Maria Paula Fontoura, 1994
Este blog visa apenas dar visibilidade a textos de autores considerados de interesse para a compreensão da História Colonial de Angola. Por abarcar os mais diversas abordagens, é um blog dedicado aos de espirito aberto, que gostam de avaliar assuntos, levantar questões e tirar por si próprios suas conclusões. É natural que alguns assuntos venham a causar desagrado, e até reacções da parte daqueles cujas perspectivas estejam firmemente cristalizadas.
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Demonstração geografica e politica do territorio portuguez na Guiné inferior: Joaquim Antonio Menezes.1848
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Em 1834 escrevi e publiquei em Lisboa uma Memoria relativa á Provincia de Angola e suas dependencias, levado unicamente do desejo de chamar a attençao de todos os Portuguezes , quer collocados no poder , quer na classe dos capitalistas e commerciantes, sobre as vantagens e recursos que a Metropole poderia recolher dos importantissimos productos que offerece aquelle vasto e rico territorio, empregando os meios que me occorreram e apontei.
Toda a Nação parecia então animada de um só desejo, de um só sentir: o espirito de associação dominava todas as cabeças, os capitães afuiam sem a menor difficuldade para todas as emprezas agricolas e industriaes. O mau fado porém, que em quasi todas as épocas (depois da administração vigorosa e civilisadora do grande Pombal) fora guiado os destinos do malfadado Portugal, em pouco espaço destruiu as beneficas disposições, que se haviam apresentado de tornar florecentes as Provincias d'além mar, e, se ellas então mal estavam, peor ficaram, agravando-se progressivamente a sua decadencia.
Em 1842, dezesseis annos depois da minha ultima estada em Angola, voltei pela segunda vez ao paiz que me vio nascer essa penivel viagem na escuna de guerra Amelia naufragamos miseravelmente na baía de Mossamedes, e percorrendo alguns pontos da costa até Loanda, capital da Provincia, esta mesma apresentava já os symptomas de uma vida quasi extincta! Azares da fortuna, ou antes, uma guerra desleal e iniqua, cuja relação pertence a outro lugar, me reconduziu á Lisboa em 1845.
Apezar de atrozmente perseguido, tal era a minha boa fé, tal era o conceito que formava da administração, que me pareceu poder ainda prestar algum serviço a Nação a que pertenço, mas a minha illusão foi de pouca duração! Nas duas primeiras entrevistas, que tive com o Ministro Joaquim José Falcao, de todo me convenci que jamais o poderia conseguir. As conveniencias da cruzada, que devasta a infeliz Provincia de Angola, tinham mais imperio no seu animo do que o bom nome, do que a honra e do que o engrandecimento da Monarchia: os factos o provam de sobejo....
Esta dolorosa convicção longe de me enfraquecer o espirito, produziu um effeito contrario. O meu ardor pela prosperidade da patria, e pela gloria da coroa portuguesa tomou o primeiro lugar. Olhei com desprezo para todos os damnos que se me poderiam seguir reimprimindo a historia da devastada Angola com mais algumas observações filhas da experiencia, e com todas as occurrencias recentes, não para conseguir remedio immediato, mas para preparar o futuro, bem persuadido que um governo illustrado, e verdadeiramente patriotico apparecerá um dia em Portugal, que aproveite a riqueza de suas vastas possessões; e estava a ponto de a publicar em Lisboa, quando uma nova perfidia me privou totalmente de a dar á luz.
Agora, posto que longe do theatro onde mais interessa esperar a acção do tempo tem grande imperio sobre as cousas e sobre os homens, e a integridade guerreada pela corrupção e immoralidade reassumirá , talvez em breve, o lugar que lhe compele. No entanto estou intimamente convencido, que a vil intriga e a calumnia, armas favoritas da tyrannia colonial, disparar-se-hao novamente contra mim; mas se dentre os — Cruzados — ha cavalheiros como se tem querido inculcar, espero não ser ferido pelas costas, como succedeu sempre que em Lisboa me apresentei por este modo, e pelos meus discursos no Parlamento. A imprensa offerece campo vasto e legal para uma refutação, compromettendo-me desde já, e em toda a parte do mundo onde a sorte me conduzir, a retirar qualquer allusão injusta, e a declarar-me vencido, se osjgeus combatentes poderem conseguir no todo ou em parte a destruição da minha demonstração o conhecimento dos factos, que em seguido se acham exarados. Não creia alguem que por uma vez tenho desapparecido da scenna, não, a ella voltarei quando menos se esperar... A acção do tempo tem um grande império sobre as cousas e sobre os homens, e a integridade guerreada pela corrupção e pela immoralidade reassumirá. telvez em breve, o lugar que lhe compete.
Nunca aspirei ás honras de escriptor, nunca tive pretençoes de politico; tenho as minhas convicções sem ter sido nunca conspirador. Desejo sinceramente o bem da Nação a que pertenço, emitto as minhas opiniões, ou as minhas idéas como as tenho concebido, c apresento os factos como elles sào, uns por mim observados, alguns colhidos de fragmentos historicos e outros transmittidos pela voz publica, e coordenados sem os ornatos da eloquencia, que só se encontra nos grandes talentos. Depois desta ingenua confissão conto, que o leitor instruido e benevolo desculpará os defeitos ou faltas que encontrar nesta pequena obra , que teria sido mais circumstanciada se não fossem tão crescidas nesta Corte as despezas da impressão.
s.n., 1848 - Nature - 206 pages
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
Quizeram correr com os brancos de Angola...
Entrevista com Leonor Figueiredo e pré publicação do seu livro "Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola"
Texto completo:
in HUKALILE
terça-feira, 16 de agosto de 2011
Rainha Njinga mandava matar quem lhe representasse ameaça, revela pesquisadora
Terça, 14 Dezembro
Luanda - A Doutora Beatrix Heintze, investigadora da História e Etnologia de Angola e da África Centro-Ocidental, que, ao longo de quarenta anos, desenvolveu o seu trabalho no Instituto Frobenius em Frankfurt am Main (Alemanha), tendo sido também editora de todas as publicações do Instituto durante trinta e cinco anos, esteve em Luanda a participar do IV Encontro sobre a História de Angola, numa profícua iniciativa do Ministério angolano da Cultura, que decorreu no final do mês Agosto do corrente, foi a margem deste evento que o Semanário Angolense aproveitou a grata oportunidade para ouvir, os argumentos de razão à volta da sua obra intitulada « Angola nos séculos XVI e XVII» cuja edição em português já está disposição dos leitores de língua portuguesa Angola, estes e outros motivos, presidiram à conversa que o Semanário Angolense manteve com uma das mais respeitadas investigadoras da nossa história, no velho continente, eis a conversa.
Fonte: SA
Fonte: SA
Ela adoptou ritos e leis sanguinárias
SA- Dr.ª B. Heintze, que influência as identidades africanas podem ter nos processos de coesão nacional de Angola?
BH- Acho que podem ser muito importantes, porque Angola é uma nação muito jovem e, depois de muitas décadas de guerra, deve haver um sentido de unidade e de identidade nacional. As identidades africanas podem ajudar a consolidar essa unidade, mas espero que os angolanos tenham uma solidariedade não somente étnica. Porque, depois de muitos séculos de escravidão e de opressão, existe agora uma oportunidade para terem um futuro mais positivo e estarem mais unidos; as rigorosas distinções entre as etnias foram muitas vezes criadas só pelos colonialistas. Por exemplo, quando se lêem atentamente as obras de Henrique Dias de Carvalho vê-se que naquela altura as distinções entre os Lunda, os Chokwe e os Mbangala ainda eram bastante fluidas. As distinções étnicas não são muito importantes para uma nação, o que importa é que um grande Estado como Angola preserve também, neste mundo moderno, o essencial da sua diversidade cultural sem menosprezar as diferenças que vem da sua História. Mas para se formar uma “angolanidade” é preciso conhecer a sua própria história e cultura e não esquecer as suas riquezas culturais, incluindo as línguas angolanas, em que ainda faltam muitos dicionários e gramáticas. Quanto à cultura, a divisa talvez pudesse ser: unidade e solidariedade baseadas na diversidade histórica.
SA- Dr.ª B. Heintze, ao longo da sua comunicação fez várias vezes referência aos Mbangala. Parece-nos que eles tinham a característica de serem um povo guerreiro e combativo. O que nos pode dizer em função das suas pesquisas?
BH- Há muito tempo, isto é nos séculos XVI e XVII, no princípio de sua formação, os Mbangala eram guerreiros, também estimulados pelo comércio dos escravos na costa atlântica. Tinham nessa altura uma ideologia guerreira com leis e ritos muito sanguinários; depois, por volta de 1630, fundaram o seu Estado e reino na baixa de Cassange, e depois não foram tão diferentes dos outros povos vizinhos. Tornaram-se agricultores e comerciantes afamados, misturaram-se com os outros povos, e tiveram uma posição estratégica perto do Kwango, entre os povos do Oeste e os do Leste deste rio. No século XVIII, ou mais tarde formava-se pouco a pouco, a Leste do Kwango, o grande Reino dos Lunda, denominado pelo grande historiador belga-americano Jan Vansina o “commonwealth lunda” (porque não foi um reino no sentido habitual). Então passou a haver de um lado do Kwango as regiões dominadas pelos Lunda, e do outro as regiões conquistadas ou fortemente influenciadas pelos portugueses. Por consequência, coube ao reino dos Mbangala no Kwango uma posição central entre o Oeste e o Leste deste rio. Os Mbangala conseguiam controlar todo o comércio que passava pelo seu país e impedir qualquer comunicação directa entre os Lunda e os portugueses até ao menos metade do século XIX.
