Mesmo antes da abolição da escravatura no Brasil, começaram a emigrar voluntariamente, para o sul de Angola, africanos e descendentes que, orgulhosamente, procuravam se conservar "brasileiros" não se deixando integrar de todo no ambiente cultural africano. Assim como os portugueses já abrasileirados, os retornados tornaram-se vetores de um significativo abrasileiramento de populações, paisagens e culturas. Deste modo, a construção de casas-grandes e de senzalas, o cultivo de algodão e de cana-de-acucar, pinturas de baus, ex-votos, tabuletas comerciais, bandeiras de santos, estardantes de clubes de carnaval, e, principalmente os cemitérios afro-cristãos, constituem marcas definidoras dessa presença. Nos cemitérios, e nítida a diferença entre os túmulos dos brasileiros brancos e dos afro-brasileiros. Os primeiros são graves, solenes, neoclássicos, e os segundos ostentam esculturas rústicas, coloridas, como as encontradas no Nordeste, em outros pontos do Brasil, tocados pelo influxo africano; contam ainda com ex-votos e vasos com oferendas, símbolos alusivos aos ofícios e profissões dos ali sepultados".
Este blog visa apenas dar visibilidade a textos de autores considerados de interesse para a compreensão da História Colonial de Angola. Por abarcar os mais diversas abordagens, é um blog dedicado aos de espirito aberto, que gostam de avaliar assuntos, levantar questões e tirar por si próprios suas conclusões. É natural que alguns assuntos venham a causar desagrado, e até reacções da parte daqueles cujas perspectivas estejam firmemente cristalizadas.
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
Angola nos séculos XVII e XVIII foi "uma província portuguesa do Brasil". (Jaime Cortesão)
Mesmo antes da abolição da escravatura no Brasil, começaram a emigrar voluntariamente, para o sul de Angola, africanos e descendentes que, orgulhosamente, procuravam se conservar "brasileiros" não se deixando integrar de todo no ambiente cultural africano. Assim como os portugueses já abrasileirados, os retornados tornaram-se vetores de um significativo abrasileiramento de populações, paisagens e culturas. Deste modo, a construção de casas-grandes e de senzalas, o cultivo de algodão e de cana-de-acucar, pinturas de baus, ex-votos, tabuletas comerciais, bandeiras de santos, estardantes de clubes de carnaval, e, principalmente os cemitérios afro-cristãos, constituem marcas definidoras dessa presença. Nos cemitérios, e nítida a diferença entre os túmulos dos brasileiros brancos e dos afro-brasileiros. Os primeiros são graves, solenes, neoclássicos, e os segundos ostentam esculturas rústicas, coloridas, como as encontradas no Nordeste, em outros pontos do Brasil, tocados pelo influxo africano; contam ainda com ex-votos e vasos com oferendas, símbolos alusivos aos ofícios e profissões dos ali sepultados".
domingo, 26 de fevereiro de 2012
22 de Janeiro de 1961 - Assalto ao Santa Maria
Na madrugada de 22 de Janeiro de 1961, o paquete de luxo Santa Maria, da Companhia Nacional de Navegação, é tomado de assalto em águas internacionais, nas Caraíbas, pelo comando único do Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL), desencadeando a “Operação Dulcineia” .
O projecto da “Operação Dulcineia” – nome expressivo da luta da dama amada, a Liberdade – foi concebido pela DRIL, organização de resistência antifascista estruturada para a acção directa armada. Criada na Venezuela, em Janeiro de 1960, congregava exilados da União dos Combatentes Espanhóis, pelo lado espanhol, e do Movimento Nacional Independente, delgadista, pelo lado luso.
O plano da primeira iniciativa conjunta, congeminada pelo capitão Henrique Galvão (delegado plenipotenciário do general Humberto Delgado), consistia no desvio de um navio para ocupação da ilha espanhola de Fernando Pó, de onde se partiria para Angola rastilho de um levantamento insurreccional contra as ditaduras ibéricas.
O dia D do embarque, inicialmente previsto para 14 de Outubro, foi por três vezes adiado, devido a imprevistos financeiros e pessoais. Finalmente a 20 de Janeiro de 1961, insinuam-se vinte operacionais, entre os seiscentos passageiros que embarcam no porto venezuelano de La Guaira, aos quais se juntarão, no dia seguinte, em Curaçao, os restantes quatro membros do comando operacional. A bordo vai ainda uma tripulação de trezentos e cinquenta indivíduos.
Na tomada do navio regista-se um único incidente, uma troca de tiros na ponte, resultando a morte de um oficial e no ferimento grave de um outro. A operação, contudo, restringe-se à sua primeira fase – a tomada do navio – em consequência da opção humanitária de evacuação de dois enfermos e também da divergência táctica entre os capitães Henrique Galvão e Jorge Sottomayor – comandantes dos grupos luso e espanhol, respectivamente – quanto à liderança da investida na ponte. Esta divergência determinou um contratempo, decisivo para a mudança de rota e saída do espaço caribenho durante essa noite, rumo a África. A revelação da acção, após dois dias e duas noites de incógnita, suscita uma contenda jurídica de direito internacional.
O Governo português inicia uma campanha condenatória da empresa, apodando-a de “pirataria internacional” instigada pela conspiração comunista. Invoca as contrapartidas da NATO para pressionar os governos dos países aliados, como a França, Inglaterra e EUA, a agir em retaliação. Desde logo a França não adere ao pedido, mas a Inglaterra e os EUA, num primeiro momento convergem tacitamente, enviando vasos de guerra, e aviação para interceptar o navio sequestrado. A contestação da oposição trabalhista pressiona, contudo, a retirada britânica. Por outro lado, Kennedy, recém-eleito presidente dos EUA, apostado na mudança da política norte-americana para com Portugal, por causa da questão colonial, não dará ordem de abordagem do “Santa Liberdade” (novo nome do navio). Nas mensagens transmitidas via rádio, especialmente dirigidas à opinião pública norte-americana, Galvão sustenta uma atitude de beligerância política e apela à não ingerência de países terceiros.
O carácter surpreendente do fenómeno dá-lhe forte impacte mediático, aumentando extraordinariamente a sua repercussão internacional.
A tese de Salazar perdia terreno na cena mundial, e à condenação inicial sucede leitura politica dos acontecimentos favorável aos propósitos anti-ditatoriais dos ocupantes. De 27 a 31 de Janeiro decorrem negociações entre o comando rebelde e representantes de Kennedy para o desembarque dos passageiros, muitos deles norte-americanos. Permanece o navio ao largo do Recife, em águas internacionais, enquanto não cessa funções Kubitchek de Oliveira presidente brasileiro desfavorável às pretensões dos insurrectos.
O comando operacional recebera assessoria jurídica do embaixador Álvaro Lins e a promessa do futuro presidente do Brasil, Jânio Quadros, de apoio político. Só a 1 de Fevereiro, após o empossamento deste, se encetam conversações com os representantes brasileiros.
A 2 de Fevereiro dá-se o desembarque de passageiros e tripulação. O dia seguinte culmina com a adesão dos activistas a um acordo com as autoridades brasileiras para a entrega do navio ao Brasil em troca de asilo político.
A forte repercussão mundial dos propósitos políticos de Galvão, Delgado e seus companheiros e o isolamento externo a que se vê remetido o Governo de Lisboa no caso Santa Maria, deixam adivinhar, nesse Janeiro de 1961, o início de um ano critico para o regime, tanto no plano interno como no plano internacional.
Fernando Rosas e José Maria Brandão de Brito Dicionário da História do Estado Novo
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
Gungunhana – O herdeiro Godide, mulheres e filhos menores do Gungunhana” - Alguns filhos do potentado vátua
Não tem a ver com Angola, mas porque a figura do "Gungunhana" se tornara um figura quase mitológica, resolvemos trazê-la para este blog.
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Princesas para todos os gostos de Huíla ao Xai-Xai
Litografia de Babolla Princesa de Huíla
[Visual gráfico / retratado do vivo pelo Doutor Clemente Bizarro ; S tª Barbara lith.. - [Lisboa? : s.n., 1845] (Lx.ª : Lith. de M.L. da C. tª. - 1 gravura : litografia, p&b http://purl.pt/4784
. - Dim. comp. sem letra: 14x12 cm. - Soares, E. - Dic. icon., nº 271
[Visual gráfico / retratado do vivo pelo Doutor Clemente Bizarro ; S tª Barbara lith.. - [Lisboa? : s.n., 1845] (Lx.ª : Lith. de M.L. da C. tª. - 1 gravura : litografia, p&b http://purl.pt/4784
. - Dim. comp. sem letra: 14x12 cm. - Soares, E. - Dic. icon., nº 271
Em 1843 o médico cirurgião Clemente Joaquim Abranches Bizarro
(?-1845), fotografou a Princesa de Huíla em Angola, quando esta
acompanhava o Major Garcia Moreira nas explorações de África; do
daguerreótipo existe uma litografia na Biblioteca Nacional em Lisboa.
O fotógrafo que pela mesma altura tinha estúdio na rua dos Mártires n.º 34, 1.º em Lisboa era o francês E. Thiesson que fotografou meia Lisboa e a quem A. Feliciano de Castilho dedicou um artigo publicado no Jornal de Belas Artes intitulado “Luz Pintora”, onde se confirma o estúdio do francês em Lisboa em 1845. Provavelmente foi nesse mesmo estúdio, visitado por Castilho, que Thiesson terá feito uma série de daguerreótipos de africanos residentes em Lisboa entre os quais estaria aquela que passou a ser uma famosa nativa de Moçambique. O daguerreótipo pertence hoje à colecção George Eastman, Rochester, Nova Yorque; esclarecem estes que a retratada a nativa de Sofala é a Rainha do Xai-Xai de Zavala - Moçambique e que aí foi retratada por Thiesson em condições climatéricas adversas. Bem o Xai-Xai foi a capital de distrito João Belo e depois novamente Xai-Xai, perto fica a Zavala dos tarimbeiros, mas, Sofala fica a umas largas centenas de Km de distância. E eu que até acho que o fotógrafo nunca esteve em Moçambique, não deixo de simpatizar com a história da Casa George Eastman. Os americanos lá terão as suas fontes! Para mim serão sempre a Rainha Babolla e uma Princesa do Sabá, negra e formosa senhora de grandes domínios, do Índico aos grandes Lagos donde sempre se pensou nasciam os grandes rios que rasgam o continente africano incluindo o Nilo.
