Esta é uma imagem do cine-esplanada Kalunga, próximo da praia “Morena” em Benguela, a cidade conhecida pelas acácias, que quando estas floriam inundavam a atmosfera de um cheiro agradavelmente intenso que por vezes contrastava com o menos desejável odor proveniente da secagem do peixe, dado que a sua principal industria era a conserveira. Mas não é disso que eu pretendo escrever.
Benguela foi embora muita gente o não saiba o berço do principal movimento da luta de libertação, que posteriormente e quando Agostinho Neto assume a liderança, passou a designar-se MPLA.
Esta bela cidade era conhecida por ser a mais contestatária de Angola e a anterior referência explica o motivo.
Tão bem me lembro numa noite de sábado do ano de 1960, ainda não tinha eclodido a luta levada a cabo pelos movimentos delibertação, estando eu e os meus amigos numa “rebita” (designação dado aos bailes nos Muceques), bairros periféricos da cidade, quando de repente alguém grita fujam, vem aí a PIDE, uns safaram-se outros não.
Eu fui dos que se conseguiram safar mas o Sócrates Dáskalos,engenheiro químico que leccionava no Liceu Nacional de Benguela,entre outros conhecidos foi preso e nunca mais soubemos dele.
Constou-me depois que o meu vizinho o engenheiro Farinha, muito amigo do Dáskalos também a PIDE tentou deitar-lhe a mão, mas este tinha conseguido fugir e mais tarde veio a saber-se que estava no Brasil. Nessa altura deixou a mulher com os filhos a qual foi apoiada pela sua amiga Edite Soeiro a redactora chefe do semanário “O intransigente” um orgão de comunicação social sobre o qual também andava a PIDE, uma vez que o Jornal de Benguela era situacionista.
Esta cidade marcou-me muito porque embora adolescente, fui-me apercebendo que grande parte da sua população não aceitava que fossemos governados a partir do “Terreiro do Paço”, como era costume afirmar-se.
Recordo-me que Adriano Moreira então Ministro do Ultramar do Governo de Salazar, só porque constou em Benguela que ele era um pouco dissidente da linha de actuação do ditador sobretudo quanto ao ultramar, teve uma recepção nos Paços do Concelho de um banho de gente, chegando mesmo a andar aos ombros de vários manifestantes que o receberam calorosamente. Curiosamente quando Adriano Moreira regressou ao Continente o ditador demitiu-o do cargo. Mas o que mais me marcou em relação à vontade inquebrantável dos benguelenses foi que uma aspiração antiga de possuirem o seu próprio aeroporto, dado que tinha-mo-nos que nos deslocar a trinta quilómetros de distância, ou seja à cidade do Lobito para embarcarmos nos aviões, tornou-se realidade quando já desesperados porque o governo central não queria dispor de verbas para a sua construção, o povo juntou-se num enorme movimento de solidariedade e reuniu todos os meios financeiros e materiais de construção para que o aeroporto “Dokota” fosse uma realidade.mEstou-me a lembrar da romaria que foi da cidade para o local escolhido para a sua construção, todos os meios de transporte eram utilizados para transportarem materiais. Até as bicicletas no suporte do pendura levavam caixotes contendo tijolos.
Foi a manifestação da vontade de um povo, que se tornou realidade que mais me marcou na minha passagem por Benguela durante 3 anos que lá vivi.
Já agora para encerrar o último “gajo” que está na fotografia tirada no Cine-Kalunga é esta prenda.
Olá Maria Jardim, Grato por ter reproduzido este post que publiquei no meu blog.
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