SA- Qual era a semelhança que existia entre os Mbangala e os Lunda?
BH- São povos diferentes, têm uma língua e cultura diferente; os Mbangala falavam naquela altura um kimbundu um pouco diferente dos Mbundu à Oeste, no Ndongo; os Lunda falavam a língua lunda; embora ambas as línguas sejam línguas bantu, são bastante diferentes uma da outra. Mas havia também semelhanças entre estes povos. Por exemplo, em relação ao seu sistema de parentesco político, havia aquilo que os académicos chamam de “parentesco posicional” e “parentesco perpétuo”, que criaram uma rede ficcional de “parentesco” político no tempo e no espaço, um sistema que existe em toda esta região da África Central, e também entre os Mbangala, Chokwe e Lunda. O comércio de grande distância em que participaram primeiro os Mbangala e depois os luso-africanos (os chamados “Ambaquistas”), Chokwe e outros povos, criava também novas relações e conflitos entre os povos do interior do continente. No foco deste comércio distante, cada vez maior entre a costa atlântico e o interior, estava primeiro a exportação de escravos de um lado e a importação de têxteis e armas do outro; com o fim oficial do tráfico de escravos em 1836, procurou-se na costa cada vez mais o marfim, e mais tarde a borracha. Mas no interior da África Central os escravos continuaram de ser procurados ainda entre os africanos durante quase todo o século XIX. Os Mbangala compravam os escravos a leste do Kwango vendendo os homens aos portugueses e integrando as mulheres na sua própria sociedade. Estas relações intensas foram muito importantes. Penso que eles criaram a ideia de uma origem comum, e ajudavam, ao menos de vez em quando, a tornar as relações comerciais mais seguras.
SA- Dr.ª B. Heintze, o que é abordado neste seu livro sobre Angola nos séculos XVI e XVII?
BH- Este livro é o resultado de estudos feitos já há muito tempo e estou muito satisfeita por ter sido agora publicado aqui em Angola em português, porque sempre defendi a tese de que não valia a pena escrever sobre estes assuntos só em alemão; para mim o mais importante é dar a conhecer os meus trabalhos aqui em Angola. Quando eu comecei a estudar a História de Angola, fui a Portugal no fim do regime Salazarista. Naquela altura, era um grande tabu falar do tráfico português de escravos. Questionava: “Então não havia comércio de escravos em Angola?” Não era um assunto a discutir. Para mim que estudei na universidade dos anos sessenta uma Etnografia muito estática e sem historiografia documental crítica foi uma grande revelação poder encontrar no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa centenas de caixas cheias de documentos tratando do tráfico de escravos em Angola desde o século XVI. Por esta razão cresceu em mim a convicção de que não me seria possível continuar com a Etnografia de então. Eu deveria primeiro conhecer e estudar a História de Angola mais recuada através dos documentos existentes. Consegui receber bolsas para poder trabalhar nos arquivos de Lisboa e outros arquivos de Portugal, e conclui que não era possível escrever sobre as culturas actuais de Angola sem conhecer aquela História longínqua. Também aprendi que naquela altura quase todos os livros foram escritos do ponto de vista colonial; David Birmingham, Joseph Miller, eu e muito poucos outros investigadores fomos dos primeiros académicos na Europa e nos Estados Unidos, que tentamos escrever a História de Angola com base nas mesmas fontes, mas o mais possível do ponto de vista dos Africanos. Porque até então, as coisas só eram vistas na perspectiva dos colonizadores; foi por isso que tentei escrever sobre a escravatura e sobre a influência da Administração portuguesa em Angola, sobre a cultura material. Foi também muito importante terem sido publicadas, alguns anos mais tarde, aquelas imagens de pinturas feitas por Cardonega e Cavazzi, que foram as primeiras pinturas conhecidas do século XVII e que nos fornecem um conhecimento visualizado do mito do primeiro rei do Ndongo. Estas pinturas contêm também estes ornamentos muito interessantes e muito importantes que se encontram pintados sobre o trono e nos têxteis da corte do Ndongo, ornamentos que foram também encontrados no século XX, a Leste de Angola, nos desenhos ou ideogramas de areia (os sona) dos Chokwe, Luchazi e Ngangela, e que representam com as suas explicações toda uma filosofia, os valores centrais e uma grande parte do saber histórico destas sociedades, sendo contadas aos jovens aquando dos ritos de iniciação.
SA- As fontes em África, orais e até mesmo as escritas, têm sido um grande problema para os investigadores europeus na interpretação da História de África, pela falta de fontes escritas. Como é que conseguiu fazer a recolha de material para desenvolver este seu projecto de investigação?
BH- No tempo em que fui estudante ninguém trabalhava nos arquivos portugueses e o meu professor dizia-me que teríamos ir consultar os arquivos em Lisboa, ver o que existe sobre Angola e sobre a África Central em geral. Naquela altura, eu não sabia o que havia de encontrar. Na Alemanha por exemplo, ainda havia livros sobre a História do Reino do Congo escritos apenas com informações em alemão tiradas dos livros de exploradores em África, faltando toda a investigação e pesquisa dos documentos existentes nos arquivos. Havia ainda historiadores europeus que diziam que África era um continente sem História. Quando pude estudar esta grande quantidade de documentação em Lisboa, tive a certeza: Temos que escrever a história de Angola do ponto de vista dos africanos com estes documentos. Como naquela altura em Angola houve primeiro a guerra de independência e depois a guerra civil e como não sou uma pessoa muito prática e nunca tive uma saúde muito estável, uma pesquisa de campo não me foi possível. Mas em Portugal consegui descobrir muitas coisas novas, sobretudo um grande código em dois volumes do governador de Angola Fernão de Sousa (1624-1630). A partir daí escrevi uma reinterpretação da história do reino do Ndongo na primeira metade do século XVII. Para fazer aquele trabalho foi preciso fazer toda a transcrição difícil deste volumoso corpo de documentos. Depois de acabar com a minha investigação, pensei que seria pena de não publicar também essa fonte importantíssima para a História de Angola do século XVII, facilitando assim aos próprios angolanos e outros investigadores o seu uso. Não tive muitas esperanças de conseguir, mas finalmente encontrei uma casa editora mesmo na Alemanha que publicou essa fonte em dois volumes, em português (1985 e 1988)! Como essa publicação foi um grande sucesso, agora já está esgotada. Talvez seja possível um dia fazer uma reprodução facsimile (porque nesse tempo ainda não havia manuscrito digitalizado). Geralmente, na Alemanha de então, não havia muito interesse por Angola. Mas fui ter com a nossa casa editora que propôs dar vinte cópias dessa obra a Angola e a Embaixada de Angola em Berlim predispôs-se a garantir o seu transporte para Angola sem qualquer custo. Assim foi possível terem aqui esta fonte sobre os séculos XVI e XVII.
SA- Nesta sua obra, a senhora fala em Estado do Ndongo e não Reino do Ndongo porquê?
BH- O Reino foi um Estado e vice-versa. Pode-se utilizar os dois conceitos. Os relatos do governador Fernão de Sousa são muito importantes para a História do Ndongo – eu mesmo diria que é uma das mais importantes fontes da primeira metade do século XVII. Por isso acho que hoje não se pode escrever a história sem fazer uso desta fonte. As suas informações estão ligadas sobretudo ao começo da década de 1620, ou até mesmo antes. Porque ele relata também em pormenor a grande guerra contra o Ndongo começada por um dos governadores anteriores com a ajuda dos Jaga/Mbangala. O rei do Ndongo de então era o irmão da famosa rainha Njinga a Mbande, que sendo combatida pelos Portugueses teve de refugiar-se numa ilha do Kwanza; depois houve algumas tentativas de reconciliação, mas todos os governadores portugueses, incluindo o próprio Fernão de Sousa, não ousavam concluir o tratado discutido. Neste período a Njinga terá vindo duas vezes para Luanda como diplomata, para tratar desta paz e terá sido baptizada aí, em 1622, com o nome de Ana de Sousa. Penso que já naquela altura ela era uma personagem excepcional. Depois da morte do seu irmão, ela teria recebido as insígnias para as guardar, enquanto o filho do seu irmão era ainda pequeno demais para governar. Foi este o primeiro passo para ela ascender ao poder, visto que até então nunca houvera uma mulher a governar este reino. Mas Njinga foi muito ambiciosa e era possuidora de um grande talento diplomático na luta pela sua sobrevivência política. Sem escrúpulos, com dureza e crueldade conseguiu contrariar todos os condicionamentos de género e impor o seu direito ao cargo de governante. Juntou-se aos Jaga (mais tarde conhecidos como Mbangala), cujos ritos e leis sanguinários ela adoptou. Njinga não ficou com grande poder de armas, mas tinha influência bastante para se sempre impor de novo, não hesitando na escolha de seus meios. Todas as pessoas ao seu redor que eventualmente pudessem representar algum perigo, ela mandava matar. Tal como o seu irmão, também Njinga tentou fazer a paz com os portugueses, mas sem ter de se tornar vassalo deles. Naquela época, havia mudanças frequentes dos governadores portugueses, cada um deles prometendo um tratado de paz, que no entanto nunca foi realizado.
