Acácio Barradas (editor)
Este livro formato
24x28cm com 221 páginas foi escrito com a colaboração de diversos
autores que conheceram Agostinho Neto. Não tem “copyright” e foi
patrocinado pela A.A.A – SEGUROS & PENSÕES. O lucro resultante da
sua venda reverterá em benefício da Fundação Agostinho Neto (em
organização). Em Angola encontrar-se-á à venda nas principais livrarias
mas, dado o seu preço, pensamos que não estará ao alcance da maioria das
pessoas. Por isso, para que todos
aqueles que tiverem internet possam também saber quem foi Agostinho
Neto, Primeiro Presidente de Angola, fizemos um extracto das partes
essenciais do texto colocando-as pela sua sequência cronológica com as
respectivas fotografias.
Não foi um trabalho
fácil sintetisá-lo porque haveria muito mais para escrever mas, mesmo
assim, esperamos ter conseguido o nosso objectivo, isto é, dar a
conhecer ao Mundo Lusófono com acesso à internet, a biografia de
Agostinho Neto descrita neste livro.
**********
Aquele que viria a ser o fundador da nação Angolana
abriu os olhos ao mundo na aldeia de Kaxicane, banhada pelas águas
caudalosas do rio Kuanza, na região de Catete, a 60 km de Luanda. Corria
o ano de 1922. Como era hábito na altura, o parto decorreu em família,
na casa modesta do pastor metodista Agostinho Pedro Neto e de sua
mulher, a professora primária Maria da Silva Neto. O menino viria a
chamar-se António Agostinho Neto, nome que não tardaria a andar nas
bocas do mundo.
Agostinho Neto com os pais e irmãos (último em pé do lado direito).
Os primeiros tempos da sua formação foram bastantes
irregulares, pois a inegável capacidade que demonstrou para os estudos
não foi devidamente estimulada pelos pais. Feita a instrução primária,
acabou por se arrastar no liceu durante dez anos para um curso de sete,
não obstante figurar no Quadro de Honra. Tudo porque os pais capricharam
em que acompanhasse a par e passo o irmão mais velho, Pedro, o qual se
atrasara nos estudos e não tinha idêntico aproveitamento. Deste modo, se
o Pedro reprovava num ano, Agostinho Neto suspendia a preparação e
esperava por ele. Assim se explica que, tendo-se matriculado no Liceu
Nacional Salvador Correia (hoje Mutu-ya-Kevela) em 14 de Fevereiro de
1934, só concluísse o 7º ano em Janeiro de 1944. (…)
Conta Arménio Ferreira, a fim de demonstrar a
inteligência precoce de Neto, que no Salvador Correia, então
predominantemente frequentado por brancos, determinado professor
“resolveu fazer testes de inteligência entre os estudantes. E, como Neto
“solucionava rapidamente os testes apresentados”, o professor deixou de
lhos dar, entregando-os só aos outros alunos e “dizendo-lhes que, se
não os resolvessem depressa, os daria ao “preto”, que num minuto os
resolveria”. (…)
Mercê de tais antecedentes, seria de esperar que,
terminado o liceu, além do mais com alta classificação, Agostinho Neto
tivesse de acesso imediato a estudos superiores. Mas não havia
universidade em Angola e a sua frequência na Metrópole (como então se
aludia a Portugal) era onerosa demais para os modestos recursos
familiares. E a única possibilidade de tornear tal obstáculo acabaria
por ser-lhe vedada.
Na altura, o Governo colonial dispunha de uma bolsa
de estudo anualmente atribuída ao estudante finalista do liceu com
melhor classificação. António Agostinho Neto era um forte candidato, mas
com ele rivalizava outro estudante oriundo de Cabinda, de seu nome
António Pinheiro da Silva.Segundo recorda Adriano Sebastião, gerou-se
polémica entre facções apoiantes dos dois Antónios, tendo a balança
pendido para Pinheiro da Silva. Este tinha a vantagem de ser mestiço e
católico, enquanto Agostinho Neto era negro e protestante. Ou seja: a
religião e a raça tiveram razões que a razão desconhece.
Não deixa de ser curioso observar que a evolução
futura dos finalistas rivais viria a acentuar as suas diferenças, pois
enquanto Agostinho Neto se tornou o líder revolucionário, Pinheiro da
Silva foi sempre um apaniguado do regime colonialista e chegou, nos anos
60, a assumir responsabilidades governativas em Angola, como secretário
provincial da Educação.
Enfim com 22 anos feitos e gorada no imediato a
hipótese da bolsa de estudo, a solução de Agostinho Neto foi arranjar
trabalho. Mediante um concurso público, ingressou no quadro
administrativo dos Serviços de Saúde e Higiene de Angola, sendo colocado
primeiro em Malange e depois no Bié. Ao chegar a Malange, ver-se-ia de
novo confrontado, agora de uma forma directa, com o preconceito racial.
Conforme mais tarde recordou, num documento escrito da prisão, fora-lhe
“recusada a entrada num hotel de inferior categoria, onde normalmente se
hospedavam operários brancos, muitos deles analfabetos”.
O confronto com este tipo de situações humilhantes, a
par do regime esclavagista que testemunhara na infância junto dos
trabalhadores de algodão de Icolo o Bengo, ou dos contratados para as
plantações de café na região dos Dembos, no Piri, para onde os seus pais
havia sido entretanto transferidos, despertaram-lhe a consciência para
as duras realidades do colonialismo que, no seu espírito, cedo se
perfilou como inimigo a abater. (…)
Mas é sobretudo na poesia que Agostinho Neto virá a
encontrar a expressão mais adequada para dar voz à sua indignação
perante a injustiça e transmitir a “sagrada esperança” na vitória dos
fracos sobre os fortes, dos humilhados e ofendidos sobre os orgulhosos e
arrogantes detentores do poder colonial e imperialista, não apenas em
Portugal mas no mundo inteiro. (…)
Sem nunca ter desistido de subir a corda mais alto,
finalmente Agostinho Neto conseguiu, três anos depois de ter iniciado
carreira como funcionário público, reunir condições para estudar na
Metrópole. Fê-lo, inicialmente, com as economias que conseguiu realizar
dos seus magos proventos. Só dois anos mais tarde, segundo refere Marga
Holness, lhe terá sido atribuída uma bolsa de estudos da Igreja
Americana Metodista. (…) Esta bolsa é invariavelmente referida como o
único apoio de que beneficiou. Trata-se, porém, de um equívoco.
De facto, Agostinho Neto recebeu outra bolsa (cujo
início não conseguimos determinar) que lhe foi concedida por uma
instituição portuguesa, o IASA – Instituto de Assistência Social Angola.
Tal bolsa, no valor de três mil escudos (quantia bastante elevada para a
época), deixou, porém de ser levantada por Agostinho Neto no Ministério
do Ultramar, em consequência de ter sido preso e pronunciado por
“actividades subversivas” no Tribunal Criminal do Porto. Alertado pela
PIDE para este facto, o IASA suspenderia a atribuição da bolsa em 1955.
