terça-feira, 30 de dezembro de 2008

‘Angola é nossa!’

Por António Barreto

SÓ HOJE ME CHEGOU ÀS MÃOS um livro editado em 2007, “Holocausto em Angola”, da autoria de Américo Cardoso Botelho (Edições Vega). O subtítulo diz: “Memórias de entre o cárcere e o cemitério”. O livro é surpreendente. Chocante. Para mim, foi. E creio que o será para toda a gente, mesmo os que “já sabiam”. Só o não será para os que sempre souberam tudo. O autor foi funcionário da Diamang, tendo chegado a Angola a 9 de Novembro de 1975, dois dias antes da proclamação da independência pelo MPLA. Passou três anos na cadeia, entre 1977 e 1980. Nunca foi julgado ou condenado. Aproveitou o papel dos maços de tabaco para tomar notas e escrever as memórias, que agora edita. Não é um livro de história, nem de análise política. É um testemunho. Ele viu tudo, soube de tudo. O que ali se lê é repugnante. Os assassínios, as prisões e a tortura que se praticaram até à independência, com a conivência, a cumplicidade, a ajuda e o incitamento das autoridades portuguesas. E os massacres, as torturas, as exacções e os assassinatos que se cometeram após a independência e que antecederam a guerra civil que viria a durar mais de vinte anos, fazendo centenas de milhares de mortos. O livro, de extensas 600 páginas, não pode ser resumido. Mas sobre ele algo se pode dizer.
O HORROR EM ANGOLA começou ainda durante a presença portuguesa. Em 1975, meses antes da independência, já se faziam “julgamentos populares”, perante a passividade das autoridades. Num caso relatado pelo autor, eram milhares os espectadores reunidos num estádio de futebol. Sete pessoas foram acusadas de crimes e traições, sumariamente julgadas, condenadas e executadas a tiro diante de toda a gente. As forças militares portuguesas e os serviços de ordem e segurança estavam ausentes. Ou presentes como espectadores.
A IMPOTÊNCIA OU A PASSIVIDADE cúmplice são uma coisa. A acção deliberada, outra. O que fizeram as autoridades portuguesas durante a transição foi crime de traição e crime contra a humanidade. O livro revela os actos do Alto-Comissário Almirante Rosa Coutinho, o modo como serviu o MPLA, tudo fez para derrotar os outros movimentos e se aliou explicitamente ao PCP, à União Soviética e a Cuba. Terá sido mesmo um dos autores dos planos de intervenção, em Angola, de dezenas de milhares de militares cubanos e de quantidades imensas de armamento soviético. O livro publica, em fac-simile, uma carta do Alto-Comissário (em papel timbrado do antigo gabinete do Governador-geral) dirigida, em Dezembro de 1974, ao então Presidente do MPLA, Agostinho Neto, futuro presidente da República. Diz ele: “ Após a última reunião secreta que tivemos com os camaradas do PCP, resolvemos aconselhar-vos a dar execução imediata à segunda fase do plano. Não dizia Fanon que o complexo de inferioridade só se vence matando o colonizador? Camarada Agostinho Neto, dá, por isso, instruções secretas aos militantes do MPLA para aterrorizarem por todos os meios os brancos, matando, pilhando e incendiando, a fim de provocar a sua debandada de Angola. Sede cruéis sobretudo com as crianças, as mulheres e os velhos para desanimar os mais corajosos. Tão arreigados estão à terra esses cães exploradores brancos que só o terror os fará fugir. A FNLA e a UNITA deixarão assim de contar com o apoio dos brancos, de seus capitais e da sua experiência militar. Desenraízem-nos de tal maneira que com a queda dos brancos se arruíne toda a estrutura capitalista e se possa instaurar a nova sociedade socialista ou pelo menos se dificulte a reconstrução daquela”.
ESTES GESTOS DAS AUTORIDADES portuguesas deixaram semente. Anos depois, aquando dos golpes e contragolpes de 27 de Maio de 1977 (em que foram assassinados e executados sem julgamento milhares de pessoas, entre os quais os mais conhecidos Nito Alves e a portuguesa e comunista Sita Vales), alguns portugueses encontravam-se ameaçados. Um deles era Manuel Ennes Ferreira, economista e professor. Tendo-lhe sido assegurada, pelas autoridades portuguesas, a protecção de que tanto necessitava, dirigiu-se à Embaixada de Portugal em Luanda. Aqui, foi informado de que o Vice-cônsul tinha acabado de falar com o Ministro dos Negócios Estrangeiros. Estaria assim garantido um contacto com o Presidente da República. Tudo parecia em ordem. Pouco depois, foi conduzido de carro à Presidência da República, de onde transitou directamente para a cadeia, na qual foi interrogado e torturado vezes sem fim. Américo Botelho conheceu-o na prisão e viu o estado em que se encontrava cada vez que era interrogado.
MUITOS DOS RESPONSÁVEIS pelos interrogatórios, pela tortura e pelos massacres angolanos foram, por sua vez, torturados e assassinados. Muitos outros estão hoje vivos e ocupam cargos importantes. Os seus nomes aparecem frequentemente citados, tanto lá como cá. Eles são políticos democráticos aceites pela comunidade internacional. Gestores de grandes empresas com investimentos crescentes em Portugal. Escritores e intelectuais que se passeiam no Chiado e recebem prémios de consagração pelos seus contributos para a cultura lusófona. Este livro é, em certo sentido, desmoralizador. Confirma o que se sabia: que a esquerda perdoa o terror, desde que cometido em seu nome. Que a esquerda é capaz de tudo, da tortura e do assassinato, desde que ao serviço do seu poder. Que a direita perdoa tudo, desde que ganhe alguma coisa com isso. Que a direita esquece tudo, desde que os negócios floresçam. A esquerda e a direita portuguesas têm, em Angola, o seu retrato. Os portugueses, banqueiros e comerciantes, ministros e gestores, comunistas e democratas, correm hoje a Angola, onde aliás se cruzam com a melhor sociedade americana, chinesa ou francesa.
PARA OS PORTUGUESES, para a esquerda e para a direita, Angola sempre foi especial. Para os que dela aproveitaram e para os que lá julgavam ser possível a sociedade sem classes e os amanhãs que cantam. Para os que lá estiveram, para os que esperavam lá ir, para os que querem lá fazer negócios e para os que imaginam que lá seja possível salvar a alma e a humanidade. Hoje, afirmado o poder em Angola e garantida a extracção de petróleo e o comércio de tudo, dos diamantes às obras públicas, todos, esquerdas e direitas, militantes e exploradores, retomaram os seus amores por Angola e preparam-se para abrir novas vias e grandes futuros. Angola é nossa! E nós? Somos de quem?
«Retrato da Semana» - «Público de 13 Abr 08

Fonte:O Surumbático

Breve História de Angola




Breve História de Angola

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Angola era povoada pelo menos desde o século V a.C., embora existam achados arqueológicos de ocupações muito anteriores.

Os portugueses, sob o comando de Diogo Cão, no reinado de D. João II, chegam ao Zaire em 1484. É a partir daqui que se iniciará a conquista pelos portugueses desta região de Africa, incluindo Angola. O primeiro passo foi estabelecer uma aliança com o reino do Congo, que dominava toda a região. A sul deste reino existiam dois outros, o de Ndongo e o de Matamba, os quais não tardam a fundir-se, para dar origem ao reino de Angola (c.1559) .

