domingo, 19 de dezembro de 2010

ANGOLA: A DERRADEIRA BATALHA

            

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O autor
        
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Editorial Inquérito, Ldª
Distribuição: Publicações Europa América
http://www.europa-america.pt/
Gerenal Gonçalves Ribeiro
                                                                                                                                            CAPÍTULO 37
A DERRADEIRA BATALHA
Neste excelente livro o autor relata minuciosamente o que se passou com a descolonização de Angola. Sugerimos vivamente a sua leitura a todos aqueles que estão interessados em saber a verdade sobre a descolonização e guerra em Angola. Como o livro tem copyright e não será fácil de adquirir àqueles que vivem em Angola, solicitamos a complacência da Editora e do Autor. Obrigado.
Pag. 279-384. Embora escassas as notícias, raras as informações e difusos os ecos que chegavam a Luanda sobre o que se passava na vastidão do território angolano, após se haver acentuado a retracção do dispositivo das nossas unidades e, bem assim, o regresso da esmagadora maioria das autoridades administrativas a Portugal, era ainda possível acompanhar e perceber as grandes movimentações militares das forças dos três Movimentos que antecipavam a derradeira batalha pelo domínio da capital no dia 11 de Novembro.
Coisa diferente foi a posterior, paulatina e sistemática recolha de informações ou a investigação de documentos diversos que permitiu, a quantos se debruçaram sobre este período dramático da descolonização de Angola, entretecer análises e defender teses, procurando explicar ou fundamentar o que então aconteceu.
Aos que então nos encontrávamos em Angola, os dias que antecederam a independência demoraram séculos. De princípios de Outubro a 10 de Novembro, acelerava-se a Ponte Aérea e o seu complemento, a Ponte Marítima, multiplicavam-se os esforços de Portugal na tentativa desesperada de uma qualquer plataforma de entendimento entre, no mínimo, dois Movimentos que propiciasse a transferência do poder, e sabíamos, no meio de tudo isto, que algo de muito sério estava para acontecer em termos de confrontos militares.
Era com efeito cada vez mais perceptível que para o MPLA e a FNLA o grande objectivo político e estratégico a preservar ou a atingir no dia da independência era a cidade de Luanda. A par deste objectivo essencial, o Dr. Agostinho Neto orientava o esforço militar das FAPLA no sentido de assegurar ou reforçar o domínio do seu Movimento no eixo Luanda - Salazar/Dalatando - Malange - Henrique de Carvalho/Saurimo - Luso / Luena e ao longo da faixa litoral para sul até Moçâmedes.
Holden Roberto, arrogante, com as suas forças agrupadas a escassos quilómetros da capital e ameaçando, a partir da linha Caxito - Úcua – Bula Atumba - Samba Caju, o eixo Luanda - Malange, não se contentava em chegar ao dia da independência numa posição politicamente confortável que lhe permitiria, talvez, negociar, em condições difíceis para o MPLA, a sua participação no futuro do novo Estado.
Aparentemente eufórico, supunha-se detentor de capacidade militar que lhe permitiria varrer o MPLA de Luanda. A UNITA, com Savimbi, tirava partido do afrontamento directo entre ambos os contendores e, apesar de incapaz de se estender até ao Luso / Luena, a oriente, ou assegurar o domínio da região Benguela - Lobito, a ocidente, consolidava as suas posições, em conjunto com a FNLA (Chipenda), no planalto central, Nova Lisboa / Huambo - Silva Porto / Cuito e tentava instalar-se na parte sul do território.
No terreno, visíveis, as forças da FNLA, do MPLA e da UNITA nas localidades e nas regiões já conhecidas, mantendo-se o Alto Comissariado mais ao corrente dos desenvolvimentos na frente norte, frequentemente patrulhada por aviões "Fiat" G-91, da Força Aérea, em situação de risco, de que foi exemplo uma destas aeronaves, atingida quando efectuava, em 14 de Outubro, um Reconhecimento à Vista (REVIS) sobre a região de Quifangondo.
A grande ameaça da FNLA sobre Luanda era apoiada, à retaguarda, pelas bases logísticas e de comando e controlo localizadas em Carmona / Uíge e no Ambriz, sendo o esforço principal exercido na área de Quifangondo, próximo da foz do rio Bengo, onde as forças do ELNA já ocupavam posições a sul de Porto Quipiri, uma povoação a escassos 40 kms de Luanda.
Armada pela República Popular da China e pela Roménia, a FNLA era apoiada por forças zairenses e um número indeterminado de mercenários (algumas dezenas? talvez centenas?). Na estrutura militar da FNLA ocupava lugar de destaque o Tenente-Coronel Gilberto Santos e Castro. Contava ainda com o apoio evidente, se bem que encoberto, da Administração norte-americana, de parte significativa dos países da OUA e também da África do Sul.
A intervenção da África do Sul cedo se revelou na área do complexo hidroeléctrico de Ruacaná, um projecto desenvolvido e construído em cooperação com Portugal, localizado no rio Cunene, na fronteira sul de Angola. A principal barragem havia sido construída 50 kms. a montante das famosas "quedas de Ruacaná", em Calueque, uma povoação distante 20 kms da fronteira, em linha recta. Esta barragem não só regulava o caudal do rio, como também fornecia água para largas extensões do Sudoeste Africano, através de um sistema de canais que se estendiam por algumas centenas de quilómetros.