Neto na CEI em Coimbra com os seus colegas
(último da direita ao lado de Lúcio Lara).
(último da direita ao lado de Lúcio Lara).
Recuando à data em que iniciou os estudos superiores
na Metrópole, ou seja em 1947, vamos encontrar Agostinho Neto na
Universidade de Coimbra, em cuja faculdade de Medicina se matriculou. A
sua integração no meio foi imediata, para o que concorreu a
circunstância de ser ter familiarizado rapidamente com os outros
estudantes de origem africana, embora na sua maioria brancos e mestiços.
Um deles, Lúcio Lara, seria o seu companheiro até ao fim da vida. O
pólo aglutinador era a Delegação da CEI (Casa dos Estudantes do
Império), que nessa época se distinguia – de acordo com o testemunho de
Edmundo Rocha – por ter uma actividade mais radical e efervescente que a
respectiva sede, em Lisboa. (…)
A sua conduta não passa despercebida à autoridades
fascistas. Num ofício dirigido à PIDE, em 11 de Julho de 1949, o
Comando-Geral da Legião Portuguesa de Coimbra refere-se às actividades
da CEI e do MUD Juvenil, afirmando a dado passo: “Quanto aos pretos, o
que mais se tem evidenciado, embora não o demonstre, é o Agostinho Neto
do MUD Juvenil”, ao qual é atribuída a responsabilidade (partilhada por
Antero e Vergílio Simões Moreira) de convidar Norton de Matos a visitar
Coimbra durante a campanha eleitoral.
Entretanto, transfere-se de Coimbra para Lisboa, onde
a sua actividade política de intensifica. E em Março de 1952
verifica-se a sua primeira detenção, por um período de três meses. Crime
de que era acusado: “ser portador de panfletos subversivos”. Segundo o
boletim Juventude, editado ao copiador pela Comissão Central do MUD
Juvenil, a prisão verificou-se quando Neto, em companhia dos colegas
Marília Branco e Carlos Veiga Pereira, recolhia assinaturas para o
“Apelo para um Pacto de Paz”.(…)
Entre os frequentadores dos salões literários da Tia
Andreza (no nº37 da rua Actor Vale, Lisboa) figuravam, além de Agostinho
Neto, outros angolanos, como Mário Pinto de Andrade, Lúcio Lara e
Humberto Machado, os poetas santomenses Francisco José Tenreiro e Alda
do Espírito Santo, o guineense Amílcar Cabral e a poetisa moçambicana
Noémia de Sousa. A todos animava, segundo Mário Pinto de Andrade, “o
retorno às fontes, a redescoberta do “eu” africano, a “reafricanização”.
Tratava-se, afinal, da réplica lisboeta de um movimento universal
africano (liderado por Nicolás Guillén, Sédar Denghor, Aimé Césaire e
outros), que implantaria com o nome de “negritude” e que em Luanda
encontraria equivalência na corrente literária “Vamos descobrir
Angola”.(…)
Se a PIDE estava atenta às actividades de todos estes
jovens, bem como de muitos outros que os visitavam, a verdade é que a
sua movimentação também não passava despercebida a uma bonita jovem que
morava na mesma rua que o CMA tinha a sua sede. Essa jovem assomava por
vezes à janela e assistia às permanentes entradas e saídas de estudantes
e marítimos na casa da frente da sua rua. Até que um dia chegaram à
conversa e estabeleceram relações de amizade. A jovem em questão
chamava-se Maria Eugénia da Silva e viria a contrair, pelo casamento, o
apelido de Neto.
A própria Maria Eugénia, na entrevista que concedeu a
Artur Queiroz para esta edição, relembra com algum detalhe a forma como
foi feita a aproximação com Agostinho Neto e como essa relação evoluiu
para o forte desenvolvimento que se tornaria um amor para toda a vida. O
período de namoro, foi, no entanto repleto de adversidades, visto que
se fortaleceu durante dois anos e meio em que Agostinho Neto esteve
preso e foi pronunciado pelo Tribunal do Porto.
Preso de novo pela PIDE em 9 de Fevereiro de 1955,
Agostinho Neto passou dois anos e meio nos cárceres da polícia política
portuguesa e depois na Cadeia do Aljube, no Porto, só sendo libertado em
12 de Junho de 1957. (…)
Fotografias de Agostinho Neto na PIDE.
Mal se apanhou em liberdade, Agostinho
Neto reatou os contactos políticos com os seus antigos companheiros de
luta, a tempo de participar na fundação do MAC – Movimento
Anti-Colonialista, de que foi personalidade impulsionadora o guineense
Amílcar Cabral embora o respectivo Manifesto viesse a ser da autoria de
Viriato da Cruz, com alterações introduzidas por Mário Pinto de Andrade e
Lúcio Lara.(…)
Agostinho Neto e o Pe. Pinto de Andrade
Mas como nem só de política vive o homem, mesmo que
esse homem se chame Agostinho Neto, ei-lo de novo a braços com os
estudos de medicina, procurando recuperar o tempo perdido e obter a
licenciatura. É o que finalmente acontece em 27 de Outubro de 1958, onze
anos depois de se ter matriculado em Coimbra. Tinha então 35 anos, e
Maria Eugénia, a sua noiva, 23. Reunindo dois motivos de festa,
casaram-se no próprio dia da formatura, indiferentes à advertência da
mãe de Maria Eugénia, segundo a qual “um político não faz felicidade de
ninguém”. Lúcio Lara é um dos padrinhos.
Segue-se um breve período em que Agostinho Neto
parece um cidadão normal, feito chefe de família e com uma profissão
prestigiada, a de médico hospitalar. O que não quer dizer que tenha
cessado as reuniões políticas, pois estas continuaram a preencher os
momentos que os vulgares chefes de família dedicam ao ócio. Entretanto,
havia que pensar no futuro e tomar opções decisivas. (…)
Regressar a Angola é que seria a hipótese a excluir,
pois os incómodos que teria se suportar no seu próprio meio seriam por
certo avassaladores.(…) Se Neto regressasse à sua terra, era mais que
certo que não ficaria incólume. Pois foi exactamente esta solução, a
pior do ponto de vista da sua comodidade e segurança, que Agostinho
escolheu para si e para a sua família, entretanto já ampliada com o
nascimento do primeiro filho.
