárias vias de comunicação, em travessia rápida das estepas sem fim do norte da Damara, queimadas pelo sol ardente do deserto Namib e áreas kalaharianas, a caminho do planalto ou caindo sobre Moçâmedes!
Arquitectavam, com uma facilidade admirável, disparatados raids à Jameson ou mesmo golpes da natureza dos que mais tarde Von Lettow Vorbeck levou a efeito na África Oriental, noutras condições totalmente diferentes.
Fez-se realizar por competentes oficiais — o capitão Albano de Melo e tenente António Ribeiro Monteiro — o reconhecimento militar do Baixo Coroca, no litoral atlântico, bem como o estudo do acesso possível de forças, invasoras às regiões do Otchinjau através dos contrafortes, da Chela e, em sentido inverso, da viabilidade de uma corrente desembocada do Swartboy Drift ir despenhar-se pelos desfiladeiros da serra, a caminho de Porto Alexandre e Moçâmedes.
E no seu novo plano (1), em face da situação resultante do incidente de Naulila, prescreve o comandante das F.O.:

«Estabelecimento de uma linha (?) de defesa fixa que compreende o triângulo Moçâmedes-Porto Alexandre-Coroca, no litoral, e Chibia-Pocolo-Gambos ou Ediva, no planalto».
Por outro lado, a oeste da Chela, toma vulto uma certa confusão, em que vemos envolvidos, aquele comandante, o governador de Moçâmedes. e o governo geral.
Porque interessa ao nosso estudo, vamos referir os traços principais de algumas das muitas directivas e comunicações que foram trocadas entre as três entidades e que traduzem o ambiente.
Do comandante das F.O. para o governador de Moçâmedes :

«...O serviço de vigilância convém seja estabelecido sobretudo na direcção da foz do Cunene, na do vale do Coroca e na do vale do Béro» (2).
O governador-geral faz transmitir ao governador de Moçâmedes:

«Referência nota 133, de 19; Geral recomendar defesa especialmente Moçâmedes, caminho de ferro e vias acesso este para planalto. Não concordar estabelecer postos Popochiva e Damba Carneiros evitar dispersão forças. Proximidades Porto Alexandre deve ficar força cavaleiros explorando caminhos Papochiva, Damba Carneiros. Estação telegráfica Porto Alexandre deve ser ocupada militarmente. Caso ataque forças superiores, deve abandonar Porto Alexandre avisando telégrafo Moçâmedes. Auxiliares montados possa obter, duas patrulhas oficial existentes, além um corpo de camelos que deve ser constituído desde já aproveitando os existentes, vigiarão caminhos» (3).
O governador de Moçâmedes encarrega o tenente António Ribeiro Monteiro (4) de, conciliando as directrizes recebidas do comandante das F.O. e do governador-geral, realizar o dispositivo de defesa de aí resultante, que vem a, ser:

Ocupar militarmente a estação telegráfica de Porto Alexandre, a qual deveria ser abandonada e prevenido o governador de Moçâmedes telegràficameute, no caso de ataque por forças superiores (não se lhe diz como, nem por onde se faria a evacuação em tal caso); e bem assim montar a exploração dos caminhos de Popochiva e da Damba dos Carneiros, coordenada com uma vigilância afastada no rio dos Elefantes e na Damba das Víboras (aqui por iniciativa do tenente Monteiro), confluências do Cunene.

O comandante das F.O. não simplifica, dirigindo ao governador de Moçâmedes o seguinte telegrama:

«Julgo indispensável organização posto Coroca no local indicado brigada reconhecimentos, um dos itinerários atribuídos Alemães é: vau Erikson Drift-Foz dos Elefantes-Otchiqueque-Popochiva-Porto Alexandre» (5).
O governador de Mocâmedes encarrega o tenente Francisco Maria Rodrigues, comandante do destacamento da 2ª companhia europeia, da defesa próxima de Mocâmedes contra o avanço de forças inimigas pela estrada Chacuto-Moçâmedes, pelo vale do Béro ou pelo caminho de Porto Alexandre.

«Para qualquer dos casos, não dispondo de forças algumas, só pode V. Ex.ª contar com os auxiliares e voluntários, habitantes de Moçâmedes, que de antemão tenha preparado e combinado para em caso de necessidade se reunirem e marcharem para guarnecer qualquer dos postos avançados.
«Deve para isso V. Ex.ª, com urgência, percorrer o rio Béro para além da fazenda do agricultor Torres e escolher a posição adequada para a construção dum entrincheiramento improvisado, simples, e seguidamente proceder da mesma forma para a defesa do vale do Giraul, para o caso de ataque de forças vindas de Porto Alexandre. Para poder armar o maior número possível de voluntários, fica V. Ex.a autorizado a fazer recolher todas as espingardas aperfeiçoadas dos particulares e distribuí-las a auxiliares que se ofereçam, quando os seus donos não possam prestar serviço. De igual forma procederá V. Ex.ª quanto ao armamento existente na 4ª Companhia de Depósito, contando contudo com o indispensável para as praças impedidas nos diversos serviços» (6).

