“Não deixeis que
ninguém toque no território nacional – conservar intactos na posse da
nação os territórios de além-mar é o vosso principal dever. Não ceder,
vender ou trocar ou por qualquer forma alienar a menor parcela de
território, tem de ser sempre o vosso mandamento fundamental.
Se
alguém passar ao vosso lado e vos segredar palavras de desânimo,
procurando convencer-nos de que não podemos manter tão grande império,
expulsai-o do convívio da Nação”
(nota final)
Norton de Matos
Recaem
sobre dois aspectos: a terminologia empregue para designar os
territórios da expansão; e a especificidade da colonização portuguesa.
Vejamos
o primeiro. Uma reflexão sobre a semântica, impõe-se por causa das
conotações políticas que os termos “colónias vs províncias” passaram a
ter entre nós após o 25 de Abril de 1974.
De
facto, do anterior, sempre se encararam naturalmente os termos que
foram utilizados ao longo dos séculos para designar os territórios que
foram sendo agregados à comunidade nacional, sem embargo de alguma
adequação a modismos políticos de determinadas épocas. Os reis de
Portugal acrescentavam os seus títulos em função do que a coroa
portuguesa tomava posse;
Todas
as Constituições portuguesas desde 1822, discriminavam a totalidade
dos territórios como fazendo parte do todo nacional atribuindo-lhes
diferentes dignidades e regulamentavam o estatuto social da respectiva
população e sua representatividade, face ao grau civilizacional em que
se encontravam.
Nos documentos oficiais, na fala do dia a dia, vários foram os termos usados consoante as épocas.
Assim
apareceram os termos “praças”, “feitorias” e fortalezas”. De um modo
geral os documentos anteriores ao século XIX, referiam-se aos
territórios, como “domínios ultramarinos”, ou “conquistas”.
A
Índia e, mais tarde, o Brasil e Maranhão, constituíram-se em “Estados”.
E o Brasil, em 1815, foi elevado à categoria de “reino”, como era o
Algarve desde a sua incorporação em Portugal ao tempo do senhor rei D.
Afonso III.
Às
grandes circunscrições administrativas chamavam-se “Capitanias Gerais” e
atribuía-se amiúde, às feitorias e bases navais o nome de
“estabelecimentos”.
A
designação de “colónia” encontra-se já no século XVII e XVIII e o termo
“província” entrou na linguagem do século XIX por via legislativa. A
Constituição de 1822 já fala em “Ultramar” e “Províncias Ultramarinas”.
Não
havendo representação ultramarina nas Cortes (antes da 1ª
Constituição, nem uma formulação, digamos, jurídica do território),
cedo houve preocupação em se estabelecer um órgão estatal para tratar
especificamente dos territórios de além-mar. Foi assim que surgiu o
Conselho Ultramarino, criado por D. João IV, em 1643, e que se manteve
até ao fim do Estado Novo.
Em
termos constitucionais a designação “províncias”, perdurou de 1822 a
1911, durante a Monarquia e de 1911 a 1920, na I República e de 1951 a
1974, na II República, num total de 121 anos; enquanto que o termo
“colónia” foi empregue durante 6 anos na I República, de 1920 a 1926, e
21 anos no Estado Novo, de 1933 a 1951, num total de 24 anos.
Pode-se
pois, concluir que todas estas designações nunca tiveram a ver com
regimes ou formas de governo, mas apenas com o interesse nacional. O
termo “província” foi usado também por vários autores desde o século
XVI. E fosse quais fossem os termos usados, nunca ninguém os entendeu
pejorativamente, mas antes tendo em mente o que seria melhor para o
desenvolvimento harmonioso das diferentes parcelas de Portugal. De
facto, as palavras têm a sua época. Província, tinha a ver com a
tradicional tendência da diáspora portuguesa em se manter ligada à mãe
Pátria e em considerar a Nação portuguesa como um todo; “colónia” foi a
expressão da política autonomista que o regime republicano trouxe no seu
programa; com o golpe de estado de 28 de Maio de 1926, deu-se início a
um movimento de cariz nacionalista e o termo colónia é ultrapassado, ou
englobado no termo “Império”. Após a II Guerra Mundial, deu-se início a
uma fortíssima campanha anti‑colonialista, onde os termos “colónia” e
“colonialismo” foram diabolizados, tornando-se conveniente abandonar uma
terminologia que se prestava a equívocos. E foi essa a razão
fundamental para que os termos fossem abandonados na revisão
constitucional de 1951, retomando-se os tradicionais “ultramar” e
“províncias ultramarinas”.
