domingo, 29 de abril de 2012

Descolonização de Angola, desmbarque de cubanos, luta entre os movimentos de libertação e fuga dos portugueses...


MEMÓRIAS José Carlos Rodrigues


Imbondeiro (foto do autor)
Entrei hoje casualmente no seu Site e devo dar-lhe parabéns pois está muito bem escrito e documentado com boas fotos.
Em 27 de Outubro de 1975, exactamente da mesma forma e pelos mesmo motivos de todos que vieram nessa altura, o mesmo já depois de independência, enfim também tenho as minha Memórias para descrever e vou fazê-lo quando tiver mais tempo.
Tenho 55 anos de idade, nasci em 1951 e saí de Angola há quase 31 anos. O motivo de lhe mandar este mail, são apenas dois e são os factos que mais marcaram a minha vida: o primeiro, é uma pequena correcção, que de tanto ser repetida em tudo quanto é livro e até documentação oficial, passou a ser verdade, mas a verdade e essa, vivi eu e vi com estes olhos que a terra há-de comer, é que os cubanos chegaram a Angola, não em Outubro mas muito antes, embora já não precisando a data foi em meados de Agosto de 1975, sempre desmentido por todos o canais oficiais da altura e pelo próprio "careca" Rosa Coutinho, que exactamente no dia que os cubanos desembarcaram que foi num sábado, nunca mais esqueço pois foi exactamente em Porto Amboim que eles desembarcaram em solo angolano.
Eu estava na altura em Novo Redondo onde era o chefe da fábrica de algodão do Chingo, estava casado há pouco tempo e vivia numa suite do Hotel Senador na Avenida da Praia.


No dia que fiz um mês de casado em Julho, dia 29, pelas 15 horas da tarde começaram os tiros em Novo Redondo, obrigando a população a resguardar-se durante três longos dias no Palácio do Governo à espera de uma coluna militar portuguesa. Enfim, várias peripécias foram vividas depois disso e acabámos sempre em fuga aos tiros que no Lobito, para onde fomos, quer em Benguela, quer em Nova Lisboa onde fui sozinho porque tinha lá deixado o meu carro a reparar e pintar (uma viagem dramática e cheia de casos onde vi a morte por perto várias vezes).
Mesmo depois disto tudo pensei sempre que sendo angolano deveria ficar na minha terra. Ajudei muita gente a por os caixotes das suas coisas nos barcos do Porto do Lobito, mas nunca pensei vir. Entretanto as coisas acalmaram um pouco em Novo Redondo e eu que tinha prometido e fechar o balanço da empresa onde estava, regressei a Novo Redondo sozinho e fui terminar o que tinha prometido.
Entretanto, como tinha os meus pais e família em Posto Amboim onde nasci, ia aos fim de semana para lá e foi num desses fins de semanada de Agosto quando vim à rua num sábado, vi com os meus olhos todo aquele aparato de militares que se posicionavam de 100 em 100 metros de metralhadoras apontadas às pessoas, e descarregavam e arrancavam de imediato para as frentes de combate de Luanda e Huambo, camiões, carros blindados, tanques e milhares de soldados.
Acredite que ainda hoje vejo e sinto a cena como tal, mais parecendo que estava a ver aqueles filmes da II Guerra Mundial (o material dos cubanos era muito parecido e antiquado).
Fiquei quieto e mudo pois nesse dia perdi a esperança de ficar em Angola e de ver aquela terra evoluir num sentido positivo, convivendo nela toda a sociedade multirracial que ninguém acreditava que existia, mas quem lá esteve sabe que era assim e também sabe que hoje seria um verdadeiro país desenvolvido e com 50 ou 60 milhões de habitantes seria mesmo o maior país de África e um dos maiores do mundo. Mas não deixaram, não quiseram, tiveram medo de mostrar para o resto do mundo que seria possível viveram brancos negros e mestiços todos juntos viverem em ambiente saudável de paz em alegria. Não deixaram!!!
Nesse sábado que parece ontem ainda, cheguei a casa e ouvi na rádio ao almoço exactamente o "careca" (almirante vermelho Rosa Coutinho) dizer aos jornalista: cubanos em Angola?, vocês inventam cada uma? Nem pensar.
Foi nesse dia que disse ao meu pai português da Sertã que estava desde 1917 em Angola sem nunca ter vindo mais a Portugal, pela primeira vez: "Pai isto acabou. Já não vai ter fim e o país está tramado e nós também". Vou arrumar as minhas coisas e vou na ponte aérea, seja o que Deus quiser mas Angola jamais será a minha Angola. 
O meu pai que sempre nos dissera vocês são angolanos devem lutar e viver na vossa terra apenas olhou para mim (e ainda hoje choro quando me lembro da sua cara, choro ainda também) pôs-me as mãos em cima dos ombros e disse: "vai filho, tu és novo e ainda tens uma vida pela frente, vai e vai de cabeça levantada".
Eu disse-lhe: "pai vamos todos isto não vai ser nada". E ele disse-me: "eu sou um velho e tenho 75 anos nunca voltei a Portugal também eu não vou agora a mim eles não me fazem mal precisam de mim mas tu vais e não voltamos a falar nisto, vais e tratas amanhã de tudo que precisas".
Nesse sábado chorei sozinho nessa praia de Porto Amboim, olhando para os batelões que descarregavam continuamente o material e os soldados cubanos. 