O mesmo governador encarrega ainda o alferes António Henriques da

«defesa da linha férrea de Moçâmedes a Vila Arriaga e do estabelecimento de comunicações para o sul da mesma linha (?) até aos Cubais. A defesa da linha férrea será feita com dois postos...» (7).
Não fatigamos mais o leitor. Basta o que acabamos de ler para avaliar o lamentável ambiente que a visão exagerada e infundada de forças alemãs chegou a gerar em Moçâmedes.
O governador, em face das directivas, por vezes discordantes, que recebe do comandante da expedição e do governo-geral, patenteia a sua confusão e mesmo inquietação nas ordens dadas e nas comunicações para estas entidades dando conta do que fez e do que vai fazer.
Colocado entre o comandante das F.O. e o governador-geral, preso do receio de uma ofensiva alemã, não dispondo, porém, de tropas para realizar medidas de defesa, o governador de Moçâmedes foi, certamente, das três entidades, a de mais difícil situação.

Quem conhece as terríveis condições que o deserto ditava a um avanço de forças invasoras pela faixa litoral, assim como os riscos que correria o inimigo que deixasse o planalto e, aventurando-se pelos desfiladeiros — ratoeiras da Cheia — fosse enterrar-se nas areias do Namib com o fito de -alcançar Porto Alexandre e Moçâmedes, fica, na verdade, admirado da confusão que se gerou.
E afinal, além de uma cobertura tranquilizadora em Porto Alexandre, a principal providência a tomar reduzia-se a preservar, por guarda e por vigilância directa e indirecta, a linha férrea de Moçâmedes, de sabotagens intentadas mais por elementos internos traidores, da raça do boer Duplessis, do que por destacamentos alemães invasores.
A protecção eficaz da linha férrea contra golpe de mão era uma medida, embora aparentemente simples, difícil na realização, por falta de forças.
Em Moçâmedes fez imensa falta um verdadeiro comandante militar.

Vêm a propósito duas palavras sobre o papel e importância de Moçâmedes na defesa.
Então e sempre, no quadro das operações terrestres realizadas no Sul de Angola, ou seja contra indígenas insubmissos ou contra os Alemães invasores, o porto de Moçâmedes tem desempenhado um importante papel.
Base do caminho de ferro e base litoral única do distrito da Huíla, tem-lhe cabido a função de receber reabastecimentos de toda a espécie e expedi-los pelo caminho de ferro. Porto de desembarque e de evacuação; estação depósito.
Mas o caso em que a sua importância atingiria a mais alta sensibilidade não era aquele de que se tratava em 1914, mas sim o de uma ofensiva alemã sobre o planalto vinda do Sudoeste, conjugada com outra para a posse de Moçâmedes. Ao passo que Sá da Bandeira seria o objectivo final das operações terrestres do invasor para o domínio do planalto, Moçâmedes seria o primeiro objectivo da sua acção sobre a costa.
No quadro das operações terrestres do defensor, Sá da Bandeira e Moçâmedes aparecem-nos então como intimamente ligadas.
De facto a queda de Moçâmedes representa a queda do caminho de ferro, a queda automática da costa, com Porto Alexandre e Baía dos Tigres; representa a impossibilidade de utilizar a linha de comunicações por esse porto; sujeita Sá da Bandeira a uma incursão desse lado; enfim, põe o defensor na delicadíssima situação de, ou face ao Cunene ou face ao oceano, ter o adversário nas costas, obrigando assim à divisão de forças.
Em tais circunstâncias, impor-se-ia ao defensor a instante necessidade de diminuir, quanto possível, a sensibilidade de Sá da Bandeira em relação à sorte de Moçâmedes.
Como? Mudando a sua linha de comunicações.
Nunca, nesta forma das operações, seria prudente contar com utilizar Moçâmedes como base marítima definitiva. Deve estar previamente estudada a outra linha de comunicações e tudo preparado para a sua adopção no momento julgado oportuno, inclusive a devida ocupação de Mulondo e Capelongo desde o início das operações.
Os transportes seriam então à base de camionagem.

Não se deve exagerar o perigo, para o planalto defendido e com o caminho de ferro destruído, de uma agressão empreendida, do lado de Moçâmedes, por um inimigo desembarcado.
É que entre o planalto e este porto há o formidável obstáculo da Chela. Barradas as suas poucas e difíceis passagens com alguma artilharia e armas automáticas, nenhumas forças lá passariam. É a verdadeira chave da defesa contra um ataque partindo do litoral. Moçâmedes tem poucas condições de defesa, a qual, no entanto, deve ser efectivada pela forma e com os meios definidos no dispositivo geral da defesa da costa da província, O plano de defesa de uma província ultramarina como é Angola, com fronteiras terrestres e marítimas, tem sempre duas partes — contra a agressão pelas fronteiras terrestres e contra a agressão vinda do mar. E a parte essencial desta última é a defesa dos portos.

O caso concreto de 1914 era, porém, inteiramente diferente. A situação dos Alemães era crítica, as possibilidades de conquista nenhumas. Não era de encarar uma ofensiva pelo Cunene sobre o planalto, nem um ataque por mar sobre Moçâmedes.
(...)