Barragem de Calueque (foto Net)
As turbinas haviam sido implantadas próximo de Ruacaná, na margem do rio pertencente ao território vizinho. Em princípios de Agosto de 1975, foi notada, pela primeira vez, a presença de forças sul-africanas no complexo Ruacaná-Calueque. Nos termos do convénio estabelecido entre as duas partes, Portugal assumira a responsabilidade de garantir a segurança da barragem, função que passou a ficar cometida a um destacamento militar ali aquartelado em permanência.
No entanto, o plano de retracção do dispositivo territorial e a decorrente e sistemática concentração de unidades, implicaram a recolha definitiva da pequena força ali destacada à sede militar de que dependia. Consequência imediata desta decisão foi o abandono do pessoal técnico responsável pela operação e manutenção da barragem de Calueque, e não só os de origem portuguesa.
O que sobreveio foi mais um exemplo da situação corrente, naqueles tempos, em Angola. O Movimento dominante na área, neste caso a UNITA conjugada com a FNLA (Chipenda), substituiu-se ao destacamento militar português, ameaçada de perto pelo MPLA que, em fins de Agosto, expulsava as forças de ambos os Movimentos da cidade de Moçâmedes (a cerca de 500kms ao longo da estrada secundária Virei - Oncócua - Chitado -Ruacaná), após haver assegurado, previamente, o controlo de Sá da Bandeira/Huíla (420 kms a noroeste de Calueque, distância servida por estrada da rede viária principal a partir do Humbe).
Portugal encontrava-se em situação particularmente delicada; não podendo deixar de protestar, através do nosso embaixador em Pretória, contra a presença das forças militares sul-africanas em território angolano, era-lhe difícil justificar o abandono da segurança a que se comprometera na barragem de Calueque e, simultaneamente, via-se forçado a solicitar ajuda para os milhares de portugueses refugiados quer no Sudeste Africano, quer no território da África do Sul.
A partir daqui, tudo se precipitou, infirmando ou apoiando as escassas análises em que participei no Alto Comissariado sobre as hipóteses de envolvimento ou não da África do Sul no conflito angolano. O completo isolamento a que este país se encontrava votado na cena internacional e a presença dia a dia mais activa da SWAPO eram os argumentos entendidos como mais relevantes para circunscrever a presença militar sul-africana à área de Calueque; por outro lado o receio de ver surgir em Angola um santuário para a SWAPO, a eventual constatação de que muitos países da OUA não veriam com bons olhos uma presença russo-cubana em Angola e os pedidos de apoio muito possivelmente emitidos pela FNLA e UNITA poderiam levar os seus dirigentes a avançar, mas, nesta última hipótese, tão só para desviar forças do MPLA e de cubanos da defesa de Luanda e nunca para se envolver directamente na batalha pelo domínio da capital.
Em fins de Agosto, o Encarregado do Governo do Cunene informava que uma força constituída por algumas centenas de combatentes, mercenários portugueses e sul-africanos, teriam atacado Pereira d'Eça/Ondjiva com o apoio de blindados e helicópteros. Em consequência, a guarnição militar portuguesa de Sá da Bandeira/ Huíla, 400kms a noroeste, pedia instruções quanto à atitude a tomar no caso daquela força avançar até à cidade.
Aviões da Força Aérea foram deslocados, temporariamente, para a área e, em princípios de Setembro, um dos pilotos relatava que nenhum movimento de forças hostis havia sido detectado ao sobrevoar a povoação de Roçadas (100 kms a noroeste de Pereira d'Eça/Ondjiva e cerca de 500kms a sudeste de Sá da Bandeira/Huíla.
Em meados do mês, recebia-se em Luanda cópia da correspondência trocada entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e as autoridades de Pretória relativamente à situação vivida no distrito do Cunene.
Em fins de Setembro, o MPLA informava o Alto Comissário de que um dos seus comandantes, de etnia cuanhama, havia presenciado a ocupação de Pereira d'Eça / Ondjiva por forças combinadas da UNITA, FNLA (Chipenda) e também SWAPO; alguns dias depois, nova informação, com a mesma origem, denunciava a presença de forças sul-africanas em Virei, 130 kms a sudeste de Moçâmedes.