Explorando as rivalidades e conflitos entre estes reinos, na segunda metade do século XVI os portugueses instalam-se na região de Angola. O primeiro governador de Angola, Paulo Novais, procura delimitar este vasto território e explorar os seus recursos naturais, em particular os escravos. A penetração para o interior é muito limitada. Em 1576 fundam São Paulo de Luanda, a actual cidade de Luanda. Angola transforma-se rapidamente no principal mercado abastecedor de escravos das plantações da cana do açúcar do Brasil.

Durante a ocupação filipina de Portugal (1580-1640), os holandeses procuram desapossar os portugueses desta região, ocupando grande parte do litoral (Benguela, Santo António do Zaire as as barras do Bengo e do Cuanza). Em 1648 os portugueses expulsam os holandeses, para contentamento dos colonos do Brasil.

Até finais do século XVIII, Angola funciona como um reservatório de escravos para as plantações e minas do Brasil. A ocupação dos portugueses confinam-se às fortalezas da costa. O colonização efectiva do interior só se inicia no século XIX, após a Independência do Brasil (1822) e o fim do tráfico de escravos(1836-42), mas não da escravatura. Esta ocupação trata-se de uma resposta às pretensões de outras potências europeias, como a Inglaterra, a Alemanha e a França, que reclamavam na altura o seu quinhão em África. Diversos tratados são firmados estabelecendo os territórios que a cada uma cabem, de acordo com o seu poder e habilidade negocial.

Uma boa parte destes colonos são presos deportados de Portugal, como o célebre José do Telhado. Paralelamente são feitas diversas viagens com objectivos políticos, científicos e esclavagistas para o interior do território angolano, tais como: José Rodrigues Graça (1843-1848)-Malanje e Bié; José Brochado-Humbo, Mulando, Cuanhama; Silva Porto-Bié; Devido à ausência de vias de comunicação terrestres, as campanhas de ocupação do interior são feitas através dos cursos fluviais: Bacia do Cuango (1862), Bacia do Cuanza (1895,1905,1908); Bacia do Cubango (1886-1889, 1902,1906); Bacia do Cunene (1906-1907); Bacia do Alto Zambeze (1895-1896); Entre Zeusa e Dande (1872-1907), etc.

As fronteiras de Angola só são definidas em finais do século XIX, sendo a sua extensão muitíssimo maior do que o território dos Ambundos, a cuja língua o território de Angola anda associado.

1900-1960

A colonização de Angola, após a implantação de um regime republicano em Portugal (1910), entra numa nova fase. Os republicanos haviam criticado duramente os governos monárquicos por ter abandonado as colónias. O aspecto mais relevante da sua acção circunscreveu-se à criação de escolas. No plano económico, inicia-se a exploração intensiva de diamantes. A Diamang (Companhia dos Diamantes de Angola) é fundada em 1922, embora operasse deste 1917 na região de Lunda.

O desenvolvimento económico só se inicia de forma sistemática em finais do anos trinta, quando se incrementa a produção de café, sisal, cana do açúcar, milho e outros produtos. Tratam-se de produtos destinados à exportação.

A exportação da cana do açúcar, em 1914, pouco ultrapassava as 6.749 toneladas. Em 1940 atingia já as 39.423 toneladas exportadas. As fazendas e a industria concentra-se à volta da cidade de Luanda e de Benguela.

A exportação de sisal, desenvolve-se durante a segunda guerra mundial (1939-1945). Em 1921 pouco mais foram exportados que 62 toneladas, mas em 1941 atingia-se já as 3.878. Dois anos depois as 12.721 toneladas. Em 1973 situavam-se nas 53.399. Estas plantações situavam-se no planalto do Huambo, do Cubal para Leste, nas margens da linha férrea do Dilolo, Bocoio, Balumbo, Luimbale, Lepi, Sambo, mas também no Cuanza norte e Malange.

A exportação de café logo a seguir à segunda guerra mundial, abriu um novo ciclo económico em Angola, que se prolonga até 1972, quando a exploração petrolífera em Cabinda começar a dar os seus resultados. A subida da cotação do café no mercado mundial, a partir de 1950, contribuiu decisivamente para o aumento vertiginoso desta produção.Em 1900, as exportações pouco ultrapassaram as 5.800 toneladas. Em 1930 atingiam as 14.841.Em 1943 subiam para 18.828. A partir daqui o crescimento foi vertiginoso. Em 1969 forma exportadas 182.944 e quatro anos depois, 218.671 toneladas.

Para além destes produtos, desenvolve-se a exploração dos minérios de ferro. Em 1957 funda-se a Companhia Mineira do Lobito, que explorava as minas de Jamba, Cassinga e Txamutete. Exploração que cedeu depois á alemã Krupp.

O desenvolvimento destas explorações, foi acompanhado por vagas de imigrantes incentivados e apoiados muitas vezes pelo próprio Estado. Entre 1941 e 1950, saíram de Portugal cerca de 110 mil imigrantes com destino às colónias, a maioria fixou-se em Angola. O fluxo imigratório prosseguiu nos anos 50 e 60.

Nos anos quarenta a questão da descolonização emerge no plano internacional e torna-se uma questão incontornável. Em 1956 é publicado o primeiro manifesto do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

1961-1974

No princípio dos anos 60, três movimentos de libertação (UPA/FNLA, MPLA e UNITA) desencadeiam uma luta armada contra o colonialismo português.

O governo de Portugal ( uma ditadura desde 1926), recusa-se a dialogar e prossegue na defesa até ao limite do último grande império colonial europeu. Para África são mobilizados centenas de milhares de soldados. Enquanto durou o conflito armado, Portugal procurando consolidar a sua presença em Angola, promovendo a realização de importantes obras públicas. A produção industrial e agrícola conhece neste território um desenvolvimento impressionante. A exploração do petróleo de Cabinda inicia-se em 1968, representando em 1973 cerca de 30% das receitas das exportações desta colónia. Entre 1960 e 1973 a taxa de crescimento do PIB (produto Interno Bruto) de Angola foi de 7% ao ano.

Independência e Guerra Civil

Na sequência do derrube da ditadura em Portugal (25 de Abril de 1974), abrem-se perspectiva imediatas para a independência de Angola. O Governo português, negoceia com os três principais movimentos de libertação ( MPLA- Movimento Popular de Libertação de Angola , FNLA-Frente Nacional de Libertação de Angola e UNITA-União Nacional para a Independência Total de Angola ), o período de transição e o processo de implantação de um regime democrático em Angola (Acordos de Alvor, Janeiro de 1975).

A independência de Angola não foi o inicio da paz, mas o inicio de uma nova guerra aberta. Muito antes do dia da Independência, a 11 de Novembro de 1975, já os três três grupos nacionalistas que tinham combatido o colonialismo português lutavam entre si pelo controle do país, e em particular da capital, Luanda. Cada um deles era na altura apoiado por potências estrangeiras, dando ao conflito uma dimensão internacional.

