Naquele dia foi oficial: as tropas sul-africanas tinham abandonado Angola e, embora tenham ficado estacionadas mesmo ali na fronteira, a poucos quilómetros de Santa Clara e do outro lado das quedas do Ruacaná, para nós foi dia de festa. "A guerra tinha acabado" - foi-nos dito em comício popular na praça que então se chamava " da República".
O Lubango vivia momentos de euforia, de reconstrução, de azáfama, de reorganização. Os operários dos Caminhos de Ferro de Moçamedes (CFM) ajudavam os agricultores, fazendo peças para os tractores avariados, noutras fábricas substituia-se o obsoleto sistema de capatazia por métodos de responsabilização na organização da produção.
Quando, a 18 de Fevereiro tínhamos chegado à cidade, no primeiro voo que partiu de Luanda, muitos de nós não contiveram as lágrimas à vista de uma cidade meia destruída. Os retirantes partiram tudo quanto puderam. Os últimos foram os homens da UNITA, já sob a pressão das tropas cubanas, mas à frente dos "bravos" Mucubais comandados pelo Farrusco, que, naquele dia de 18 de Fevereiro nos recebeu no aeroporto num jeep com uma enorme bandeira vermelha que drapejava fortemente ao vento.
Para muitos de nós - para mim, inclusivé - a guerra tinha terminado naquele dia. Depois foi o arregaçar de mangas: ajudar na reorganização da produção, pôr de pé a Faculdade de Letras, refundar a Rádio Popular de Angola, criar o jornal " A Luta Continua", acorrer aos variados chamamentos, alguns dos quais de madrugada, porque um grupo de "faplas" tinha resolvido fazer das suas.
De Fevereiro de 1976 a Março do mesmo ano muitas coisas aconteceram naquela cidade, cinclusivamente a instalação de uma intriga forte, uma espécie de veneno trazido de Luanda. A Comissão Política da Huíla começou a integrar gente que não se percebia donde vinha. De um dia para o outro, percebi que o único elemento que tinha legitimidade democrática, porque eleito na primeira Assembleia Geral de militantes do MPLA era eu.
E eu não tinha tempo para a intriga e passei a ser olhado, primeiro, como a consciência do grupo. Toda a gente queria falar comigo em privado. Depois o mesmo aconteceu, quando os ministros passaram a visitar o Lubango. Mas, depois, mais tarde, era o "branco", isto é, "português".
Todavia, naquele 27 de Março não deixei de vibrar com a oficialização do "fim" da guerra. Finalmente, Angola podia reconstruir-se e cumprir metas de desenvolvimento que beneficiasse a todos.
Finalmente...
Houve comício com o velho Lúcio Lara. No seu discurso atacou sobretudo a posição de Portugal que ainda não tinha reconhecido o Estado Angolano, proclamado pelo MPLA às 00H00 de 11 de Novembro de 1975.
Emílio Braz, entretanto nomeado Comissário Provincial, também botou discurso e, no final, teve uma expressão que me alertou: " Viva o Povo N'Hanheca Humbe" - o Povo da Huíla.
Fiquei desconfiado, tanto mais que durante a sua proclamação aos presentes afirmou que toda a gente tinha que aprender a língua M'Huíla.
Alguma coisa se passava e fiquei mais atento.Pouco tempo depois concluí que o confronto entre nitistas e netistas também tinha chegado ao Lubango.
Afinal...
A guerra não tinha acabado: o MPLA ajeitava-se para uma disputa fratricida, que haveria de ter o epicentro a 27 de Maio do ano seguinte. As réplicas prolongaram-se por vários meses e custaram a vida a algumas dezenas de milhar de pessoas. Na sua maioria jovens; muitos deles tinham sido meus alunos, quer no Liceu, quer na Faculdade de Letras. Nessa altura porém já não estava no Lubango: eu também fazia parte das listas negras dos dois lados. Não teria tido salvação...
Mas, aquele 27 de Março foi dia de Alegria. Resolvemos rebaptizar a Escola Comercial e Industrial Artur de Paiva: "Escola 27 de Março", de que era directora a minha mulher, Isilda Arruda.
Naquele 27 de Março, Angola estava oficialmente livre de tropas ocupantes. Voltariam, já não de peito aberto, mas a coberto de acordos espúrios com forças angolanas que também queriam o poder absoluto , corrupto e racista, tal como o construiu o MPLA.
E eu, naquela altura, sem desconfiar ainda do que me esperava, voltei a chorar de contentamento. Finalmente... "a minha terra" estava livre.