O fotógrafo que pela mesma altura tinha estúdio na rua dos Mártires n.º 34, 1.º em Lisboa era o francês E. Thiesson que fotografou meia Lisboa e a quem A. Feliciano de Castilho dedicou um artigo publicado no Jornal de Belas Artes intitulado “Luz Pintora”, onde se confirma o estúdio do francês em Lisboa em 1845. Provavelmente foi nesse mesmo estúdio, visitado por Castilho, que Thiesson terá feito uma série de daguerreótipos de africanos residentes em Lisboa entre os quais estaria aquela que passou a ser uma famosa nativa de Moçambique. O daguerreótipo pertence hoje à colecção George Eastman, Rochester, Nova Yorque; esclarecem estes que a retratada a nativa de Sofala é a Rainha do Xai-Xai de Zavala - Moçambique e que aí foi retratada por Thiesson em condições climatéricas adversas. Bem o Xai-Xai foi a capital de distrito João Belo e depois novamente Xai-Xai, perto fica a Zavala dos tarimbeiros, mas, Sofala fica a umas largas centenas de Km de distância. E eu que até acho que o fotógrafo nunca esteve em Moçambique, não deixo de simpatizar com a história da Casa George Eastman. Os americanos lá terão as suas fontes! Para mim serão sempre a Rainha Babolla e uma Princesa do Sabá, negra e formosa senhora de grandes domínios, do Índico aos grandes Lagos donde sempre se pensou nasciam os grandes rios que rasgam o continente africano incluindo o Nilo.
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Nativa de Sofala Rainha do Xai-Xai
Publicada por Grande Monde
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
sábado, 11 de fevereiro de 2012
MAPAS DE ÁFRICA séc XIX e XX. Inclui Mapa distritos de Benguela e Cabinda
- 1808
- Angola - Benguela District 1895 (7MB)
- Provincia de Angola, carta dos districtos de Benguella e Mossamedes. 1:1,000,000. Portugal. Comissão de Cartografia das Colónias. 1895.
- Angola - Cabinda 1904 (9.1MB)
- Provincia de Angola, carta dos territorios de Cabinda e Malembo. 1:200,000. Portugal. Commissão de Cartographia. 1904.
- VER TODOS OS MAPAS DE ÁFRICA AQUI
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
SAMACACA, preso o Huambo em 1905. Campanha do Bimbe.
QUEM FOI SAMACACA OU SAMAKAKA?
"...Houve, entanto, um homem, que não era rei, mas que estava ligado à corte do reino do Bailundo, que não esteve para meias medidas. Esse homem chamava-se Mutu-ya-Kevela, que quis pôr freio aos apetites desmesurados dos portugueses. Mutu-ya-Kevela viria a ser dominado e morto em 1902, muito antes do aprisionamento, na região do Bimbe, do seu conselheiro, Samakaka, famoso pelos seus conhecimentos de magia, utilizado, em vão, para ludibriar as forças portuguesas. Dali em diante, os portugueses tiveram um domínio total do “Reino” ao ponto de, por um lado, influenciarem nas sucessões ao trono e, por outro, mobilizarem os reis, agora convertidos em sobetas, para as suas missões mais bizarras como foi, por exemplo, a mobilização dos bailundos, sob o comando do rei Candimba para a chacina da população dos Seles."
Origem
"...Conta-se que a presença portuguesa na região viria a constituir mais tarde uma ameaça ao poder tradicional do Rei Ndala, tendo, em 1771, penetrado no Reino do Bailundo. Muitos deles, segundo o narrador, já se encontravam na localidade do Kandumbo, criando, de certo modo, um clima de instabilidade aos populares da área. Em consequência disso, uma grande batalha, comandada por Teixeira Moutinho, viria a ser travada entre soldados portugueses e as forças do Rei ao longo do percurso de Kilengues e Kalukembe, uma vez que a intenção era atingir Huambo.
A operação não foi tão fácil como parecia, uma vez que ao chegarem à localidade do Kuíma foram alertados sobre a presença do temível Soba Samakaka Samba Yo Londungo, facto que forçou os soldados a uma paragem. Ao receberem informações sobre a localidade e o Rei Livongue, decidiram reorganizar-se, tomando de assalto a Embala do Reino do Huambo a 21 de Setembro de 1902.
Posteriormente, avançaram para o reino do Kandumbo, travando uma violenta batalha que culminou com a morte do Rei Ndala e seu adjunto, pondo em causa os cinco reinos que constituem a região do Planalto Central.
Origem
O comércio com o interior foi rompido com a revolta dos bailundos. Começaram a queimar as lojas dos comerciantes no Bailundo, havia centenas de brancos mortos, os primeiros refugiados chegavam a Benguela. "Falavam no chefe, o terrível Quebera e seu amigo Samacaca. Como começara? Ninquém que sabia contar. Só que esse Quebera era um monstro, trazia uma pele de onça nas costas, dentes enormes que lhe saíam da boca a escorrer sangue. " (p.52) Mutu-ya-Kevela[17], pelos comerciantes chamado Quebera, em 1902 dominou toda a zona que era impensável uma caravana passar. Começou a guerra contra os portugueses. Os habitantes nas suas petiçoes inumeráveis pediam que o Governador tomasse medidas, mas a tropa parou numa distância segura. Os habitantes de Benguela escrevem uma petiçao ao Governador-Geral exigindo novo Governador em Benguela e mais tropa para pôr o interior em ordem. Mutu-ya-Kevela veio buscar o soba do Huambo para se unirem na luta contra os colonos, a escravatura, a posiçao inferior de serem só intermediários do comércio e contra o álcool que enfraquecia os homens. "Mesmo os sobas independentes sao escravos, escravos da borracha. (...) É preciso fazer muito milho, (...) nao ser intermediário do comércio da borracha." (p.54) Esta guerra foi pacificada só pelas tropas metropolitanas mandadas pelo governador-geral Pais Brandao, em Julho, matando Mutu-ya-Kevela bem como, em Outubro, o soba do Huambo. A guerra foi terminada mas as caravanas do interior nao chegavam e os negócios estavam no zero. Os responsáveis perceberam que era necessário que os indígenas participassem na administraçao. "A tropa começou nomear novos sobas, fiéis a Portugal. Lhes chamavam regedores indígenas." (p.69) A sua primeira tarefa foi reactivar o comércio com Benguela.
ORIGEM
CLICAR SOBRE A CAPA DO LIVRO ABAIXO:
"...Houve, entanto, um homem, que não era rei, mas que estava ligado à corte do reino do Bailundo, que não esteve para meias medidas. Esse homem chamava-se Mutu-ya-Kevela, que quis pôr freio aos apetites desmesurados dos portugueses. Mutu-ya-Kevela viria a ser dominado e morto em 1902, muito antes do aprisionamento, na região do Bimbe, do seu conselheiro, Samakaka, famoso pelos seus conhecimentos de magia, utilizado, em vão, para ludibriar as forças portuguesas. Dali em diante, os portugueses tiveram um domínio total do “Reino” ao ponto de, por um lado, influenciarem nas sucessões ao trono e, por outro, mobilizarem os reis, agora convertidos em sobetas, para as suas missões mais bizarras como foi, por exemplo, a mobilização dos bailundos, sob o comando do rei Candimba para a chacina da população dos Seles."
Origem
"...Conta-se que a presença portuguesa na região viria a constituir mais tarde uma ameaça ao poder tradicional do Rei Ndala, tendo, em 1771, penetrado no Reino do Bailundo. Muitos deles, segundo o narrador, já se encontravam na localidade do Kandumbo, criando, de certo modo, um clima de instabilidade aos populares da área. Em consequência disso, uma grande batalha, comandada por Teixeira Moutinho, viria a ser travada entre soldados portugueses e as forças do Rei ao longo do percurso de Kilengues e Kalukembe, uma vez que a intenção era atingir Huambo.
A operação não foi tão fácil como parecia, uma vez que ao chegarem à localidade do Kuíma foram alertados sobre a presença do temível Soba Samakaka Samba Yo Londungo, facto que forçou os soldados a uma paragem. Ao receberem informações sobre a localidade e o Rei Livongue, decidiram reorganizar-se, tomando de assalto a Embala do Reino do Huambo a 21 de Setembro de 1902.
Posteriormente, avançaram para o reino do Kandumbo, travando uma violenta batalha que culminou com a morte do Rei Ndala e seu adjunto, pondo em causa os cinco reinos que constituem a região do Planalto Central.
Origem
O comércio com o interior foi rompido com a revolta dos bailundos. Começaram a queimar as lojas dos comerciantes no Bailundo, havia centenas de brancos mortos, os primeiros refugiados chegavam a Benguela. "Falavam no chefe, o terrível Quebera e seu amigo Samacaca. Como começara? Ninquém que sabia contar. Só que esse Quebera era um monstro, trazia uma pele de onça nas costas, dentes enormes que lhe saíam da boca a escorrer sangue. " (p.52) Mutu-ya-Kevela[17], pelos comerciantes chamado Quebera, em 1902 dominou toda a zona que era impensável uma caravana passar. Começou a guerra contra os portugueses. Os habitantes nas suas petiçoes inumeráveis pediam que o Governador tomasse medidas, mas a tropa parou numa distância segura. Os habitantes de Benguela escrevem uma petiçao ao Governador-Geral exigindo novo Governador em Benguela e mais tropa para pôr o interior em ordem. Mutu-ya-Kevela veio buscar o soba do Huambo para se unirem na luta contra os colonos, a escravatura, a posiçao inferior de serem só intermediários do comércio e contra o álcool que enfraquecia os homens. "Mesmo os sobas independentes sao escravos, escravos da borracha. (...) É preciso fazer muito milho, (...) nao ser intermediário do comércio da borracha." (p.54) Esta guerra foi pacificada só pelas tropas metropolitanas mandadas pelo governador-geral Pais Brandao, em Julho, matando Mutu-ya-Kevela bem como, em Outubro, o soba do Huambo. A guerra foi terminada mas as caravanas do interior nao chegavam e os negócios estavam no zero. Os responsáveis perceberam que era necessário que os indígenas participassem na administraçao. "A tropa começou nomear novos sobas, fiéis a Portugal. Lhes chamavam regedores indígenas." (p.69) A sua primeira tarefa foi reactivar o comércio com Benguela.