(1) Comunicado ao Governador de Moçâmedes por sua extensa nota nº 32, de 3-Nov.-1914.
(2) Sua nota nº 32, de 3-Nov.-1914.
(3) Telegrama do C.E.M. de Angola, n° 654, de 24-Nov.-1914.
(4) Suas instruções para o ten. Monteiro, de 10-Dez.-1914.
(5) Seu telegrama n° 136, de 14-Dez.-1914.
(6) Nota n° 416/66, de 16-Dez.-1914.
(7) Suas instruções para o alferes, de 16-Dez.-1914.

Ernesto Machado, No sul de Angola. Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1956 (450 páginas). O fragmento aqui reproduzido é das páginas 312-320.
-
Notas:
Recordemos que
«no final de 1914, os alemães invadiram o sul de Angola. A 18 de Dezembro de 1914, em virtude de opções tácticas erradas, Alves Roçadas é derrotado em Naulila pelas tropas alemãs»,
e ainda que
«Em 1914, quando se organizou a primeira expedição a Angola, para defender o sul da colónia, que fazia fronteira com a colónia alemã do Sudoeste Africano, Roçadas foi escolhido para a comandar. O incidente de Naulila, nas margens do Cunene, perto da fronteira entre as duas colónias, incidente entre forças militares portuguesas e alemãs, acontecido em 18 de Outubro, fez com os alemães atacassem o posto isolado de Cuangar, nas margens do Cubango. Alves Roçadas decidiu então, com as poucas forças de que dispunha, atravessar o Cunene e procurar as forças alemãs que tinham entrado no território português. Mas foi derrotado em Naulila, em 18 de Dezembro, e obrigado a atravessar o Cunene e o Caculevar, concentrando-se à volta do Forte Gambos. Devido a esta retirada os povos do Humbe revoltaram-se. Alves Roçadas foi, por isso, chamado a Portugal, embarcando em princípios de Maio de 1915.»

Do blog Aniceto Monteiro

quarta-feira, 23 de março de 2011

Os descobrimentos Portugueses do século XV: mais importantes que a Internet?