Prestando-lhe homenagem por estas decisão, Edmundo
Rocha escreve: “Depois de acabar o seu acidentado curso de Medicina,
Agostinho Neto decide investir contra a cidadela inimiga, a Jóia da
Coroa do colonialismo português. Podia ter escolhido o exílio seguro que
lhe permitiria frequentar os salões intelectuais africanos, em Paris,
como fizeram durante anos Mário de Andrade, Viriato Cruz, Lúcio Lara e
outros nacionalistas. Mas (…) instala-se em Luanda em fins de 1959, como
médico dos bairros pobres (…), seis meses após a vaga de prisões da
maior parte dos nacionalistas africanos, de angolanos brancos e de
portugueses progressistas, revelando neste acto uma grande coragem moral
e física, sabendo de vigilância apertada que a PIDE exercia sobre ele”.
Como era de prever, Agostinho Neto não estaria muito
tempo em liberdade. Em 8 de Junho de 1960, ainda não se tinham
completado seis meses desde a sua chegada, o próprio subdirector da
PIDE, São José Lopes, irrompeu no seu consultório e deu-lhe voz de
prisão. (…) Depois levaram-no, no meio dos protestos da mulher dele, a
quem também ameaçaram prender, mas que lhes respondeu não ter medo
deles. E ao marido dela disseram: seu negro!, como se ser negro fosse um
anátema. E prenderam mas cinco homens negros.
Se, em Luanda, a prisão de Agostinho Neto deu origem à
movimentação acima referida, entre outras reacções de que não terá
ficado registo, algo bem mais dramático viria a acontecer na terra da
sua naturalidade. Os acontecimentos aí verificados – e que ficaram
conhecidos pela designação de “massacre de Icolo e Bengo” – seriam
internamente abafados pela censura, mas através do método primitivo da
transmissão oral, acabaram por chegar ao domínio público e ser
noticiados por vários jornais e emissoras estrangeiros. (…)
Perante a violência das reacções suscitadas pela
prisão de Agostinho Neto e também do chanceler da arquidiocese de
Luanda, Joaquim Pinto de Andrade, a PIDE considerou ser mais prudente
retirá-los de Angola, onde a sua presença causaria permanentes
problemas. E assim, após um breve período de interrogatórios a fim de
apurar as responsabilidades de cada um, com a garantia – que veio a
tornar-se improcedente – de que seriam restituídos à liberdade mal
chegassem a Lisboa, ali ficando com residência fixa para poderem
trabalhar.(…)
O embarque de Neto para Lisboa verificou-se num avião
militar que fez escalas em São Tomé e Bissau, tendo chegado à capital
portuguesa em 8 de Agosto de 1960, precisamente dois meses após a prisão
de Luanda. Contrariamente ao que fora prometido – e que se apurou ter
sido acordado entre o ministro do Ultramar e o governador-geral de
Angola, para evitar maior alarido no plano internacional -, Agostinho
Neto ficou encarcerado na Cadeia do Aljube, em Lisboa, em regime de
isolamento.
Segue-se um troca de ofícios entre a PIDE e o
Ministério do Ultramar, com propostas e contrapropostas relativas ao
destino que deveria dar-se aos dois prisioneiros incómodos: Agostinho
Neto e Joaquim Pinto de Andrade.(…)
O Gabinete do ministro do Ultramar mostra-se de
acordo com estas precauções e é de parecer “que deveria proporcionar ao
Dr. Agostinho Neto o exercício da sua profissão em local onde os perigos
anteriormente apontados pudessem ser prevenidos”. Neste sentido,
apresenta “como aconselhável a sua deslocação para qualquer das ilhas
adjacentes”, ou seja, Madeira e Açores. (…)
Como contrapartida, o director-geral da PIDE, propôs a
fixação de residência a Agostinho Neto em Cabo Verde e a Joaquim Pinto
de Andrade em São Tomé e Príncipe, “desde que, como é evidente, fiquem
sujeitos a determinadas condições e à adequada vigilância” (…)
Na sequência da aprovação desta proposta, o
subsecretário de Estado da Administração Interna, Adriano Moreira, exara
um despacho, pelo qual fixa a residência a Agostinho Neto na ilha de
Santo Antão, em Cabo Verde, e a Joaquim Pinto de Andrade em São Tomé,
num local a designar pelo respectivo governador, que indicaria para o
efeito a ilha do Príncipe. Cinco dias depois, verificava-se no aeroporto
da portela o embarque, sob prisão, de Agostinho Neto para Cabo Verde,
em companhia de sua mulher, Maria Eugénia, e Mário Jorge, o filho de
onze meses. (…)
Reconfortado com a inesperada manifestação de apoio
de que foi alvo na aerogare da Portela em Lisboa, no dia 15 de Outubro
de 1960, ao embarcar sob prisão para Cabo Verde, Agostinho Neto chegou
de madrugada ao aeroporto dos Espargos, na Ilha do Sal. Com a mulher e o
filho, que o acompanhavam, ficou hospedado no Hotel Atlântico. No dia
18, de manhã, embarcou num avião dos Transportes Aéreos de Cabo Verde
para a ilha de São Vicente. “No mesmo avião” – segundo refere o
comandante da PSP, Fradinho da Costa – “seguiu da cidade da Praia um
agente desta polícia com a missão de o vigiar discretamente”. Em São
Vicente hospedou-se na Pensão Chave de Ouro e, na madrugada do dia
seguinte, embarcou no navio mercante “Gavião dos Mares” com destino à
Ponta do Sol, em Santo Antão, onde lhe fora marcada residência. (…)
Chegou ao destino no mesmo dia, tendo ficado sob a
vigilância do administrador do concelho de Ribeira Grande, João Coelho
Pereira Serra, o qual – de acordo com o já referido comandante da PSP – é
“pessoa de absoluta confiança”, sendo também, “por inerência, o
comissário político do Mindelo”.
Em Santo Antão, onde chegou a 19 de Outubro, a
família Neto começou por ficar alojada na pousada municipal, ali se
mantendo até 2 de Novembro, data em que transitou para a moradia
destinada ao Delegado de saúde, função que Agostinho Neto passou a
desempenhar, auferindo o vencimento mensal de seis mil escudos. (…)
Em 10 de Junho, acompanhada pelo filho Mário Jorge,
Maria Eugénia Neto embarcava em São Vicente no navio “Manuel Alfredo”
com destino a Lisboa, a fim de ali ter a devida assistência ao novo
parto que se aproximava. Para se despedir da mulher e do filho,
Agostinho Neto foi autorizado pelo Governador de cabo Verde a
deslocar-se a São Vicente, onde chegou a 1 de Maio. (…)
Hospital em Cabo Verde onde Neto trabalhou como Delegado de Saúde.