O problema da rainha Njinga foi que os portugueses tinham avançado um dos seus presídios mais a Leste, à Ambaca, que era muito próximo do centro de poder do Ndongo. Um dos pontos mais importantes do tratado previsto era que este presídio de Ambaca deveria ser retirado. Todos os governadores sucessivos concordaram que deveria ser assim, mas ninguém teve a coragem de o fazer. Porque para os portugueses, retroceder significava mostrar fraqueza, e por isso não aconteceu. Quando chegou Fernão de Sousa, ele também queria fazer paz para promover o comércio dos escravos. Ele foi um dos poucos governadores de Angola que teve um carácter integro; antes do seu mandato, havia muita corrupção no governo português em Angola e a escolha de Fernão de Sousa pela Coroa foi feita porque se estava à procura de uma pessoa integra. Mas este governador não ousava tomar decisões por si mesmo, sem consulta e parecer prévios da Coroa. Foi por isso que chamei a Fernão de Sousa o “cunctator” (hesitador). Como se sabe, o correio entre Angola e Portugal/Espanha levava nesta época muito tempo. Finalmente Fernão de Sousa convenceu-se de que não tinha alternativa senão instalar outro rei no Ndongo e fazê-lo vassalo português. Com a resistência de Njinga contra esse rei que ela e os seus julgavam ilegítimo, e com a paragem do comércio de escravos, Fernão de Sousa julgou poder começar “uma guerra justa” contra a Njinga. A rainha juntou-se com os Jaga/Mbangala para se salvar, primeiro com Casa Angola, depois com João Cassanje. Fernão de Sousa recebeu a notícia de que este último disse à Njinga: se ela queria juntar-se a ele havia de ser sem a sua lunga (que era um gongue grande e insígnia da guerra), que ele havia de governar e não haverá dois senhores no seu quilombo, e que ela havia de ser a sua mulher. – Após Njinga ter sido definitivamente expulsa pelos portugueses do seu reino ancestral do Ndongo, ela conquistou o Reino de Matamba junto ao Kwango e criou aí uma nova base para o seu domínio. Aliada aos Jaga/Mbangala ou aos holandeses constituiu depois, durante décadas, uma séria ameaça para os portugueses. Mas tal como para estes, o comércio de escravos serviu também para ela como base material e política do exercício do seu poder. Morreu em Matamba no ano de 1663, em paz com os portugueses e reconciliada com a fé católica. A rainha Njinga foi certamente a maior política da história de Angola e para os angolanos modernos, esta figura invulgar tornou-se um símbolo da resistência angolana contra o domínio colonial português. E assim parece que já faz parte da sua memória cultural.
SA- Temos a impressão que nesta sua obra, terá faltado uma fonte fundamental para um estudo sobre a história de África no geral e de Angola em particular, que é a fonte oral; até que ponto é que acha que seria importante incluí-la neste seu valioso estudo?
BH- Bem! Os dois grupos de fontes são igualmente importantes, mas têm qualidades diferentes e podem ser utilizadas de modos diferentes. Respondem a diferentes questões. Quando nós temos notícias escritas de fontes antigas, sabemos que são sempre feitas de uma perspectiva europeia e muitas vezes colonialista. Mas sem elas faltar-nos-iam muitos conhecimentos essenciais da História desta parte de África. Por outro lado, existem algumas informações nos documentos dos séculos XVI e XVII tiradas de tradições orais que são muito valiosas para nós. Mas muitas vezes trata-se de compilações sem informação sobre quem, quando e onde essas tradições foram relatadas. Como as tradições orais são adaptadas, com o decorrer do tempo, às necessidades e pontos de vista actuais, causam-nos grandes dificuldades de interpretação quando queremos saber alguma coisa exacta dos séculos passados, como tentei de mostrar no exemplo da História antiga dos Jaga/Mbangala (em 2007 na revista americana History in Africa). Mas apesar disso, é uma grande pena que as décadas de guerra em Angola tenham impedido a recolha profissional de tradições orais. No entanto sei que há agora tentativas de documentar tudo o que ainda existe.
Quero dar um pequeno exemplo. Em meados do século XIX foi registada uma tradição oral postulando entre outras coisas que o Jaga Cassanje teria encontrado Njinga em Luanda e que foi o Jaga que foi o protagonista de toda esta história envolvendo os três interveniêntes. No entanto, pelos documentos sabe-se que nenhum Jaga encontrou a rainha Njinga em Luanda. Esta informação oral não se deve tomar literalmente, mas ela pode exprimir simbolicamente uma vista africana desejada do passado e das relações entre os Jaga/Mbangala, Njinga e os Portugueses. Portanto tal interpretação não se pode generalizar, será sempre preciso de analisar todos os dados que temos. Por exemplo, é muito difícil para nós escrever a História dos séculos anteriores da Lunda, porque aí faltam os documentos antigos. Como já disse, creio que todos elementos de cada sociedade e cultura estão sujeitos a um processo permanente de mudança. Mudam como todos os elementos da nossa cultura e de nosso ambiente orgânico e inorgânico. Também mudam os sistemas de parentesco e as tradições orais. Só a escrita fixa e divulga, imprimindo-a, essa versão escolhida e muito especial para sempre. A minha convicção é muito contrária ao que se ensinava antigamente na universidade: Lembro-me que enquanto fui estudante, falava-se do “presente estático”, que dizia que a cultura dos chamados “naturais”, “indígenas” ou “primitivos” nunca mudava desde há meio milhão de anos, e que seria preciso esperar ainda inúmeros anos até que eles se tornarem “civilizados”.
Felizmente, já há algumas décadas que não mais se diz isto. Hoje sabe-se, por exemplo, que houve sociedades que mudaram em pouco tempo o seu sistema de parentesco patrilineal para um sistema matrilineal. Da mesma maneira entendemos hoje o universo (ao menos os académicos das ciências naturais), sabemos que este não foi sempre o que conhecemos agora. O nosso universo foi resultado do big bang, que ocorreu há milhões de anos antes de nós: depois houve sempre muitas transformações, houve mesmo mundos que desapareceram e outros que nasceram; as plantas que se desenvolveram e os animais, e nós, os homens, também; acho que é uma lei geral do nosso universo. Mas para mais uma vez responder à sua pergunta: Tal como os textos documentais, também as tradições orais constituem parte da nossa cultura e são importantíssimas para a investigação histórica e todas devem ser recolhidas onde ainda existem. Mas sem omitir as informações sobre o contexto especial de cada um. Podem ensinar-nos muitas coisas valiosas, entre elas, como um grupo de um certo tempo e lugar viu a sua História e as suas relações com os seus vizinhos. Por isso utilizei recentemente com grande ênfase as tradições orais dos Lunda, Chokwe e Mbangala, documentadas por Henrique Dias de Carvalho na Lunda, na década de 1880. O importante e excepcional do seu testemunho é que no seu tempo estas tradições não só faziam parte de entrevistas de investigação, mas eram ainda utilizadas na grande política interétnica para evitar conflitos armados.
SA- Nos últimos tempos quais têm sido os seus objectos de pesquisa?
BH- Agora, já estou reformada, já não tenho o apoio financeiro do meu Instituto, já não posso viajar tanto, mas acho que existem hoje muitos jovens com muito paciência, com possibilidade de fazerem pesquisas de campo e de arquivos. Espero que muitos deles venham a realizar projectos de M.A. e doutoramento nos arquivos de Angola que ainda esconde muitos tesouros a descobrir. Quanto a mim gostaria publicar uma versão portuguesa de dois manuscritos e vários artigos, num livro sobre a História da África-Centro Ocidental no século XIX, isto é, principalmente sobre a região a Leste do Kwango. Um outro projecto seria a edição dum grande manuscrito que foi oferta ao Instituto Frobenius: Trata-se do longo diário do militar e geógrafo alemão Alexander von Mechow acerca da sua expedição ao Kwango (1879-1881); ele foi aplaudido pelo seu mapa muito pormenorizado deste rio. Ficou entusiasmado com paisagem, mas infelizmente não se interessou muito pelos homens e suas culturas. Como já publiquei (em alemão) os escritos de dois outros exploradores alemães, de Max Buchner na Lunda (1878-1882) e de Alfred Schachtzabel na região dos Ngangela e Chokwe no Sudeste de Angola (1913-1914) – publiquei este último texto com notícias pessoais do espólio do autor e com as imagens dos objectos recolhidos por ele durante a sua expedição – talvez fosse também um projecto útil para os angolanos preparar uma versão portuguesa destes livros para uma futura publicação. Como as fontes sobre a História e Etnografia de Angola estão escritas em mais de oito línguas seria irrealista pensar que os investigadores angolanos devem e podem aprender todas estas línguas para conhecer estas fontes, mesmo quando parecem ser indispensáveis.
SA- Qual é o conselho que gostaria de dar aos novos investigadores angolanos?
BH- Há! Que façam o melhor que puderem, espero que possa haver bons professores e que mantenham o seu idealismo, porque acho que um dos grandes tesouros que tem este país são os jovens que se interessam pela História de Angola; estive alguns anos atrás em Luanda para dar umas palestras. Realizaram-se no período da tarde e eu perguntei aos estudantes como é que eles fazem a sua vida estudantil. Responderam-me que durante o dia trabalham para ganhar a vida e poder pagar a universidade e no final da tarde têm os cursos da Universidade, e a Universidade permite-lhes com estes cursos pós-laborais estudar: Isto impressionou-me muito, é fantástico, para quem conhece o trânsito em Luanda, em que é preciso perder-se muitas horas para chegar de um lado ao outro. Espero que este entusiasmo e interesse pela a História e cultura do seu país não se percam e que nunca faltem os meios para a investigação científica e a publicação das fontes e análises importantes!
* Cláudio Fortuna
Frantz Fanon: Pele negra máscaras brancas
(...)