ORIGEM
CLICAR SOBRE A CAPA DO LIVRO ABAIXO:
Por Linda Marinda Heywood
Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro, o fundador de Moçâmedes (Namibe) e a abolição da escravatura
Documento Nº 4 (*)
Opinião de Bernardino sobre “a melhor forma de extinguir a
escravatura”
IIlmo e Exmo Snr. – Em cumprimento do officio que V. Excia
se dignou mandar dirigir-me com data de 15 de desembro do anno passado, da
repartição civil, sob o nº 1842, e recebi em dez do corrente, pela polaca
“Esperança”, no qual me determina que exponha a minha oppinião sobre os meios
possíveis de acabar por uma vez com o tráfico da escravatura nesta província,
direi, sem flores de eloquência, o que as minhas fracas razões e intelligencia
me ditam, e bem assim a experiencia de quasi oito annos dedicados a assíduos e
árduos trabalhos agrícolas, lidando com escravos e gentio livre, me há
demonstrado.
Dividirei a questão sob dois pontos de vista:
1º _ Acabar o tráfego da escravatura para fora das
possessões portuguezas;
2ª _ Acabar a escravatura dentro das mesmas possessões.
Em quanto ao primeiro ponto, a rasão, a humanidade, e a
própria conveniencia reclamam que o Governo Portugues, com as mais urgentes
medidas ponha por uma vez termo a tam vil, dehumano, e degradante tráfico, que
em vez de ser util as mesmas possessões, é a causa de seu completo, por não
dizer vergonhoso atraso.
Sem me demorar em descrever os horrorosos delictos cometidos
em um desembarque – delictos que fazem corar de vergonha a quem tem sentimentos
de homem, e que mal se poderia acreditar que os mesmos homens os cometessem, se
se não vissem tantas vezes repetidos:
sem me demorar a descrever o que soffrem os condenados a embarcar, sem
saberem para onde, mortos de fome e de
sede, etc. _ somente direi que tal trafico, alem de ferrete e de ignominia e da
barbaridade que acarreta aos que nela
tomam parte, é de nenhuma utilidade, senão de prejuízo para os que residem nas
possessões: porquanto raras vezes recebem o producto dos infelises que uma
louca ambição os fez sacrificar, e se algum recebem, é tam ceriado e moroso,
que não remedeia quase nunca as suas necessidades.
Exemplificarei, a meu modo de ver, a cauza desta illusão.
Costumados os habitadores europeus d’ Africa a enviarem para
o Brazil um certo numero de escravos, com cuja remessa obtinham, com pouco
trabalho, meios abundantes para passarem uma vida folgada, senão licenciosa,
não attenderam a que taes circumstancias haviam mudado; e animados pró correspondências, e ate por
agentes daquelles que alli, depois de tal trafico se fazer por contrabando,
eram os únicos que tiravam vatage, e que algumas vezes os engordavam,
remettendo exactamente o producto dos escravos embarcados, continuaram porque
já tinha tal habito; e os que vieram vindo sem reflexão e “mere pecudam”,
seguiram a mesma marcha.
As transições são sempre custozas, e é por isso que o que
obtinha escravos, em vez de os educar para os trabalhos agriculas -do que
tiraria mais sólidas e seguras vantagens - como isso mandava diligencia,
trabalho assíduo e estudado, paciência e alguma demora em colher resultados,
preferia embarcal-os, o que apenas lhe custava escrever algumas cartas. A
repetição dos atos constituiu o habito, e para o destruir é mister empregar
meios.
Serão estes, porem, difíceis na actualidade?
Parece-me que não. A oppinião do mundo reprova o enfame e
criminoso traficio: a situação e ordem das coizas o não favorece: o interesse
das mesmas possessões o sygmatisa: e so tem a seu favor, para o aconselharem,
promoverem e animarem, aqueles a quem se consignam os desgraçados: mas quem são
estes? Que o digam os que tem cahido no laço de fazer taes consignações. Se não
fora a verdade de que o numero dos loucos é infinito: se não fora a
possibilidade dos negreiros de Havana enviarem dinheiro para fazerem os
carregamentos - como farão em ultimo recurso,
pois que não se limita a venda de escravos so aquela ilha, mas dali se vendem
muitos para o sul da America do norte, e por alto preço - eu diria que o
trafico dos escravos para o exterior acabaria por sua mesma natureza; porem, em
rasão destas duas considerações, é necessário ainda empregar meios, só lembro
dois, que parecem por si so eficazes.
Primeiro:- Tornar responsáveis as auctoridades
administrativas e policiais por qualquer embarque que se faça nas terras de
suas jurisdições: mas que esta responsabilidade seja acompanhada das mais severas penas, e não fique so
escrita no papel, este so meio acabaria de uma so vez com tal trafico. Quem
vive na Africa sabe o que é um embarque, e tem ouvido o retinido das correntes,
o eco do pisar dos pés opprimidos com o peso dos ferros, o bulicio das lanchas
e botes, o rápido andar de centos de hõmes, que, aceleradamente se dirigem as
praias. Bem se ve que difícil é que a auctoridade deixe de o saber, e,
portanto, que tal facto, se aconteceu, ou foi por conveniencia ou por tolerância.
Admito, porem, ainda que possível, sem que auctoridade o soubesse, e em tal
cazo lembro.
Segundo: - Que o Governo da província seja auctorisado a
despender, alguns contos de reis com espiões, por anno, os quaes seja obrigados
a dar parte as auctoridades administrativas e policiais do local, de qualquer
embarque, que se pretenda fazer: penso que assim nenhuma terá logar.
Estes espiões devem ser locaes marcados nas costas: por
exemplo, nesta província ter um a seu cargo dar parte do que ocorrer entre
Mossamedes e a Lucira: outros entre esta e Benguela, entre Catumbela e a Anha:
entre esta e Novo Redondo: entre este e Benguela a Velha, entre esta e rio
Longa, entre este e a cidade de Loanda, entre esta e Dande: entre este e
Ambriz, entre este e Cabinda. Por esta forma, com muito menos despezas que a
que se faz com cruzeiros, que poir maiores que sejam e mais vigilantes, faram
diminuir, mas não acabar o trafico para o exterior, se consegue o fim desejado.
Dificil é, e de gravíssimo peso, desenvolver o segundo ponto
de vista, isto é, acabar na actualidade com a escravatura dentro das possessões
portuguesas d’Africa. Há uma lucta do coração com a cabeça: porque, se aquelle
diz que é bárbaro e inhumano, que
qualquer homem seja obrigado a servir outro, e que não gose do mais sublime dote da
natureza, o uso da sua liberdade; aquella grita, que é isso verdade, mas
aponta-nos as consequências que dahi podem resultar na questão sujeita.
Sera actualmente conveniente que de todo e por uma vez acabe
a escravatura dentro das possessões portuguezas d’Africa?
Consideremos:
1º .O estado das possessões.
2º .Uzos e costumes
dos europeus que as habitam.
3º .Estado de
civilização dos indígenas, seus uzos e costumes.
4º .Se para se
conservarem as possessões, será bastante o commercio, ou se sam necessárias
tãobem a cultura e a industria fabris.
5º .Se a cultura e industria fabris podem ser por braços
importados da Europa, ou somente pelos indígenas.
Ninguem contestara que é mau o estado actual das possessões
portuguezas d’Africa; porquanto o período de transição, que infalivelmente tem
de atravessar, esta ainda morosamente passando, fez com que deve absolutamente
acabar o trafico da escravatura para o exterior, que era o seu ramo considerável de commercio,
e requer que esta lacuna seja preenchida por outros meios de industria que é
mister crear.
É bem sabido que Portugal exerce poder governativo somente
nos pontos do litoral, e que no interior se conservam os uzos, costumes e
governo do gentio, embora haja chefes que são para alli despachados, pois que
estes se acommodam aos mesmos uzos e costumes por necessidade , e para fazerem
o seu interesse, que é ordinariamente o que lá os leva. Chamando eu a Africa
portugueza “um deserto de moralidade”, teria com duas palavras explicado quaes
os uzos e costumes dos europeus que a habitam, salvas as devidas e honrosas
excepções: porem, inda assim, dividirei estes em três classes: a de funcionários
públicos; a de homes que vem procurar fortuna: a de degredados. A primeira
classe que é a mais numerosa, bem sabido é que se compõe de pessoas, que não
vem a Africa para tomar ares, mas para fazer seus interesses; pois que o amor
da pátria, e do seu augmento, e o de conseguir gloria, constitui hoje limitada
excepção a esta regra.
Há algumas que procuram fazer aquelles interesses por meios
lícitos: para o maior numero todos o sam uma vez que consigam o seu fim.
Não parece que esta seja uma das cauzas porque as possessões
não hão de melhorar, antes ir cada vez em maior decadência. As autctoridades
para as possessões, são aquellas sobre que devia hacer mais apurada e
escrupulosa escolha: porque se uma exorbita no reino, facile pronto pode ser o remédio;
mas nas possessões, quando ele chega, que de males já se não tem causado?
A segunda classe é dos que vem procurar fortuna, e como esta
se otinha por meio de desembarque de escravos, claro esta ser a ideia dominante
ate há poucos annos: posso dizer, sem perigo de errar que o numero dos que não
sam dela afectados não é o maior que se dirigem a cultura precisam luctar com
quase insuperaveis dificuldades. Ter consciência mais que ordinária e vontade de
ferro para não desanimar logo no principio. Ainda assim , tal qual o impulso se
lhe tem dado, mormente em Mossamedes, em cujo porto já entram por annos dezenas
de navios que vem procura prouos agiculas.
A terceira classe é a dos degredados, os quaes quasi todos
sam soldados, e não é a menos útil pois que não servem mal, e melhor o fariam,
se não tivessem tanta demora nas prisões do reino, cuja escola lhes ensina o
que muitas vezes ainda não sabiam, e os torna de má saúde e de hábitos occiosos.
Costumes, religião e governo do gentio sam quasi geralmente
os mesmos da primitiva. So com a diferença de que nada de bom lhes tem
ensinado
os europeus, antes communicado os nossos vícios. Não se diga que sou
exagerado,
poderia referir muitos factos que tenho presenciado, que demonstram a
verdade
do que afirmo. É preciso não ficar innativo nas terras do litoral, mas
correr
os sertões ver o que por la vae, e se faz, para bem avaliar o que
dizemos. Não é possível referir aqui todos os costumes do gentio;
seria isso matéria para uma obra volumosa: referirei somente alguns que
tem
relação com a matéria em questão.