Com o nível de intensidade com que a conhecemos hoje, a globalização é um fenómeno relativamente recente. Todavia, teremos de recuar até ao século XV para encontrarmos a origem deste processo. A campanha dos descobrimentos portugueses deu início a uma nova era e impulsionou a globalização.
O termo globalização não tem uma definição consensual, e é, não raras vezes, erradamente aplicado. Por ser usado quase em excesso para qualificar fenómenos novos, começa a estar saturado. Como a distância entre tudo e nada é muito curta, por ser usado para definir quase tudo, o termo globalização está a destituir-se de sentido.
Todavia, podemos dizer que se trata de um processo de intensificação das relações sociais, económicas e políticas, de crescimento da mobilidade, e de aumento da difusão da informação e do conhecimento. Este processo permite uma aproximação entre agentes e regiões longínquas, reforçando a interdependência em vários domínios [1] .
Por interdependência podemos designar a situações nas quais actores ou acontecimentos, em diferentes partes de um sistema, se afectam mutuamente; significa dependência mútua [2] . Esta dependência mútua resulta da intensificação de relações entre aqueles actores, e do aumento de complexidade das mesmas.
O alcance do estádio actual do processo de globalização/interdependência deve-se muito aos avanços da ciência e às aplicações tecnológicas que suportam vários domínios, entre eles as comunicações e os transportes. Uma vez que os custos associados a essas aplicações baixaram, a sua utilização tornou-se frequente por parte de um cada vez maior número de pessoas. Este fenómeno de massificação do uso das novas tecnologias arrasta consigo um efeito de expansão e intensificação da interdependência.
Assim, os avanços da ciência, ao minimizarem as dificuldades associadas às distâncias, permitiram que a intensidade da globalização aumentasse, alterando as concepções adquiridas de tempo e de espaço. Todavia, estes avanços não tiveram uma progressão perfeita. Houve fases em que os impulsos foram mais acentuados.
Onde se situa então a origem do tópico que a Thema Questionis contempla nesta edição?
De acordo com Malcolm Waters “o percurso linear da globalização, tal como estamos a vivê-la agora, começou nos séculos XV e XVI, nos «primórdios da era moderna». Foi por esta altura que a humanidade compreendeu que habitava num globo. Waters acrescenta que “[...] até então, os habitantes da Eurásia, de África e da Austrália ignoravam totalmente a existência uns dos outros” [3]
Foram os descobrimentos portugueses que puseram em contacto estes povos. Como impulso ao processo de globalização os descobrimentos só deverão ser igualados em relevância aos desenvolvimentos mais recentes da ciência e da tecnologia, materializados não só em meios de transporte mais rápidos, mas sobretudo nos novos instrumentos de informação e comunicação, desde a transmissão por satélite à Internet.
Também naquela altura foram os desenvolvimentos da ciência, e a aplicação de novas tecnologias, que criaram a base de apoio à campanha portuguesa. Portugal tinha um projecto de expansão marítima cujo objectivo era criar uma alternativa ao monopólio comercial que Veneza detinha na época. Portugal precisava por isso de descobrir e controlar vias de comércio alternativas. Desta forma o país dotou-se dos meios à altura deste tão grande propósito.
Para levar a bom porto os seus objectivos o Infante D. Henrique criou a célebre Escola de Sagres, que viria a dirigir. A Escola de Sagres tornou-se o mais avançado centro de estudos e pesquisas sobre navegação da época, reunindo especialistas nas áreas da matemática, astronomia, navegação, geografia, cartografia e construção de instrumentos marítimos. Foi da Escola de Sagres que saíram os pilotos de navegação que deram cumprimento à campanha dos descobrimentos.
Dotados quer de conhecimentos e de instrumentos de navegação inovadores para a época, quer de embarcações também elas inovadoras, os navegadores portugueses abriram a porta para o conhecimento da existência de outros continentes e para a comunicação entre as várias regiões do mundo.
No século XV saíram da exiguidade do seu território na Península Ibérica e foram avançando para Sul, pela costa africana, de forma progressiva. Os navegadores bem sucedidos regressavam a Portugal para preparar novas missões exploratórias. No âmbito desta campanha foram chegando continuamente a sítios desconhecidos.
Alguns feitos alcançados por navegadores portugueses:
-          Em 1434 Gil Eanes passa o Cabo Bojador.
-          Em 1455-56 Cadamosto chega às Ilhas de Cabo Verde.
-          Em 1471-72 João de Santarém e Pedro Escobar descobrem São Tomé e Príncipe.
-          Em 1487 Bartolomeu Dias consegue ultrapassar com sucesso o Cabo da Boa Esperança, depois de anteriores tentativas falhadas que tiraram a vida a muitos navegadores.
-          Em 1492-98 João Fernandes Lavrador e Pedro de Barcelos chegam à Gronelândia e à Terra Nova.
-          Em 1498 Vasco da Gama chega a Calecute, na Índia. Saiu de Portugal em 1497 e regressou apenas em 1499.
-          Em 1500 Pedro Álvares Cabral chega ao Brasil.
-          Fomos os primeiros europeus a comerciar com a China e com o Japão.
-          Alguns elementos históricos referem que teremos sido os primeiros a ter contacto com a Austrália [4] .
Estas descobertas foram possíveis sobretudo devido ao desenvolvimento de embarcações inovadoras – as Naus e as Caravelas, impulsionados à vela e dotadas de instrumentos de navegação pioneiros – e devido à habilidade dos pilotos formados na Escola de Sagres. Mais tarde, a rota de comércio controlada por Portugal passou a ser patrulhada por outro tipo de embarcação que também demonstrava o desenvolvimento naval de Portugal: os galeões.
Cerca de meio século após Vasco da Gama ter completado a primeira viagem por mar entre a Europa e a Ásia, Portugal detinha já uma vasta rede de fortalezas ao longo da rota. Modelski refere que, se compararmos um mapa de 1550 relativo à distribuição global das fortalezas portuguesas, essa distribuição não se assemelhará muito diferente à de um mapa contemporâneo da rede de bases militares dos Estados Unidos no estrangeiro [5] .
Logo em 1515 já havia uma considerável infra-estrutura estabelecida no ultramar. Essa infra-estrutura constituía um sistema político global rudimentar, envolvendo fortalezas, alianças, um método de regulação e mais tarde um sistema de patrulhamento marítimo que protegia as embarcações em trânsito na rota de comércio.
Mais tarde, por volta de 1540, com a presença no Oriente já consolidada, criámos o Estado Português da Índia, que era uma entidade político-administrativa demarcada de Portugal, na dependência de um vice-rei que tinha quase a totalidade dos poderes. Surgem as primeiras fortalezas e a presença meramente diplomática e comercial tomou gradualmente um cunho militar. Desta forma a presença portuguesa no ultramar passou de intermitente a contínua.
Por essa altura, quando já tínhamos também posições consolidadas ao longo da costa de África, dá-se início à colonização do Brasil e põe-se em funcionamento um sistema de comunicação entre vários espaços.
Durante quase um século, Portugal esteve numa posição de liderança internacional em decorrência da qual moldou a evolução da política mundial no sentido da globalização. Modelski usa o termo liderança global não querendo com isso referir-se a liderança como império mundial ou hegemonia, por serem normalmente associados a dominação política ou a preponderância económica. No caso português não era desse tipo de liderança que se tratava:
“By leadership I mean being first in (that is, innovating), and contributing substantially to, resolving critical global problems, and to building global political structures in response to such problems. In the XV century, that would mean leading in discovery and exploration, that which goes in Portuguese history by the name of «descobrimentos» was the first inkling of the possibility of a global system in a network mode, a system for facilitating and regulating oceanic and inter-continental exchanges without world empire” [6] .
Ao promover as descobertas Portugal deu um estímulo à globalização, na medida em que criou o primeiro sistema de comunicações e de comércio intercontinental, por via marítima, um sistema de alianças e o embrião de um sistema de integração económica entre o território europeu e as dependências em África, no Oriente e no Brasil.
Até hoje Portugal conserva algum património daqueles tempos de domínio. Um exemplo disso é o número de falantes de português no mundo. O português, segundo dados divulgados pela UNESCO em 1999, é a 6ª língua materna mais falada do mundo, com cerca de 170 milhões de falantes. Ocupa a posição de 3ª língua europeia mais falada, com a particularidade de deter um maior número de falantes fora do país de origem [7] . Para um país com apenas 10 milhões de habitantes este é um factor de grande importância ao nível da política externa. A proximidade do contacto pela língua, e por um passado em comum, é um potencial valioso no relacionamento entre os oito países [8] que a partilham.
Estar na vanguarda dos desenvolvimentos da ciência é um dos principais factores, que, associado a condições de estabilidade, organização, e circunstâncias favoráveis no contexto externo, determina a liderança (leadership) de uma organização política. Isto foi válido no início da globalização como continua a ser válido hoje. Portugal perdeu a liderança essencialmente por ter sido ultrapassado por outros países nas técnicas de navegação.
No século XV, navegando nas Caravelas, ou actualmente navegando na Internet, são os progressos da ciência que têm permitido descobrir novos Oceanos. Aquele tempo foi fascinante. E o tempo presente não o é menos. Com o número de cientistas que hoje desenvolvem a sua actividade, apoiada em consistentes projectos de I&D, é natural que, com maior frequência, novos Oceanos venham a ser descobertos e que novos impulsos sejam sucessiva e ininterruptamente suscitados à globalização
Versão inglesa