A maioria dos negros, inclusive na África, está obcecada em “fixar-se”. Esta obsessão, sugere a argumentação de Fanon, é resultado da impotência social. Não conseguindo exercer um impacto sobre o mundo social, eles se voltam para dentro de si mesmos. O principal problema desta atitude está na contradição em buscar a liberdade escondendo-se dela. A liberdade requer visibilidade, mas, para que isto aconteça, faz-se necessário um mundo de outros. Esquivar-se do mundo é uma ladeira escorregadia que, no final das contas, leva à perda de si. Até mesmo o auto-reconhecimento requer uma colocação sob o ponto de vista de um outro. Esta é uma verdade difícil de aceitar, e não é por acaso que Fanon enfrenta essa discussão após oferecer lágrimas no final do quinto capítulo. Ele está nos dizendo que nós devemos nos livrar de nossas barreiras, rumo a um corajoso engajamento com a realidade.
A liberdade requer um mundo de outros. Mas o que acontece quando os outros não nos oferecem reconhecimento? Um dos desafios instigantes de Fanon para o mundo moderno aparece aqui. Na maioria das discussões sobre racismo e colonialismo, há uma crítica da alteridade, da possibilidade de tornar-se o Outro. Fanon, entretanto, argumenta que o racismo força um grupo de pessoas a sair da relação dialética entre o Eu e o Outro, uma relação que é a base da vida ética. A conseqüência é que quase tudo é permitido contra tais pessoas, e, como a violenta história do racismo e da escravidão revela, tal licença é freqüentemente aceita com um zelo sádico. A luta contra o racismo anti-negro não é, portanto, contra ser o Outro. É uma luta paraentrar na dialética do Eu e do Outro.
Fanon mostra também que tal luta acontece não apenas no âmbito das interações sociais, mas também em relação à razão e ao conhecimento. Nas palavras de Fanon:
(A razão assegurava a vitória em todas as frentes. Eu era readmitido nas assembléias. Mas tive de perder as ilusões. A vitória brincava de gato e rato; ela zombava de mim. Como dizia o outro, quando estou lá, ela não está, quando ela está, não estou mais.)
Parafraseando-o, poderíamos dizer que, ao entrarmos na sala a razão sai. A razão, em outras palavras, não está sendo razoável. Encontramos aqui a situação neurótica e a melancolia dos negros no mundo moderno. Reivindicar a razão, agarrá-la, seria exibir a não-razão, mesmo diante da razão sendo irracional. Aqui Fanon, como os negros, deve argumentar com a razão. Este desafio, isto é, ser de fato mais razoável do que se espera que os outros, especialmente os brancos, o sejam, situa o negro como sofrendo uma perda antes mesmo que ele comece a lutar pela existência. Isso sinaliza a melancolia da existência negra. Na verdade, espera-se que os negros não tenham sido negros a fim de legitimarem-se como negros, o que é uma tarefa impossível. Caso o negro deseje uma condição pré-moderna, ou pré-enegrecida, isto requereria uma contradição: um negro que não fosse negro. Os negros, em outras palavras, enfrentam o problema de sua relação com a razão e com o Eu enquanto indígenas do mundo moderno. Tal Eu sofre de melancolia, uma perda pela qual eles não podem ser o que ou quem são.
Como o leitor verá, tal dilema não é um convite ao pessimismo. Fanon nos lembra que parte da nossa luta envolve entender as dimensões críticas do ato de questionar, o que ele exemplifica encerrando o livro com uma oração. Dadas as muitas traduções e comentários sobre o seu trabalho, a grande quantidade de novos grupos de pensadores influenciados por suas reflexões, e as instituições, criadas em prol da dignidade humana, que trazem seu nome e seu legado, fica claro que suas indagações têm encontrado eco neste novo século.
Lewis R. Gordon
Tradução de Renato da Silveira
Prefácio de Lewis R. Gordon
TEXTO COMPLETO
domingo, 14 de agosto de 2011
TABELA 2: Número de Brancos que Viviam em Angola (1848-1974)
ANO | NÚMERO |
1845 | 1832 |
1900 | 9198 |
1920 | 20200 |
1940 | 44085 |
1950 | 78286 |
1960 | 172529 |
1961 | 162387 |
1970(*) | 290000 |
1974(*) | 335000 |
Fonte: MANUEL, J. R. Z. Angola - Entre o presente e o futuro
(*) Estimativa
Os dados de censo populacional em Angola são contraditórios, primeiro, em função das estratégias coloniais para ocupação, segundo, nos censos realizados, todos os resultados ficavam sob a tutela do conselho ultra-marino que entendia que tais dados facilitaram a organização militar para aqueles que lutavam contra a metrópole.
De acordo com a Tabela 2, somente neste século, houve um incremento considerável da população européia, consolidando, então, o processo da ocupação colonial. Ao mesmo tempo, criava-se entraves para uma futura aglutinação populacional, já que essa população européia tinha como função prioritária uma "ação civilizadora", voltada, na prática, para a exploração máxima da colônia, devastadora do ponto de vista cultural para a nação Angolana, fortalecendo adversidades locais e regionais no campo étnico, o que irá retardar o processo de independência devido à lenta unificação das forças políticas nacionais.(...)
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
NAÇÃO E IMPÉRIO
XII
Após a crise. Sopro Modernizador (1869-1879)
Passada a crise, em finais da década de 1860, a polémica sobre os destinos do império estabelece-se e nos anos subsequentes são cada vez menos as vozes daqueles que viam no ultramar um campo privilegiado de afirmação da nação portuguesa.
Em 1869, chegam notícias da descoberta de «importantíssimos jazigos auríferos e de pedra preciosa na África austral». O jornal do Comércio de 1-4,9-4 e 13-10-1869, noticiou a «extensíssima, tão rica e fertilíssima província de Moçambique», de novo transformada em Eldorado. Assim, nos começos de setenta há um breve período de euforia colonial por informações vindas de Angola, testemunhando o desenvolvimento comercial da colónia (iniciava-se, então, o ciclo da borracha); como também de Moçambique, embora em menor escala, que beneficiava da crescente relação com o Natal e da abertura do canal Suez em 1869.
ReformasÉ neste contexto que a política de reformas e desenvolvimento do sistema colonial é conduzida, na década de 1870, por Andrade Corvo, na dupla qualidade de ministro dos Negócios Estrangeiros e de ministro da Marinha. A conjuntura, embora breve, favorecida pela prosperidade de alguns territórios ultramarinos, sobretudo Angola, terá facilitado a acção do ministro e novamente o nascimento do impulso imperial. Agora por preocupações de ordem mais genéricas. Andrade Corvo, ainda antes de assumir responsabilidades governativas, suscitava a reflexão sobre a questão nacional na sua Obra opúsculos «Perigos», escrito em 1870, quando decorria o «conflito franco-prussiano» e na península hispânica se agitava o fantasma da união ibérica. Os tratados de Viena de 1815, textos invocados por Andrade Corvo, em que analisava os princípios do novo direito internacional: O «Principio das nacionalidades», completado pelo da «soberania popular», o «sistema do equilíbrio europeu»; e a «teoria das raças». Esta teoria opõe uma recusa frontal, vendo na «sua monstruosidade aplicação à divisão dos impérios (…) um ataque a todos os princípios morais da organização das sociedades, conduzindo fatalmente à guerra, não sendo possível construir impérios. Quanto ao «sistema de equilíbrio europeu», para além de forçosamente instável, servia ultimamente de pretexto às grandes potências para reclamarem compensações territoriais (sempre às custas dos pequenos Estados, que para tal davam a «matéria-prima», não sendo nunca ouvidos sobre tão «cruéis e brutais atentados». Por último, o «princípio das nacionalidades» a que Andrade Corvo dava claramente preferência, desde que expurgado das manipulações que dele se vinham fazendo, cobrindo as anexações com o «aparente assentimento dos povos». Para que se lhe pudesse conferir um «valor real», para que não fosse um mero pretexto para refazer a carta da Europa segundo os desejos e as ambições dos grandes Estados», tornava-se indispensável tomar por base uma concepção precisa de nação, como «reunião de homens agrupados sobre um certo território, constituindo pelo assentimento geral, no que respeita à manifestação e defesa dos interesses comuns (…). Era uma perspectiva de nação de raiz contratual, assente na vontade livremente expressa dos povos. A única ressalva estava na exigência da «unidade de poder político, representando e dirigindo os comuns interesses perante os estrangeiros», como condição da existência da nação. O sentido era de conservar tanto quanto possível o traçada das fronteiras na Europa, evitando tanto os processos de fragmentação como os da unificação de Estados. A salvaguarda das pequenas potências estaria precisamente na estabilidade do sistema internacional, assente em «princípios claros, fundados na liberdade e independência das nações», bem como na sua cooperação. Como contraponto aos «grandes impérios» Corvo contava com as «grandes alianças» dos mais fracos, nas quais via o «meio profícuo de limitar e restringir a perigosa tendência que se manifestava na Europa, para a concentração das raças.
Em 1869, chegam notícias da descoberta de «importantíssimos jazigos auríferos e de pedra preciosa na África austral». O jornal do Comércio de 1-4,9-4 e 13-10-1869, noticiou a «extensíssima, tão rica e fertilíssima província de Moçambique», de novo transformada em Eldorado. Assim, nos começos de setenta há um breve período de euforia colonial por informações vindas de Angola, testemunhando o desenvolvimento comercial da colónia (iniciava-se, então, o ciclo da borracha); como também de Moçambique, embora em menor escala, que beneficiava da crescente relação com o Natal e da abertura do canal Suez em 1869.