Afigura-se
assim, já ser tempo de se olhar para estes aspectos, através de uma
correcta apreciação histórica, desapaixonada e sem intenções malévolas
de oportunismo politico-partidário; de ataque à memória de antagonismos
políticos e de personalidades que lhe foram suporte; ou da denegrição
abusiva da memória colectiva, antipatriótica e lesiva do interesse
nacional.
Esta, a segunda reflexão que vos deixo.
“A
acção colonizadora tem um duplo fim, o qual deveria ser exercido no
interesse dos povos colonizados e ao mesmo tempo no interesse da
comunidade internacional e do seu progresso”
Lord Lugard
Militar e alto funcionário colonial inglês do inicio do século XX, na sua obra “Dual Mandate”.
Considerava
a colonização portuguesa “Avant la lettre” e que pendia mais para a
segurança político-militar da cristandade e do seu alargamento
geográfico.
Para
se entender melhor o que se vai dizer a seguir convém-nos tecer algumas
considerações sobre as características da colonização portuguesa, que a
individualizam muito positivamente no concerto das nações.
Adiantemos,
para melhor nos situarmos, uma definição de colonização: “o conjunto de
relações entre dois povos, um mais desenvolvido que o outro”. No seu
sentido etimológico, “colonizar” vem do latim e significa cultivar,
valorizar, fazer render, tornar melhor...
Podemos
distinguir três tipos de colonização: na primeira, um grupo de
colonizadores chega a um território escassamente povoado cujos indígenas
se encontram num estádio de desenvolvimento muito atrasado. Os novos
senhores apoderam-se da terra e consideram-na como sua. Os autóctones
refugiam-se em locais de difícil acesso tentando a sobrevivência. Mas
vão morrendo e desaparecendo aos poucos. Os sobreviventes são agrupados
em reservas, chegando os seus descendentes, nos dias de hoje, a serem
objecto de curiosidade turística. Durante algum tempo estes novos
territórios dependem e estão ligados à mãe pátria. Mas a pouco e pouco,
por métodos pacíficos ou pela via revolucionária, ganham a
independência. Foi o caso, entre outros, dos EUA, da Austrália e da Nova
Zelândia.
No
segundo tipo de colonização, um determinado país, através da guerra, de
negociações ou de acordos internacionais, consegue introduzir-se e
dominar um outro país, cujos habitantes são já numerosos e detêm um grau
civilizacional elevado, mas cuja sociedade contém numerosas assimetrias
de vária índole. O povo colonizador instala-se, explora a terra e suas
riquezas; constitui-se em comunidade à parte, cultivando o seu modo de
vida, estendendo-o apenas a pequenas elites autóctones. A sua presença é
fundamentalmente económica, visando também objectivos
político-estratégicos. À medida que estas elites, na maioria formadas
fora da sua terra, começam a ter consciência dos seus conhecimentos e a
ter ambições de mando, tentam a autodeterminação, com a expulsão, em
maior ou menor escala, do colonizador.
Nos
dois casos citados a divisão política e social entre os povos
colonizados e colonizadores é total, sendo assumida com maior ou menor
clareza. De um modo geral, o povo colonizador vê-se como “superior” ao
colonizado, não se mistura, nem está muito interessado em qualquer
nivelamento, ou em puxar os mais atrasados para um estádio superior.
Estas são causas remotas do racismo, cujos contornos se foram
desenvolvendo até aos nossos dias. Os povos colonizadores que assim
procederam, na sua maioria cristãos, esqueceram os princípios do
cristianismo no que concerne ao mandamento de amor pregado por Jesus
Cristo.
Ao nível
religioso, estes povos “colonizadores”, ofereciam a sua religião, mas
fazendo a sua evangelização algo moldada aos evangelizados. A religião
assim entendida, assemelhava, mas não igualava; é como que um
cristianismo de segunda. O factor nascimento estava sempre presente, a
fim de evitar veleidades igualitárias. Ao nível do desenvolvimento, o
povo colonizador não nega a sua necessidade aos colonizados e até o
fomenta, mas fixa-lhe fronteiras próprias e específicas. É a teoria do
desenvolvimento separado e como este se pretendia em paz, inventou-se a
coexistência pacífica. Vejamos as exigências sociológicas. Aos povos
mais atrasados bastava-lhes a família, evoluindo a seguir para o clã e a
tribo dentro duma determinada etnia. Quando se ganha maturidade e
organização social e política suficiente, chega-se ao Estado e, mais
tarde, à Nação, constituindo uma Pátria. Toda esta evolução carece de
acompanhamento e de dádiva.