[1] Sebastião J. Formosinho,  Globalização e Sociedade de
Informação, Sociedade Científica da Universidade Católica 
Portuguesa, Lisboa, 2001, p. 36.
[2] Joseph Nye, Compreender os Conflitos Internacionais, Gradiva, 
Lisboa, 2002.
[3] Malcolm Waters, Globalização, Celta Editora, Oeiras, 1999.
[4] A atribuição deste feito aos portugueses não é ainda 
consensual entre os historiadores, mas recentemente têm surgido 
indícios que parecem comprová-lo.
[5] George Modelski, Portuguese Seapower and the Evolution of 
Global Politics, Academia da Marinha, Lisboa, 1996.
[6] Idem, ob. cit.
[7] Jorge Couto, Língua Portuguesa: perspectivas para o 
século XXI (2), Instituto Camões.
[8] Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, 
Cabo Verde, Guiné-Bissau e Timor-Leste. Estes países estão 
situados em regiões tão distantes como a Ásia, a Europa, a 
África e a América Latina.
* Este artigo foi originalmente publicado na revista polaca THEMA QUESTIONIS Número 2, Verão de 2004

Livro: Acção educativa no Ultramar por J. M. Silva Cunha

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Gravuras digitais de Angola: 10ª série

 

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Livros de gravuras antigas de Luanda , 9ª Série


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domingo, 20 de março de 2011

Cadernos Coloniais: Baía os Tigres (Por Gastão de Sousa Dias)




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sábado, 19 de março de 2011

BRANCOS E PRETOS EM ANGOLA Waldir Freitas Oliveira do Sector de Estudos Geográficos do C. E. A. 0.

Angola, a mais extensa "província ultramarina" portuguêsa, possui um território de 1.246.700 km2 e uma população de quase 5 milhões de habitantes. Luanda., sua Capital, terceira cidade do mundo português, ultrapassada apenas por Lisboa e Pôrto, possui cêrca de 200.000 pesso,as. Outras cidades importantes ali existentes são Lobito, Benguela, Nova Lisboa e Sá da Bandeira. Em julho do ano último, durante cêrca de uma semana, a convite do govêrno português, visitei as cidades de Luanda, Lobito, Benguela, Nova Lisboa e o Colonato da Cela. Estive, pois,em contacto com as principais cidades de Angola e com a maior parte dos homens brancos de lá. Porque a população brmca da colônia portuguêsa, calculada em cêrca de 120.000 pessoas, ou seja aproximadamente, 2% da população total do país, encontrase concentrada nos principais centros urbanos locais (1).

Assim, em Luanda encontram-se de 37 a 38 mil brancos, no Lobito, cêrca de 7.000, em Benguela, pouco mais de 5.000, em Nova Lisboa:, pouco mais de 6.000 e em Sá da Bandeira, aproximadamente 9.000, perfazendo estas cifras um total de cêrca de 65.000 brancos, apenas nas quatro mais importantes cidades de Angola. O que equivale a mais de 50% da população branca ali existente. Se acrescentarmos, porém, ao total referido os números relativos às populações brancas de Malanje, Silva Pôrto e Moçâmedes, respectivamente, de 2.300, 2.000 e 4.800 pessoas, o resultado apresentado ultrapassará a cifra da 74.000, represemtando agora mais de 60% da população branca de Angola. Acrescentando, ainda, população branca a população mestiça das oito cidades referidas, cêrca de 16.000 pessoas, teremos então 90.000 pessoas, entre brancos e mestiços, em contraposição ao total de 230.000 negros delas habitantes.