ReformasÉ neste contexto que a política de reformas e desenvolvimento do sistema colonial é conduzida, na década de 1870, por Andrade Corvo, na dupla qualidade de ministro dos Negócios Estrangeiros e de ministro da Marinha. A conjuntura, embora breve, favorecida pela prosperidade de alguns territórios ultramarinos, sobretudo Angola, terá facilitado a acção do ministro e novamente o nascimento do impulso imperial. Agora por preocupações de ordem mais genéricas. Andrade Corvo, ainda antes de assumir responsabilidades governativas, suscitava a reflexão sobre a questão nacional na sua Obra opúsculos «Perigos», escrito em 1870, quando decorria o «conflito franco-prussiano» e na península hispânica se agitava o fantasma da união ibérica. Os tratados de Viena de 1815, textos invocados por Andrade Corvo, em que analisava os princípios do novo direito internacional: O «Principio das nacionalidades», completado pelo da «soberania popular», o «sistema do equilíbrio europeu»; e a «teoria das raças». Esta teoria opõe uma recusa frontal, vendo na «sua monstruosidade aplicação à divisão dos impérios (…) um ataque a todos os princípios morais da organização das sociedades, conduzindo fatalmente à guerra, não sendo possível construir impérios. Quanto ao «sistema de equilíbrio europeu», para além de forçosamente instável, servia ultimamente de pretexto às grandes potências para reclamarem compensações territoriais (sempre às custas dos pequenos Estados, que para tal davam a «matéria-prima», não sendo nunca ouvidos sobre tão «cruéis e brutais atentados». Por último, o «princípio das nacionalidades» a que Andrade Corvo dava claramente preferência, desde que expurgado das manipulações que dele se vinham fazendo, cobrindo as anexações com o «aparente assentimento dos povos». Para que se lhe pudesse conferir um «valor real», para que não fosse um mero pretexto para refazer a carta da Europa segundo os desejos e as ambições dos grandes Estados», tornava-se indispensável tomar por base uma concepção precisa de nação, como «reunião de homens agrupados sobre um certo território, constituindo pelo assentimento geral, no que respeita à manifestação e defesa dos interesses comuns (…). Era uma perspectiva de nação de raiz contratual, assente na vontade livremente expressa dos povos. A única ressalva estava na exigência da «unidade de poder político, representando e dirigindo os comuns interesses perante os estrangeiros», como condição da existência da nação. O sentido era de conservar tanto quanto possível o traçada das fronteiras na Europa, evitando tanto os processos de fragmentação como os da unificação de Estados. A salvaguarda das pequenas potências estaria precisamente na estabilidade do sistema internacional, assente em «princípios claros, fundados na liberdade e independência das nações», bem como na sua cooperação. Como contraponto aos «grandes impérios» Corvo contava com as «grandes alianças» dos mais fracos, nas quais via o «meio profícuo de limitar e restringir a perigosa tendência que se manifestava na Europa, para a concentração das raças.
Fotos:
1-D.Luís I, rei de Portugal ( 18691-1869) à época
2- Andrade Corvo (ministro dos Negócios Estrangeiros e da Marinha)
Texto de Apoio: História da Expansão Portuguesa, Vol.4 (Direcção Francisco Bethencourt e Kirti Chauhuri/Círculo de Leitores), autor Valentim Alexandre.
Continua...
O Luso-tropicalismo
A viagem oficial de estudo e de pesquisa que o sociólogo brasileiro Gilberto Freyre efectuou durante cerca de seis meses pelas províncias portuguesas entre Agosto de 1951 e Fevereiro de 1952, a convite do Ministro do Ultramar Sarmento Rodrigues, constituiria ponto de partida para a apropriação das suas teorias pelo regime salazarista. É nesta data que é utilizada pela primeira vez a expressão “ luso-tropicalismo”.
Gilberto Freyre esteve em Macau, Timor, Ilha de São Tomé e Príncipe, seguido pelas autoridades locais e mandatado por Lisboa, visitando também a Madeira, Guiné, Cabo-Verde, São Tomé, Angola e Moçambique. Da visita a estes territórios é publicado no Brasil, em 1953 e um depois em Portugal, o livro “ Aventura e Rotina”, uma espécie de diário de viagem, tendo como subtítulo “ sugestões de uma viagem à procura das constantes portuguesas de carácter e de acção” e Um brasileiro em Terra Portuguesa. Salazar que desconhecia em parte a obra do sociólogo no verão de 1951, ia progressivamente familiarizando-se com ela.
A teoria do luso-tropicalismo, iria inspirar numerosos investigadores e universitários portugueses, entre os quais o Prof. Adriano Moreira, especialista em relações internacionais e bom conhecedor do funcionamento das Nações Unidas. Foi Professor na antiga Escola Superior Colonial, que mais tarde passou a Instituto Superior de Estudos Ultramarinos para o qual foi nomeado Director ( 1958 ). O Prof. Adriano Moreira dirigia ainda o Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigações, dependente do Ministério do Ultramar. Enquanto docente, Adriano Moreira desempenhou um papel importantíssimo na difusão e ensino do luso-tropicalismo.
Os fundamentos do luso-tropicalismo baseavam-se na miscigenação, fusão cultural e ausência de preconceito racista. Tratava-se de uma crença muito partilhada em Portugal à época, fundada na originalidade de uma colonização sem preconceito racial e propícia a mestiçagem. Era o papel histórico de Portugal, apresentado como missão evangelizadora: Uma Mística Luso-Cristã de Integração. Esta teoria quase é defendida nas comemorações henriquinas – V Centenário Henriquino, em 1960 – por Gilberto Freyre, enaltecendo a figura do Infante D. Henrique que “concorreu decisivamente para dar às relações de europeus com não-europeus, de brancos com povos de cor, um rumo peculiarmente luso-cristão. Esta homenagem agradava sobremaneira a Salazar que tinha o Infante D. Henrique como figura mitológica: o “sábio de Sagres” e percursor da “missão evangelizadora”. Desta forma, com cinco séculos de distância, o círculo estava praticamente fechado: Iniciado no século XV com D. Henrique, a mística luso-cristã de integração, cumpria-se com a política ultramarina de Salazar.
O Estado Novo, passou da “ mística imperial “, impulsionada por Armindo Monteiro ( 1930 ) para a “mística luso-cristã de integração”, inspirada por Gilberto Freyre ( 1960).
Gilberto Freyre esteve em Macau, Timor, Ilha de São Tomé e Príncipe, seguido pelas autoridades locais e mandatado por Lisboa, visitando também a Madeira, Guiné, Cabo-Verde, São Tomé, Angola e Moçambique. Da visita a estes territórios é publicado no Brasil, em 1953 e um depois em Portugal, o livro “ Aventura e Rotina”, uma espécie de diário de viagem, tendo como subtítulo “ sugestões de uma viagem à procura das constantes portuguesas de carácter e de acção” e Um brasileiro em Terra Portuguesa. Salazar que desconhecia em parte a obra do sociólogo no verão de 1951, ia progressivamente familiarizando-se com ela.
A teoria do luso-tropicalismo, iria inspirar numerosos investigadores e universitários portugueses, entre os quais o Prof. Adriano Moreira, especialista em relações internacionais e bom conhecedor do funcionamento das Nações Unidas. Foi Professor na antiga Escola Superior Colonial, que mais tarde passou a Instituto Superior de Estudos Ultramarinos para o qual foi nomeado Director ( 1958 ). O Prof. Adriano Moreira dirigia ainda o Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigações, dependente do Ministério do Ultramar. Enquanto docente, Adriano Moreira desempenhou um papel importantíssimo na difusão e ensino do luso-tropicalismo.
Os fundamentos do luso-tropicalismo baseavam-se na miscigenação, fusão cultural e ausência de preconceito racista. Tratava-se de uma crença muito partilhada em Portugal à época, fundada na originalidade de uma colonização sem preconceito racial e propícia a mestiçagem. Era o papel histórico de Portugal, apresentado como missão evangelizadora: Uma Mística Luso-Cristã de Integração. Esta teoria quase é defendida nas comemorações henriquinas – V Centenário Henriquino, em 1960 – por Gilberto Freyre, enaltecendo a figura do Infante D. Henrique que “concorreu decisivamente para dar às relações de europeus com não-europeus, de brancos com povos de cor, um rumo peculiarmente luso-cristão. Esta homenagem agradava sobremaneira a Salazar que tinha o Infante D. Henrique como figura mitológica: o “sábio de Sagres” e percursor da “missão evangelizadora”. Desta forma, com cinco séculos de distância, o círculo estava praticamente fechado: Iniciado no século XV com D. Henrique, a mística luso-cristã de integração, cumpria-se com a política ultramarina de Salazar.
O Estado Novo, passou da “ mística imperial “, impulsionada por Armindo Monteiro ( 1930 ) para a “mística luso-cristã de integração”, inspirada por Gilberto Freyre ( 1960).
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sábado, 6 de agosto de 2011
ANGOLA E OS PORTUGUESES I : “COLONIALISMO” ? OU “COLONIZAÇÃO” ?
( MEMÓRIA 1989 )
É costume dizer-se que os portugueses estiveram em África 5 séculos. ...É verdade, mas durante 4 desses séculos só estiveram nas costas de África. ...De inicio tudo o que lá tínhamos eram pequenas feitorias, que apoiavam caravelas e naus em demanda das Indias. A riqueza, em potencial, de Angola não nos interessava: ...Ao tempo não se falava em petróleo! ...E muito menos em urânio. ...E já em pleno século XIX construíamos casas na baixa de Luanda, ou em Benguela, empregando madeira ... levada do Brasil. ...Para além de Massangano, conheciamos tão pouco o interior, que nem a madeira aproveitávamos.