A União Soviética e Cuba apoiavam o MPLA, que controlava a cidade de Luanda e pouco mais. Os cubanos não tardaram a desembarcar em Angola (5 de Outubro de 1975).

A África do Sul que apoiava UNITA, por seu lado, invade Angola (9 de Agosto de 1975).

O Zaire que apoiava a FNLA invade também este país (Julho de 1975). A FNLA conta também com o apoio da China, mercenários portugueses e também com o apoio da África do Sul.

Os EUA que apoiaram inicialmente apenas a FNLA, não tardam a ajudar também a UNITA. Neste caso, o apoio manteve-se até 1993. A sua estratégia foi durante muito tempo dividir Angola.

Em Outubro de 1975, o transporte aéreo de quantidades enormes de armas e soldados cubanos, organizado pelos soviéticos, mudou a situação, favorecendo o MPLA. As tropas sul-africanas e zairenses retiraram-se, e o MPLA conseguiu formar um governo socialista unipartidário.

Em 1976 as Nações Unidas reconheciam o governo do MPLA como o legitimo representante de Angola, o que não foi seguido nem pelos EUA, nem pela África do Sul .

No meio do caos que Angola se havia tornado, cerca de 300 mil portugueses abandonam este país entre 1974 e 1976, o que agrava de forma dramática a situação económica.

Em Maio de 1977, um grupo do MPLA encabeçado por Nito Alves, desencadeia um golpe de Estado, que é afogado num banho de sangue. No final deste ano, o MPLA realiza o seu 1º Congresso, onde se proclama um partido marxista-leninista e adopta o nome de MPLA-Partido do Trabalho.

A guerra continuava a alastrar por todo o território. A UNITA e a FNLA juntaram-se então contra o MPLA. A UNITA começou por ser expulsa do seu quartel-general no Huambo, sendo as suas forças dispersas e impelidas para o mato. Mais tarde, porém, o partido reagrupou-se, iniciando uma guerra longa e devastadora contra o governo do MPLA. A UNITA apresentava-se como sendo anti-marxista e pró-ocidental, mas tinha também raízes regionais, principalmente na população Ovimbundu do sul e centro de Angola.

Agostinho Neto, morre em Moscovo a 10 de Setembro de 1979, sucedendo-lhe no cargo o ministro da Planificação, o engenheiro José Eduardo dos Santos.

No inicio dos anos oitenta, o número de mortos e refugiados não pára de aumentar. As infra-estruturas do país são brutalmente destruídas. Os ataques da África do sul não param. Em Agosto de 1981, lançam a operação "Smokeshell" utilizando 15.000 soldados, blindados e aviões, avançando mais de 200 km na província do Cunene (sul de Angola). O Governo da África do Sul justifica a sua acção afirmando que na região estavam instaladas bases dos guerrilheiros da SWAPO, o movimento de libertação da Namíbia. Na realidade tratava-se de uma acção de apoio à UNITA, tendo em vista a criação de uma "zona libertada" sob a sua administração. Estes conflitos só terminaram em Dezembro de 1988, quando em Nova Iorque foi firmado um acordo tripartido (Angola, África do Sul e Cuba) que estabelecia a Independência da Namíbia e a retirada dos cubanos de Angola.


Em Junho de 1989, em Gbadolite (Zaire), a UNITA e o MPLA estabelecem uma trégua. A paz apenas durou dois meses. Em fins de Abril de 1990, o Governo Angola anuncia o reinicio das conversações directas com a UNITA, com vista ao estabelecimento do cessar fogo. No mês seguinte, a UNITA reconhecia oficialmente José Eduardo dos Santos como o chefe de estado angolano. O desmoronar da União Soviética acelera o processo de democratização. No final do ano, o MPLA anunciava a introdução reformas democráticas no país. A 11 de maio de 1991, o governo publica uma lei autorizava a criação de novos partidos, pondo fim ao monopartidarismo. A 22 de Maio os últimos cubanos saem de Angola.

31 de Maio de 1991, com a mediação de Portugal, EUA, União Soviética e da ONU, celebram-se os acordos de Bicesse (Estoril), terminado com a guerra civil desde 1975, e marcando as eleições para o ano seguinte. As eleições de Setembro de 1992,dão a vitória ao MPLA (cerca de 50% dos votos). A UNITA (cerca de 40% dos votos não reconhece os resultados eleitorais. Quase de imediato sucede-se um horrendo banho de sangue, reiniciando-se o conflito armado. Em 1993, o Conselho de Segurança embarga as transferências de armas e petróleo para a UNITA. Tanto o governo como a UNITA acordaram, em parar as novas aquisições de armas, mas tudo não passou de palavras. Em Novembro de 1994, celebra-se o Protocolo de Lusaka, na Zâmbia entre a UNITA e o Governo de Angola (MPLA). A Paz parece mais do que nunca estar perto de ser alcançada.A UNITA usou o acordo de paz de Lusaka para impedir mais perdas territoriais e para fortalecer as suas forças militares. Em 1996 e 1997 adquiriu grandes quantidades de armamentos e combustível, enquanto ia cumprindo, sem pressa, vários dos compromissos que assumira através do Protocolo de Lusaka. Em Dezembro de 1998, Angola retorna ao estado de guerra aberta, que só parou em 2002, com a morte de Jonas Savimbi (líder da Unita).

(...)