Mas como o homem dispõe e a providência dispões,
Agostinho Neto mão seguiria para a Boa Vista (para onde tinha sido
proposta a sua transferência) nem ficaria na Praia, onde o hospital em
que trabalhou ostenta hoje o seu nome. Outras razões se interpuseram que
mudariam o curso da História. Tudo aconteceu com a chegada da sua
mulher e dos filhos, que desembarcaram do navio “Alfredo da Silva” no
dia 17 de Setembro, por coincidência a data de aniversário de Agostinho
Neto. Esse dia, em que completava 39 anos, foi por certo um dos mais
felizes da sua vida. Além do reencontro com a mulher e o filho Mário
Jorge, via pela primeira vez a filha Irene, apenas com dois meses. Ainda
por cima, devido a uma providencial distracção dos CTT, teve o raro
privilégio de receber vários telegramas de felicitações enviados da
Alemanha, de França e de Inglaterra. (…)
Passados que eram oito dias desde a chegada de
Eugénia Neto à cidade da Praia, precisamente na véspera da data em que
deviam seguir para a Boavista, eis que rebentou a “bomba” que levaria
Agostinho Neto a ser novamente preso e a regressar a Lisboa para os
cárceres da polícia política. O motivo é registado pelo chefe da PIDE de
Cabo Verde, numa informação que o governador datava de 25 de Setembro.
Eis o que nela se diz: “Parece que a mulher do Dr. Agostinho Neto (Maria
Eugénia Neto), que recentemente regressou da Metrópole, trouxe para
esta cidade uma fotografia onde se vê um grupo de militares europeus com
a cabeça de um preto espetada num pau. Diz-se que a fotografia em
referência foi tirada em Angola, mas certamente tratar-se-á de uma
falsificação destinada à propaganda política. Que se saiba, o Dr.
Agostinho Neto tem mostrado a aludida fotografia a alguns indivíduos do
grupo com quem se relacionou na cidade da Praia. (…)”
O certo é que Agostinho Neto foi preso e o governador
ordenou o seu embarque sob custódia de um agente da PIDE, embora na
companhia da mulher e dos filhos, no primeiro barco com destino a Lisboa
que fizesse escala da Praia. Esse barco seria o “Manuel Alfredo”, que
partiu em 10 de Outubro, tendo atracado a Lisboa no dia 17. Agostinho
Neto seguiu para a cadeia do Aljube, enquanto Maria Eugénia Neto, com as
crianças, voltaria a casa da mãe. (…)
Atendendo, porém, às condições de insegurança
relativamente ao futuro – e que o impedia de contrair um empréstimo para
montar consultório próprio -, Agostinho Neto voltou a escrever, em 18
de Maio, ao ministro dom Ultramar, solicitando os seus bons ofícios “no
sentido de ser autorizado a partir com a minha família para qualquer
país da América Latina”, afim de “poder viver livre de receios e de
dificuldades”. (…)
Solicitado a pronunciar-se sobre este pedido, o
director-geral da PIDE não esteve com meias medidas, afirmando: ” A sua
pretensão de seguir agora com a família para um dos países da América
Latina assenta no propósito de – como todos aqueles que se dizem no
“exílio” – vira desenvolver mais facilmente a acção nefasta contra o seu
país. Em todo o tempo, porém, e em qualquer local, segundo a
experiência mostra, o Dr. António Agostinho Neto é um elemento
pernicioso, o que significa, por isso, que tanto o é na metrópole, como
no Ultramar, como no estrangeiro”.
Vedada, pois, a possibilidade de sair de Portugal a
bem, restava a Agostinho Neto a hipótese de fuga. Assim, aproveitando a
situação de vigilância atenuada a que estava sujeito no regime de
residência fixa, reuniu as condições para dar o salto para o exterior, o
que acabou por se verificar no dia 30 de Junho. (…)
O facto de Agostinho Neto ter regressado subitamente a
Portugal, sendo libertado com residência fixa após seis meses na prisão
do Aljube, deu ensejo a nova estratégia de fuga, desta vez com êxito
absoluto. Além de Dias Loureiro, participaram no plano na concepção os
seus camaradas Blanqui Teixeira e Arménio Ferreira, médico
cardiologista, este último um dos mis indefectíveis amigos que Neto
encontrou em toda a sua vida.
Ávaro Cunhal, Presidente do PCP
(patrocinador da fuga)
(patrocinador da fuga)
De acordo com o plano gizado pelo PCP (Partido
Comunista Português) começou por adquirir um pequeno iate de recreio,
por intermédio de um oficial da Marinha ideologicamente afecto, que para
todos os efeitos legais era o respectivo proprietário. A esse oficial, o
então primeiro-tenente da Armada José Nogueira, foi atribuída, além da
compra do barco e dos respectivos mantimentos, a incumbência de pilotar a
embarcação até ao destino escolhido: Tânger, no norte de Marrocos.
Entretanto, Agostinho Neto e a família saíram da
residência que habitavam em Alfama – e onde estavam sob a mais intensa
vigilância da PIDE -, indo instalar-se em Sintra, perto da Praia das
Maçãs, numa casa de férias pertencente a Maria Amélia da Silva, mãe de
Maria Eugénia Neto. (…)
Agostinho Neto e a esposa Maria Eugénia aguardando a fuga.
“Foi nesta casa” – conta Dias Lourenço – “que nos reunimos, eu, o
Arménio Ferreira e o Agostinho Neto, para combinarmos os pormenores da
fuga, sem esquecer as ligações internacionais que era preciso
estabelecer com vista a garantir o apoio no destino. Assim, entrámos em
contacto com o Istiqlal, partido no poder em Marrocos, para dar
cobertura à entrada clandestina dos fugitivos para Tânger,
possibilitando-lhes depois a saída para Argel e outros destinos”. (…)
Casa na Praia das Maçãs onde Agostinho Neto e a esposa se refugiaram
enquanto aguardavam a fuga.
enquanto aguardavam a fuga.
Mas como nem só de fugitivos se faz uma
longa viagem por mar, sobretudo se estas não forem bons mareantes, havia
que ter em conta que um só piloto não bastava para assegurar todas as
tarefas de bordo. E é assim que surge o nome de Jaime Serra, militante
do PCP desde a adolescência e em cujo currículo, figuram várias prisões e
numerosas fugas, qual delas a mais arriscada e espectacular, como
aquela em que se evadiu do Forte de Peniche juntamente com Álvaro
Cunhal. (…)
Dias Loureiro, Jaime Serra e José Nogueira do PCP, protagonistas na fuga de Neto.
Finalmente, no dia “D” (30 de Junho, segundo os
registos de Jaime Serra, embora Cunhal se refira a 6 de Julho), Arménio
Ferreira foi à Praia das Maçãs buscar Agostinho Neto, a mulher, Eugénia
Neto e o filhos Mário Jorge e Irene Neto, ele com um ano e meio e ela
com menos de um ano. Bagagem, a mais elementar, até para não dar nas
vistas. (…)
Conta Jaime Serra que o embarque “fez-se calmamente,
como se tratasse de uma família burguesa que fosse dar um passeio ou
fazer uma pescaria na costa num fim-de-semana. Tudo isto ali mesmo nas
barbas da Guarda Fiscal, que tinha próximo um posto de vigilância da
fronteira marítima, então à sua guarda”.