Sabido é que a maior parte do gentio d’Africa tem o seu
governo, sob uma ou outra denominação, sob uma ou outra forma de sucessão. O
governo patriarchal indistinctamente a todos os que governam seus filhos, ou
seus escravos.Dispoem, ouvindo a oppinião dos seus conselheiros (esta é a forma
de governo mais seguida). Da vida e da propriedade de todos tomando por pretexto este ou aquelle crime: por
exemplo, o de olhar para o “Tembo”, a primeira amiga do chefe -porque passou
por tal lugar, porque é feiticeiro. Este ultimo crime, que quase sempre recae
sobre quem possue gados, é frequentemente imputado, e a pena é ser morto o
feiticeiro, escravisada a gente que com ele residia, e tomados os gados e tudo
o mais que possuíam. Muitas vezes a pena de morte do feiticeiro é comutada em
degredo, para fora do estado, sendo vendidos com escravos. Ora, sendo muitos os governos,
porque quasi todos são menores em terreno e população do que uma das nossas províncias
do reino, e sendo este o costume de todos já se vê o numero de escravos feiros
por anno, por tal motivo.
É honra e signal de nobreza entre o gentio, ser bêbado e
ladrão, e aquelle que mais guerras faz e rouba maior quantidades de gado e
pessoas, é o maior e mais fidalgo; sendo esta a rasão de tantas e tam repetidas
correrias, a que chamam guerras. Todas as pessoas nelas agrarradas sam
escravisadas -velhas. moças e creanças - e os seus parentes as vam resgatar,
ou sam vendidas ou mortas, e daqui se
pode concluir o numero de escravos que tal costume deve produzir. Em quasi
todos os governos pode o chefe mandar vender um dos seus filhos, ou escravos,
quando carecer de pólvora, d’armas, de vestidos, etc.., e assim daqui vem ainda
o augmento do nomero de escravos.
Os pretos, segundo os seus uzos, não devem trabalhar na cultura nem nos
serviços domésticos: sam as pretas: A profissão deles é caçar, pescar e carregar.
Se um preto, por exemplo, tiver sua mulher doente, e for buscar uma cabaça d’agua,
ou um feixe de lenha, comete maior crime e paga maior multa, do que se matasse
outro preto.
Quem percorre os sertões, e com os olhos de investigação
observa o que se passa entre o gentio, logo vê que nenhuma necessidade sofrem
os pretos; porque as pretas sam os que cultivam, fazem a comida, preparam as
bebidas, e ate o cachimbo com o tabaco para os pretos fumarem: tem estes, quasi
todos, mais ou menos cabeças de gado, e basta o couro de um boi para vestir
mais de uma dúzia. Uma correa na cintura, com um palmo de couro que lhes cubra
as partes pudendas, e outro palmo que cubra por detrás, eis um preto vestido de
ponto em branco.
Dois ou tres porrinhos, arcos, flechas e uma azagaia, o
que ele tudo faz, ou – a parte que tem de ferro os seus ferreiros-, ei-lo
armado e pronto a seguir por toda a parte, por onde come o que lhe dão, ou
gafanhotos com quatro lagartos, que agarra, passa o dia. À vista, pois, dos
costumes que venho a referir, já se vê que, para acabar com a escravatura no
interior das possessões, é necessario, ou que o gentio obedeça e cumpra a lei
que se lhe impuzer, e perca seus maus e inveterados uzos, por meio da força, ou
que se empregue meios de o civilizar, incutindo-lhes os princípios da sã moral.
O primeiro meio quase impossível porque demanda forças que não temos, ou de que
não podemos dispor; o segundo é o mais
conveniente, e depende somente de espalhar entre eles, bons missionários. Com
estes meios, em poucos annos, muito se conseguiria.
Ora, isto é quanto ao gentio: para acabar a escravidão entre
os súbditos portugueses há que
considerar.
1º Que o commercio so por si não é sufficiente para manter
as possessões.
2º Que sam necessárias a agricultura e a industrial fabril,
e que estas não podem existir sem braços.
3º Que estes,
attentos aos uzps e costumes do gentio, não se obtem senão obrigando-os.
4.º Que segundo a
situação actual, e o poder que sobre os pretos exerce o governo, o único
meio de os obrigar é comprando-os, porque entendem que logo sam vendidos, tem o
dever de prestarem a quem os compra os serviços.
5. Que para acabar por uma vez com a escravatura dentro das
possessões é de justiça que os que tem escravos, recebem o valor dos mesmos,
parao que são necessários muitos centos de contos de reis.
Acresce ainda mais, e esta consideração é de grande peso,
que se não comprarem os pretos que os costumes gentílicos fazem escravos em todos
os annos, serão muitos deles mortos, porque os captivos nas guerras, e os
condenados por feitiçarias, e por outros taes crimes, a não serem vendidos,
serão assassinados, e por conseguinte, a medida de acabar por uma vez com a
escravatura dentro das possessões, ditada pela civilização, pela justiça, e
pela humanidade, é, nas actuaes circunstancias, não so prejudicial, mas talvez
aniquile as mesmas possessões, leve em seus resultados, a que cometam crimes
ainda mais inhumanos.
Quando as circunstancias me obrigaram a ir convocar uma
guerra gentílica contra os Gambos, muitas forão as embaixadas que recebi, e em
todas se me dizia que tal Soba estava pronto para o serviço do Rei, porem que
este os queria prejudicar acabando com os escravos, que era o seu primeiro
redito. Combato, como em taes lances me
foi possível, semelhante reclamação e talvez que ouvissem a este respeito o que
ainda não tinham ouvido. Combati esse bárbaro
costume, e taes razões lhes dei, que não lhes ficando esperança depoderem
continuar tam degradante uso, ainda assim obtive o que pretendi.. e foi d’ahi
que tirei por conclusão que, com bons missionários fácil seria fazel-os mudar
de seus maus costumes, sendo a primeira necessidade, incutir-lhes o amor ao
trabalho; porquanto, a occiosidade que professam, lhes faz abraçar todos os
uzos que a favorecem.
Os poucos pretos com que trabalho, podem hoje ser livres,
porque continuarão a ser úteis e felizes pela sua agencia, que para eles já é
habito. Eduquei-os antes com boas maneiras, do que com castigos bárbaros: não
tem tido fome, nem falta do essencial, e por isso me não fogem, e vivem
satisfeitos. Se em vez de trinta tivesse tido três mil, daria hoje a Africa
outros tantos bons trabalhadores. Será porem possível fazer-se nas possessões d’Africa,
com braços importados da Europa, a cultura?
É facílimo resolver esta questão negativamente; porquanto,
sem lembrar a difficuldade de os obter, e as enormes despezas para isso
necessárias, direi não ser possível cultivar com os europeus, porque ficam logo
iimpossibiltados do trabalho braçal, em rasão das moléstias de que são
atacados, e, porque tãobem não se pode obter o numero suficiente para a cultura
e industria fabril; e assim o ultimo recurso é aproveitar os indígenas, e o
medo é compral-os, pois assim se sujeitam sem o menor obstáculo e sem repugnância,
e se depois fogem, é isso devida a maior parte das vezes, ao mau modo de os
tratar. So no fim de tres ou quatro annos é que um preto gentio fica bom
trabalhador, e neste período é necessário muita paciência em o ensinar, e em
so o ir exigindo diariamente mais um pouco de serviço.
Não me agrada a distinção de escravos e livres, nem admito
na minha fazenda. Todos sam agricultores com iguaes direitos e obrigações. So é
distincto o que merece, pelo seu comportamento. Esta nomenclatura é causa de
rivalidade, portanto, origem de desordens e fugas.
Entendo que bem podia legislar-se sobre os serviços que
deviam prestar os pretos que a humanidade mesmo reclama se comprem nas nossas
possessões segundo o estado actual, sem se uzarem os reprovados nomes de escravos
e liberto. Se o infeliz háde injustamente
perecer, é mais humano comprar-lhe os seus serviços que tam úteis se podem
tornar em mãos de homes e intelligentes, sendo taes serviços por enquanto
essencialmente necessarios nas mesmas possessões. Era isso mais racional e
justo uma vez que se fizessem regulamentos em respeito ao modo como deviam ser tratados
os comprados – regulamentos, cuja exata execução fosse encarregada as
auctoridades administrativas e policeais, com a mais severa
responsabilidade; porem, repito ainda que esta responsabilidade não devia ficar
somente escripta no papel , como acontece a quase todas as nossas leis.
Expendi francamente a minha opinião, e fui bastante extenso;
mas ainda maior extensão podia a matéria, que julgo de toda a transcendencia.
Sou na província o menos entendido; porem dos que mais
desejam o progresso, augmento e civilização das nossas possessões.
Deos Guarde a V. Exa. Por mui dilatados annos. - Mossamedes,
15 d’Abril de 1857. IIImo e Exmo. Snr. José Rodrigues Coelho do Amaral,
Governador Geral da Provincia. – Bernardino F.F.A. e Castro.
(*) Boletim Oficial de Angola, n. 611, de 13 de Junho de 1857.
Ainda sobre a repressão do tráfico de escravos... do Livro intitulado "Bernardino
Freire de Figueiredo Abreu e Castro" by Vicente, Jose (Gil Duarte),
pg 1959.
João Duarte de Almeida e Bernardino Abreu e Castro foram dois apóstolos da abolição da
escravatura. João Duarte de Almeida faz, sobre o assunto, fez diversas
exposições ao ministro Sá da Bandeira, porém não lhe sobrando espaço em
seu livro para transcrever as suas exposições ao Governo Central de
Lisboa o padre José Vicente detém-se sobre a que fez Bernardino em 15
de Abril de 1857 ao governador-geral da província, José Rodrigues
Coelho do Amaral, a pedido deste :
Temos sobre os olhos
esse notável documento, glória de quem o escreveu. Escreve o fundador de
Moçâmedes:
"... Direi, sem flores de eloquência, o que as minhas fracas
razões de inteligência me ditam, e bem assim o que a experiência de
quase oito anos, dedicados a assíduos e árduos trabalhos agrícolas,
lidando com escravos e gentio livre, me há demonstrado. Dividirei a
questão dob dois pontos de vista:
1º.- Acabar o tráfico da escravatura para fora das possessões portuguesas;
2º.- Acabar a escravatura dentro das mesmas possessões.