Apenas 230.000 negros, pois, dentre 4.850.000 existentes em Angola, habitam os centros urbamos mais importantes, ou seja, menos de 5% da popu1.ação nativa local. E baseados na desproporção entre as populações brancas e negras nas cidades angolanas, poderemos afirmar que ali as cidades constituem o mundo branco e o Interior, o mundo do nativo. E' verdade que em todas as principais cidades de Angola a população negra é maior que a população branca. Assim em Luanda existem cêrca de 150.000 negros contra 37.500 brancos, em Nova Lisboa, cêrca de 33.000 negros contra 6.300 brancos, em Benguela,, cêrca de 10.500 negros contra 5.300 brancos, no Lobito, cêrca de 27.000 negros contra 7.000 brancos; apenas em Sá da Bandeira a quantidade de brancos sendo superior a de negros, existindo ali cêrca de 9.000 brancos contra 5.500 negros. Mas percorrendo as ruas de Luanda, Lobito, Benguela e Nova Lisboa, pude verificar a completa distinção existente cmtre
os elementos das duas raças. Os negros são invariàvelmente os ocupantes dos mais insignificantes postos e oficios, e mesmo as suas habitações estão agrupa-las em bairros específicos, situados
na periferia das cidades. Não há negros angolanos ricos nem ocupando posições importantes quer na administração quer no comércio local. Se bem que haja% mestiços, geralmente não originais de Angola, ocupando uma posição bem melhor que a dos negros. Mas é preciso notar que a proporção de mestiços na população de Ango1a é insignificante, representando apenas 6% da população de Luanda e cêrca de 5% do total da população das oito principais cidades da colônia, pràticamente não existindo mestiços no meio rural.

Volto a insistir no fato de ser a civilização urbana em Angola um privilégio dos brancos, representando os negros habitantes das cidades apenas a mão-de-obra necessária para os serviços domésticos das famílias brancas e para as indústrias ali existentes. Dêste modo o próprio crescimento das populações
negras urbanas passa a ser uma simples decorrência do aumento da população branca das mesmas, a criar para si novas e mais variadas necessidades. Mas será preciso fazer notar mais um fato - é de que vindo a popu1ação branca aumentando por uma crescente imigração originária da Metrópole, a situação dos nativos tende a piorar já que não possuem êles capacidade, por falta de preparo técnico
ou profissional, para competir com os brancos recém-chegados que passam a substitui-los nas ocupações disponíveis, deixando-lhes apenas as mais inferiores e lògicamente as menos rendosas.

Tal fato já fora notado por Ilídio do Amaral, em livro publicado em 1962 (2), ao afirmar que os nativos dirigem-se para as cidades pelos mais variados motivos, na maior parte das vêzes na esperança de encontrarem melhores salários, mas acabam por engrossar a massa dos desempregados pondo em risco as certezas de trabalho que poderiam existir para os já fixados nas cidades,. E qumdo afirmara, em trabalho anterior, publicado em 1960 (3), que aapenas uma percentagem mínima da população
rural saída de Portugal para Angola emtra no mesmo meio, nas novas terras; procur,ando antes ficar nas cidades, em especial em Luanda,, competindo com os naturais em profissões que antigamente
lhes pertenciam: criadas de mesa em cafés e restaurantes, vendedores de loterias e jornais, carregadores nos armazens do pôrto, porteiros, criados e lavadeiras, etc,. Pude comprovar tal fato durante a minha visita. Nos hotéis onde estive, o número de empregados brancos é muitaas vêzes
superior ao de empregados negros e no comércio local também os empregados brancos preponderam sôbre os negros na função de simples caixeiros. Nos própirios bairros negros de Luanda, Lobito e Nova Lisboa que percorri, demoradamente, vi casas de pequeno comércio pertencentes, invariàvelmente, a elementos brancos; não havendo emcontrado uma só cujo proprietário
fôsse um negro. Evidentemente os brancos em Angola comandam e os negros obedecem. No pôrto de Lobito, entre dezenas e dezenas de trabalhadores não tive a oportunidade de ver um único branco a
carregar fardos, havendo encontrado porém elementos brancos a trabalharem nos escritórios ou na fiscalização dos trabalhos dos negros sôbre o cais. E em Benguela, ao indagar sôbre a composição
das tripulações dos barcos de pesca, recebi a resposta de que cada tripul.ação se compunha de vinte e quatro negros apara os trabalhos pesados, e quatro brancos.

Não há, pois, como negar-se que o elemento negro em Angola vive terrivelmente inferiorizado em relação ao branco este constitui a classe privilegiada, possui a riqueza e o comando da vida econômica, política e administrativa da colônia. E' terrivelmente chocante, por exemplo, compararmos os bairros residenciais dos brancos com os habitados pelos nativos em qualquer das suas grandes cidades. Habitam os primeiros em majestosas residências, construidas dentro dos mais modermos moldes arquitetônicos, em ruas asfaltadas e amplamente iluminadas. Habitam os negros em miseráveis choupanas de paredes de terra e cobertas de palha, onde não existe luz nem água encanada, em ruas
sem calçamento e sem iluminação. Isto eu vi em Luanda, no Lobito e em Nova Lisboa. E assim pude verificar que o autor português aniteriormente citado não exagerara quando definira os bairros negros como averdadeiras estrumeiras sem esgotos, água ou iluminação e sem ru,as pavimentadas, e as habitações ali existentes, as miseráveis cubatas, desprovidas dos mais pequenos confortos higiênicos. Não poderei esquecer que vi bairros inteiros sendo construidos pelas administrações locais para substituírem tais bairros citados, tanto em Luanda como no Lobito.