Pouco a pouco, o “José Gabriel” encaminhou-se para a
barra do Tejo, ganhou a linha do horizonte e perdeu-se na distância.
Refira-se que o barco foi baptizado e registado na Brigada Naval por
José Nogueira, tendo por “padrinho” involuntário o seu filho com o mesmo
nome e que, na altura, andaria pelos seis ou sete anos. (…)
José Nogueira – que não só comprou, como equipou e
abasteceu o “José Gabriel”, servindo-lhe de piloto despenseiro – recorda
que a primeira parte da viagem decorreu sem problemas: “Fizemos a
navegação costeira, dobrando o Cabo de São Vicente já de manhã.
Lembro-me de que o Neto, com a sua sensibilidade de poeta, ficou
impressionado com o promontório de Sagres, sem dúvida espectacular visto
de bordo, que me pediu para ali para um bocadinho, a fim de apreciar
devidamente a majestosa paisagem”. (…)
“A meio da tarde – é ainda José Nogueira a falar –
partimos para a navegação oceânica rumo a Cádis, cujas luzes avistámos
ao cair da noite”. Foi no percurso seguinte, que, sobretudo ao largo do
cabo de Trafalgar, as coisas se complicaram. O movimento agitado das
marés, associado a uma intensa ventania e às fortes sacudidelas
produzidas pelas vagas alterosas, transformaram o “Gabriel” num indefeso
joguete nas mãos do destino. Perdida que foi uma âncora (felizmente
havia outra sobressalente), o barco andou momentaneamente à deriva e foi
difícil domá-lo. Os “turcos” (designação escravocrata dos ganchos que
seguram os salva vidas) cederam à fúria dos elementos. Um dos botes
soltou-se e foi arrastado no turbilhão das águas revoltosas,
desaparecendo para sempre.
Perante este cenário dantesco, não é difícil imaginar
o horror dos passageiros a bordo, todos envergando coletes de salvação.
“Para as crianças, e sobretudo, para a mulher de Agostinho Neto – conta
Jaime Serra – ,”foram horas de grande angústia. (…)
Agarrada às duas crianças, o desespero de Maria
Eugénia atingiu tal paroxismo que Agostinho Neto chegou a pedir que se
interrompesse a viagem e se desembarcasse na costa espanhola. Foi aí que
Jaime Serra assumiu por inteiro o papel de responsável político,
opondo-se terminantemente ao que classificou de “falsa solução”. Se o
grupo fugia de Portugal e dos fascismo do ditador Salazar, não era para
se entregar em Espanha e o fascismo do ditador Franco. Claro que todos
acabaram por concordar que seria pior a emenda que o soneto.
Felizmente a situação melhorou e – conta José
Nogueira – “passámos a noite numa acolhedora baía de Tarifa e daí
seguimos directamente para Tânger, onde chegámos à hora do almoço.
Fizemos a refeição a bordo e procedemos em seguida ao desembarque no
salva-vidas a remos que nos restara”. Tinham decorrido três dias desde a
partida de Lisboa. O desembarque verificou-se segundo Jaime Serra, em
várias etapas: “Começámos por transportar Maria Eugénia e as crianças
para a praia, depois as bagagens e, finalmente, Agostinho Neto e Vasco
Cabral”. (…)
E quanto aos fugitivos desembarcados em Tânger? Tal
como se previa, foram prontamente acolhidos pelas autoridades
marroquinas, sendo encaminhados para Rabat, onde Maria Eugénia ficou
alojada com os filhos, em casa da sua cunhada Ruth Neto, enquanto
Agostinho Neto seguia para Léopoldville (actual Kinshasa). Ali realizou
uma conferência de imprensa, na qual anunciou ao mundo o propósito que
então o animava: “a unificação das forças nacionalistas numa frente
comum”.(…)
Entretanto, Álvaro Cunhal que se encontrava em Argel
no desfecho da odisseia marítima, soube imediatamente que a operação
terminara em êxito e, em telegrama cifrado, deu conta disso a Dias
Lourenço, segundo este nos asseverou. (…)
Neto desce de Rabat para Léopoldville, hoje Kinshasa,
onde está instalado o Comité Director do MPLA. Logo condena pública e
severamente o brutal erro estratégico da UPA, de que só sobrava um fogo
de canhangulo contra armas de repetição, canhões e aviões do exército
português. Da guerra resulta o início de um boom económico. O
Governo colonial pratica algumas reformas para melhorar a vida dos
“indígenas”, até aí sem direito a Bilhete de Identidade. Por razões
militares, estradas asfaltadas, pontes em betão e pequenos aeroportos
começaram a abrir o país. A guerra, para alguns, é sempre um bom
negócio. Para o povo, não, nunca foi.
Antes de acabar o ano de 62, Agostinho Neto é eleito
presidente do MPLA, durante a 1ª Conferência Nacional do Movimento, em
Léopoldville. (…)
A representação do movimento instala-se perto de
Dar-es-Salam, em Kurasini, numa velhíssima casa. No quintal,
estacionavam os camiões “Kratze”, capazes de transportar, com os
atrelados, mais de vinte toneladas. Mas antes de eles os “Volvo”
oferecidos chegarem, eram bem menos modernos os transportes da
logística, que atravessavam a Zâmbia de ponta a ponta até descarregarem
na fronteira de Angola. Como uma vetusta “Bedford”, saída há tanto tempo
da linha de montagem que quando partiu um semieixo, não se lhe
encontrou substituto.
Perto da representação ficava o kimbo, conjunto de
edifícios onde viviam as famílias de Neto e de outros quadros, como
Daniel Chipenda, que viria a dar no que deu. Mas essa é a estória a
contar mais adiante. (…)
“A luta continua, a vitória é certa” são, como de
costuma, as palavras de Agostinho Neto a fechar o texto de abertura lido
em conferência de imprensa, em Brazza, corria o mes de Janeiro de 1967.
Nesta ocasião, revelou: “O movimento que dirige a luta de libertação do
povo angolano lançou a palavra de ordem “generalização da luta armada a
toda a extensão do território nacional”. Estamos orgulhosos – disse
nessa ocasião – “por poder afirmar hoje que, durante o ano que há pouco
findou, a luta do nosso povo registou as vitórias mais significativas,
que nos permitem prever para um futuro próximo o estado de insurreição
geral da população, o qual o conduzirá à vitória final sobre o
colonialismo”.
Neto refere, ainda o reforço da presença militar
portuguesa para fazer frente aos “nacionalistas” cujo grau de
aperfeiçoamento militar melhora e cuja consciência política aumenta
proporcionalmente à extensão do território controlado, que compreende
uma região bastante mais vasta e extensa que Portugal”. (…)
Havia território libertado e população em demasia
para os quadros existentes, mesmo com o reforço dos que foram
transferidos, com suas famílias, da Frente de Cabinda. Por isso mesmo a 3
de Janeiro de 1968, Agostinho Neto utiliza os microfones de “Angola
Combatente”, também a irradiar de Dar-es-Salam, para lançar uma ordem,
ou um apelo: “Todos os angolanos devem regressar a Angola e viver aí uma
vida verdadeiramente livre, dentro das dificuldades da luta”, pois
“existem hoje áreas, dentro do país, controladas pelo MPLA.