FONTE: http://lusotopia.no.sapo.pt/indexAngHistoria01.html

A Propósito... Os Mucubais

Carlos Narciso, no seu blog "Escrita em Dia", a propósito do meu texto sobre bosquímanes, lembrou-se de uma estória passada nas faldas da Serra Chela com um grupo de homens "em tronco nu", que exigiam a uma escolta militar do MPLA tão só que lhes pedissem autorização para atravessar o seu território.
Uma vez que foram "os meus" Bosquímanes a suscitar esta recordção ao CN, é bom esclarecer que aquele grupo de homens semi-nus não eram Bosquímanes. Só podiam ser Mucubais.
Já agora, a propósito do texto do "Escrita em Dia", recordo aqui este povo, guerreiro e pastor , que mantém a respeito do seu "território" um sentimento de pertença muito acentuado. Daí a minha conclusão, relativamente ao grupo que travou o CN e a sua escolta militar.
Ora, o território "mucubal"estende-se pelas encostas da Serra da Chela, entra pelo Deserto do Namibe e chega muito perto do Chiange, Serra abaixo. As suas relações com o povo Nhanheca Humbe , a que pertencem os camponeses da Huíla sempre foram complicadas.
Na chamada "guerra de 39" os portugueses derrotaram pesadamente os Mucubais e confinaram-nos à Chela e ao Deserto, deixando o Planalto para os povos camponeses. Nunca esqueceram esta derrota.
Quando, em 1975, os sul-africanos invadiram Angola, tentaram, depois de terem construído a sua rectaguarda no Lubango, fazer a ligação com Moçâmedes, sem o conseguirem, porque os Mucubais, ao perceberem que havia um guerra de "brancos contra negros", se aliaram aos negros e - uma curiosidade - com a ajuda de um português que havia fugido do Hospital com a ajuda do médico, dr. Garcês Palha e do Padre Jorge, secretário do então Bispo da Huíla, impediram que tal ligação se fizesse.
Farrusco, um operário da Fábrica de Cervejas N'Gola, ex-comando do Exército Português, foi aceite pelos Mucubais e, juntos, fizeram gorar os planos dos "carcamanos".
No final desta primeira fase da guerra, vencidos que foram os sul-africanos, os Mucubais decidiram colher os benefícios de terem estado ao lado dos vencedores e principiram a roubar o gado aos M'Huilas, sobretudo aos que viviam mais próximo da Serra.
Por outro lado, ao serem recrutados para o Exército angolano em formação, não aceitavam ficar nos quartéis. Recebiam as armas e rumavam para as suas casas. Não são integráveis num grupo com gente de outros lados, de outras etnias...
O MPLA, sem saber com o que estava a lidar começou a reprimir aquilo que eles consideravam os seus justos anseios, que eram os de recuperar o prestígio e a riqueza perdidos em 39 contra o exército dos brancos (os portugueses de então).
O desconhecimento do MPLA relativamente aos Mucubais era de tal forma que, em Outubro de 1976, quando Agostinho Neto visitou pela primeira vez o Lubango, houve dois incidentes curiosos.
O primeiro teve a ver precisamente com o então Presidente da RPA. Havia uma reunião marcada para as 14H30 com um grupo de quadros do MPLA do Lubango. Esperámos até às 16H30.
À entrada do palácio do Governador (então chamado Comissário) esteve durante todo este tempo uma delegação de Mucubais, para ser recebida por Agostinho Neto. Queriam colocar-lhe as suas questões específicas e dizer - muito naturalmente para eles - que a guerra tinha sido ganha pelo seu povo.
O Presidente desceu as escadas, aproximou-se da delegação , com os seus turbantes vistosos e braços cruzados sobre o peito, sempre de olhos erguidos, e pediu a um dos seus seccretários que retirasse da pasta a máquina fotográfica. E então, perante a estupefacção de alguns de nós, acercou-se do grupo para que lhe tirassem uma fotografia. Comportamento igual ao de qualquer turista impressionado com o ar "exótico" do grupo.
Neto nem os ouviu, seguiu para a reunião. Um dia destes falarei desse acontecimento.
O outro incidente aconteceu no dia seguinte, durante o comício presidido por Neto. Quando algém ia começar a falar foi interrompido por uma voz imperativa que vinha da assistência. Era um mucubal que ordenava à sua gente que se aproximasse da tribuna, já que eles eram os vitoriosos, tinham sido eles a ganhar a guerra contra os sul-africanos.
Houve um burburinho, com a multidão a agitar-se e o numeroso grupo de Mucubais que ali estava ocupou, sem cerimónia, as primeiras filas da assistência. Só depois disso o comício principiou.
Com o andar do tempo, as relações MPLA/ Mucubais deterioraram-se significativamente e julgo saber que ainda hoje não são brilhantes, apesar de o poder ter recorrido algumas vezes à força das armas.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Os grupos étnicos de Angola


Por Gabriel Vinte e Cinco

A identidade de um povo ou de uma nação manifesta-se pela língua que fala pelos seus nomes, pelos seus usos e costumes. A língua é o suporte da cultura de um povo; é um dos troços seguros da personalidade e da identidade cultural.

O espaço geográfico que vai de Cabinda ao Cunene e do mar ao Leste é constituído por vários grupos etno-linguisticos que re-presentam a sua identidade cultural que precisa de ser conservada e preservada.

Entretanto, lamentavelmente alguns grupos, talvez, por aculturação tentam negligenciar as suas línguas e os seus nomes. Agindo assim, esses grupos negam a sua identidade, o que deve constituir uma preocupação de todos os angolanos de todos os falantes de cada província.

O país habitado por angolanos que são maioritariamente de origem bantu e portanto as suas línguas também são de origem bantu.

De acordo com a consulta por nós feita de documentos como: Atlas Missionário Português da junta de investigação do Ultramar e Centro de Estudos Históricos, Lisboa-1964, por António da Silva Rego e Eduardo dos Santos; Arqueologia Angolana, Edição Ministério da Educação, 1978, por Carlos Ervedosa; Angola, Natureza, População e Economia - Edições Progresso, Moscovo, de L.L.Fituni; A Igreja em Angola, Editorial Além-Mar, Edição Mardo 1990- de Lawrence W.Henderson; Teologia e Cultura Africana no Contexto Sócio-Politico de Angola, por Reverendo José Kipungo e de José Redinha, o país é composto palas seguintes línguas e variantes:

Bacongo: Esse grupo abrange as províncias de Cabinda, Zaire e Uíje com as seguintes variantes (ou dialectos): Cabinda, Cacongo, Chicongo, Conje, Laca, Congo, Guenze, Lombe, Paca, Pombo, sorongo, Sossos, Suco, Sundi, Uoio, Vili e Zombo, totalizando 17.

Ambundo: Bambeiro, Bangala, Bondo, Cari, Dembo, Holo, Hungo, Luanda, Luango, Minungo, Ngola ou Jinga, Ntemo, Puna, Songo, Kissama, Lubolo, Haco, Sende e Kibala, num total de 20.

Ovimbundo: Baillundo, Bieno(Vie), Caconda, Chicuma, Dombe, Ganda, Hanha, Lumbo, Quissange, Sambo, Huambo ou Wambo, Phinha ou Mussumbe, Mussele e Omomboim, Perfazendo 14.

Cokwe: Cafuia, Congo ou Dinga, Lunda, Luena, Lunda-Chinde, Lunda-Dumba, Mataba, Quete e o próprio Cokwe, 9.

Ganguela : Ambuela, Ambuela-Bumba, Bumda, Cangala, Cuamaxia, Engonjeiro, Ganguela, Gengista ou Luio, Iahuma, Lovale, Luimbe, Lutchase, Mbande, Ncoias, Ndundo, Ngonielo, Nhemba, Nhengo e Viço, 19.

Nhaneca-Humbe: Cuancua, Dongena, Gambo, Handa da Mupa, Handa do Quipungo, Hinga, Humbe, Mumuila, Quilengue-Humbe, Quilengue-Muso e Quipungo,11.

Ambó: Cafima, Cuamato, Cuanhama, Dombondola e Vale, 5.

Herero: Chavicua, Cuanhoca, Chimba, Cuvale, Dimba e Gundelengo, 6.

Cuangar: Cusso e Cuangar, 2.

Grupos não bantu

Hotentote-Bochimane (Khoisan): Bochimane, Cassequele, (Camussequele), Cazama, Hotentote e Quede, 5.

Cátua: Cuando, Cuepe e Cuissi, 3.

Perfazendo um total de 102 variantes ou dialectos no país.

Posto isso, gostaria particularizar o Kwanza-Sul que a princípio conta com apenas 9 variantes, mas com o último levantamento feito pelo Instituto Nacional de Línguas aquando do seu encontro que teve lugar na cidade do Sumbe, de 10 a 12 de Março de 2008, o quadro sofreu algumas alterações que abaixo porém referencia.

A província do Kwanza-Sul é constituída por dois grupos etno-logicos que são: Ambundo e Ovimbundo.

a) Ambundo: Kissama, Lubolo, Haco, Sende e Kibala.
b) Ovimbundo: Phinda ou Mussumbe, Omomboim, Mussele e Balundo.

