Valentim Alexandre Análise Social, vol. xxvi (111), 1991 (2.°), 293-333
INTRODUÇÃO
Durante mais de três séculos, o tráfico negreiro constituiu uma das molas fundamentais do capitalismo mercantil, fornecendo a mão-de-obra necessária às plantações do Novo Mundo e representando em si uma forma importante de acumulação de capital. A fazer fé em estimativas recentes, de 1500 a 1800 foram exportados de África para as Américas cerca de 8,3 milhões de escravos. O ponto mais alto deste comércio corresponde ao século xviii, com quase três quartos do total (6,1 milhões)
1. Neste mesmo século coube à Inglaterra a principal fatia dessas exportações, com pouco mais de 2,5 milhões, seguindo-se-lhe Portugal, com 1,8, e a França, com 1.2. Holandeses, Norte-Americanos e Dinamarqueses tiveram ainda um papel significativo neste tráfico, sendo residual a participação de nacionais de outros países
2. Momento culminante do comércio negreiro, o século xviii é também o período que vê nascer as correntes ideológicas que lhe contestavam a legitimidade, alimentadas tanto pelo pensamento iluminista como pela renovação do pietismo religioso
3. Em Inglaterra, essa contestação dá origem, em finais de
Setecentos, ao movimento filantrópico, que alcançou grande popularidade na sociedade britânica, ganhando por isso uma influência política considerável.Por outro lado, o arranque da revolução industrial inglesa, fazendo diminuir o peso económico e político dos interesses mercantis baseados no exclusivo de que gozava o açúcar das Antilhas no mercado da Grã-Bretanha, abriu espaço à campanha dos humanitaristas ingleses contra o tráfico negreiro, a qual, favorecida
ainda por factores conjunturais nos primeiros anos do século xix, conduziu à ilegalização desse comércio, decretada pelo governo de Londres em 18074.
A partir dessa data, a pressão abolicionista passa a ser dirigida contra o tráfico de escravos efectuado por outros países. Nos anos seguintes, o governo português —instalado no Rio de Janeiro— vê-se obrigado a ceder neste domínio, mas fá-lo passo a passo, resistindo quanto possível: pelo Tratado
Anglo-Português de 1810, para além da promessa da extinção futura, aceitava limitar o tráfico luso-brasileiro à Costa da Mina e às zonas de África sobre que Portugal reivindicava a soberania; em 1815, em convenção negociada durante o Congresso de Viena, comprometia-se a declará-lo ilegal a
norte do equador; e em 1817, por convenção adicional, concedia à marinha de guerra inglesa o direito de visita sobre os navios portugueses suspeitos de exportarem africanos de zonas proibidas. Tal é a situação por alturas da declaração da independência do Brasil, em 1822. Na prática, o tráfico de escravos luso-brasileiros pouco afectado fora por estas medidas, mantendo números altos na década de 20, tanto a partir das áreas onde era legal (Congo, Angola, Moçambique), como das regiões em que estava proibido (caso da baía do Benim)
5.Após a desarticulação do império português, as diligências inglesas tomam como principal alvo o governo do Rio, procurando fazer fechar definitivamente o principal mercado importador. Sobre Portugal —que conservara a posse de importantes zonas de exportação de mão-de-obra africana-—, as pressões de Londres têm até 1834 um carácter pontual, perdendo-se no quadro muito agitado da política portuguesa da época. Mas a questão agudiza-se depois da implantação do liberalismo, ganhando um peso insuspeitado na história nacional, pela forma como afecta quer as relações luso-britânicas, quer a definição e a afirmação de um novo projecto colonial para a África.
É esse peso que vamos procurar medir e explicar nas páginas seguintes.
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