Numa dessa áreas está estabelecido o Quartel-General
do nosso Movimento”. Dirige-se directamente “aos nacionalistas angolanos
refugiados nos países vizinhos” e insiste: “Todos os angolanos
sinceramente patriotas têm de regressar agora ao interior do país. Têm
de trabalhar”.
Agostinho Neto preside a uma reunião de guerrilheiros do MPLA
numa Chana do Leste
numa Chana do Leste
Ao sucesso da luta armada, ao sucesso da organização
de células clandestinas nos centros urbanos, juntam-se sucessos no plano
internacional. Na Europa, há comités de apoio aos movimentos de
libertação das colónias portuguesas em quase todos os países, mesmo numa
França que recusa sempre visto de entrada a Agostinho Neto. Nas Nações
Unidas, a posição de Portugal torna-se difícil. Nesta frente, a mais
importante das vitórias ocorre a 20 de Junho de 1968, data em que a OUA
reconhece o MPLA como único representante e organização combatente do
povo angolano retira todo o apoio à FNLA.
Também em 1968, o ditador português, António de
Oliveira Salazar, cai de uma cadeira e sai de cena, sendo substituído
por Marcelo Caetano, que promete reformas, tenta liberalizar e
modernizar o sistema, mas não consegue senão aumentar o descontentamento
em todos os sectores, menos o dos velhos salazaristas. (…)
Não crê que o sucessor de Salazar mude a política
colonial portuguesa mas refere, com satisfação, que todas as
organizações democráticas se pronunciam contra a guerra colonial. “Os
portugueses antifascistas e os anti-colonialistas são nossos aliados”,
disse Neto em Cartum, “e isso dá-nos a certeza de que não existem
contradições insolúveis entre o povo de Angola e o povo português”. (…)
Sobre a situação em Angola, revela a chegada das
forças da guerrilha à 5ª Região, o estratégico Bié, coração do país onde
sonhava construir uma nova capital, enquanto nas zonas libertadas novas
escolas primárias foram criadas, nelas se estudando por livros
concebidos e editados pelo MPLA, enquanto “centenas de militantes
recebiam treino no exterior, em países amigos”. (…)
Em Outubro e Novembro, dezenas de prisões levam à
transformação do forte de S. Pedro da Barra – que protegia a entrada da
baía de Luanda no tempo dos navios à vela – numa das piores cadeias
políticas da colónia. Outras serão abertas, incluindo a de S. Nicolau,
em Moçâmedes. Manuel Pedro Pacavira, um dos muitos patriotas que por lá
passou, guarda na pele das costas e na memória as recordações desses
tempos. (…)
Não houve 25 de Abril em Angola. Nem 1º de Maio.
Durante quase duas semanas, quem vive em Angola vive num tempo suspenso.
O último governador-geral, Santos e Castro, cumpre o programa
pré-estabelecido de visitar uma fábrica quando em Lisboa nascem cravos
no cano das espingardas. Interrogado por um jornalista, diz
simplesmente: “Manterei a totalidade das minhas funções e
responsabilidades enquanto não receber ordens em contrário…”
O golpe militar em Portugal encontra Agostinho Neto
no Canadá, em busca de apoio ocidental para o MPLA e a manter contactos
com a Cabinda Gulf Oil. Mais tarde, assistir-se-ia ao impensável:
militares cubanos a protegeram as instalações petrolíferas americanas,
americanas, de angolanos financiados e armados pelos Estados Unidos e
pela China.
Agostinho Neto, perante as hesitações do general
Spínola em reconhecer o direito à autodeterminação e à independência das
colónias portuguesas, faz saber que a luta armada só terminará quando
quem manda em Portugal aceitar “a independência imediata e total de
Angola”. (…)
Uma trégua tácita já parou a guerra com a potência
colonial quando o acordo de Lunhameje, assinado a 21 de Outro numa tenda
levantada no meio da chana do Lucusse, lhe põe um fim com carimbo
oficial. Agostinho Neto chefia a delegação angolana, que chega ao local
do encontro por uma picada aberta a pulso, onde um camião “Kratze” não
consegue passar.
Neto e o almirante Cardoso assinam o acordo de tréguas.
Do lado português, a delegação, presidida pelo almirante Leonel
Cardoso, virá de helicóptero e, com ela, alguns angolanos. O que poderia
ter sido um momento feliz foi, também de mágoa. Costa Andrade
(Ndunduma), um dos presentes, conta que entre os guerrilheiros e alguns
recém chegados de Luanda estalou acesa discussão. Estes últimos
defendiam a tese de o direito à nacionalidade ser reservado apenas aos
angolanos negros, enquanto os brancos e mestiços que tivessem
participado na luta a deveriam requerer. Quando veio à baila “a esposa
de raça branca”, Neto levantou-se, abandonou o local e foi sentar-se
debaixo de uma árvore, caderno de apontamentos sobre o joelho,
ensimesmado e triste, como documenta uma foto hoje célebre, tirada por
Marise Taveira.
“Se as coisas estão assim em Luanda, depois destes
anos todos, penso que então chegou para mim o momento de descansar. Vou
dedicar-me à medicina, estar mais tempo com a minha família e deixar a
presidência do MPLA”, desabafou Neto para “Ndunduma”. (…)
A 8 de Novembro chega a Luanda, de avião, a primeira
delegação oficial do MPLA, chefiada por Lúcio Lara, integrando membros
do Comité Central e das organizações de massas. Instala-se no nº. 100 da
Rua João de Almeida, à Vila Alice, vivenda de dois pisos com quintal à
frente e traseiras para a estrada de Catete. A maioria do que restava da
população branca, já consciente de que a miríade de “partidos
políticos” por ela recém-formados não seriam ouvidos nem achados, e
falhada uma tentativa de independência unilateral, “à rodesiana”,
torna-se sobretudo “simpatizante” da FNLA e da UNITA, também já
instaladas na capital.
A chegada de Agostinho Neto a Luanda, na manhã de 4
de Fevereiro de 1975, é apoteótica. Nunca se viu, antes, nada assim, tão
espontâneo, tão sentido, tão exaltante. Cálculos por alto apontam mais
de cem mil pessoas, a fazerem o que podiam para caber no aeroporto e na
pista de aterragem, invadida mal o avião parou. Uma desta única, global,
aquela de que se guarda recordação e de que quem a viveu falará sempre.
Chegada de Agostinho Neto a Luanda.