O govêrno português faz evidentemente um grande esforço no sentido de solucionar, um tanto tardiamente embora, os problemas gerados pela sua falta de interêsse pela sorte da população nativ.a e pela certeza, já não existente, de que jamais seria por isso responsabilizado.

Na minha opinião, porém, medidas como esta, se darão à população nativa d,as cidades melhores condições de vida, não lhe permitirá a ascensão social e a competição livre com os elementos
brancos. E' que constatei a presença de elementos brancos nos próprios bairros negros, já a construirem ali residências distintas das habitações dos negros. Parece pois que à medida que a
«cidade branca» cresça, a «cidade negra, irá sendo impelida para cada vez mais distante da zona periférica dos centros urbanos.

E diante de tal fato,, difícil será conjecturar sôbre se os bairros populares que agora estão sendo construídos, chegarão a ser realmente utilizados pelos negros angolanos . Nos liceus locais pude perceber não existir qualquer discriminação racial, mas pude verificar também que a proporção de
alunos brancos é bem superior à de alunos negros. E' que os liceus foram construidos visando proporcionar aos filhos dos brancos educação similar ao que teriam na Metrópole. São tais
liceus da melhor qualidade, tanto no que diz respeito à construção como no que se refere à aparelhagem didática. As crianças negras têm acesso aos mesmos mas não foi evidentemente com
os olhos voltados para as necessidades dos nativos que tais liceus foram construídos.

Confesso ter tido dificuldade, em Luanda, de sentir-me em Africa, ao sul do Saara, tal a quantidade de brancos que vi por toda a parte. No Lobito, encontrei a maior parte dos negros a trabalharem nos serviços do pôrto, mas não nas ruas da cidade. Em Benguela, onde o contraste entre as habitações de brancos e de negros é excepcionalmente chocante, foi onde vi maior quantidade de negros circulando nas ruas e praças locais. E ainda no Lobito, visitando as livrarias e tendo a agradável surprêsa de
encontrar grande número de livros brasileiros Li. venda, não tive a oportunidade de ver fregueses negros sendo atendidos. O fato é que apesar de ser a população negra das cidades angolanas
maior do que a população branca os brancos são sempre mais visíveis nas ruas principais das mesmas.
Atentemos agora no fato de ser a população negra de Angola na sua maior parte analfabeta. Examinando os dados estatísticos relativos ao ano de 1950, iremos encontrar entre cêrca de 70.000 brancos com mais de 6 anos de idade, apenas 8.000 analfabetos, o que equivale a cêrca de 90% de alfabetizados nessa população. De relação à população negra, porém, a proporção se inverte e então iremos encontrar uma percentagem superior a 90% de iletrados entre os negros angolanos. Em 1950
existiam em Angola apenas 30.000 negros alfabetizados numa população nativa superior a quatro e meio milhões.

Se a discriminação racial não existe e não pude encontrar dela sinais que a evidenciassem como ostensiva, ela aparece acobertada pelas diferenças sociais e culturais que opõem entre os brancos e negros naquele pais africano.Tentam os portuguêses de Angola «domesticar, é o têrmo, os negros angolanos visando transformá-los em indivíduos convertidos ao pensamento e aos costumes europeus. Deverão êles possuir elementos da cultura branca suficientes para serem disciplinados e dóceis, mas não bastantes para virem a tomar iniciativas e competir com os elementos brancos. Pude notar isto
em duas ocasiões diversas: - a primeira, quando certo funcionário, em Luanda, homem de um espírito excepcional de combate, mostrou-me, exultante de entusiasmo, uma fotografia onde apareciam nativas africanas, vestidas à moda do Minho, com pandeiros nas mãos, em passos de uma dança tipicamente peninsular; e ao tentar-me convencer da grande obra do colonizador português que havia conseguido de ,aquelas pobres moças o abandono dos seus costumes tradicionais em troca dos costumes portugueses. E a outra vez, em Nova Lisboa, quando determinado professor primário, após haver elogiado durante muito tempo os elementos nativos, exaltando-lhes as qualidades, confessou-me
que às vêzes, ao tomar conhecimento do mau procedimento de alguns dos seus ex-alunos nativos, tornados homens feitos, chamava-os ao seu gabinete, aplicava-lhes uma surra e que tal espírito
de justiça possuíam êles que após o castigo não saíam sem lhe agradecer o benefícioo das lições. E não foi poucas vêzes que ouvi em Angola que os brancos não poderiam descer ao nível dos negros, evidenciando tal observação o desprêzo por parte da maioria dos brancos de Angola pelos valores culturais das populações nativas.