...A verdadeira colonização de Angola só começou depois da Conferência de Berlin (1885). ...Podemos portanto dizer que Angola só foi colonizada pelos portugueses durante 90 anos, até à sua independência em 1975. É facto que ao tempo das feitorias já se fazia um pequeno comercio, de permuta, com os nativos: Um pouco de ouro e algum marfim, contra missangas, facas de aço e tecidos, tudo em muito reduzida escala. ...Fazia-se entretanto um outro comércio, esse de infeliz memória, mas que era uma prática natural e costumeira daquelas épocas: a “escravatura”. ...E está agora em grande moda vilipendiar a expansão europeia pelas Áfricas, com ataques perversamente dirigidos ao“colonialismo” e à “escravatura”. Claro que esses são aspectos que nunca poderemos tentar embelezar. ...Mas podemos é passar a olhá-los com uma atitude diferente, ...sem vergonha, nem remorso. A escravatura era, desde os tempos mais remotos, uma prática instituída entre todos os povos africanos.
As tribos maiores e mais poderosas apressavam e escravizavam as outras ( Quando ás vezes não acontecia pior ). No comércio esclavagista para “fóra”, para as Américas, era sempre um negreiro africano que fazia a venda a um europeu. …E podemos dizer que tiveram muita sorte os escravos que atravessavam o Atlântico porque, passado o martírio da viagem, tudo nas Américas era incontestávelmente melhor do que o destino que lhes estava reservado em África. …Para eles, e sobretudo para as gerações deles descendentes. A maioria das pessoas não tem a menor noção do que era a vida em África antes da chegada dos europeus. ( Tudo o que lá me foi possível estudar, durante quarenta anos, me leva a concluir que a vida era “um completo horror”: O nomadismo da eterna corrida atrás da caça, porque a caça corria atrás da chuva. …e quando não a apanhavam, as grandes fomes cíclicas que tinham que levar à antropofagia. Eram caçadores- recolectores. Nunca fizeram um mínimo em agricultura. A mandioca, o milho e a batata só para lá foram levadas, pelos portugueses, já em pleno século XVIII. Antes disso tudo o que comiam eram algumas raízes, e raros frutos, de que nem gostavam. Não sabiam pescar, nem de rede, nem de anzol, e os seus arpões não tinham barbela. A par disso, os constantes sacrifícios humanos, de feitiçaria ou religião, muitas vezes de crianças e raparigas, eram de um horror indescritível. Ou as execuções por supostas razões criminais.
E ainda as terríveis “cirurgias” praticadas a quando da puberdade das raparigas, que muitas vezes as vinha a matar com infecções.
Não, não nos venham falar do Mito duma “vida cor de rosa em África” antes da chegada dos europeus.
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“Colonialismo” seria obrigar o colonizado a trabalhar para o colonizador sem que este ultimo tivesse que o fazer. Mas isso era o que faziam alguns portugueses daqui da Metrópole, ao beneficiarem das “divisas” obtidas por Angola, sem precisarem de trabalhar em África. ...O que se fazia lá era outra coisa: Era “colonização”. Era o branco a trabalhar ao lado do africano, e em muitos casos mais 2 ou 3 horas por dia do que aquele. ...E a colonização não continha só aspectos negativos. E nem sequer era propriamente degradante ou aviltante, como agora se quer fazer crer. Os antepassados dos portugueses tambem foram colonizados. ...Seiscentos anos só pelos romanos, que até nos ensinaram a ler e a escrever, que até nos civilizaram! ...E mais tarde, uns 4 séculos pelos árabes, com quem também muito aprendemos.
...Afinal como é que toda a Europa foi civilizada? Exactamente pelos mesmos romanos, com séculos e séculos de colonização. ...E mais tarde, pelo menos os Paises do Sul, pelos muçulmanos, árabes e moiros, que lhe trouxeram o conhecimento da agricultura (P. além do trigo), da arquitectura (d’arcos e ogivas), da medicina e da farmácia, da filosofia (Pela tradução dos clássicos gregos) e até da música (Alaúde, que deu origem à guitarra). E também da matemática, incluindo os "Al-garismos" e o conceito de “Zero”, que originou a “Álgebra”, seja a diferenciação positiva-negativa, expressa por algarismos e letras. …E por fim, o “Sistema Decimal”.
A colonização da África ( A Sul do Sahra ), essa foi feita pelos europeus, ...mas só a partir da Conferência de Berlim, que, por proposta portuguesa, teve lugar em 1885. ...Tendo portanto tido muito curta duração: Cerca de 60 anos no caso do Congo Belga, ou da Guiné Francêsa. ...85 anos em Angola, a mais longa, ...não falando da África do Sul, ...que teve uma descolonização “por dentro”, pois que a potência colonizadora era Pretória.
...E, embora de certo modo intensiva e dinâmica, foi afinal branda e benigna, e de curtíssima duração, se a compararmos com os mil anos de colonização romana na Europa.
Pela colonização os europeus conseguiram, em menos de 100 anos, arrancar milhões de africanos da Idade da Pedra e guindá- los para o Século XX. Doutro modo esses africanos teriam sido obrigados a percorrer milénios para fazer o mesmo percurso!
....Também se fala agora muito de “escravatura”. Em realidade foi muito triste a escravatura! ...Mas não teremos nós memória? Na verdade os africanos (alguns) foram escravos dos portugueses, por cerca de 200 anos. Mas os avós dos portugueses, como todos os europeus ( Como todos os povos do mundo) foram escravos por milhares e milhares de anos. Já não nos lembramos que os nossos antepassados remaram nas galés e morreram nos circos de Roma? ...Custa a compreender porque é que nunca houve pressões sobre os árabes do norte de África, que também são estrangeiros naquelas terras, e esses sim, ainda hoje são esclavagistas, ...e foram escorraçar-nos, a nós portugueses, que tão dolorosa falta fazemos lá em baixo,...e que estávamos de tal modo interligados com os africanos que poderíamos ter passado juntos à independência, sem atrito de maior. Angola, pela sua cultura Luso-Africana, neo-crioula, que a tornava diferente de qualquer outro país do Continente Negro, parecia pouco vulnerável aos ataques das grandes potências. ...Afinal as super-potências conseguiram subverter Angola ...E nós fugimos de lá, deixando-a com 4 facções em guerra, e os angolanos em grave risco dum regresso à sua desgraça milenar: Doença do Sono, Paludismo, Cólera, Lutas Tribais. ...E por fim ao Retorno da Escravatura”, pois que, antes da chegada dos europeus à África, os povos negros eram todos escravos uns dos outros. E agora bem pior, porque eles já não sabem sobreviver na selva, como “quando corriam atrás da caça, quando a caça corria atrás da chuva”, mas também ainda não tinham aprendido a viver nesta nossa perigosa e traiçoeira “civilização”. O outro risco é cairem em poder de uma das tais super-potências, a quem só interessa o petróleo e determinados minérios, sem perderem um minuto com a promoção da agricultura e, de um modo geral, sem o menor interesse pela promoção civilizacional dos angolanos.
ANGOLA E OS PORTUGUESES - II
Portugal sempre viveu dos seus sucessivos Ultramares. Mal tínhamos empurrado os moiros das praias algarvias e já corríamos para Ceuta. E depois pelas Áfricas todas, pelas Indias, ...pelos Brasis. Parece que sempre soubemos que isto aqui não chegava para nos sustentar! ...E éramos poucos mais do que um milhão naqueles tempos. ...E assim foi a epopeia nacional! Mas depois fomos perdendo as Indias ( Seja: o seu comércio) ...os Brasis, ...e por fim só nos restavam as Áfricas. ...E das Áfricas conseguimos viver grande parte dos séculos XIX e XX.
...Mas, sobretudo a partir da ultima Guerra Mundial, foi Angola que nos manteve.
(Angola, que já nos anos 30, através do contrato entre a Diamang e a Anglo-American, tinha págo metade da escandalosa divida da 1ª República ao estrangeiro. …A outra metade foi pága por Moçambique, pelo prémio-ouro dos mineiros, contratados pela África do Sul).
E que, sobretudo após 1942, passando a exportar, em grande escala, o sisal, para os USA, para material de guerra, e depois os diamantes, o café, as madeiras, o algodão, etc, para toda a parte, se converteu num potencial “gerador de divisas”, que foi sustentando a Metrópole, até que começou a exploração do petróleo.
...E daí para a frente a Metrópole deixou de ser sustentada, para passar a ser enriquecida por Angola. ...É dificil compreender como neste País a maioria das pessoas não tem a minima noção de que Portugal viveu o meio século, até 1975, quase que exclusivamente à custa de Angola, ...dos angolanos... e dos portugueses que lá estavam.
(Claro que à época isso não se podia confessar, porque era... “colonialismo” !) Poderemos mesmo afirmar que as “divisas” ( dólares, libras, marcos ...e o ouro ) obtidas por Angola ainda nos sustentaram até recebermos as primeiras “ajudas” da Comunidade Económica Europeia.
Vejamos: Em 1973 Portugal foi internacionalmente reconhecido como “O milagre Económico Europeu”. Esta afirmação é muito fácil de confirmar nos jornais da época. Ora nesse ano a maior receita em “divisas”obtida pelo Portugal metropolitano foi a dos magros 20 milhões de contos das pensões dos emigrantes. Seguida de 10 milhões do turismo (Record). As exportações ( Vinho, cortiça, pasta de tomate, tecidos, sapatos, etc.) não chegavam a ter expressão. Ainda por cima mais de metade dessas exportações destinavam-se exactamente a Angola e às outras colónias, que eram obrigadas a comprá-las, pelo que vinha tudo a dar na mesma.
