sexta-feira, 17 de setembro de 2010

MUNDO LUSÓFONO» » Boletins Oficiais das Colônias por Esmeralda Martinez




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Já estava mesmo pensando nisto, mas hoje decidi escrever e publicar a matéria, após ler um artigo sobre o Boletim Oficial da Guiné postado por Emerson Santiago
Faço o doutorado em História da África na Universidade de Lisboa e, por isso mesmo, tenho de identificar as fontes e procurar onde elas estão.
É mais de que evidente que os Boletins Oficiais das Colônias – Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé, Timor, Guiné são fontes inesgotáveis de informações sobre estes países enquanto colônias portuguesas, daí que se tem de achá-los e analisá-los como cabe a um historiador, mui principalmente aqueles que, no meu caso, têm como tema da pesquisa a legislação colonial sobre o trabalho indígena e a aplicação da justiça a estes mesmos indígenas.
É sem dúvida nenhuma um trabalho imenso de concentração, sistematização e interpretação, mas os resultados são extraordinários. Apesar da oficialidade do conteúdo das informações contidas nos Boletins, não há como não admitir que ele revela muito do que esta história oficial procurou esconder. Nas entrelinhas das declarações, relatórios de governantes, (e olhe que era o que não faltava no período colonial), relatórios de justificação de leis, acórdãos dos tribunais da Relação, circulares de governadores, comissários, despachos de mero expediente, actas dos conselhos de governo, nomeações de funcionários e tantos outros atos que ali eram publicados, podemos observar o quão de resistentes foram os africanos.
As medidas que são publicadas nos Boletins, se alguma tem motivos exclusivamente políticos partidários, porque foram publicadas muitas leis que apenas mudavam a numeração dos artigos, tão somente para que aqueles que agora estavam nos Ministérios responsáveis pelo Ultramar (Marinha e Ultramar, das Colônias) e outros que com este tinham ligação, pudessem mostrar a que vieram, outras demonstram o muito que a legislação teve de ser modificada exatamente porque não havia como ser aplicada pela falta, não só de recursos financeiros quanto pessoais, como, também, pela resistência dos indígenas em aceitar tais medidas.
Um exemplo disso são as leis estabelecidas para o recrutamento de mão-de-obra, que mudavam para evitar as estratégias utilizadas pelos indígenas para não cumprirem a obrigação. Outro exemplo é a lei referente à cobrança do imposto de palhota, que em muitos momentos foi modificada para estabelecer o que era considerado como palhota, quem era o contribuinte do imposto, e a punição para aqueles que tentavam burlar a lei. Estes são pequenos exemplos do que podemos alcançar lendo e interpretando o que consta nas informações oficiais contidas nos Boletins.
Os relatórios de viagens publicados nestes Boletins são extraordinárias fontes, comprometidas bem verdade, em razão do ufanismo colonial, em que se valorizavam mais e mais as dificuldades e a maneira como elas foram vencidas, pois isto poderia valer uma promoção ou uma medalha, (lembrando que os responsáveis por estas viagens de exploração e conquista eram militares), de que as informações que trouxessem a realidade da vida dos habitantes, que aos moldes ocidentais, eram bárbaros e assim sempre foram tratados, mas que se analisados com um pouco mais de calma, observando-se o que se tentou ocultar, nos dá grandes esclarecimentos sobre a cultura dos povos africanos habitantes da África lusófona.
E onde encontrar esta fonte tão importante? Em vários sítios em Lisboa: Primeiramente no local mais indicado para tal: o Arquivo Histórico do Ultramar, depois, Biblioteca Nacional, terceiro, a Sociedade de Geografia de Lisboa, em quarto a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Há muitos outros espaços em que você pode encontrar tais fontes, mas estes eu garanto, porque estive e sempre estou em todos. Nos três primeiros, você encontra todos os números editados; na última, ou seja, na Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, você encontra os números publicados, pelo menos no que se refere ao de Moçambique, após 1913.
Gosto, particularmente, de vê-los nesta última biblioteca, dado a facilidade do acesso, porque ali você pode ir diretamente à estante e pegar o número do boletim que necessita. Esta facilidade traz muitas vantagens, inclusive a de descobrimos coisas que não estamos à procura: o nome de um Juiz que foi suspenso, um administrador que foi punido por maus tratos aos indígenas, informações que só se tem acesso quando temos o boletim inteiro na nossa mão, a qualquer momento, e podemos manuseá-lo à vontade. Melhor ainda quando uma lei remete a outra que esta contida em outro boletim, é só ir à estante e pegá-lo, sem quaisquer intermediários, o que facilita, sem dúvida alguma, o trabalho do pesquisador.
Recomendo, pois, a Biblioteca da Faculdade de Direito se a sua pesquisa for após o ano acima indicado. Nesta Biblioteca você também tem acesso a todas as leis coloniais que pretender pesquisar, porque todos os Diários do Governo estão ali arquivados e há inúmeras coletâneas de leis, coloniais ou não, a que você tem este fácil acesso. Pense que eu já tive nas mãos coletâneas de leis do século XVIII, XIX e também anteriores, uma maravilha para os aficionados, junte-se a isto as obras doutrinárias do período colonial de portugueses e de outros autores de nacionalidades diversas.
Entretanto, embora seja o Arquivo Histórico do Ultramar o arquivo oficial para as informações das colônias, (ultramar português) não há nada comparado ao acervo da Sociedade de Geografia de Lisboa, comprometida ou não com toda a política colonial, ali há um acervo cultural sobre a África, e não só ela, do qual ninguém pode se queixar, pois é um manancial de informações incomparável, pena que tenha poucos funcionários, e há horário limitado, e você não tem acesso aos livros a não ser pela mão do bibliotecário, pior ainda, o fato do acervo não está todo informatizado, mas nada disto diminui a importância desta casa, e todos aqueles que têm interesse em conhecer a história da África colonial há que se render a este monumento cultural que é a SGL.
É! Por enquanto fico por aqui, mas tenho muitas outras informações sobre onde encontrar fontes históricas em Lisboa. Um dia, quiçá, vou saber onde elas se encontram em todo o Portugal, porque a cidade do Porto guarda muitas delas sobre o período colonial, fontes que podem, inclusive, e com sorte, serem encontradas nos alfarrabistas da cidade. Não podemos esquecer-nos de Coimbra, criatório de muitos colonialistas, fonte de doutrina colonial que não podemos dispensar no estudo da África lusófona no período colonial, também não podemos descartar as pequenas bibliotecas de bairros, a exemplo da de São Lázaro, onde encontrei verdadeiras obras originais sobre as colônias.
Esmeralda:
é brasileira e doutoranda em História da África pela Univerdade de Letras de Lisboa. Ela utilizou a opção "envie um artigo!" para colaborar com esta conversa na lusofonia. Faça como ela e participe!

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