2º.- Acabar a escravatura dentro das mesmas possessões.
Enquanto
ao primeiro ponto, a razão, a humanidade, e a própria conveniência
reclamam que o governo português, com as mais urgentes medidas, ponha
por uma vez termo a tão vil, desumano e degradante tráfico, que, em vez
de ser útil às mesmas possessões, é causa do seu completo, para não
dizer vergonhoso atraso.
Sem me demorar em descrever os horrorosos
delitos cometidos em ujm embarque – delitos que fazem corar de vergonha a
quem tem sentimentos de homem, e que mal me poderia acreditar de que os
mesmos homens os cometessem, se se não vissem tantas vezes repetidos:
sem me demorar a descrever o que sofrem os condenados a embarcar, sem
saberem para onde, empilhados, mortos de fome e de sede, etc. - somente
direi que tal tráfico, além do ferrete da ignomínia e da barbaridade,
que acarreta aos que nele tomam parte, é de nenhuma utilidade, se não é
de prejuízo para os que residem nas possessões, porquanto, raras vezes
recebem o produto dos infelizes que uma louca ambição os faz sacrificar,
e, se algum recebem, é tão cerceado e moroso, que não remedeia quase
nunca as suas necessidades."
Bernardino comprova a seguir
as suas afirmações de forma irrefitável, denunciando os traficantes de
escravos que obtinham, com pouco trabalho, meios abundantes para
passarem uma vida folgada, senão licenciosa.
Continua: " A
opinião do mundo reprova o infame e criminoso tráfico: a situação e
ordem das coisas o não favorece: o interesse das mesmas possessões o
estigmatiza: e só tem a seu favor, para o aconselharem, promoverem e
animarem, aqueles a quem se consignam os desgraçados. Mas quem são
estes? Que o digam aqueçes que têm caido no laço de fazer tais
consignações. Se não fora a verdade de que o número de loucos é
infinito, se não fora a possibilidade de os negreiros de Havana enviarem
dinheiro para fazerem os carregamentos -- como farão em último recurso,
pois que não se limita a venda de escravos só àquela ilha, mas dalí se
vendem muitos para o sul da América do Norte, e por alto preço -- eu
diria que o tráfico de escravos para o exterior acabaria por sua mesma
natureza, porém em razão dessas duas considerações, é necessário ainda
empregar meios, só lembro dois que me parecem por si só eficazes.
Primeiro,
tornar responsáveis as autoridades administrativas e policiais por
qualquer embarque que se faça nas terras das suas jurisdições: mas que
essa responsabilidade seja acompanhada das mais severas penas, e não
fique só escrita no papel; este só meio acabaria de vez com tal tráfico
Quem vive na África sabe o que é um embarque, e tem ouvido o ritinido
das correntes, o eco do pisar dos pés oprimidos pelo peso dos ferros, o
bulício de lanchas e botes, o rápido andar de centos de homens, que
aceleradamente se dirigem às praias. Bem se vê que difícil é que as
autoridades deixem de o saber, e, portanto, por tal facto, se aconteceu,
ou foi por conveniência ou por tolerância. Admito, porém, ainda que
fosse possível, sem que a autoridade o soubesse, em tal caso, lembro.
Segundo, que o Governador da Província seja autorizado a despender
algune contos de réis com espiões, por ano, os quais sejam obrigados a
dar parte às autoridades administrativas e policiais do local, de
qualquer embarque, que se pretende fazer: penso que assim nenhum terá
lugar.
Estes espiões devem ter locais marcados nas costas: poe exemplo,
nesta província ter um a seu cargo dar parte do que ocorrer entre
Mossamedes e a Lucira: outros, entre esta e Benguela, entre a Catumbela e
a Anha: entre esta e Novo Redondo: entre este e Benguela Velha: entre
esta e o rio Longa. entre esta e a cidade de Loanda: entre esta e o
Dande: entre este e o Ambriz: entre este e Cabinda. Por esta forma, com
muito menos despesa do que a que se faz com os cruzeiros, que por
maiores que sejam e mais vigilantes, farão diminuir, mas não acabar com o
tráfico para o exterior, se consegue o fim desejado."
Bernardino fas depois judiciosas considerações sobre o problema da
abolição da escravatura dentro das possessões portuguesas de África, Dis
que, neste capítulo, se trava uma luta entre o coração e a cabeça.
Aquele --acentua-- diz que é bárbaro e unhumano, que qualquer homem seja
obrigado a servir outro, e que não gose do mais sublime dote da
natureza, o uso da sua liberdade, esta grita que isso é verdade, mas
aponta-nos as consequências que daí podem resultar para a questão
sujeita.
Considera o estado das possessões; os usos e costumes dos europeus
que as habitam; o estado da civilização dos indígenas que as habitam; se
para se conservarem as possessões será bastante o comércio, ou se são
necessárias também a cultura e a indústria fabris; e se a cultura e
indústria frabris podem ser feitas por braços importados da Europa, ou
somente por indígenas.
Bernardino é abertamente contra a manutenção da escravatura em
África, mas opina que, para tanto, devem os europeus esforçar-se por
civilizar as populações indígenas, o que não se verifica. Com efeito,
diz: "costumes, religião, e governo do gentio, são quase geralmente os
mesmos da primitiva, só com a diferença de que nada de bom lhe têm
ensinado, sntes comunicado os nossos vícios. Não se diga que sou
exagerado: podia referir muitos factos que tenho presenciado, que
demonstram a verdade do que afirmo. É preciso não ficar inactivo nas
terras do litoral, mas correr ps sertões, ver o que por lá vai e o que
se faz, para bem avaliar o que duzemos".
Aceita o fundador de Moçâmedes que é preciso usar de alguma força
para convencer os nativos que têm de trabalhar. E explica: "Os pretos,
segundo os seus usos, não devem trabalhar na cultura nem nos serviços
domésticos: são as pretas. A profissão deles é caçar, pescar e carregar,
Se um preto, poe exemplo, tiver uma mulher doente, e for buscar uma
cabaça de água, ou uma feixe de lenha, comete maior crime e paga maior
multa do que se matasse outro preto."
Continua: "Quem percorre os sertões, e com olhos de investigação
observa o que se passa entre o gentio, logo vê que nenhuma necessidade
sofrem os pretos, porque as pretas são as que cultivam, fazem comida,
preparam as bebidas e até o cachimbo com o tabaco para os pretos
fumarem: têm estes, quase todos, mais ou menos cabeças de gado, e basta
o couro de um boi para vestir mais de uma dúzia. Uma correia na cintura
com um palmo de couro que lhe cubra as partes podendas, e outro palmo
que lhe cubra as partes por detras, eis um preto vestido de ponto em
branco. Dois ou três porrinhos, arcos, flechas e uma azagaia, o que ele
tudo faz , -- ou a parte que tem ferro, os seus ferreiros --ei-lo armado
e pronto a seguir para toda a parte, por onde come o que lhe dão, ou
gafanhotos com quatro lagartos, que agarra, passa o dia."
Deduz, com verdade lógica Bernardino: "À vista, pois, dos costumes
que venho de referir, já se vê que, para acabar com a escravatura no
interior das possessões, é necessário, ou que o gentio obedeça e que
cumpra a lei que se lhe impuser, e perca seus maus e inveterados usos
por meio da força, ou que se empreguem meios de o civilizar,
incitindo-lhes os princípios da sã moral. O primeiro meio é quase
impossível, porque deemanda forças que não temos, ou de que não podemos
dispor: o segundo é o mais conveniente, e depende somente de espelhar
por entre os gentios bons missionários. Com este meio, em poucos anos
muito se conseguiria."
Não restam dúvidas de que Bernardino é absolutamente contra a
escravatura, Mas é preciso preparar, para tanto, os próprios gentios.
Conta ele:
"Quando as circunstâncias me obrigaram a ir convocar uma guerra
gentílica contra oa Gambos, muitas foram as embaixadas que recebi, e em
todas se me dizia que tal soba estava pronto para o serviço do Rei,
porém que este os queria prejudicar, acabando com os escravos, que era o
seu primeiro rédito. Combati, como em tais lances me foi possível,
semelhante reclamação, e talvez que ouvissem a esse respeito o que ainda
não tinham ouvido. Combato esse bárbaro costume, e tais razões lhes
dei, que não lhes ficaram esperanças de poderem continuar tão degradante
uso, assim tive o que pretendi, e foi daí que tirei por conclusão, que,
com bons missionáriuos, fácil seria fazê-los mudar de seus maus
costumes, senso a primeira necessidade incutir-lhes amor ao trabalho;
porquanto a ociosidade que professam, lhes faz abraçar todos os maus
usos que a favorecem".
Neste pormenor se revela a personalidade de colonizador e civilizadoe
de Bernardino. "Os poucos pretos com quem trabalho, podem hoje ser
livres porque continuarão a ser úteis, e felizes pela sua agência, que
para eles já é hábito. Eduquei-os antes com boas maneiras do que com
castigos bárbaros: não têm tido fome, nem falta do essencial, e por isso
me não fogem, e vivem satisfeitos. Se, em vez de trinta, tivesse tido
três mil, daria hoje à África outros tantos bons trabalhadores".
E mais adiante: " Não me agrada a dintinção entre escravos e
libertos, nem a admito na minha fazenda. Todos são agricultores, com
iguais direitos e obrigações. Sé é distinto o que merece, pelo seu
comportamento."
Bernardino conclui: "Entendo que bem podia legislar-se sobre os serviços
que deviam prestar os pretos e a humanidade mesmo reclama se comprem
nas nossas possessões, segundo o estado actual, sem se usarem os
reprovados nomes de escravo e liberto. Se o infeliz há-de injustamente
perecer, é mais humano comprar-lhe os seus serviços, que tão úteis se
podem tornar em mãos de homens bons e inteligentes, sendo tais serviços,
por enquanto, essencialmente necessários nas mesmas possessões. Era
isso mais racional e mais justo que se fizesse, uma vez que se fizessem
regulamentos em respeito ao modo como deviam ser comprados e tratados --
regulamentos cuja exacta execução fosse encarregada às autoridades
administrativas e policiais, com a mais severa responsabilidade; porém ,
repito ainda, que esta responsabilidade não deveria ficar somente
escrita no papel, como acontece a quase todas as nossas leis. Sou, na
província, o menos entendido; porém, dos que mais desejam o progresso, aumento e civilização das nossas possessões."