O autor na praia (foto do autor)

É preciso notar que esta costa tinha de praia dum morro ao outro cerca de 6 km. E deste morro ao outro lado que se vê na outra  foto da Vila de Porto Amboim até ao morro dos "3caminhos" (?) havia mais de 15 km de praias. Uma verdadeira  maravilha da natureza. Também eu eu vi entrar os Cubanos, penso que os primeiros que puseram pé em terras de Angola, em meados de Agosto de 1975. Foi por ali que descarregaram todo o seu material bélico e de imediato avançaram para as frentes dos combates. Não ficaram mais que dois dias em Porto Amboim. Parecendo aquilo que é, este era o 4º. Porto em tonelagens de cargas e descargas de Angola. Por aqui passavam todo o café, algodão, óleo de palma e outros que saíam de Angola e entrava o vinho por exemplo que vinha em barris de madeira. Todos os grandes navios de carga ou mistos da altura paravam aqui, Ambrizete, Ganda, Pátria, Zaire etc. E ficavam à cerca de 300 m da praia, sendo depois o transbordo feito por batelões. Nesses dias trabalhava-se 24 horas sobre 24 horas. Hoje desta bela imagem apenas existe a areia, o morro, o cais embora maltratado e o mar. Tudo o resto da Restinga, o cinema novo que ali foi construído e o campo de desportos de salão, tudo desapareceu engolido pelo mar e pela falta de cuidados. Nada, mesmo nada, desse sítio lindo onde se passaram belos momentos, ali existe mais.  
E assim foi. Saí de Angola depois de vários problemas (tive que dormir no meu carro uma semana inteira no Lobito para conseguir pô-lo no último navio de carros que saiu de Angola e no dia 27 de Outro) aterrei no aeroporto de Lisboa com 10.000$00 de Angola e outra de algumas recordações pessoais deixando para trás uma vida que estava no inicio e bem bonita já, mas sobretudo deixando para trás as ilusões, os sonhos, a família, os amigos (muitos deles ou quase todos pretos e mestiços) o coração muito especialmente o espírito, a alma ficou lá e ainda deve andar por lá a vaguear.
Desculpe o tempo que levei a descrever isto mas também um dia terei de descarregar em memórias escritas todas as emoções que ainda estão acumuladas dentro de mim me fazem constantemente sofrer e assim há-de ser até à minha morte. 
Mas foi exactamente esse sábado de Agosto e esses cubanos que ainda não estavam em Angola( apenas deviam ser fardas e bonecos de madeira), que decidiram a minha retirada e cortaram aos pedaços o meu coração de angolano.
Portanto não acredite nas datas dos documentos. Acredite que os cubanos chegaram a Porto Amboim a primeira terra de Angola a porem os pés (uns dias depois acho que também desembarcaram na zona do Ambriz e Ambrizete).
Infelizmente tinha fotos deste facto bem como outras colhidas do meu tempo da tropa no comando chefe da Fortaleza de Luanda, mas tudo por lá ficou e alguns desses foram destruídos e roubados em dois controles dos pioneiros (miúdos armados em soldados do MPLA mas que se fosse preciso disparavam sem saber porquê).
Esta é a verdade acredite. Tão verdade que os meus olhos ainda vêem a imagem e verão sempre.
O segundo facto que queria dizer, era apenas a constatação de que provavelmente o 25 de Abril ter sido uma guerra de terrorismo ter acabado em Angola. Entrei para a tropa em 22 de Outubro de 1971 (emocionei-me um bocado depois ao fim destes anos todos vi hoje aqui no seu Site a foto da porta do Regimento do quartel de Nova Lisboa onde fiz a recruta) e depois de um mês de mato onde nada acontecia quase sempre, fui colocado em Luanda na fortaleza como um dos responsáveis da cantina da messe dos oficiais, assistia e dava apoio às reuniões que lá se faziam com as mais altas patentes militares, portuguesas e por vezes também estrangeiras com o general Luz da Cunha na altura e até ao 25 de Abril o Chefe do Estado Maior em Angola. 