Nos
dois exemplos de colonização apontados, os países que os desenvolveram
poderiam respeitar as famílias, os clãs, as tribos e até o estado, mas
não iam além disso. Não se davam, não ofereciam, não integravam.
Recusavam ou resistiam o mais possível a outorgar o seu estatuto de
nacionalidade aos colonizados. Ora, a existência de nações é um desejo
natural dos povos. E se o povo colonizador não lhe dá uma nação, serão
as populações colonizadas a procurar uma, surgindo desse modo o
nacionalismo. Tudo o que se passou no subcontinente indiano, à excepção
do Estado Português da Índia, é disto um bom exemplo.
É
sabido que não foram estes os caminhos seguidos por Portugal e pelos
portugueses. A “maneira portuguesa de estar no mundo” constitui o
terceiro exemplo considerado e pode ser descrito em poucas palavras.
Os
portugueses tinham um modelo político e estratégico baseado em três
pilares: o religioso, o comercial e o militar. O terceiro era suporte
imprescindível dos outros dois, mas apenas se aplicava em autodefesa,
salvo em relação ao Islão, por este se encontrar em guerra com a
cristandade. Este modelo serviu, devidamente adaptado, a todos os povos
com os quais os portugueses contactaram: selvagens, semicivilizados e
civilizados. E tão diferentes como as quatro partes do mundo onde
chegaram. A capacidade de adaptação dos portugueses a todas as situações
é, pois, uma constante. Feitos os primeiros contactos, logo começava de
imediato a acção evangelizadora. Os portugueses não usavam tanto o
método das conversões em massa ou à força, mas mais o dom da palavra e a
persuasão. Na maioria dos casos, os membros do clero e das ordens
religiosas integravam-se nas diferentes comunidades indígenas, estudavam
a sua língua, os usos e costumes e, a pouco e pouco, iam passando a
doutrina cristã. Não há memória de portugueses entretidos a destruírem
povos ou culturas. E nem no auge da Inquisição a acção do Santo Ofício
se fez sentir muito fora da parte europeia de Portugal (com alguma
excepção para a Inquisição de Goa), dado que se dirigia primeiramente
contra o judaísmo. A conversão do rei do Congo, logo a seguir à chegada
de Diogo Cão, pode ser considerada paradigma da nossa acção.
O
cristianismo que levámos estava, por outro lado, eivado de lusitanidade
e oferecia a salvação de todas as pessoas, sem distinção de cor, raça
ou nascimento. Todos eram chamados a ser filhos de Deus, desde que fosse
esse o seu desejo de ascensão e de resgate. O facto de os portugueses
(ao contrário de todos os outros povos europeus, que por razões de
segurança não o faziam) terem instalado desde muito cedo arsenais,
fundições e estaleiros em pontos avançados nos seus domínios é prova da
confiança que tinham nas populações dos locais onde se radicavam, da
visão superior em termos estratégicos de que dispunham, da sua
autoconfiança e motivação e, ainda, da sua vontade de ficar.
Os
portugueses deram-se e misturaram o seu sangue com todas as gentes que
contactaram. Se é certo que em muitos casos essas ligações tiveram causa
natural ou de volúpia, também é certo que não eram, de um modo geral,
renegadas pelos próprios nem o Estado as condenava ou a Igreja as
verberava, tentando, outrossim, enquadrá-las no sacramento do casamento.
E foi Afonso de Albuquerque, que se saiba, a incentivar os casamentos
mistos, já lá vão quinhentos anos. Não se pode dizer que os portugueses
tenham acordado para esta realidade tardiamente ou copiado modelos
alheios...
Os
portugueses não se limitaram, portanto, a “coexistir”. Conviveram, e
essa é uma maneira superior de entender as relações entre os povos. O
corolário lógico de tudo isto é a oferta e a assimilação da própria
orgânica nacional. Ou seja, Portugal ofereceu-se a si próprio a todos os
povos com quem contactou, dando-lhes os seus elementos constitutivos
mais vitais: sangue, família, sociedade, nação. É este o “segredo” da
acção portuguesa no mundo, que muitos teimam em não entender, e do qual
os próprios portugueses se deixaram afastar.
Ficamos
assim, perante duas correntes definidoras de “colonização”. Para o caso
português, “colonização é o conjunto de relações entre dois povos de
desigual cultura em que um vai à procura do outro a fim de lhe oferecer
tudo quanto tem, integrando desse modo a sua vida familiar, social,
económica, política e nacional”.