Entretanto o encontro de Março introduziu as seguintes alterações:
-Descobriu mais uma variante falada por um pequeno grupo de pessoas que se encontra no centro da cidade de Porto-Amboim com o nome de Ndongo, outrossim os representantes dos municípios do Amboim, Porto-Amboim e Sumbe, defenderam-se como sendo os pertencentes ao grupo Ambundo e não Ovimbundo assim como os participantes corrigiram os termos: Omomboim, para Mbuim e Mussele para Hele.

Por isso, o grupo Ambundo foi acrescido de mais três (3) variantes tendo ficado assim:
Ambundo no K.Sul- Kissama, Lubolo, Haco, Sende, Kibala Mbuim, Phinda ou Mussende e Ndongo(8) e Ovimbundo com apenas duas variantes no Kwanza Sul, que são: Hele e Balundo.

Finalmente, o professor Doutor Watumene Kukanda director geral do instituto nacional de línguas dizia a dado momento, e eu cito: “ A variante com maior número de falante, é a variante da região”, fim da citação.

Posto isso, não encontramos em nenhum documento a suposta língua Ngoya. O termo Ngoya é altamente pejorativo: (Bárbaro, Sujo, Ignorante e Guloso).

A variante com maior número de falantes chama-se Kibala. Ela abrange os municípios de Waku-Kungo, Ebo (Hebo), e atinge uma parte da Kilenda e a parte sul do Libolo. Factos e contra factos não há argumentos.

in
Vida Cultural/JA

Os grupos étnicos de Angola


Por Gabriel Vinte e Cinco

A identidade de um povo ou de uma nação manifesta-se pela língua que fala pelos seus nomes, pelos seus usos e costumes. A língua é o suporte da cultura de um povo; é um dos troços seguros da personalidade e da identidade cultural.

O espaço geográfico que vai de Cabinda ao Cunene e do mar ao Leste é constituído por vários grupos etno-linguisticos que re-presentam a sua identidade cultural que precisa de ser conservada e preservada.

Entretanto, lamentavelmente alguns grupos, talvez, por aculturação tentam negligenciar as suas línguas e os seus nomes. Agindo assim, esses grupos negam a sua identidade, o que deve constituir uma preocupação de todos os angolanos de todos os falantes de cada província.

O país habitado por angolanos que são maioritariamente de origem bantu e portanto as suas línguas também são de origem bantu.

De acordo com a consulta por nós feita de documentos como: Atlas Missionário Português da junta de investigação do Ultramar e Centro de Estudos Históricos, Lisboa-1964, por António da Silva Rego e Eduardo dos Santos; Arqueologia Angolana, Edição Ministério da Educação, 1978, por Carlos Ervedosa; Angola, Natureza, População e Economia - Edições Progresso, Moscovo, de L.L.Fituni; A Igreja em Angola, Editorial Além-Mar, Edição Mardo 1990- de Lawrence W.Henderson; Teologia e Cultura Africana no Contexto Sócio-Politico de Angola, por Reverendo José Kipungo e de José Redinha, o país é composto palas seguintes línguas e variantes:

Bacongo: Esse grupo abrange as províncias de Cabinda, Zaire e Uíje com as seguintes variantes (ou dialectos): Cabinda, Cacongo, Chicongo, Conje, Laca, Congo, Guenze, Lombe, Paca, Pombo, sorongo, Sossos, Suco, Sundi, Uoio, Vili e Zombo, totalizando 17.

Ambundo: Bambeiro, Bangala, Bondo, Cari, Dembo, Holo, Hungo, Luanda, Luango, Minungo, Ngola ou Jinga, Ntemo, Puna, Songo, Kissama, Lubolo, Haco, Sende e Kibala, num total de 20.

Ovimbundo: Baillundo, Bieno(Vie), Caconda, Chicuma, Dombe, Ganda, Hanha, Lumbo, Quissange, Sambo, Huambo ou Wambo, Phinha ou Mussumbe, Mussele e Omomboim, Perfazendo 14.

Cokwe: Cafuia, Congo ou Dinga, Lunda, Luena, Lunda-Chinde, Lunda-Dumba, Mataba, Quete e o próprio Cokwe, 9.

Ganguela : Ambuela, Ambuela-Bumba, Bumda, Cangala, Cuamaxia, Engonjeiro, Ganguela, Gengista ou Luio, Iahuma, Lovale, Luimbe, Lutchase, Mbande, Ncoias, Ndundo, Ngonielo, Nhemba, Nhengo e Viço, 19.

Nhaneca-Humbe: Cuancua, Dongena, Gambo, Handa da Mupa, Handa do Quipungo, Hinga, Humbe, Mumuila, Quilengue-Humbe, Quilengue-Muso e Quipungo,11.

Ambó: Cafima, Cuamato, Cuanhama, Dombondola e Vale, 5.

Herero: Chavicua, Cuanhoca, Chimba, Cuvale, Dimba e Gundelengo, 6.

Cuangar: Cusso e Cuangar, 2.

Grupos não bantu

Hotentote-Bochimane (Khoisan): Bochimane, Cassequele, (Camussequele), Cazama, Hotentote e Quede, 5.

Cátua: Cuando, Cuepe e Cuissi, 3.

Perfazendo um total de 102 variantes ou dialectos no país.

Posto isso, gostaria particularizar o Kwanza-Sul que a princípio conta com apenas 9 variantes, mas com o último levantamento feito pelo Instituto Nacional de Línguas aquando do seu encontro que teve lugar na cidade do Sumbe, de 10 a 12 de Março de 2008, o quadro sofreu algumas alterações que abaixo porém referencia.

A província do Kwanza-Sul é constituída por dois grupos etno-logicos que são: Ambundo e Ovimbundo.

a) Ambundo: Kissama, Lubolo, Haco, Sende e Kibala.
b) Ovimbundo: Phinda ou Mussumbe, Omomboim, Mussele e Balundo.

Entretanto o encontro de Março introduziu as seguintes alterações:
-Descobriu mais uma variante falada por um pequeno grupo de pessoas que se encontra no centro da cidade de Porto-Amboim com o nome de Ndongo, outrossim os representantes dos municípios do Amboim, Porto-Amboim e Sumbe, defenderam-se como sendo os pertencentes ao grupo Ambundo e não Ovimbundo assim como os participantes corrigiram os termos: Omomboim, para Mbuim e Mussele para Hele.

Por isso, o grupo Ambundo foi acrescido de mais três (3) variantes tendo ficado assim:
Ambundo no K.Sul- Kissama, Lubolo, Haco, Sende, Kibala Mbuim, Phinda ou Mussende e Ndongo(8) e Ovimbundo com apenas duas variantes no Kwanza Sul, que são: Hele e Balundo.

Finalmente, o professor Doutor Watumene Kukanda director geral do instituto nacional de línguas dizia a dado momento, e eu cito: “ A variante com maior número de falante, é a variante da região”, fim da citação.

Posto isso, não encontramos em nenhum documento a suposta língua Ngoya. O termo Ngoya é altamente pejorativo: (Bárbaro, Sujo, Ignorante e Guloso).

