Dr. DAVID BERNARDINO - Pioneiro dos Cuidados Primários em Angola
excertos da Tabanka do Huambo
Muitos dos que trilham este fio, certamente que não se lembrarão, mas alguns haverá que se recordam bem do Dr. David Bernardino.
Mas quem era este médico, que tratava da mesma forma os angolanos e os portugueses? Nascido no Huambo em 23 de Março de 1932 aí iniciou a sua formação como homem.Crescido e educado como mais um irmão dos Dáskalos, era na verdade primo. Fez os estudos primários numa escola privada na casa comboio da Rua Castro Soromenho, propriedade da família Dáskalos, cuja direcção era pertença da sua avó. Por esta escola passaram os seus irmãos, a Carmita, o Zé, o Luis e a Morena. Aqui adquiriram hábitos de estudo, de comportamento e de análise que vão marcar os seus futuros.
A infância e a juventude são passadas com algumas dificuldades. Aos onze anos levanta-se de madrugada para ajudar o pai na padaria e no conserto de bicicletas. À noite colaborava também na padaria pesando farinha e pão. As suas brincadeiras eram no quintal de sua casa com os filhos da lavadeira, comendo com eles peixe seco e pirão.
Esta fase difícil da vida teve o condão de transformar o David Bernardino num ser solidário e dos mais competentes da sua geração o que aliado à sua jovialidade e dinamismo lhe grajeam amizades e simpatias por todo o mundo. O curso de Medicina é terminado, em 1958, em Lisboa.
Exercendo a sua actividade como médico em várias províncias angolanas, é no Huambo que atinge plano de destaque. Em 1971, além da sua actividade privada, o médico David Bernardino é o pioneiro angolano do princípio " saúde para todos até ao ano 2000 ". Cria e mantem, a expensas próprias e com dádivas que consegue obter, o primeiro Centro de Saúde de Angola. Com este Centro pretende demonstrar que, utilizando meios locais, é possível formar pessoal preparado e que num curto espaço de tempo e com um mínimo de gastos financeiros conseguir cobrir toda Angola de Centros de Saúde. Divulga, por todo o país, os cuidados primários de saúde. Desta forma o David pretendía adaptar as condições locais à satisfação dos cuidados básicos de saúde.
Este Centro de Saúde é construido num dos bairros mais populosos do Huambo, o bairro de Cacilhas, com material local e com uma arquitectura local e clássica como é a estrutura de um jango. Apesar da inovação não consegue expandir nem materializar a sua ideia nem os seus intentos e mesmo depois da independência de Angola, em 1975, e quando os princípios por ele defendidos eram universalmente consagrados e aceites, também não encontrou o apoio oficial que esperava.
No seu Centro de Saúde de Cacilhas, considerado o barómetro mais efecaz para avaliar a situação angolana, pode sentir-se, a partir de 1988, uma galopante degradação das estruturas de saúde e sociais do Huambo. As crianças do bairro eram uma amostra evidente das precárias condições de vida existentes. Os seus ventres grandes e luzidios assentes em magras e frágeis pernas vacilantes espelhavam a real situação vivida. Eram todas atendidas no Centro.
Mostravam uma comovente gratidão ao doutor David, não por ofertas, actos ou palavras, mas através dos seus olhos alvinegros. Grandes como o Mundo onde despontavam uma fugidia centelha de alegria mesclada de incontida incerteza. O Huambo encontrava-se num confrangedor abandono e o ambiente tinha-se tornado sombrio, de espessa e evidente desconfiança. Mas apesar das condições traumáticas que se viviam, David consegue o mínimo indespensável e mantém a refeição matinal a que habituara a criançada do Centro. Com o apoio dos amigos, das ONG's e da OMS. Nesta época escapa milagrosamente à morte ao pisar uma mina que fez accionar mas não explodiu, quando se aventurava por estradas e caminhos levando saúde e conforto aos que mais precisavam.
O seu empenhamento como homem, médico e intelectual, lutador desde a primeira hora contra o facismo e pela independência de Angola, não lhe vai ser perdoado. Docente universitário, director do jornal independente " Jango ", fundador dos cuidados primários de saúde angolanos, empenhado em diversas acções no campo da investigação científica e histórica, residente no seu Huambo que nunca abandonou, envolvido no apoio social a uma população fustigada por anos sucessivos de uma guerra impiedosa, são outros dos pecados que nunca lhe vão ser perdoados.
E é a 4 de Dezembro de 1992, à saída duma consulta médica no seu Centro de Saúde no Huambo, que David Bernardino é assassinado por um esquadrão da morte dos galos negros. Morto em consequência da sua vida de militância, de coerência, de abnegação, generosidade e coragem.
E como escreveu António Gedeão:
Sem lhes pedir socorro
E sem lhes perguntar
Porque maltratam.
Eu sei porque é que morro
Eles é que não sabem
Porque matam.
Cláudio Silva
(Calenga)
(Calenga)
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