Além disso também estive destacado alguns meses nos serviços de psicologia na guerra, também lá na fortaleza e embora sem os poder mostrar porque me foram destruídos, tive várias vezes na mão cópias dos mapas do controle do terrorismo, cartas das organizações que apoiavam os movimento turras e outros documentos e posso afirmar sem dúvidas que em 74 não havia qualquer zona (repito qualquer zona) do território angolano ocupado por qualquer movimento (UNITA, MPLA, FNLA ou qualquer outro) e também esses movimentos já não tinham apoios de armas apenas de medicamentos, cobertores e mantimentos que lhes eram dados pelos americanos, russos, suecos noruegueses e outros países que pela democracia os apoiavam.
Portanto já não havia guerra. Os movimentos estavam dominados e passavam fome, apenas fazer combates de emboscadas e fuga em algumas zonas do Leste de Angola (aliás quem os viu entrar em Angola depois do 25 de Abril) sabe muito bem como eles se apresentaram, esfarrapados, esfomeados e com uma maioria de canhangulos tendo apenas o FNLA que recrutou zairenses e recebeu fardas novinhas bem com metralhadoras que ainda brilhavam. Lembra-se disso com certeza.

Ora bem não havendo guerra em Angola, a paz interessava a quem? E sem guerra como seria as fortunas que os nossos militaras (alguns claro) fizeram. Então não havia luta a altura mais indicada para o 25 de Abril. Um dia veremos alguns destes valorosos e briosos heróis, como Soares, Otelo Saraiva & Cª entrar a história deste 25 de Abril. Agora não me venham é a dizer que se perdeu a Guerra em Angola por isso é a mentira mais infame que se poderá contar e pelos menos a memória dos que morreram naquela terra não merecem isso.
Bem já vou longo mais poderia dizer, mas apenas queria referir estes dois factos. Pelo menos é a minha verdade e não a verdade da história mas quantas verdades nós aprendemos ao longo dos anos na escola, no liceu e nos livros que são apenas as verdades possíveis ou as verdades que a política deixou escrever?

Acho que esta pergunta é uma bela forma de terminar. (...) Nós fomos impedidos de ser um país e quando digo nós, refiro-me aos que nasceram em Angola e aos portugueses que eram tão angolanos também mas não seremos nunca impedidos de ter memória, de ter coração, de ter alma, de ter espírito e de ter saudades.


  José Carlos Rodrigues NV034970@netvisao.pt
 


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