Os portugueses de raça europeia de Angola eram só 600.000 ( 50% crioulos, 50% metropolitanos ) e, mesmo com a importante colaboração dos angolanos, não conseguiam explorar mais de 10% da riqueza em potencial da colónia, dizia-se. ...Porem esses 10% da riqueza angolana seriam o décuplo de tudo aquilo que a metrópole conseguia produzir. Difícil de confirmar. Talvez um pouco menos, ...ou até muito mais. As contas eram secretas. Só o valor do petróleo já ultrapassava em muito tudo o que cá se produzia. Mas depois era o ferro para o Japão, o ouro, o urânio, o cobre e o manganês, outros metais, e os diamantes e outras pedras. O café, o algodão, o sisal, o açúcar, a soja, o girassol, o peixe e a sua farinha, o marisco. etc, etc, etc.
...E foi com tudo isso que conseguimos ser “O Milagre Económico Europeu de 1973”
...Angola pagava as 3 guerras africanas e ainda sustentava a Metrópole!
Angola era a “Usina” que sustentava Portugal! Era a portentosa e frutuosa “Usina” que mandava para cá os dollares, os marcos e as libras de que os portugueses viviam, ...sem saber!
...Mas quem fazia funcionar uma tal “Usina”? ...Eram os portugueses que lá estavam, evidentemente! ...E seus colaboradores angolanos. ...Que, trabalhando em climas doentios com temperaturas de 40 graus, muitas vezes em regiões infestadas pela mosca do sono e a malária, arriscando-se, depois de 1961, ao perigo constante ( 60% dos europeus vivia no interior ou diariamente o atravessava ), pois que, enquanto a tropa se deslocava em companhias ou pelotões, eles viajavam sozinhos e praticamente desarmados.
Os Portugueses de Angola, esses sim, é que eram colonizados e escravizados por Portugal!
ANGOLA E OS PORTUGUESES - III
Os Portugueses de Angola...que Portugal escravizava, ...porque embora fossem eles a ganhar os dólares, os marcos e as libras, pelas suas exportações, ...Portugal não lhos entregava!
O Fundo Cambial sugava a Moeda Forte e dava aos colonos “angolares”, que eram uma espécie de “vale” do escudo, mas com o cambio mais baixo e que só tinham valor lá na colónia.
Mais tarde inventou-se o escudo de Angola, com um valor ainda mais baixo que o antigo angolar. E era pagando nessa moeda que Portugal escravizava os seus colonos. Anos e anos a trabalhar e, no fim, o dinheiro não valia nada, pois que, para o trocarem, chegavam a descontar às vezes 50% ...e, mais tarde ainda pior....E por fim o seu valor era ZERO!
E desse modo, mesmo aqueles que, com muitos anos de África, queriam voltar, iam sempre ficando. E isso até à morte. ( Note-se que a média de vida em Angola era de uns bons 10 anos mais curta do que aqui na Metrópole ).
...É tambem verdade que 80 a 90% dos colonos de Angola não chegavam a ter esse problema, pois o que ganhavam só daria à recta para o seu dia-a-dia.
Mas, a pesar de tudo, os portugueses gostavam de lá viver. Modestamente, é verdade. Em Luanda não havia sequer uma residência de prestigio, como aqui em Portugal. As melhores casas, na Rua do Miramar, eram pertença de estrangeiros. Não existiam talvez nem 6 piscinas. Os automóveis eram conservados por 8 ou 10 anos, e usavam-se pneus recauchutados. ...Mas os portugueses iam suportando tudo e mais alguma coisa ( Até mesmo os massacres de 1961, quando 2 milhares foram mortos, em 3 dias e a soldo estrangeiro, cortados em postas à catanada. No Kénia o mao-mao tinha assassinado 85 ingleses em 5 anos e foi um escândalo mundial, mas 2.000 portugueses. em Angola, foi coisa sem importância nenhuma.)
...E, quando vinham de férias à Pátria ( Há uns tempos atrás a licença graciosa era de 5 em 5 anos), sentiam a maior satisfação ao ver as estradas, as pontes, as barragens, os hospitais e as escolas que aqui se iam construindo com os dolares e os marcos que eles lá iam ganhando. ...E foi a esses portugueses, tão generosos e sacrificados, que, a troco dos tais angolares ou, muitas vezes, a troco de nada, sustentaram Portugal praticamente durante meio século, que a Pátria, sob o desvario dum momento até hoje inexplicável, ...traiu. ...Traiu quando lhes prometeu defender as suas vidas; ...traiu quando lhes garantiu salvaguardar os seus bens ...E traiu, por fim, quando o exército português lhes arrancou as armas ( de caça ou de defesa ) de que alguns dispunham, para as entregar ao tal “poder popular”, que os próprios partidos africanos diziam nem conhecer, e que era afinal formado por uma corja de bandidos e assassinos!
...E foi assim que se arquitectou a “trágica debandada”!
Recorde-se que em 1961, quando dos grandes massacres, a tropa branca reduzida aos 85 dragões do agora coronel José Maria Mendonça Junior, que salvou Luanda e ainda foi libertar os fazendeiros sitiados em Nambuangongo, e com a população completamente desarmada, ...ninguém arredou pé. E assim se mantiveram até ganhar a guerra em 1968 e a entregar Angola em 1975. ...E o mais triste é que (14 anos depois) todo aquele descalabro se veio a desencadear, uns meses antes da independência, e ainda ao tempo da Soberania Portuguesa!
Foi a esses portugueses que, quando aqui chegaram, muitos deles feridos por espancamentos, com as roupas em farrapos e a angustia nos corações, até porque, em muitos casos, se haviam perdido das próprias famílias, que nem sabiam se mortas se vivas, ...que os seus gratos, reconhecidos irmãos da Metrópole olharam com desconfiança e baptizaram de “Retornados”.
...E ainda foi a esses que, mais tarde, quando se percebeu que todas as garantias que a Pátria lhes havia dado eram “pura conversa fiada” e que estavam reduzidos, de almas, corpos e haveres, a completos frangalhos, os seus compreensivos compatriotas de Aquém-Mar crismaram, espirituosamente, de “Espoliados”.
ANGOLA E OS PORTUGUESES - IV
Esta nossa democracia tem vantagens e desvantagens. ...O Voto, por exemplo, não será propriamente uma vantagem. O Voto é vulnerável, porque é influenciável ...e até manipulável. ...Pelo Voto ganha sempre a “Quantidade”. ...Nunca ganha a “Qualidade”.
Mas o “Deputado”, esse é uma vantagem, com certeza. É uma maravilha termos um Deputado que vai à Assembleia da República defender os nossos interesses, o Nada que ainda é nosso.
...Mas quando se pergunta a um português “Quem é o teu Deputado?” ...A resposta é infalível: “Sei lá! ...Não faço a menor ideia”.
Os tais “Espoliados” esperaram 25 anos para que um Deputado tivesse a coragem e a generosidade de ir à Assembleia da República explicar e defender a sua causa, que muita gente, “desonestamente”, quer esquecer. ...E quando, por milagre, apareceu esse Deputado, ( Um Homem, que afinal ainda havia ), com honestidade, inteligência e coragem para tentar a tal “missão ingrata”, e os Espoliados, depois de horas à chuva, se dispunham a entrar na “Casa de Todos Nós”, para assistir à defesa duma causa que só a eles dizia respeito, ...a Policia, ou quem mandava nela, ...impediu-lhes a entrada! ( Esse deputado foi o dr. Paulo Portas.)
...Isto deve, realmente, ser caso único na história das democracias! ...Mas foi verdade!.
...É tão vergonhoso que nem se suporta falar mais sobre o assunto! ...Adiante!
Para não nos espraiarmos muito mais, parece-nos que, pela série de razões atrás expostas, os portugueses de Angola, como de resto os de Moçambique, Guiné ou qualquer outra das “saudosas Provincias Ultramarinas”, têm que ser merecedores de todo o nosso respeito e consideração. ...E até mesmo da nossa gratidão, por tudo aquilo que sempre foram proporcionando a Portugal, enquanto lhes foi possivel.
...Em vez disso, só têm recebido incompreensão, antipatia e até troças.
Como foi possivel levar à televisão uma palhaçada em que se escarnecia dos espoliados? (Dela fez parte o jornalista Miguel Sousa Tavares, o que lamento). Até se chegou à conclusão de que eram os novos países ( Independentes ) que deviam pagar as indemnizações aos espoliados. ...Então os grandes países europeus foram todos uns tansos quando indemnizaram os seus colonos? Portugal assinou o Tratado de Versailles. Esse tratado foi firmado após a 1ª Grande Guerra, claro, mas das suas cláusulas emanaram Leis que continuam, em muitos exemplos, a ser respeitadas e seguidas. ...E naturalmente até a vigorarem. É favor ler com atenção o seu Artigo nº 297, que define exactamente a responsabilidade nos casos de descolonização por guerra. E o mal não foi a descolonização. Não é dela que os retornados se queixam. …Inconcebível e estúpido é o modo como foi feita, e a desastrosa espoliação que consentiu ou que, até mesmo, encorajou. ...De resto não reconheceu o Estado Português essa responsabilidade ( E essa divida ) quando foi criado o “Gabinete dos Espoliados” ? ...Possivelmente já dissiparam as verbas com que esta sagrada e escandalosa divida deveria ter sido paga. Mas o problema é de tal modo grave que, agora sim, se justifica recorrer à Banca Estrangeira! ...Ou, em ultimo caso, que se pague em Titulos do Tesouro do Estado, ou em quaisquer outros Valores Nacionais. Desse modo não teriam que ser desembolsa-dos a pronto os montantes da divida. Iriam pagando os juros respectivos e resgatando parceladamente esses Titulos....Seriam assim repostas a justiça e a legalidade, ao mesmo tempo que decerto se garantiria, pela mão competente dos retornados, uma aplicação honesta e inteligente desses capitais, ...em vez do costumeiro desperdício!