Para
a corrente oposta, colonização “é o conjunto de relações entre dois
povos de desigual cultura, baseado no interesse comum das duas
comunidades, principalmente daquela que foi procurar a outra”.
Os princípios enformadores que os portugueses usaram podem resumir‑se no seguinte:
– Unidade política do todo nacional;
–
Adopção do cristianismo templário, até D. João III, e do catolicismo
após essa época, como orientadores das relações entre os povos e cimento
dessa relação;
– Uso da língua portuguesa como factor unificador e cultural;
– Implementação de modelos de administração pública e judicial decalcados dos da metrópole;
– Acção baseada no humanismo e universalismo que terão a génese na cultura greco-romana e que aparecem tão bem retratados n’Os Lusíadas de Luís de Camões;
–
Por fim, uma mística, uma fé, um espírito de missão, que tantas vezes
fez os portugueses ultrapassarem-se a si próprios e que possivelmente
levou Zurara a referir a “inclinação das rodas celestes”, como uma das
razões que levaram o Infante D. Henrique à empresa dos Descobrimentos.
Todos
estes princípios tiveram uma génese genuinamente portuguesa e começaram
a ser aplicados e experimentados na colonização dos arquipélagos
atlânticos, todos eles encontrados desabitados. Desde o início,
moldou‑se um espaço que se pretendia uno e que explica que após o 1º de
Dezembro de 1640, todas as praças portuguesas espalhadas pelo mundo
aclamassem, de imediato, o rei D. João IV, com excepção de Ceuta, cujo
governador era castelhano. Percebe-se a ajuda mútua que os portugueses
de todas as latitudes se dispensavam entre si; foi do Brasil que partiu a
reconquista da costa ocidental de África tomada pelos holandeses, de
Goa partiu auxílio para todo o Oriente e até para a costa africana do
Índico; em Moçambique preparou‑se a expedição para libertar Timor no fim
da II Guerra Mundial; da metrópole sempre saiu auxílio em maior ou
menor escala para todo o lado. É por isso que ainda hoje a vida nos
antigos territórios quase pára quando jogam o Benfica ou o Sporting.
Mas
teriam os portugueses estado isentos de erros ou pecados durante todos
estes séculos? Efectivamente, não estiveram. Mas nunca o pecado perdeu o
seu nome para assumir outro qualquer. E as consciências, por vezes
obnubiladas, nunca o esqueceram. O mal nunca se arvorou em bem; o pecado
nunca teve coragem para se transformar em sistema; a injustiça nunca se
confundiu com a equidade e houve sempre quem tivesse coragem nas
atitudes e chamasse nomes às coisas e hipocrisia à hipocrisia. E se
alguns, no campo individual, assassinaram, maltrataram e roubaram outros
seres humanos, nunca a pesada mão da justiça os deixou de perseguir,
nem o Estado decretou leis iníquas ou princípios imorais. Há muita
documentação escrita, de D. Manuel I ao Marquês de Pombal, do Infante D.
Henrique a D. Sebastião, de D. João II ao Marquês de Sá da Bandeira,
que prova isso mesmo. Até as presas tomadas aos “infiéis” obedeciam ao
especificado nas bulas pontifícias e eram feitas em boa guerra como
ensinavam as leis da cavalaria.
Por
tudo o que foi dito podemos e devemos considerar que a colonização
portuguesa foi inspirada muito mais por factores de ordem espiritual e
humanista do que materialista. E sabe-se como os ganhos comerciais e a
arquitectura económica e financeira deixaram sempre muito a desejar e
ficaram muito aquém das necessidades. Mas, sendo espiritual, não deixava
de estar subjacente a uma ideia política. O todo nacional entretanto
constituído gerou, porém, um considerável potencial geoestratégico,
essencial à sobrevivência política do estado e da nação portuguesa. Este
potencial foi sendo, ao longo dos tempos, alvo de ataques continuados
de potências poderosas e de organizações diversas que foram desgastando,
pilhando e conquistando sucessivas parcelas de territórios pertença de
Portugal. Os portugueses sempre resistiram, melhor ou pior, conforme a
visão e determinação dos seus governantes e dos meios disponíveis, mas
acabaram por soçobrar nos anos setenta deste século, ficando o país
praticamente confinado ao que era antes da arrancada para Ceuta. Aquelas
terras que eram, simplesmente, Portugal mais longe. E aqui fica a
terceira reflexão.
In "A Colonização Portuguesa no Século XIX à Luz da Estratégia", pelo Tenente‑Coronel PilAv João José Brandão Ferreira. Revista Militar.
Parte de um texto retirado da net que pode ser lido na íntegra, clicando aqui:
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