O Lubango vivia momentos de euforia, de reconstrução, de azáfama, de reorganização. Os operários dos Caminhos de Ferro de Moçamedes (CFM) ajudavam os agricultores, fazendo peças para os tractores avariados, noutras fábricas substituia-se o obsoleto sistema de capatazia por métodos de responsabilização na organização da produção.
Quando, a 18 de Fevereiro tínhamos chegado à cidade, no primeiro voo que partiu de Luanda, muitos de nós não contiveram as lágrimas à vista de uma cidade meia destruída. Os retirantes partiram tudo quanto puderam. Os últimos foram os homens da UNITA, já sob a pressão das tropas cubanas, mas à frente dos "bravos" Mucubais comandados pelo Farrusco, que, naquele dia de 18 de Fevereiro nos recebeu no aeroporto num jeep com uma enorme bandeira vermelha que drapejava fortemente ao vento.
Para muitos de nós - para mim, inclusivé - a guerra tinha terminado naquele dia. Depois foi o arregaçar de mangas: ajudar na reorganização da produção, pôr de pé a Faculdade de Letras, refundar a Rádio Popular de Angola, criar o jornal " A Luta Continua", acorrer aos variados chamamentos, alguns dos quais de madrugada, porque um grupo de "faplas" tinha resolvido fazer das suas.
De Fevereiro de 1976 a Março do mesmo ano muitas coisas aconteceram naquela cidade, cinclusivamente a instalação de uma intriga forte, uma espécie de veneno trazido de Luanda. A Comissão Política da Huíla começou a integrar gente que não se percebia donde vinha. De um dia para o outro, percebi que o único elemento que tinha legitimidade democrática, porque eleito na primeira Assembleia Geral de militantes do MPLA era eu.
E eu não tinha tempo para a intriga e passei a ser olhado, primeiro, como a consciência do grupo. Toda a gente queria falar comigo em privado. Depois o mesmo aconteceu, quando os ministros passaram a visitar o Lubango. Mas, depois, mais tarde, era o "branco", isto é, "português".
Todavia, naquele 27 de Março não deixei de vibrar com a oficialização do "fim" da guerra. Finalmente, Angola podia reconstruir-se e cumprir metas de desenvolvimento que beneficiasse a todos.
Finalmente...
Houve comício com o velho Lúcio Lara. No seu discurso atacou sobretudo a posição de Portugal que ainda não tinha reconhecido o Estado Angolano, proclamado pelo MPLA às 00H00 de 11 de Novembro de 1975.
Emílio Braz, entretanto nomeado Comissário Provincial, também botou discurso e, no final, teve uma expressão que me alertou: " Viva o Povo N'Hanheca Humbe" - o Povo da Huíla.
Fiquei desconfiado, tanto mais que durante a sua proclamação aos presentes afirmou que toda a gente tinha que aprender a língua M'Huíla.
Alguma coisa se passava e fiquei mais atento.Pouco tempo depois concluí que o confronto entre nitistas e netistas também tinha chegado ao Lubango.
Afinal...
A guerra não tinha acabado: o MPLA ajeitava-se para uma disputa fratricida, que haveria de ter o epicentro a 27 de Maio do ano seguinte. As réplicas prolongaram-se por vários meses e custaram a vida a algumas dezenas de milhar de pessoas. Na sua maioria jovens; muitos deles tinham sido meus alunos, quer no Liceu, quer na Faculdade de Letras. Nessa altura porém já não estava no Lubango: eu também fazia parte das listas negras dos dois lados. Não teria tido salvação...
Mas, aquele 27 de Março foi dia de Alegria. Resolvemos rebaptizar a Escola Comercial e Industrial Artur de Paiva: "Escola 27 de Março", de que era directora a minha mulher, Isilda Arruda.
Naquele 27 de Março, Angola estava oficialmente livre de tropas ocupantes. Voltariam, já não de peito aberto, mas a coberto de acordos espúrios com forças angolanas que também queriam o poder absoluto , corrupto e racista, tal como o construiu o MPLA.
E eu, naquela altura, sem desconfiar ainda do que me esperava, voltei a chorar de contentamento. Finalmente... "a minha terra" estava livre.
Como o comentário não vai ser publicado, pelo menos fica com a ideia que tenho, depois de ler este texto.Convidava o Sr. Leston Bandeira a escrever um livro "Da terra Queimada ao Paraíso".Em 75 assumiu ficar em Angola mas no dia que começou a dar para o torto pirou-se, mais um grande homem, vá-se lá saber, se não prejudicou ninguém, naquele tempo.Se assumiu ficar aguentava as consequências.Azar daqueles que não têm para onde fugir e continuam subjugados à lei do mais forte.
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