Poesia Africana
CARMO FERREIRA
Lourenço do Carmo Ferreira, Angola século XIX-XX. Poeta e jornalista.
SONHO
SONHO
Aos angolanos — Meus Patrícios)
Sonhei. E foi um sonho ingente, terrível,
um átomo do Nada tocando o Impossível.
Era Nero que curvava aos pés dum cristão
sua frente abatida em muda expiação.
Oh! Sim; — vi lasciva, devassa Messalina
cingir duma vestal a veste diamantina.
Eu vi César tremer em face de Pompeu
de velho vi cair o imenso Coliseu.
Vi Alexandre feito cobarde e pequeno;
vi Sócrates tremer em face do veneno.
Vi após Albion saudar Carlos coroado;
vi Monch a reinar e vi Cromwell degolado.
Vi Pompadour humilde, Du Barry tremente;
e vi Richelieu tornando-se clemente.
Vi o Papa empunhar o bordão de mendicante;
vi Loyola chorar, Lutero suplicante.
Vi Pombal que curvava a frent'ant'a cruz
da seita tenebrosa e escura de Jesus.
Em Waterloo eu vi com raiva sublimada
Bonaparte vencendo a Europa coligada.
Vi Danton, Marat negarem a Igualdade,
a Justiça, a Razão, cuspirem na Verdade!
Vi Hugo desprezar de um Deus a equidade
Lamartine, monarcha, Voltaire feito frade.
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E vi, sonho sublime! — em célico clarão!
ressurgir Angola em meio da escuridão!..,
Oh! Fontes, ao clarão duma aurora virginal
vi realizar-se o teu íntimo ideal!
Vi então Angola das vascas d'agonia
erguer-se esplendorosa à luz de um novo dia.
Vi envolta em hórrida, infecta podridão
a vilania, o crime, a vil escravidão!...
Vergonhosa e corrida a pérfida canalha
que volvia à condição servil da gentalha.
Reinava a harmonia; o Sol da Igualdade
já de luz inundava a livre humanidade.
E minh'alma sorria e sentia em meu peito
o bem-estar imenso do amor satisfeito.
E que belo deve ser para o peito angolano
ver vingar o Direito e a queda do tirano?
Que belo é pois viver numa família imensa
guiados pela Fé, unidos pela Crença?!...
Tudo isto antevia no sonho fabuloso
envolto num clarão, eterno, luminoso.
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Porém, quando acordei, a negra realidade
mostrou-se bem crua:
nula era a Igualdade,
utopia o Direito e zero a Liberdade!...
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