A variante com maior número de falantes chama-se Kibala. Ela abrange os municípios de Waku-Kungo, Ebo (Hebo), e atinge uma parte da Kilenda e a parte sul do Libolo. Factos e contra factos não há argumentos.

in
Vida Cultural/JA

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

As consequências da Conferência de Berlim

África antes da Conferência de Berlim em 1880
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Domínios Coloniais
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A divisão arbitrária da África teve o seu marco com a Conferência de Berlim iniciada em 1884 e só terminou no ano seguinte. Dela participaram os 15 países, 13 da Europa mais Estados Unidos e Turquia. Os Estados Unidos não possuíam colónias na África, mas era uma potência em ascensão. A Turquia, nesta época, ainda era o centro do extenso Império Otomano. Diversos assuntos foram tratados, mas o principal objectivo foi o de regulamentar a expansão das potências coloniais na África a partir dos pontos que ocupavam no litoral. A Grã-Bretanha e a França foram as que obtiveram mais territórios, seguidas de Portugal, Bélgica e Espanha. Territórios mais reduzidos foram ocupados pela Alemanha e pela Itália. Estes haviam entrado recentemente na corrida colonial devido aos seus tardios processos de unificação nacional. A Alemanha perderia o domínio de suas colónias africanas após a Primeira Guerra Mundial, acontecendo a mesma coisa com a Itália no final da Segunda Guerra.

As fronteiras nacionais nasceram da imposição desta conferência, um estado orgânico colonial imposto pelas potências colonizadoras partilhando a África sem muitas preocupações quanto ao que já existia. Várias nações, no sentido da formações sociais antigas africanas, passaram a estar reunidas dentro de novas fronteiras. Tribos amigas e inimigas passaram a pertencer o mesmo espaço colonial. Assim, nos gabinetes da capital alemã, foram traçadas as fronteiras dos domínios coloniais. No início do século XX, a África estaria completamente retalhada pelos ocupantes imperialistas.
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Podemos dizer que muitos dos conflitos étnicos que existem hoje é conseqüência da partilha da África.
Os estados africanos atuais, na sua maioria, não tem a mesma unidade cultural, lingüística ou cultural.
Existem casos em que um mesmo Estado abriga várias nações ou até uma única nação em dois ou mais Estados.



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Ficámos em 1974-75. Houve a onda do retorno, incluindo muitíssimos que não retornavam a lugar nenhum porque já eram africanos, não europeus. Por muita trágico que tivesse sido, ainda aqui hei-de escrever e provar que esse retorno foi uma extraordinária oportunidade perdida. Mais uma do nosso rosário de desperdícios. Houve a descolonização “exemplar”. Exemplar? Sem comentários. Os portugueses fugiram de África com medo do que tinham visto acontecer após as outras independências. Os portugueses fugiram de África porque pressentiam o vulcão da guerra civil prestes a entrar em erupção. Porque, apesar de 99% não o ter aprendido na Escola, todos adivinhavam o que poderia advir de o facto de os novos estados terem sido criados a régua e esquadro na Conferência de Berlim.
Por dentro desses estados estavam nações, povos que competiam entre si há milénios, com uma base cultural única mas milhares de variantes sobre o mesmo tema. Os estados africanos foram criados por quem não conhecia África, não a respeitava, não a via como importante. Quando me lembro de que o Ex-Congo Belga era uma propriedade particular do Rei Leopoldo fico incomodada.
Os portugueses saíram e deixaram os povos no mato sem cachorro (para amenizar) … Sem quadros, sem classe média, sem escolas, sem auto-estima. Ou antes, existia algo de tudo isto mas em quantidade muito reduzida. Porque ninguém dá o que não tem senão conselhos. E cada um com muita vontade de, finalmente, poder mandar. Ah, o gosto do poder!


É claro que mantenho tudo o que disse sobre a minha infância. E a do Raul. E a do Ernesto Lara Filho. E tantos outros como nós, uns mais abonados economicamente, outros mais pobres. Mas chegava aquele momento em que nos separávamos. Muitas vezes sem saber porquê. (Estou a ouvir, na minha cabeça, a Maria Bethânia a cantar aquela despedida do menino da roça que vai para a saudade e pensa nunca mais esquecer o seu amiguinho de infância).
Não havia racismo? Havia, sim, em toda a África e de todas as cores. Havia e há. E se entre nós não havia apartheid, se as escolas estavam abertas a todos, não é menos verdade que se um negro queria estudar, as questões, ainda que não expressas, estavam lá, escritas em letras grandes: “Vai estudar para quê? Qual a intenção? Pretende ser o quê?”
E depois, mesmo com muita vontade, mesmo a saber, como eu sabia, que a nossa salvação estava na Escola, quem ficaria a tomar conta dos irmãos? E dos mais velhos? E acarretar a água? E depois ir trabalhar de criado, de lavadeira, de cozinheiro, para a D. Cacilda e aumentar e melhorar o pão-nosso de cada dia? Como arranjar dinheiro para o alambamento, para a bicicleta? Para mais umas chapas de zinco novas?


Vou intercalar aqui um episódio que talvez ajude a explicar melhor algumas coisas: tinha eu os meus 11 anos e andava quase há dois a “implorar” ao meu Pai que me deixasse estudar.

Entretanto, adoeci, com o que se chamava, eufemisticamente, “uma fraqueza geral”. Pudera, era um pingo de gente, trabalhava mais de 10 horas por dia e ajudava a criar um irmão caçula. Para ver se me calavam e se eu descansava um pouco, fui passar duas semanas à Roça S. Luzia, no Úcua, a casa de um casal conhecido dos meus pais. De noite, fugia daquele grupo de velhos e ia para a sanzala, o quimbo, sentar-me com as pessoas debaixo do embondeiro grande, a ouvir o soba, enquanto uma fogueira afugentava os mosquitos.
Na segunda noite o soba olhou para mim e disse o seguinte: “Olha só, aquela menina está aqui com a gente, mas um dia vai aparecer aqui um meu irmão que vai dizer:” Vai para a tua terra!” Mas a terra dela é aqui, como pode ir para a terra dela? Depois, eu vou perguntar: “Quem te disse que tu podes mandar?” E ele vai-me responder que manda porque ele é filho do leão e o leão manda em todos. E nessa altura eu vou responder e dizer que não senhor, quem manda sou eu, porque sou filho do jacaré e quando o leão vai beber água, o jacaré pode dar uma patada com o rabo e matar o leão.
Mas então, vai aparecer outro meu irmão que diz que quem manda é ele, que é filho de cobra surucucu, que mata tudo o que ela quer só com a picada do rabo dela. Mas ainda não sabemos quem vai mandar mesmo, porque depois vão aparecer uns poucos de meus irmãos, vão-nos rodear, e vão dizer:” Quem manda somos nós, que somos filhos dos mabecos. Nós somos pequeninos, mas andamos todos juntos, e ficamos ali parados debaixo da árvore onde tu te escondeste e vamos esperar até tu caíres. Porque nós nunca nos cansamos de esperar.”