Bernardino escreveu estas palavras em 1857, como acima deixamos dito.
Pois uma ano decorrido, em 1858, Portugal decretou que, passados vinte
anos não poderia haver escravos; mas onze anos depois, isto é, em 1869,
aboliu o estado de escravidão, pelo que passaram à condição de libertos
todos os escravos, em todas as suas possessões.
Extraordinária vitória esta! Mas, para que a mesma fosse possível,
decisiva influência tiveram João Duarte de Almeida e Bernardino Freire
de Figueiredo Abreu e Castro.
Honra lhes seja! "
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
ANGOLA COMANDOS ESPECIAIS CONTRA CUBANOS
Santos e Castro (no centro) e dois comandos especiais
Estamos em Agosto de 1975. Um pequeno grupo de portugueses
desembarca em Angola para ajudar a impedir a sua entrega ao colonialismo
soviético. Eram poucos. Iriam porém, mostrar em valentia sem
par e altruísmo sem preço, a vontade de todo o povo real que,
perplexo e traumatizado, estava incapaz de reagir à mais aviltante farsa
de toda a sua História. Em nome de um povo imaginário e de
liberdades paranóicas — aliás tolhidas a cada passo em pesados
preços de sangue e de fome — todos assistimos à maior mentira do século:
a "independência" de Angola.
Qual Angola?
A que víramos próspera, virada ao futuro, na preocupação do bem
estar das suas gentes, na riqueza da sua história, no valor da sua
cultura, na grandeza e na dimensão do seu viver? Ou a que
encontramos destruída, com os povos famintos a fugir de um lado a
outro, para morrerem mais tarde? A que encontrámos em gritos de dor e
pedindo a nossa ajuda, uma palavra de esperança, uma
afirmação de que tudo era pesadelo e de que voltariam à
tranquilidade do seu viver?
Qual independência?
A que trouxe a Angola a ocupação colonial por um exército
estrangeiro, em flagrante conquista militar, sem quaisquer laços que
liguem o povo aos ocupantes, para além da anuência de uma minoria
dirigente e totalitária e porque um governo, em Lisboa — provisório
mas definitivamente irresponsável — o consentiu também? O que pensa
realmente deste facto trágico o povo português e
desgraçadamente o que pensará o povo de Angola? Foi um grupo pequeno
que se bateu contra isto tudo. Merecem por isso o respeito e a
consideração de todos os portugueses. Por se terem batido e
porque se bateram bem. Alguns pagaram cara a sua dádiva. E quando no
pequeno cemitério do Ambriz desceram à terra, com toda a população a
assistir em religioso silêncio, com as honras devidas e
cobertos com a Bandeira Portuguesa, repetia-se apenas o que ao longo
dos séculos acontecera. Mais uma vez aquela terra acolhia generoso
sangue português. Ali estivemos também, meditando e
sentindo mais vontade para continuar.
A história deste livro, na simplicidade do relato de uma boa parte
dos combates que tiveram de travar-se, dá bem conta do que foi essa
luta. Não podemos, porém, deixar de recordar também com
sentido respeito os que pelo sul de Angola e em combates de
gigantes, libertaram sucessivamente Pereira de Eça, Sá da Bandeira,
Moçâmedes e Lobito. Ali tombaram outros tantos, que recordamos com
saudade e a maior veneração. O relatar de uma guerra, na verdade dos
factos e com humildade, é previlégio dos que sabem bater-se. É este o
caso, na óptica de quem o soube fazer e fazer bem. A
outra história, a dos bastidores da intriga política, ficará para
ser contada oportunamente. Ela terá de ser contada um dia e
se-lo-á...Fomos derrotados naquela batalha, mas vencidos ainda não.
Em Julho de 1975 os soldados cubanos começaram a desembarcar em
Angola. Faltavam cinco meses para a independência estabelecida nos
Acordos de Alvor, e o exército cubano, apoiado por material de
guerra russo pesado e sofisticado (tanques e mísseis), começou a
invadir Angola.
O povo português desconhecia em absoluto este facto, porque a
Informação (imprensa, rádio e TV) "mais livre do mundo" simplesmente o
ocultava. Aliás, em Julho de 75 tinha também começado no norte
do país o célebre "Verão quente". O povo andava atarefado em travar a
escalada comunista e tinha perfeita consciência de que se o conseguisse
a tempo, Angola nunca cairia sob o domínio soviético.
Mas o povo do norte foi traído pelas mesmas pessoas que traíram os
angolanos. Não foi por acaso que o "25 de Novembro" só aconteceu depois
de consumado o "11 de Novembro", data da entrega oficial
de Angola à Rússia. A primeira importância deste livro, escrito por
três Comandos Especiais que tive o orgulho de comandar, é a de provar,
com a simplicidade de uma prova visível e concreta, que
o exército cubano invadiu Angola antes da independência. Eu próprio
comandei os combates que os Comandos Especiais travaram contra os
cubanos em Angola, durante os meses de Agosto, Setembro,
Outubro e Novembro de 1975... Só na parte norte de Luanda, para
"defender" a cidade, estacionavam seis batalhões cubanos completamente
equipados, armados e municiados.
Feita a prova desta terrível verdade, surge a segunda importância
deste livro: — Quem autorizou ou quem facilitou a entrada dos cubanos?
Quem constituía, nessa época, o Poder em Portugal?
Presidente da República, Governo e Conselho da Revolução. Muitos
membros-desses órgãos do Poder continuam hoje a ser governantes. Grande
parte deles são os mesmos. Como é isto possível? Sobre os
ombros desses homens pesa a responsabilidade da morte de milhares e
milhares de homens, de mulheres e de crianças. Pesa ainda a gravíssima
responsabilidade de terem impedido a libertação da nação
angolana. Que povo pode ser livre, quando ocupado por um exército de
30000 soldados estrangeiros?
Quem autorizou a entrada do exército cubano em Angola, quando o
poder soberano ainda pertencia (e pertenceria durante vários meses) ao
governo português? Enquanto esta pergunta não for
respondida, que importância podem ter os escândalos em que se
envolvem altas figuras do regime e o que podem significar os delitos, os
compromissos ou os com-padrios que os levaram ao Poder? Mas
enquanto houver portugueses da raça destes Comandos Especiais que
foram lutar contra os cubanos, aquela pergunta há-de ter uma resposta.
Não se saberá quando, mas terá de ser dada às centenas de
milhar de mortos, aos que perderam a dimensão de viver e aos que
vagueiam apátridas e atónitos...
Visto à luz da História, os Comandos Especiais eram em número
ridiculamente pequeno. Apenas um punhado de homens: pouco mais de uma
centena e meia. Vieram de todos os cantos do mundo. Alguns
tinham já sido Comandos, ao tempo da sua vida de militares em Angola
ou em Moçambique. Vieram espontaneamente. Nada lhes foi oferecido, e
eles nenhumas condições impuseram. Claramente lhes foi
dito que os Comandos Especiais iriam apenas ser a resposta altiva
dum punhado de portugueses à cobardia e à traição dos que entregavam a
Pátria às potências estrangeiras. Vieram por sua própria e
livre iniciativa, na louca esperança de ainda salvar o nosso povo
duma desonra afrontosa e de uma perda irreparável.
Logo no primeiro recrutamento surgiram aqueles que iriam constituir a
mais extraordinária, a mais inconcebível, a mais desesperada força
militar que alguma vez se propôs fazer frente ao império
comunista: 156 homens dispondo de reduzidíssimo armamento,
dependendo quase que exclusivamente de si próprios, pois o apoio
logístico era praticamente inexistente. Estavam dispostos a enfrentar o
MPLA comunista, mas não sabiam ainda que uma das mais poderosas
máquinas político-militares do mundo iria lançar abertamente todo o seu
peso na luta a favor do MPLA. Igualmente ignoravam que as
autoridades portuguesas iriam dar cobertura aos comunistas.
Mas mesmo que o soubessem, na altura em que se dispuseram a lutar
para defender Angola da estratégia soviética, isso não os faria recuar.
Na realidade a acção desse punhado de homens começou no
Verão de 75. O "Verão Quente' de Angola. Quando se verificaram os
primeiros incidentes graves, em Maio/Junho de 75, em Luanda e nas áreas
que impropriamente designaram como "zonas de influência",
esses incidentes deram-se apenas entre os "movimentos de
libertação", MPLA incluído. A cruzada parecia fácil. Se os Comandos
Especiais tivessem de enfrentar apenas o MPLA, as coisas teriam
seguido um outro rumo: nunca os comunistas teriam tido a
possibilidade de tomar conta de Angola.
O Aito-Comissário que representava nessa altura o Governo Português
em Angola teve uma acção claramente definida: de acordo com a letra e o
espírito dos tratados, não concedeu nem concederia
qualquer privilégio especial a nenhum dos três movimentos. Fixada a
data da independência de Angola para 11 de Novembro, seriam até lá
tratados em plena igualdade as três forças que entre si
disputavam a supremacia em Angola. Mas essa correcta e imparcial
acção contrariava os secretos desígnios dos chefes comunistas. O
Alto-Comissário juntamente com o Comandante Militar, foram
chamados de urgência a Lisboa. Em contra-partida, Rosa Coutinho foi
para Luanda. Por curiosa coincidência, precisamente na altura em que eu
próprio cheguei também a Angola. Estávamos em Agosto:
exactamente no dia 5, desse ano de 1975.
A situação ali já não constituía segredo para ninguém: desde Junho
que cubanos e russos mantinham, sem quaisquer preocupações de segredo, o
seu Quartel-General em Luanda, na casa que fora do
Administrador da Petrangol. Aí funcionava abertamente esse
Quartel-General, com todas as secções e com todo o pessoal. Estávamos
ainda então sob o controle do governo português, esse mesmo
governo que num tratado de cariz internacional acordara não dar nem
permitir que fosse dada qualquer espécie de tratamento preferencial a
nenhum dos três movimentos competidores. No entanto os
soldados cubanos desembarcavam em vagas cada vez maiores em Luanda,
nesse Verão de 75. Todo o material de guerra que consigo traziam, ali
desembarcou à vista de toda a gente.