J. SÁ-CARNEIRO sexta-feira, 5 de agosto de 2011
Angola 61 / Novo Jornal / Luanda / 4-2-2011
Quando comemoramos os cinquenta anos dos acontecimentos do 4 de Fevereiro de 1961, chega-nos à mão um livro de dois autores portugueses que tentam fazer um trabalho sério sobre as circunstancias que levaram à eclosão do quatro de Fevereiro e as razões próximas da mobilização dos participantes e organizadores do movimento que muitos já apelidaram de “princípio do fim do colonialismo português”.
Tenho que confessar que li o livro a correr, pois só no início desta semana me chegou às mãos, e urgia que este trabalho surgisse na edição comemorativa do 4 de Fevereiro de 1961 neste Novo Jornal de 4 /2/2011. Ficam antecipadamente algumas desculpas por alguma “ligeireza” na abordagem à obra da professora Dr.ª Dalila Cabrita Mateus e de seu marido Dr. Álvaro Mateus, sobre alguns comentários ao “Angola 61”.
Quero fazer também uma prévia declaração de interesses, e que assenta sobretudo no facto de conhecer e divulgar a obra da Dra. Dalila Cabrita Mateus, de enorme interesse para aumentar o acervo documental da história colonial. Os seus livros são importantes, podendo eventualmente eu ou outros acharmos que há incorrecções a exigirem ser reparadas, mas a realidade é que nos confrontamos com trabalhos académicos sérios, coerentes e fruto de muito trabalho de investigação e pesquisa.
Posso por vezes não gostar que a história fosse como ela é descrita, posso colocar dúvidas em relação a alguns relatos e posicionamentos marcados pela ainda proximidade dos acontecimentos, mas o que não devo é questionar com afirmações avulsas um trabalho científico.
Por tudo isso acho assertiva a citação de Alexandre Herculano (1810-1877) na introdução do livro “Angola 61” da Texto Editora acabado de sair para as livrarias: “O patriotismo pode inspirar a poesia; pode aviventar o estilo; mas é péssimo conselheiro para o historiador. Quantas vezes, levado de tão mau guia, ele vê os factos através do prisma das preocupações nacionais, e nem sequer suspeita que o mundo se rirá, não só dele, o que pouco importara, mas também da credulidade e ignorância do seu país, o qual desonrou, crendo exaltá-lo! […] Caluniadores involuntários do seu país são aqueles que imaginam estar vinculada a reputação dos antepassados a sucessos ou vãos, ou engrandecidos com particularidades não provadas nem prováveis”.
A fase inicial do ” Angola 61” começa por ser um livro de temas recorrentes na história contemporânea do Portugal colonial e convenhamos não é supletiva a um conjunto de trabalhos de outros historiadores e aqui posso colocar Pedro Ramos de Almeida, Armando de Castro, Sousa Ferreira, Gerald Bender, e mais recentemente alguns jovens doutorados como por exemplo Fernando Tavares Pimenta, Cláudia Castelo e Julião Soares de Sousa.
Apesar do contexto do 4 de Fevereiro de 1961, o livro ignora os desmandos da primeira Republica e da sua figura marcante, Norton de Matos, idolatrado por uma franja significativa de colonos da média burguesia com interesses instalados na colónia. O salazarismo aumentou a repressão, privilegiou as relações com a igreja através da adenda à Concordata entre Portugal e a Santa Sé, através do Acordo Missionário.
Pode parecer despiciendo abordar isto, mas julgo que a influência das missões protestantes na mobilização dos guerrilheiros na eclosão dos acontecimentos de 1961 era capaz de merecer maior detalhe.
À data de 4 de Fevereiro de 1961, o governador-geral era Silva Tavares um juiz de carreira politicamente cinzento como convinha a Salazar é substituído por Venâncio Deslandes, provavelmente o mais prestigiado militar das forças armadas portuguesas. Do que leio no livro partilho a opinião dos autores em relação à figura camaleónica de Adriano Moreira, que substitui Lopes Alves no ministério das colónias, e que entra em rota de colisão com Deslandes. Este general da força aérea, figura prestigiada do regime, não se coíbe de dar as opiniões a Salazar, que “manholas” como sempre foi , vai-se aquecendo na fogueira ateada pelas faíscas das opções e dos egos dos dois governantes. As vicissitudes de muito do que aconteceu nesse longínquo 61, acabaram por permitir que Salazar numa atitude de feitor de quintal se visse livrem dos dois quando as circunstâncias militares começaram a ter outro rumo. Deslandes, quando disse que tinha sobre a sua “direcção o maior efectivo de sempre das forças armadas portuguesas na sua história”, e que “essa teoria do Portugal de Minho a Timor era uma figura de retórica”, para além de pedir uma Universidade para Angola, e dizer que Angola e o Minho não tinham nada a ver uma coisa com outra foi cavando a sua sepultura política, perante o olhar embevecido de Adriano Moreira que acabou por ser pontapeado também por Salazar, quase na mesma oportunidade; De delfim do “Botas” cova foi um ápice!
O livro tem muita documentação e fundamenta de com verosimilhança um conjunto de relatos sustentando alguma opinião que apesar de tudo contraria algo oficial em Angola sobre o 4 de Fevereiro de 1961. Percebo a coerência política das autoridades angolanas em relação ao que foi o 4 de Fevereiro de 1961, mas também é de enorme utilidade que comecem a aparecer trabalhos como este que possam de certa forma incentivar ao estudo dos acontecimentos determinantes na história do nosso País.
O livro, que me pareceu interessante parece-me apesar de tudo limitado, o que também me prevalecer em Dalila e Álvaro Mateus cingirem-se a muita documentação que existe em Portugal, mas que deveria ser complementada com relatórios que provavelmente estão no “Hotel Miradouro”, como era conhecida a sede da PIDE em Luanda na rua do Balão.
Acho que os historiadores angolanos devem ser estimulados a fazerem trabalhos destes, para depois não ficarmos na situação algo embaraçante de termos que dizer “nós é que cá estivemos” ou “nós é que sabemos”.Este livro embora com omissões é mais um desafio aos licenciados angolanos, e quiçá mesmo a empresas e fundações para criarem condições para a execução de trabalhos científicos de qualidade que possam ombrear com o que tenho à minha frente, e que prometo voltar em ulteriores oportunidades.
Não sou historiador e por conseguinte posso estar a especular sobre alguns detalhes que não terão relevância histórica nenhuma, mas na leitura que fiz do livro Angola 61 e recordado algumas conversas que tive com Rebocho Vaz, vizinho e amigo de meus pais em Coimbra e baseando-me no que escreveu num livro publicado em 1993 –“ Norte de Angola/1961 A Verdade e os Mitos”, há algo que como se diz em bom português não bate a “bota com a perdigota”, no que concerne à Baixa de Cassange. Penso que devia ter sido dado um maior enfoque ao trabalho de Eduardo dos Santos, nomeadamente o seu livro “Maza”, editado pela AGU.
Há todo um conjunto de artigos e alguns livros saídos agora sobre o desvio da Santa Maria” que provavelmente mereceriam que se fizesse alguma ligação, de forma a acabar de vez com mitos construídos e desconstruídos conforme a oportunidade do seu aproveitamento para circunstâncias diferentes.
Aqui há dois anos tive oportunidade de ler o livro de Frederico Delgado Rosa sobre o seu avô, o general Humberto Delgado e que tem revelações que teriam sido úteis, numa visão aportuguesada do livro Angola 61, que é objectivamente mais importante para Portugal que para Angola. Ainda sobre isto e não querendo andar com os panegíricos do regime tipo Amândio Cesar, Horácio Caio, Falcato, Alves Pinheiro, Amadeu Ferreira, Barão da Cunha, Diamantino Faria, João Simões, Artur Maciel, Pedro Pires, Hélio Felgas, Carlos Alves, Borja Santos, e quejandos, acho que se deveria aprofundar o factor insurreccional iniciado em 1961 com a leitura de muito depoimento de gente que foi para Angola por perseguição política, e aqui lembro entre muitos os exemplos de Antero Gonçalves, com um livro de 1965 “O Norte de Angola” e de João Garcia sobre o “ Quitexe” de 2000, que deixaram depoimentos interessantíssimos sobre o que politicamente se passava nas suas bualas e à volta, fora do contexto urbano da cidade capital.
Acho que a professora Dra. Dalila Cabrita Mateus tem cumprido cabalmente o seu propósito de investigar e simultaneamente oferecer trabalhos de grande qualidade científica, mesmo quando pontualmente estou em desacordo. O que não devemos, e aqui repito-o, é vilipendiar a autora porque tem opiniões cientificamente alicerçadas em documentos e depoimentos que contrariam convicções suportadas por opções ideológicas fabricadas em tempos que era necessário fazer-se força com base em verdades, que nalguns casos se revelaram falácias.
Acho o Angola 61 um livro interessante, a que voltarei quando o puder ler com calma, e só me cumpre agradecer aos autores, pelo menos a possibilidade de discordar com algumas opiniões que por lá andam, mas isso já justifica eu ter que ler e documentar-me bem para ripostar.
Pelo que ouvi dos autores era possível que este livro fosse polémico em Angola, mas julgo que não o será porque infelizmente quem se interessaria por levantar essa polémica está no seu cantinho a tratar da vidinha. Se o contrário acontecer, é muito bom, porque só se desenvolvem ideias com polémica assente em pressupostos de seriedade, respeito e tolerância pela diversidade.
Já agora, talvez a despropósito, há um outro Angola 61, já com uns aninhos de Rocha de Sousa, da Contexto que é um quase romance excelente, sobre a guerra colonial.
Fernando Pereira
2/2/2011