Fico por aqui, por hoje. Mas a procissão ainda vai no adro…

domingo, 21 de dezembro de 2008

O êxodo dos Brancos de Angola- UNITA


O êxodo dos Brancos de Angola- um livro por escrever na primeira pessoa

Por Mandachuva


Mais uma vez o relato de familiares de ex-militares ...neste caso a esposa !

Os outros são como Savimbi escreveu no seu livro "ANGOLA a resistência em busca de uma nova nação”:
pàg 64 - "O êxodo dos brancos desequilibrou profundamente a vida politico-económica de Angola.
Houve quem escrevesse que a maior parte dos brancos residentes em Angola tinhaaderido à UNITA e desertou dela depois de certas afirmações de dirigentes do Partido, nomeadamente o meu discurso de Julho de 1975 no Cuma...//..."
" A UNITA foi o único movimento que tomou posições claras, límpidas, em relação à nacionalidade angolana. Foi ela que manteve(como mantém) a sua posição de que nas circunstãncias do nosso país, angolanos podem ser os pretos, os mestiços e os brancos.
Quinhentos anos de vivência em comum representam alguma coisa. Quinhentos anos de mistura de costumes e de sangue não são pouco.
A UNITA defendeu o ponto de vista da nacionalidade para brancos e mestiços, desde que estes estratos populacionais se identificassem com a construção harmoniosa de uma nova Angola, aceitando entrar na "escola da História" ,para que os pretos, que são a maioria, não vive3ssem constantemente dos seus ressentimentos e os brancos quisessem transpor para uma Angola independente a sua vida de privilégios passados durante a época colonial."...//...
"Foi essa base única que fez com que brancos pretos e mestiços aderissem em massa à filosofia do nosso partido."...//...
"Quanto ao meu discurso no Cuma, ele foi apenas um reflexo da situação que se vivia...//...tinha estado a dialogar comigo certos elementos brancos que se diziam amigos da Unita -o banqueiro espirito Santo e o Eng Fernando Falcão, Pinto Leite e o Eng. corte real, e outros mas com objectivos um pouco diferentes.
O Falcão ia para convencer-me de que a Unita devia capitular diante do MPLA porque ele tinha estado em Luanda e vira aí desembarcar armas electrónicas. outros sustentavam que os únicos brancos que tinham escolhido um Movimento de Libertação se identificavam com o Mpla.. segundo eles, os brancos filiados na UNITA tinham-no feito para procurarem da parte dela protecção para os seus privilégios. Foi por isso que eu quis lembrar aos brancos do Cuma que a Independência exigia de cada um uma dose de sacrifício..."
"E se eu quiser examinar erros cometidos nas áreas da Unita, no Huambo e Lobito, Lubango e Moçamedes fácil me será concluir que as populações pretas, brancas e mestiças não estavam absolutamente nada preparadas para esse encontro fraternal.
“A população branca queria manter os seus privilégios dentro do país independente."
"Os Erros cometidos em Angola resultaram da intransigência de certos elementos, uma vezes negros outras vezes brancos, que não estavam prevenidos de que todo o extremismo gera calamidades e que não aceitavam moderação nas suas reivindicações."
"Retomando a questão do Exodo dos Brancos, quero dizer que, no meu entender, ele não foi ocasionado pela sucessão dos acontecimentos ou pela falta de tempo par a educação das massas. Foi deliberadamente precipitado por Rosa Coutinho, que sabia bem que a única coisa que faltava ao MPLA, nessa altura, para poder aguentar a administração, eram os brancos, que não tinham contudo nenhuma simpatia por aquele movimento.
Por isso Rosa Coutinho fomentou atrocidades contra os brancos, para que eles se precipitassem para os portos e aeroportos e par os seus carros- deixando um vácuo que só o MPLA poderia preencher graças ao envio apressado de lisboa de quadros do partido comunista, para reforçarem a sua posição. Foi essa a razão fundamental do êxodo dos brancos."


Recolhas de Renato G. Pereira
http://www.prof2000.pt/users/secjeste/aidaviegas

EXCERTOS:
Foi o caso duma interessante conversa que Matilde ouviu uma tarde ao entrar num pequeno bar duma vila do centro do país onde, como é habitual, um grupo de homens, costumava juntar-se em amena cavaqueira. No momento a conversa estava animada. Os temas, como as cerejas, iam-se encadeando uns nos outros passando, inexoravelmente na altura, pelos retornados.
Uns queixavam-se disto, outros acusavam-nos daquilo, sendo, porém, todos unânimes na ideia de que os regressados de África estavam a constituir uma praga, tal era o número dos que afluíam dia após dia ao Velho Continente.
— Na realidade, disse um dos presentes à laia de conclusão, daqui a pouco, não se vê mais nada nesta terra senão retornados e cães!
— É verdade, é verdade...
— Você é que tem razão - aplaudiram quase em uníssono todos os presentes.
De repente, alguém reflectiu e, uma voz se levantou do meio do grupo:
— O senhor por acaso não é retornado? Ou é?
— Claro que sou, homem!
— Eu também, exclamou quem falara e, ambos desataram a rir com vontade perante o espanto dos demais que de repente não se haviam apercebido onde estava a piada

in Blog Muitogrosso

sábado, 20 de dezembro de 2008

O Povoamento de Angola e Moçambique com Naturais da Metrópole

Cláudia Castelo,
Passagens para África.

O Povoamento de Angola e Moçambique com Naturais da Metrópole,
Porto, Edições Afrontamento, 2007,
405 páginas.

A historiografia sobre a recente empreitada colonial portuguesa em terras africanas está a passar por uma mudança assombrosa. Podemos dizer, sem medo, que nos dias do fim da presença portuguesa nos grandes territórios de Angola e Moçambique o debate historiográfico era, em grande medida, alimentado por uma evidente polarização ideológica: de um lado, os que se alinhavam com o regime instituído pelo Estado Novo português, que resistia às transformações em curso no continente africano e insistia na realidade desterritorializada e multirracial da nação portuguesa; do outro, os que há muito se opunham à ditadura fascista e colonialista existente em Portugal e nas suas colónias e que, fortalecidos a partir do início dos anos 60 pela eclosão dos movimentos de libertação nacional, procuravam denunciar a falácia de um colonialismo de cinco séculos ou a suposta continuidade espiritual existente entre a metrópole e os territórios ultramarinos.

Se é verdade que encontramos ecos deste debate na cena pública portuguesa contemporânea ao lado de revivalismos de um luso-tropicalismo tardio e mesmo um certo mal-estar em diversos círculos portugueses, distintas correntes historiográficas vêm-se debruçando sobre as transformações que tiveram lugar nos territórios africanos de língua oficial portuguesa e, num diálogo dinâmico com a produção africanista, acompanhamos a produção de trabalhos de qualidade excepcional, preenchendo imensos vazios e formulando novas questões sobre uma história em grande medida ainda por ser escrita.

O trabalho de Cláudia Castelo pertence, sem sombra de dúvida, ao que há de mais vigoroso em Portugal.