Quando os desembarques começaram a ser feitos em massa, em meados de
Agosto, passaram a ter lugar em Novo Redondo. E era às claras que
diariamente rolavam as colunas militares de soldados e
material cubano e russo, rumo a Luanda. Quanto ao MPLA, o movimento
que servia de cobertura a essa clara invasão comunista, estava
completamente subordinado ao Quartel-General cubano de Angola.
Quem poderia ignorar estes factos? Na realidade, ninguém. Nem em
Angola nem mesmo nos países vizinhos. E muito menos o governo português,
ou pelo menos o seu ministro dos Negócios Estrangeiros,
Mário Soares.
Foi na própria Emissora oficial de Angola — ainda sob a tutela de
Portugal e das autoridades portuguesas — foi através da própria Emissora
oficial que se fizeram constantes e insistentes apelos
para que voluntários se apresentassem no cais para trabalhar na
descarga desse material cubano e russo. E muitos foram os trabalhadores
que acabaram por ser apanhados à força — brancos e negros —
e obrigados a ir para o porto trabalhar forçadamente no desembarque
desse material. O facto dos Comandos Especiais terem lutado contra o
MPLA — e contra os cubanos e russos que os apoiavam — ao
lado de Holden Roberto, poderá levar a pensar que esse punhado de
homens fazia parte da FNLA. Não é verdade.
A FNLA serviu de ponto de apoio para esses homens, cujo único
objectivo não era nem o da conquista de riqueza ou fortuna, nem sequer o
de passageira glória. Era simplesmente o desejo de manter
Angola como nação livre e sem interferências estrangeiras no caminho
do seu progresso. Os Comandos Especiais e eu próprio demos o nosso
apoio à FNLA, por ser essa a via mais rápida para tentarmos
deter a avalanche comunista que ameaçava ocupar Angola. Foi esse o
teor do acordo inicial com Holden Roberto a quem clara e iniludivelmente
afirmei que nunca seriamos enquadrados nas fileiras da
FNLA — com o que ele plenamente concordou. De resto — e importa que
se diga — Holden Roberto mal conhecia a realidade de Angola.
Para todos nós, para os que ali tínhamos nascido ou os que dali
tinham feito a sua terra-mãe, era quase chocante ver o espanto que
Holden demonstrava perante o progresso duma terra que ele tinha
esperado encontrar primitiva e escravizada, árida e abandonada como a
propaganda estrangeira proclamava. Como nota curiosa, posso revelar que
perante uma barragem (as Molubas) já colocada fora de
uso por obsoleta e apta apenas a servir em curtos períodos de
emergência de apoio à barragem que servia Luanda, vimos Holden abrir os
olhos de espanto perante tão "extraordinária realização"...
Noutra ocasião, na Fazenda "Tentativa", Holden viu uma fábrica de
açúcar também já ultrapassada por não ter capacidade de laboração para a
matéria prima que ali se produzia e que por tal motivo
estava para ser desmanchada. Era uma fábrica que eu conhecia desde
menino. Pois Holden Roberto não escondeu o seu espanto perante a sua
"grandiosidade"...Talvez por tudo isso, e também porque ele
podia verificar que muitos de nós conhecíamos Angola desde Cabinda
ao Cunene e que todos amávamos aquela terra que queríamos que
continuasse a ser também nossa, talvez por isso ele nos respeitava
e nos dava todo o apoio que podia.
No entanto todo o esforço desesperado desses homens que quiseram
defender Angola do inimigo soviético se perdeu. Ingloriamente, diga-se.
Por vil traição. Tanto os angolanos como os portugueses
acreditaram que os representantes do governo português honrariam os
seus compromissos de imparcialidade tal como haviam sido assumidos em
Alvor. Não o fizeram. É já um facto historicamente
comprovado que o governo português apoiou, muito antes da data da
independência, a invasão dos cubanos, checos, húngaros e russos em
Angola, tal como aprovou e consentiu no estabelecimento de
quartéis e na distribuição de armamento, desde o mais simples ao
mais sofisticado, desde as armas ligeiras aos mísseis russos, os
célebres "órgãos de Staline"...Quem permitiu, quem sancionou,
quem colaborou nessa monstruosa traição que veio a culminar na
entrega de Angola e Moçambique ao colonialismo soviético?
Muita gente me tem perguntado por que não entrámos em Luanda, quando
a imprensa internacional chegou a noticiar que estávamos à vista da
cidade do dia 10 de Novembro, precisamente no morro
fronteiro ao Cacuaco. Este livro será uma resposta suficiente,
embora muitos aspectos não possam ainda ser revelados. Esses heróis que
se chamaram Comandos Especiais fizeram tudo quanto puderam.
Lutando com desespero contra o tempo, conseguiram de facto chegar à
vista de Luanda antes da data da independência, levando de roldão à sua
frente as sucessivas vagas de cubanos que se
interpunham entre eles e a capital. Se a tivessem conseguido atingir
antes do 11 de Novembro, tê-la-iam tomado, e não seriam as guarnições
cubanas, inadaptadas para a guerrilha urbana, numa
cidade que desconheciam e temiam, que o poderiam ter impedido.
Mas entraves de toda a ordem condicionaram a ofensiva sobre Luanda,
desde o não consentimento de manobras de diversão ou alterações de
frente, até ao atrasar sistemático do assalto à cidade na
sequência da primeira arrancada que em 48 horas nos levou do Ambriz
ao Caxito... para nos quedarmos mais de vinte dias sem gasolina. As
pressões que se exerceram sobre Holden Roberto —
constantemente mal esclarecido e enganado — no sentido de fazer
coincidir o início do assalto com a véspera do dia marcado para a
independência, funcionaram deliberadamente para que não
entrássemos em Luanda. A artilharia
abandonou as posições sem qualquer aviso e exactamente quanto mais dela
carecíamos para o assalto ao Morro de Quifandongo o qual,
uma vez tomado, abriria o caminho para a cidade em terreno plano e
sem obstáculos. Por tudo isto não ocupamos Luanda. Foi-nos retirado o
apoio de fogo pesado dos dois obuses de 140, abandonados
mais tarde em Ambrizete e transformados em massas de ferro inútil
porque as suas guarnições — evacuadas de helicóptero — levaram as
culatras...
Ali ficamos sob intenso fogo do inimigo. O barulho da onda de
mísseis parecia uma terrível e contínua trovoada. Os Comandos Especiais
ficaram colados ao terreno e impedidos de dar resposta.Ali
ficou só um punhado de Comandos Especiais no dia 10 de Novembro,
véspera do dia fixado para a independência. Tudo havia retirado. Do
nosso posto de observação sobranceiro à cidade que não
havíamos podido alcançar, vi sair do porto de Luanda a fragata que
levava as autoridades portuguesas. Eram quatro horas e meia da tarde do
dia 10 de Novembro de 1975.
Os Comandos Especiais olharam o silencioso afastamento daquela
fragata que levava no convés apinhado de gente os últimos restos de uma
presença de cinco séculos. As lágrimas de raiva e de
impotência rolaram pelas faces dos Comandos que o sol de Angola
curtira. A fragata lançou ferro no limite das águas costeiras e ali
ficou parada até à meia noite. Num arremedo de macabra farsa, à
meia noite em ponto, esse navio da Armada Portuguesa iluminou em
arco e salvou a terra...Depois, como que num silêncio de vergonha,
fez-se ao largo.
Gilberto Santos e Castro
A BATALHA DE LUANDA? (uma História mal contada)
Considerada como registo de factos memoráveis, a História (tanto a
que é escrita como a que é reproduzida oralmente) nem sempre é isso. Já
que, com frequência, ela é adornada com omissões,
acréscimos, desvios e quejandos ou mesmo – o que é ainda mais grave –
com insucessos acobertados com roupagem factual. Os quais são fruto,
nuns casos, de ignorância ou de lapsos de memória,
involuntários ou não; e, noutros, são de entender-se com propósitos
deliberados de contornar a verdade para fazer valer a mentira.
Não é de admirar que seja assim: afinal, quem protagoniza, escreve ou reproduz a História é sempre um ser humano, igual àquele que, expulso do paraíso por ter acreditado na "mentira da serpente", ficou por certo condenado, "ad vitam aeternam", a jamais conhecer a verdade na plenitude.
Da História antiga pouco se conhece nesse particular, mas da contemporânea os exemplos dessas omissões, acréscimos, desvios, etc, e sobretudo de insucessos apresentados como factos são múltiplos e estão à mão de semear. Constituem elas as chamadas "mentiras históricas", algumas das quais, como as ditas "armas de destruição maciva de Saddam" e o "11 de Setembro", foram tão estrondosamente badaladas por esse mundo fora, que ainda hoje, tanto tempo já passado, têm ressonâncias que quotidianamente nos torturam os ouvidos.
Como é óbvio, este nosso milenar Querido Portugal, sujeito como é também da História, não podia ser uma excepção, nesse particular. E não é efectivamente. Pois aqui também abundam e proliferam quotidianamente casos semelhantes acima referidos. Os quais ao assumir aspectos verdadeiramente escandalosos, sobretudo quando os desvios, os acréscimos, as omissões e as mentiras com que são enfeitados se relacionam com factos de ocorrência recente, possibilitando portanto fáceis testemunhos contraditórios.
Exemplo disso tudo podem ser encontrados facilmente, no pouco ou nada que se tem escrito e bem assim no muito que se tem dito, sobre esse momento da História do nosso País, a que se deu o nome de "descolonização". E muito particularmente na que envolveu Angola, onde o confronto de interesses foi sempre tão grande e tão imperante, que acabou, na maioria das vezes, por justificar a ausência daquilo que a História sempre exige: a isenção e a verdade.