Neto, ficou demonstrado ali, era aquele por quem se
esperava. A acenar do alto de um pequeno carro blindado do exército
português, todas as medidas de segurança completamente rotas, acabou por
conseguir chegar ao edifício do aeroporto. Da varanda de ver chegar as
partidas, o presidente do MPLA, quando consegue dominar a emoção,
agradece de improviso a extraordinária recepção e lembra:
“O nosso Movimento, O MPLA, tem simplesmente um
desejo: é que a partir de agora harmonizemos os nossos esforços. Nós
temos de fazer com que o nosso povo se sinta realmente senhor do seu
país, que seja livre, que a unidade e a democracia não sejam palavras
que nós pronunciemos simplesmente diante dos microfones, mas que sejam
os ideais que na realidade nós defendemos”. O seu desejo não foi ouvido.
Ainda nessa ocasião, Agostinho Neto faz o que pode
para sossegar a população de origem europeia. Refere que o piloto do
avião que o trouxe, o comandante Casanova Pinto, foi seu colega de
liceu, e refere a maneira como foi recebido na escala pela base aérea de
Henrique de Carvalho, que “mostra que a colaboração é possível dentro
da independência, que a amizade é possível dentro da democracia”. (…)
Após o Acordo de Alvor Neto visitou a Associação Portuguesa de Escritores.
“Na pequena vila algarvia do Alvor, na baía de Lagos, acaba enfim por
ser assinado, a 15 de Janeiro de 1975, entre o MFA, o MPLA a UNITA e a
FNLA, o acordo final, em que Portugal se compromete a conceder a
independência total e completa a Angola em 11 de Novembro, após um
governo constituído por elementos provenientes dos três movimentos”. (…)
Agostinho Neto visitando a prisão do Aljube da PIDE onde esteve.
No mesmo mês das assinaturas do Alvor, a CIA fornece
ajuda militar à FNLA no valor de 300 mil dólares. A parada sobe para os
14 milhões de dólares, quando o MPLA, com o apoio da população, expulsa
os homens de Holden Roberto de Luanda. Estes reconhecem-se facilmente: a
maioria só fala lingala e quase todos, usam óculos escuros de aro
metálico.
A família de Neto chega à capital a 25 de Abril de
1975 e instala-se numa vivenda no bairro do Saneamento, perto do Palácio
do Governo. Está decretado o recolher obrigatório das 9 da noite às 6
de manhã. É o tempo de as balas tracejantes abrirem caminho alto à
outras que não se vêem. A morte em combate do comandante Jika, em
Cabinda, agrava ainda mais a situação. De dia, o ritmo é outro: um
barulho surdo e continuado, de gente a pregar caixotes na cidade do
asfalto. De gente que desiste e só pensa em partir. O mesmo se passa
noutras cidades de Angola. (…)
Em Agosto, o Governo de transição desfaz-se. Os
ministros da UNITA partem para o Sul, os da FNLA para o Norte. Começa a
segunda guerra de libertação. Do Norte desce uma FNLA carente de
oficiais, devido ao fuzilamento, em Kinkuzo, dos mais de setenta que se
revoltaram contra Holden Roberto, dois anos antes. Com ela, a elite da
tropa de Mobutu e mercenários portugueses e de outras nacionalidades. A
Sul, Jonas Savimbi espera o exército regular sul-africano, que entra em
Angola pela Namíbia e sobe pela Huíla, Huambo, parte do Bié e Benguela,
chegando uma das suas pontas de avanço até cerca de 150 quilómetros de
Luanda. No meio, o MPLA parece presa fácil, tanto mais que a URSS pouca
ou nenhuma ajuda fornece. Essa virá, sim, da Jugoslávia, sobretudo em
armamento; de Cuba, em homens experimentados e combativos; também de
Moçambique e da Guiné-Bissau e ainda de alguns outros países africanos,
poucos. Da Argélia, da Nigéria e da Guiné-Conakry de Sekou Touré, que
envia um batalhão, armas e meios logísticos. Rosa Coutinho, um dos
Altos-comissários, ajudara tanto quanto pudera. Muitas armas passaram
dos quartéis para outras mãos. (…)
Arrear da Bandeira portuguesa no Palário do Governador.
Ao pôr do Sol do dia 10 de Novembro, a bandeira
portuguesa é arriada pela última vez no Palácio do Governo e na
Fortaleza de Luanda. De manhã, no salão nobre do Palácio, o último
alto-comissário, Leonel Cardoso, fizera a declaração de despedida:
“Portugal entrega a Angola aos angolanos, após quase 500 anos de
presença. (…) Portugal parte sem sentimento de culpa e sem ter de que se
envergonhar. (…) A única recriminação que poderá aceitar é a de ter
dado provas de extrema ingenuidade política quando concordou com certas
cláusulas do Acordo de Alvor”.
Uma semana antes, a cidade branca acabara de se
esvaziar. Quase meio milhão de portugueses, em ponte aérea ou de barco,
regressou a Portugal. Um país a nascer ficou sem quadros essenciais.
Alguns, poucos, permanecem. Para esses, tornou-se há muito automático um
certo aperto de mão em três movimentos, espécie de sinal de
reconhecimento de que é do “M”.
Êxodo dos portugueses abandonando tudo o que tinham devido
à falta de segurança que lhes tornou a vida em Angola impossível.
à falta de segurança que lhes tornou a vida em Angola impossível.
No dia da independência, Luanda está praticamente
cercada. A norte, na margem direita do Bengo, tinham tomado posições
forças militares da UPA, seus aliados do Zaire e mercenários comandados
por um coronel português Santos e Castro. Os canhões térmicos fornecidos
por Pretória, que também apoia esta frente, têm a capital ao seu
alcance. A Sul, perto da margem esquerda do Cuanza, preparavam-se para o
assalto as forças da UNITA, apoiadas e reforçadas pelas tropas
regulares da África do Sul. (…)
Às zero horas de 11 de Novembro de 1975, a bandeira
da República Popular de Angola sobre no mastro, com elementos
sobreviventes do 4 de Fevereiro de 1961 a prestar-lhe guarda de honra e
sob o olhar de todos os luandenses que conseguiam vê-la, mesmo de longe.
“Em nome do Povo Angolano, o Comité Central do
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) proclama solenemente,
perante a África e o Mundo, a independência de Angola”. – foram as
primeiras palavras de Agostinho Neto. “Nesta hora, o Povo Angolano e o
Comité Central do MPLA observam um minuto de silêncio e determinam que
vivam para sempre os heróis tombados pela independência da Pátria”,
prosseguiu. E foi no silencio que subiu e se desfraldou a bandeira da
catana e da roda dentada ao centro, sobre as cores de sempre do “M”, o
vermelho e o amarelo. Não está presente nenhum representante de
Portugal. (…)
As formalidades de investidura no cargo de Presidente
da República serão cumpridas, nesse mesmo dia, no salão nobre da então
extinta Câmara Municipal. Do Largo da Mutamba, onde não cabe mais
ninguém, levanta-se uma explosão de aplausos, abafando o som das armas
pesadas que troam ao longe. A tenaz fecha-se sobre Luanda. A Norte, a
três dezenas de quilómetros mal medidos, está estabelecida a primeira e
única linha de defesa, em posição elevada. Tudo quanto é capaz de atirar
está ali, mesmo peças da II Guerra Mundial deixadas para trás pelo
exército português. Nas trincheiras ouvem-se línguas de muitos países.