Estas informações, não recortadas, pecavam por manifesta ausência de rigor; logo nos primeiros dias de Outubro, recebia-se a indicação de que o MPLA reocupara Pereira d'Eça/Ondjiva. Todavia, em 24 de Outubro, chegavam informações fidedignas de que forças sul-africanas se haviam apoderado de Sá da Bandeira / Huíla. Quatro dias depois, a fragata Hermenegildo Capelo, atracada no porto de Moçâmedes, anunciava que, na madrugada do dia 28, a cidade havia sido tomada por uma força militar envergando uniformes do ELNA (muito possivelmente para dissimular ou camuflar a verdadeira origem dos elementos que a integravam).
O capitão Taliscas, ainda presente naquela cidade com a sua companhia de "Paras", informava, no mesmo dia, que a força ocupante era constituída por várias unidades, num total de 600 a 800 homens, dos quais cerca de 30% de raça branca, dispondo do apoio de 26 a 28 blindados.
Na véspera da independência, o avanço imparável desta coluna militar sul-africana havia atingido Novo Redondo, depois de ultrapassar a resistência combinada de forças do MPLA e de cubanos, em especial na região de Benguela - Lobito.
O MPLA foi, dos três Movimentos, o que recebeu de forma explícita, aberta e directa o maior apoio internacional se bem que oriundo, na esmagadora maioria e em termos políticos, do bloco comunista e, na área militar, de dois dos seus países mais representativos, a ex-URSS, fornecedora de largas quantidades de armas e respectivas munições acompanhadas de algum pessoal técnico, e Cuba, donde chegou um importante corpo expedicionário que, em fins de Outubro, se estimava rondar os 2 000 elementos.
As FAPLA passavam assim, pouco a pouco, de uma força de guerrilha a um exército convencional fortemente armado se comparado com o ELNA ou as FALA, dispondo de armas extremamente eficazes para "segurar" uma posição defensiva, como a que estavam organizando, com o apoio dos cubanos, na região de Quifangondo, desde os célebres "órgãos de Estaline", ou sejam os lançadores múltiplos de foguetes BM-21,122mm., os carros de combate T-54 e T-55, para além de armas antiaéreas, viaturas blindadas de reconhecimento e outro armamento convencional.
Recordo que, na madrugada de 28 de Agosto, numerosos blindados do MPLA atravessaram Luanda vindos da Barra do Cuanza; no dia l de Outubro, fora avistada uma extensa coluna na estrada de Catete (saída para o Dondo e Salazar/Dalatando) constituída por cerca de 200 viaturas e 1000 homens para além de material diverso, apoiada por 6 blindados, supondo-se que iria reforçar a 1a Região, a norte daquela estrada e na altura confrontada com as posições ocupadas pela FNLA na linha Caxito - Samba Caju; uma semana depois confirmava-se a presença de navios cubanos em Porto Amboim (cerca de 300 kms. a sul de Luanda pela estrada litoral) desembarcando homens e descarregando material de guerra; a 13 de Outubro, o MPLA começava a montar um sistema de defesa antiaérea na ponta da ilha de Luanda e, finalmente, no dia seguinte, eram referenciados, pela primeira vez, cubanos na cidade de Luanda.
O cenário estava montado. As armas preparadas. As posições ocupadas. O dia D foi marcado, confiadamente, por Holden Roberto para a véspera da data da independência de Angola. Fizera constar que se propunha fazer uma entrada triunfal em Luanda no dia 11 de Novembro.
Os cálculos saíram-lhe complemente errados. O ataque frontal por que ele terá optado, à revelia de alguns dos seus conselheiros militares, contra a bem organizada posição defensiva de Quifangondo, ocupada por forças do MPLA e cubanas, redundou num desastre completo. (Ver "A Batalha de Luanda", uma história mal contada: http://petrinus.com.sapo.pt/batalha.htm )
Luanda não mudou de mãos e a FNLA depois daquele tremendo desaire extinguiu-se, na prática, como organização do mapa político angolano.

http://petrinus.com.sapo.pt/derradeira.htm        

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