Vem-nos momentaneamente, à memória, alguns de entre os mais gritantes. Ei-los:
– O início da rebelião contra o regime colonial, que uns atribuem ao "4 de Fevereiro" e outros ao "15 de Março", ambos ocorridos em 1961, quando na realidade, a História identifica-o com o que se passou na Baixa do Cassange em 1960 ou até mesmo com a "marcha dos tocoistas" contra São Salvador do Congo, ocorrido duas décadas antes;
– A "ponte aérea que, em 1975, transportou centenas de milhares de portugueses de Angola para Lisboa, a qual muitos dizem ter sido ideia do governo português de então, quando na verdade foi ela engendrada, financiada e organizada por uma potência estrangeira, os Estados Unidos da América, que antes havia feito tudo para correr com os europeus das suas colónias;
– O acordo de que raramente se tem ouvido falar, celebrado num jantar de um café restaurante da rua da Ópera em Paris, com a participação de Mário Soares, Álvaro Cunhal – que receberam cada um, 1 milhão de contos para que os seus respectivos partidos privilegiassem os movimentos pró-maxistas que existiam nas colónias portuguesas – e Boris Ponomorof, membro do então Governo Soviético, que impôs à "descolonização" o rumo político, que ela cumpriu.
A BATALHA DE LUANDA?
Tudo o que acima se afirma exprime a reacção que experimentámos quando, bem recentemente, tivemos a oportunidade de ver, num dos canais da TV Cabo, um documentário em que se fala da descolonização de Angola e muito particularmente da luta que se travou entre o MPLA e alguns dos seus opositores pela posse de Luanda. Luta que, tendo tido o seu auge a escassos dias da data da proclamação oficial da independência – 11 de Novembro de 1975 – ficou conhecida como a batalha de Luanda.
Além do relato das principais ocorrências, esse documentário foi completado com opiniões interpretativas, formuladas pessoalmente por um grupo de oficiais reformados das nossas Forças Armadas do qual se destacam dois:
– O Contra Almirante Rosa Coutinho e o
– O Brigadeiro Pezarat Correia
Um e outro com permanência em Angola, no "posto 25 de Abril", mas ali afastados muito antes da data da independência.
O documentário comporta, naturalmente, o que já não é surpresa, ou seja, os costumeiros desvios, omissões, contornos, e até mesmo inverdades com vestimenta factual. A mais escandalosa das quais foi expressa por aqueles dois conhecidos militares, que com o ar mais natural deste mundo, juraram e sacramentaram que foram tropas do MPLA, que, com a colaboração de alguns cubanos, enfrentaram, combateram e acabaram vencendo as forças da Oposição que, sob o comando do Coronel Gilberto Santos e Castro se propunham tomar de assalto Luanda, para impedir a proclamação da independência por parte do MPLA.
Repetimos: a versão formulada não tem visos de verdade e, como se disse, assume contornos de escândalo e mesmo de injúria, tanto mais reprovável quanto é certo ela atingir a honra de alguém que, por não ser já deste mundo não pode ripostar.
Assim sendo e em nossa opinião, a única forma de minorar ou mesmo anular os efeitos dessa injúria é reconstituir os factos, tal como ocorreram e com a caução de testemunhos presenciais, que ainda hoje e a qualquer momento, podem ser invocadas. É, pois, o que a seguir fazemos procurando respeitar o trajecto cronológico, para, deste modo, melhor entender tudo o que se passou.
O fim da luta armada em Angola ficou consagrado no acordo celebrado em Alvor (Algarve) no final de Janeiro de 1975, Acordo pelo qual se estabeleceu um governo de transição tripartido – Portugal e os três movimentos de libertação angolanos – a quem foi incumbida a tarefa de gerir o país até à data da independência marcada para 11 de Novembro desse mesmo ano.
Durou pouco esse governo. A rivalidade entre as três formações angolanas, a ambição pelo mando absoluto e também a passividade da parte portuguesa conduziram rapidamente à sua falência total. Surgiram e multiplicaram-se, um pouco por todo o lado, casos de violência envolvendo as três partes angolanas, de tal modo que, no final de Agosto desse ano, o MPLA já era senhor absoluto da capital, de onde havia expulsado sem mais aquelas os representantes da UNITA e da FNLA.
A opinião generalizada que então se formou, nessa altura, tanto em Angola como fóra, era de que, assim tendo procedido, o MPLA estava a preparar-se para, em 11 de Novembro, proclamar unilateralmente a independência, na expectativa de que a passividade da opinião pública, tanto interna como a externa, ajudasse a consagrar a ilegalidade.
Esqueceu-se, porém, Agostinho Neto, o então líder do MPLA. que, com a descoberta do petróleo, acontecida anos antes, Angola passára a estar sob vigilância cerrada que, então como agora, controlam a produção e o comércio do crude à escala mundial. O resultado dessa falha de memória foi que, pouco tempo depois, Angola era, sem mais aquelas, invadida por uma força militar sul-africana procedente da Namíbia. A qual, depois de tomar, sucessivamente, as cidades do Lubango, Benguela e Lobito, avançou em direcção a Luanda. Onde, no entanto, não chegou a entrar, já que ao atingir as margens do rio Quanza (a cerca de 200 kilómetros da capital) foi mandada parar.
Por ordem de quem e porquê? Ocorre naturalmente perguntar?
Segundo fontes diplomáticas sul africanas desse tempo, Washington, que havia sugerido a invasão, fora quem formulára essa espécie de contra-ordem, acompanhada de um novo pedido: que os sul africanos transferissem parte do material bélico que transportavam para um outro grupo armado, que, constituído por guerrilheiros da FNLA, soldados zairenses disponibilizados por Mobutu e alguns voluntários portugueses, e sob o comando do Coronel Santos e Castro, se encontravam, nessa altura, a assediar Luanda pelo Norte, com o objectivo de a tomar, antes da data da proclamação da independência.
Uma vez na posse do material cedido pelos sul-africanos , que incluía três peças G5 – fabricadas na RSA e capazes de atingir objectivos localizados de até 50 Kms – (chamados n'gola kiluando) Santos e Castro começou a preparar o ataque e a tomada de Luanda concebido nos seguintes termos: bombardear primeiro, utilizando as peças cedidas, com vista a estabelecer o pânico entre os defensores e a população da capital e, a seguir, realizar o assalto por terra. Plano que, uma vez concebido, foi divulgado via Kinshasa, com vista naturalmente a desmoralizar ainda mais o inimigo.
Sendo assim, no dia 6 de Novembro, depois de ter tomado a vila de Caxito, estabeleceu-se ele com os seus homens no Morro da Cal – uma pequena elevação de terreno situada a cerca de 30 Kms de Luanda e dali fez três disparos dos G5 contra a capital. Dos quais um atingiu a pista do aeroporto, outro caiu na baía e o terceiro atingiu a refinaria de petróleo do Alto da Mulemba, provocando um incêndio, que acabou por ser dominado.
A estratégia resultou em pleno: o pânico previsto estabeleceu-se e generalizou-se, e, naturalmente começaram a circular boatos os mais diversos, um dos quais um concebido em termos de suscitar histeria colectiva e pavor. Eles os "fenelas" – assim o vulgo luandense chamava aos homens de Holden Roberto – vão entrar e vão degolar todos: pretos brancos e mulatos.
Entretanto, as horas e os dias foram passando nessa terrível expectativa que se ia acentuando à medida que, um pouco por todo o lado na cidade, se ia escutando sons de disparos, resultantes do confronto que se ia verificando amiúde entre grupos de soldados que Santos e Castro ia mandando avançar em missões de sondagem do terreno e os militares que o MPLA tinha colocado fora do perímetro urbano da capital com missões de entreter o inimigo para deste modo possibilitar o envio de reforços.
Chegou-se finalmente a 11 de Novembro, dia marcado para a proclamação da independência, sem que no entanto se houvesse realizado o prometido assalto à capital. Mesmo assim, o pânico generalizado imperava e manteve-se sempre desde o nascer ao pôr do Sol desse dia histórico, durante o qual o único facto de registo sucedeu cerca das 16 horas, quando o alto-comissário representante da soberania portuguesa, um militar de alta patente português, General Silva Cardoso, mandou arrear a Bandeira das Quinas que encimava o velho palácio da cidade alta, dobrou-a e, com ela debaixo de um dos braços, tomou o caminho da Ilha de Luanda, onde o aguardava um navio de guerra, para o trazer de regresso definitivo a Portugal.
Deste modo inesperado e ademais ridículo e triste se concretizou o episódio final de quase cinco séculos de Histórial!!!
Entretanto, e porque a crença generalizada era de que os homens de Santos e Castro ainda poderiam atingir Luanda, a cerimónia oficial da proclamação da independência, marcada inicialmente para as 17 horas desse dia, foi sendo sucessivamente protelada e acabou por ter lugar só em plena noite e de uma forma algo improvisada.
Assim e apesar de todas as promessas e ameaças, os homens do coronel falharam: nem entraram na cidade nesse dia nem posteriormente realizaram qualquer tentativa nesse sentido, preferindo antes deixar os arredores da capital e empreender uma retirada em direcção à fronteira com o Zaire.
Porque esse falhanço, porque tudo isso? Importa perguntar?
A resposta ouvimo-la já aqui em Lisboa. Primeiro da boca do Coronel Santos e Castro, poucos meses antes da sua morte; e logo a seguir, por intermédio de alguns portugueses e angolanos, que foram seus companheiros nessa aventura. E tivemo-la confirmada, mais tarde, pelas mesmas fontes diplomáticas sul-africanas atrás referidas. Ei-la, pois, reproduzida de forma sintética mas clara.
Na madrugada do dia 9 de Novembro e cumprindo o plano que estabelecera, o Coronel Santos e Castro dirigiu-se à tenda onde se albergava Holden Roberto, o Presidente da FLNA, para lhe comunicar que ia imediatamente pôr a funcionar os G5 e iniciar o bombardeamento da capital. E foi então informado que estava impossibilitado de o fazer, já que, um pouco antes, os artilheiros sul-africanos haviam desmantelado as culatras dos G5, tornando-os inoperacionais, embarcando a seguir num helicóptero que os transportou para bordo de um navio do seu país que os aguardava ao largo do porto de Ambriz. E isso no cumprimento de uma exigência imposta de Washington a Pretória.
Dito isto, só resta a lógica conclusão final. Não foram pois os homens do MPLA que impossibilitaram a tomada de Luanda pelas forças comandadas pelo Coronel Santos e Castro.
Nada disso. A responsabilidade do insucesso cabe a outro. E quem é ele? Resposta é inequívoca. Esse mesmo que, desde sempre, se notabilizou por promover guerras e fazer delas um negócio altamente lucrativo para si próprio: Os Estados Unidos da América.
(*) Coronel de Cavalaria