Numa ponta do morro há marinheiros portugueses, os que foram maltratados
pela FNLA em Santo António do Zaire e estão sedentos de vingança.
A “arma secreta” é constituída por dois grandes
camiões de origem soviética que disparam salvas de 40 mísseis, os
chamados “monakaxitos”. Tudo está pronto para o que ficará na história
de Angola como a vitoriosa batalha de Kifangondo. Que se trava ainda as
emoções da “Dipanda” estão quentes. (…)
Agostinho Neto em 1975 com alguns dirigentes principais do MPLA
Poucas horas antes, (Agostinho Neto) tocaria um outro ponto, muito
sensível: a presença de milhares de militares cubanos, à altura cerca de
10 mil. E a quantidade de material de guerra de origem soviética
constituíam motivo de forte preocupação para as potencia ocidentais.
Falando nas comemorações da 19º aniversário da fundação do MPLA,
Agostinho Neto separou as águas: “Não nos venham dizer que pelo facto de
sermos ajudados por países socialistas, isso significa que nós estamos a
seguir a sua política. Não é nada disso. No MPLA sempre seguimos uma
política de não alinhamento. Nenhum país no mundo pode dizer que ditou,
que orientou, a política do MPLA”.(…)
Agostinho Neto Presidente de Angola
Como Presidente da República Popular de Angola, Neto
continuou a ser o mesmo homem de gostos simples, a exigir de si sempre
mais do que pedia aos outros, para exemplo. (…)
Morreria sem sequer prover a segurança financeira da família,
(o sublinhado é nosso) agora a viver no enorme Palácio, com os
constrangimentos protocolares e outros daí resultantes. A pretexto de
que o edifício precisava de obras, O presidente muda-se para uma vivenda
no Futungo de Belas, onde se mantém hoje a verdadeira sede do poder.
(…)
Maria Eugénia Neto
(viúva de Neto, foto actual)
(viúva de Neto, foto actual)
Nesse mesmo ano de 77, em que o 1º Congresso Nacional
proclama a constituição do MPLA em Partido do Trabalho e define a via
socialista, Luanda assistirá a uma tentativa de golpe de Estado, com a
mão escondida da União Soviética e, bem à mostra, a de pessoas
politicamente formadas em Portugal, agindo conta própria ou não, vá lá
saber-se…O “golpe” ocorre a 27 de maioe custa a vida a sete membros do
Comité Central. A sua preparação vem de muito antes, com três nomes à
cabeça: José Van-Dúnem, Nito Alves e a portuguesa Sita Valles.
No regresso de uma demorada visita à União Soviética,
o ex-comandante da 1ª Região Político-Militar, geralmente tido como o
“delfim” de Agostinho Neto, inicia na antiga Câmara Municipal uma série
de conferências, duas das quais publicadas no Jornal de Angola.
Utiliza uma linguagem hermética, adoptada pelos que viriam a ser
conhecidos por “fraccionistas” que se infiltraram até aos mais altos
níveis do aparelho do MPLA, governo e exército incluídos.
O pretexto utilizado é a política económica, que
consideram demasiado moderada; a urgência de uma industrialização capaz
de formar uma classe operária forte; e a presença de demasiados brancos e
mestiços no Governo. Em Outubro de 1976, uma reunião do Comité Central
condena Nito Alves por fraccionismo e extingue o Ministério do Interior
que ele dirige. Uma comissão de inquérito recebe o encargo de investigar
informações que Van-Dúnem e Nito Alves provocaram uma deliberada quebra
nos abastecimentos e atrasaram o pagamento de salários à FAPLA, a fim
de criarem uma vaga de descontentamento. A comissão dá as acusações como
provadas e ambos são expulsos do Comité-Central, em princípios de Maio.
A 27, tem lugar o golpe: a cidade acorda com soldados
armados nas principais artérias, a Rádio Nacional cai nas mãos dos
revoltosos e começa a transmitir propaganda nitista. Antes, homens
armados raptaram elementos-chave. Um dele, Hélder Neto, chefe de
Segurança, prefere suicidar-se.
Não há qualquer reacção até se revelar quem, no
Quartel-General, participa na acção. Logo que tal acontece, os
“putchistas” são esmagados. Segue-se dura repressão. Oito governadores
provinciais, nomeados por Nito, são demitidos. Os principais
responsáveis, julgados e fuzilados. Centenas de “nitistas” são colocados
em campos de reeducação. Angola, já exangue de quadros, ficou-o ainda
mais – e mais dependente do exterior. Em consequência do Movimento de
Rectificação que se seguiu, o número de militantes do MPLA baixou de 110
mil para 32 mil membros. E esta é, ainda hoje, uma das páginas mais
sombrias da história de Angola independente. (…)
Presidente Agostino Neto já doente
(foto particular).
(foto particular).
Já doente, Agostinho Neto percorre o
Moxico, Bié, Cuando-Cubango, Malange e Uíge, como que a despedir-se do
país a que se consagrou. De uma das vezes em que dirige à população,
dirá mesmo não haver homens insubstituíveis. A 10 de Setembro de 1979,
morre (assassinado) numa mesa de operações do principal hospital de
Moscovo. Foi assim…
Funeral de Agostinho Neto em Luanda.
A vida de um homem do tamanho deste filho
de África não se conta numa noite. Ficou muito por falar, muitos nomes
por dizer, muitas estórias pequenas, algumas grandes também, guardadas
para outra fogueira, se for o caso…Não se pode chorar mais.
O povo em Luanda chorando a morte do seu Presidente.
O povo já chorou tudo quanto podia, quando lhe foi receber o corpo
embalsamado ao mesmo aeroporto que transbordara de alegria naquele 4 de
Fevereiro de 75, aos gritos de “Neto” Neto! Neto”. Agora gritou, sem ser
em coro: “Mataram-no, mataram-no!”, com as mulheres a rasgarem os panos
e a cobrirem a cabeça de terra. Já chorámos tudo. Nem komba (ritual
de luto com carpideiras) teve, nosso Pai da Pátria, guardado num caixão
de vidro para a gente o ver, aiué!, para a gente o ver como ele não
estivesse connosco, dentro de nós, sagrada esperança.
NR:
Faz hoje 36 anos o primeiro dia da independência de Angola, pelo que se
recorda aqui a vida do primeiro presidente da República Popular de
Angola.
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