Fora das cidades pude notar no Colonato da Cela a presença de elementos brancos. Mas por uma ironia toda singular, o Colonato da Cela é destinado exclusivamente a colonos brancos. Os negros que ali existem são empregados dos brancos, muito embora tal situação seja proibida legalmente. Não sei se mo outro grande colonato de Angola, o de Matala, as cousas se passam da mesma maneira. Mas anotemos alguns fatos para melhor analisar a importância da presença de agricultores brancos em Angola. Nas fazendas de café, principal produto agrícola de Angola, trabalham mais de 30.000 indígenas; na cultura do algodão, cêrca de 60.000, não existindo fora dos colonatos da Cela e de
Matala, senão cêrca de 3.000 agricultores brancos. E' principalmente pois nos trabalhos agrícolas que se encontram ocupados os negros de Angola. Fora das cidades, em condições de vida as mais precárias, é que a maior parte dêles existe. Mas quando se pensou em modernizar .a agricultura local, em têrmos de assistência técnica aos agricultores, através da instituição dos colonatos, foi com o pensamento nos elementos brancos que foram êles construidos. Os negros que continuassem a trabalhar para os brancos nos algodoais e nos cafèzais dos brancos. E' difícil, pois, prever-se o futuro de Angola. Não conseguiram os portuguêses ali realizar, ou não o desejaram, a grandiosa obra de colonização que realizaram no Brasil. O primeiro fato que mos denuncia tal cousa é a ausência da miscigenação racial. Em proporção cada vez menor verifica-se o cruzamento entre brancos e negros, e um dos administradores da Companhia de Diamantes de Angola, o Comte. Ernesto de Vilhena, chega mesmo a colocar-se frontalmente contra a necessidade de tal miscigenação, considerando-a nociva, ao responder às críticas feitas à Companhia que dirige, por Gilberto Freyre, no seu Avem
e Rotina (4). E em segundo lugar. pela dificuldade que tiveram os negros de Angola, até o momento atual, de ascender na escala social, de modo a virem ocupar postos importantes na
vida do país.

A impressão que me deixou Angola, pois, é a de um imenso território em reserva para os excedentes da população metropolitana e de sustentáculo, através dos seus produtos de exportação, da economia portuguêsa. Incapaz de sustentar todos os seus filhos sobre o seu território, nação subdesenvolvida e falta de recursos que é, Portugal prende-se a Angola, como a Moçambique ou a Guiné, por uma razão de sobrevivência. Cheguei a ouvir opiniões em Angola de que a sede do Govêrno português deveria para ali ser transferida. A terra é rica e vasta, a mãode- obra numerosa e barata, os brancos ocupam os postos de mando - Angola representa pois a salvação de Portugal. Não pensam, porém, do mesmo modo os nativos que conseguiram escapar ao cêrco cultural que lhes foi impôsto pelo colonizador.
Desejam êles uma Angola onde negros e brancos possam juntos gozar das vantagens hoje apenas reservadas aos brancos. Querem justiça e reivindicam a posse da terra tomada aos seus antepassados. O choque, ao meu ver, será bem difícil de evitar. E a desproporção entre as forças em luta prenuncia, sem dúvida a vitória dos negros uma vez revoltados.

A análise sumária que fizemos das populações urbanas de Angola bem demonstra que mão conseguiu Portugal ali realizar uma obra estável. Vivem as cidades de Angola dissociadas do resto do território, existindo entre o mundo rural e o mundo urbano um abismo profundo, a separar o branco colonizador do negro coloniizado . Nenhuma má vontade possuo para com o povo português, ao qual me acho fortemente ligado. Lamento, porém, que em Angola tenha o colonizador português fracassado; por não haver conseguido construir a sociedade multi-racial existente hoje no Brasil.

Preocupa-me, porém, o futuro de Portugal em Africa. Creio ainda na possibilidade de vir a ser evitado o choque racial que se evidenciou possível desde a eclosão dos movimentos armados e que se prenuncia capaz de.um ressurgimento pelo apoio franco dos novos países independentes da África às facções revoltadas. Brancos e negros têm, na minha opinião, igual direito ao pais, uma vez que aos dois grupos sejam concedidos direitos e oportunidades iguais. Não sei se Portugal realmente deseja favorecer a ascensão das populações nativas de Angola ao nível social dos brancos. A orientação que vem dando o govêrno português ao problema não me permite acreditar neste propósito. Mas se o deseja não sei se conseguirá realizar num prazo que dia a dia se tornará mais curto, o que não soube ou não quis realizar, por mais de quatro séculos de presença sobre as terras da Africa.

NOTAS
(1) - Não foram incluidos no total da população branca de Angola,
os números relativos Irs tropas enviadas pela Metrópole para o
combate aos terroristas do Norte, em vista do carhter transitório
da sua presença na colbnia.
(2) - Ensaio de um estudo .geográfico da &de urbana de Angola -
Junta de Investigação do Ultramar - Lisboa - 1962.
(3) - Aspectos do povoamento branco de Angola - Junta de Investigação
do Ultramar - Lisboa - 1960.
(4) - Aventura e Rotina - Crítica de uma crítica - Luanda - 1954.