quarta-feira, 5 de maio de 2010

Angola 1820-1890 por Júlio Alves Victor

(continuação)

b) Os Núcleos Coloniais Portugueses

O Território


As «fronteiras... eram, aliás, pouco estáveis...» [mas a “colónia”, como Dias lhe chama, não tinha então fronteiras, pois] «foi só em 1887 que o governo colonial se empenhou na tarefa de fazer um levantamento topográfico dos limites da sua autoridade efectiva.»
(24)


Administração

Em 1825 exercia-se nos reinos de Angola e Benguela, com uma população total entre 250.000 e 300.000,25 mas estimada incertamente, já que os sobas baixavam os números para fugir ao imposto e «a autoridade administrativa» também, para poder desviar valores recebidos.
(26) Os presídios [povoações comerciais providas de forte], com guarnições comandadas por ‘capitães-mores’, eram dez até meados do século XIX: Muxima, Massangano, Cambambe, Ambaca e Calandula (ou ‘Duque de Bragança’, ambos extintos em 1839), Pungo Andongo, S. José do Encoje; Benguela, Caconda e Novo Redondo; a presença militar no Bié, Caconda e Quilengues datava do governo [(1764-1772) de D. Francisco Inocêncio] de Sousa Coutinho; Caconda era para o sul de Angola o que Ambaca era para o norte. (27) Havia em 1820 treze distritos sob a chefia de ‘regentes’: dependentes de Luanda estavam Barra do Bengo, Barra do Dande, Barra do Calumbo, Dande, Icolo e Bengo, Zenza, Quilengues, Dembos e Golungo; de Benguela, eram Dombe Grande, Quilengues, Huambo, Bailundo e Bié. A partir de 1850 tanto os presídios como os distritos foram administrados como concelhos e redelimitados periodicamente, mas já desde 1839 que os capitães-mor e regentes se chamavam ‘comandantes’ e ‘chefes’, respectivamente.

 Nomeavam-se para chefes de concelho, de preferência, oficiais de 1ª linha, porém o pequeno número dos disponíveis obrigava a que para muitos destes postos – mais numerosos a partir de 1830, consequência da redelimitação administrativa – fossem nomeados chefes de entre os moradores nos comandos das companhias móveis de 2ª linha; os cargos, de grande honra e favor «até finais do século», não eram remunerados: os nomeados proviam à manutenção das guarnição dos seus concelhos, cujas chefias obtinham [por ‘comissão’, semelhantemente à prática contemporânea no quadro militar colonial britânico, mas que a Dias parece] por suborno, e eram vistos, segundo comentários contemporâneos, como notoriamente parciais nos seus cargos administrativos, que desempenhavam [legalmente, nesse caso] em seu proveito (28) e remuneração[ou seja, ‘em espécie’]. Enquanto a chefia de alguns concelhos era vitalícia (os das barras dos rios Dande, Calumbo e Bengo), doutros mudava com frequência: Ambaca, por exemplo, teve oito chefes entre 1839 e 1841. (29)

O contingente militar de 1.ª linha era, de resto, diminuto (menos de 2.000 homens, a metade estacionada em Luanda) antes de 1845, e só as características especiais da guarnição provincial [acima criticadas por Dias] e do seu entrosamento com os sobados permitiam semelhante [economia da parte da Coroa graças ao notável] exiguidade de forças convencionais. Dias refere, sem referências específicas, a natureza penal da incorporação de «muitas» das praças da guarnição portuguesa da Província; e de resto, (30) «quase todos... comandantes de presídios, concelhos ou distritos no interior da colónia, complementavam os seus magros salários com lucros do tráfico ou do comércio ilegítimo, apesar de essa actividade lhes ser proibida. Entre os seus negócios incluía-se o fornecimento de víveres e cereais para o mercado de Luanda. Tais bens, muitas vezes extorquidos ilegalmente à população africana sob o seu comando, eram comercializados em estreita colaboração com negociantes e casas comerciais da costa.» Consequentemente a penúria do Governo geral durante a primeira metade do século XIX reflectiu-se não só nas crises fiscais e monetárias das décadas de 1830 e 1840 mas também na vulnerabilidade dos chefes às ofertas da praça: a abastada D. Ana Joaquina chegou a propor ao governador geral o transporte grátis de quinze éguas Montevideo para a guarnição de Luanda. (31)

Os sobados (Dias p. 356): no território sob administração portuguesa pertenciam à Coroa [era crown lands, para usar o termo inglês] por direito de conquista e comprometiam-se pelo undamento «a observar a fé cristã... [a pagar o] dízimo e ao fornecimento de mão-de-obra para o comércio, a guerra... em troca do reconhecimento português da sua legitimidade...» As estruturas internas do poder tradicional haviam-se alterado desde a Conquista pela tomada do poder e legitimação no século XIX [não muito antes?] de famílias dominantes dos sobados e ligadas à «colaboração com os Portugueses». As aldeias eram consideradas livres nas «fontes coloniais», embora [?] sujeitas aos sobas e não se distinguindo naqueles «as diferentes categorias de parentes, clientes e escravos de que se compunham...» 

(continua...)

24. Não se faz qualquer referência à evolução da política europeia de tornou este passo necessário, como se se tratasse de um “desmazelo” das autoridades: perde-se assim o próprio significado histórico do termo ‘colónia’ e justifica-se o uso do termo errado! Vd. referências em Dias: J.C. Feo Cardoso de Castelo Branco e Torres – Memórias contendo a biografia do vice-almirante Luís da Motta Feo e Torres, a História dos governadores e capitães generaes de Angola desde 1575 até 1825, e a descripção geographica e política dos reinos de Angola e de Benguella, Paris 1825.
25. Dias refere Mapas estatísticos dos presídios no ano de 1819, A.H.U., Angola, cx. 138, doc. 17; Mapas de população (re. 820), A.H.U., Angola cx 139; Mapa do reino de Angola, 20.06.1827, Ibid. cx. 156; Mapa estatístico da população de Angola, 1862, ibid. CG; José Acúrcio das Neves – Considerações políticas e comerciais sobre os descobrimentos e possessões dos Portugueses em África e Ásia, Lisboa 1830, p. 202; José Joaquim Lopes de Lima – Ensaios sobre a estatística das possessões portuguesas, Lisboa, Imprensa nacional 1846, vol. III, 4-A; Tito Omboni – Viaggi nell’Africa occidentale, Milão 1845.
26. Opinião a priori, assumindo a desonestidade universal, e geralmente sem recurso a referências.
27. Ralph Delgado – A Famosa e Histórica Benguela: catálogo dos governadores (1779-1940), Lisboa 1940; Ibid – A Sul do Cuanza; A. Albuquerque Felner – Angola: Apontamentos sobre a colonização dos planaltos e litoral do sul de Angola, 3 vols., Lisboa 1940.
28. Relatório do G.G. para o exercício de 01.09.1882 a 01.09.1883 in ‘Angolana’, vol I pp. 650-651.
29. J. Saraiva da Fonseca – Descripção de uma viagem de Luanda a Ambaca, 1843, A.H.U., sala 12, maço 5.
30. Requerimentos<, 1841, A.H.U. (A-J); Junta de Fazenda de Angola – Ofício 597 de 27.10.1848 da ibid. CG Angola, pasta 14; Anne Stamm – La Societé Créole à Loanda (1836-1848) in Revue Française d’Histoire de Outre-Mer, LIX (1972), n.º 217, p. 589.
31. GG – Ofício n.º 116 de 28.10.1339, A.H.U., CG pasta 2-C. 

http://www.angola-saiago.net/1820ao3.html

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