Em publicação anterior, que teve origem na sua dissertação de mestrado, O Modo Português de Estar no Mundo. O Luso-Tropicalismo e a Ideologia Colonial Portuguesa (1933-1961) 1 , Castelo enfrentou o labirinto mítico que cercava o colonialismo português, a sua áurea de mistério e a incorporação do luso-tropicalismo freyriano com o propósito de perpetuar a presença lusitana em terras africanas. A historiadora desenvolveu então uma história crítica das ideias, revelando as distintas leituras, por vezes antagónicas, de que a obra de Freyre fora objecto em Portugal antes da sua transformação definitiva em ideologia oficial do regime. À leitura detida da obra de Freyre sucedeu outra, não menos detida, das múltiplas leituras a que Freyre foi submetido até a assunção do luso-tropicalismo por parte da intelligentsia política colonialista portuguesa. Consolidado como ideologia de Estado, e longe de um debate público democrático, 1 Porto, Afrontamento, 1999. Page 2 184 Análise Social o luso-tropicalismo acabaria por afectar a vida dos portugueses e de todos aqueles que se encontravam em territórios sob a administração colonial de Portugal. De ideologia, transforma-se numa verdadeira visão do mundo, a informar jovens obrigados ao alistamento militar e a uma guerra em terras longínquas e mesmo aqueles que procuravam nas colónias aquilo que lhes era negado em Portugal. E é sobre o povoamento com naturais da metrópole nas grandes colónias de Angola e Moçambique o novo trabalho de Cláudia Castelo.

LONGE DO BRASIL, NA ÁFRICA COLONIAL
Em Passagens para África.

O Povoamento de Angola e Moçambique com Naturais da Metrópole encontramo-nos com o mesmo vigor crítico do seu trabalho anterior — agora num trabalho de maior fôlego e ambição. Cláudia Castelo tem como propósito descrever os distintos fluxos de colonos metropolitanos rumo a Angola e Moçambique ao longo de boa parte do século XX . Se é verdade que a presença portuguesa nestes territórios sempre foi relativamente pequena (no final do século XIX e início do século XX era realmente diminuta), não é menos verdade que ela foi crescente e que não apenas houve pretensões de transformá-la em verdadeiras colónias de povoamento, como de facto o fluxo metropolitano foi contínuo, crescente e decisivo entre os anos 20 e o início dos anos 70. Parte da historiografia existente estava por de mais preocupada em denunciar as falácias do luso- -tropicalismo, insistindo mesmo, como fez Gerald Bender, na quase inexistência de colonos até um período extremamente tardio. Ora, o carácter anacrónico assumido muitas vezes pelo colonialismo português em África, a existência de colónias penais até à entrada do século XX , não deve deter a pesquisa, e Claúdia revela-nos o crescente, embora desigual ao longo do tempo, estabelecimento de naturais da metrópole nos grandes territórios africanos. E, como faz a autora de entrada, deve-se comparar o assentamento de colonos em Angola e Moçambique com outras experiências europeias no continente africano, em particular na Argélia, no Quénia, na Rodésia do Sul e mesmo na África do Sul, distanciando assim, definitivamente, a expe- riência lusitana nos grandes territórios africanos da ocorrida no Brasil. O Brasil aqui não entra como comparação, nem poderia. O país sul-americano surge antes como uma espécie de problema — para aqueles que, desde o início do século XX , queriam redireccionar os fluxos migratórios portugueses — ou como uma solução — para os que percebiam o carácter dependente do Estado português com relação às divisas geradas pela emigração. Não se trata de um parâmetro comparativo para a experiência dos colonos em África, como gostariam os entusiastas do luso-tropicalismo!

Em Angola e Moçambique, mesmo nos anos de relativa hegemonia do pensamento luso-tropical em Portugal (a partir de meados dos anos 50), a experiência Page 3 185 Livros dos colonos metropolitanos assemelhava-se antes aos assentamentos brancos da África do Sul, da Rodésia do Sul ou do Quénia: a tendência crescente para o estabelecimento das famílias; a sua concentração em núcleos urbanos com condições de saneamento e onde se sentissem protegidos diante da massa autóctone desconhecida e ameaçadora; a dispersão de um número restrito de famílias brancas pelo território, ocupando cargos burocráticos ou posições em grandes empreendimentos agrícolas; a criação de espaços sociais exclusivos, marcados pela clara segregação do elemento autóctone e pela rejeição violenta da miscigenação. Se os debates delineados por Cláudia sugerem distintas posições no que diz respeito ao povoamento de Angola e Moçambique, sempre marcados pela obsessão da classe política portuguesa, e mesmo da burguesia metropolitana, em torno da nacionalidade ou dos destinos da nação (e, nunca é de mais lembrar, constrangidos por um regime de natureza autoritária), a dinâmica assumida pelas levas de colonos que passam a dirigir-se para os territórios africanos — por vezes em função dos limites impostos pelo Estado brasileiro a emigrantes europeus, ou mesmo em competição com destinos europeus que passam a dominar a opção dos portugueses a partir da década de 50 — não foge ao já ocorrido em territórios outrora sob domínio britânico. Com uma grande diferença no futuro imediato desta colectividade: nos anos da descolonização, e apesar de afirmar o seu compromisso com o ultramar, a esmagadora maioria dos naturais da metrópole retorna a Portugal — certamente em função das dificuldades que se anunciavam nos novos países africanos, mas com toda a certeza como consequência dos fortes vínculos familiares que mantinham com a sua terra de origem, ou com a terra de origem dos seus pais e avós... o mesmo não ocorreria em determinadas colónias britânicas, pelo menos não na África do Sul e na Rodésia. Mas esta é outra história.

POVOAMENTO CONTROLADO: O MEDO DA POBREZA BRANCA

Geralmente, o trabalho dos antropólogos é cercado de uma certa áurea. Dificuldades de toda a ordem e a aventura parecem acompanhar a viagem a terras distantes. No entanto, não hesitaria um momento sequer em definir Cláudia Castelo como uma desbravadora e uma verdadeira aventureira. Como fica claro logo no início do seu texto, os arquivos portugueses e africanos — com a notável excepção do Arquivo Histórico de Moçambique 2 — 2 O Arquivo Histórico de Moçambique merece um destaque especial. Enfrentando dificul- dades de toda a ordem, e embora parte da documentação ainda se encontre à espera de tratamento, encontramos uma instituição digna que manteve as portas abertas constantemente a pesquisadores moçambicanos e estrangeiros que por lá passaram. O acesso às séries e documentos é ainda facilitado por arquivistas que realmente conhecem os meandros do AHM e estão interessados em efectivamente facilitar o nosso trabalho. Page 4 186 Análise Social estão longe de fornecerem condições ideais de pesquisa. Enfrentar caixas e caixas sem classificação, séries descontínuas, ou o descuido na manutenção de arquivos e documentos — em grande medida consequência do desinteresse daqueles que ocupam o aparelho de Estado numa política de arquivos histó- ricos —, constitui o dia a dia do historiador e do cientista social em Portugal (e no Brasil). Passagens para África revela o que pode ser feito a partir dos arquivos existentes, em particular o extraordinário (e caótico) Arquivo Histórico Ultramarino, mas também aponta para o muito que há por fazer.

O carácter desbravador de Cláudia Castelo deve-se ainda ao tema e ao método escolhidos. A memória daqueles que passaram parte das suas vidas em Angola e Moçambique faz parte da sociedade portuguesa contemporânea. E parte das novas gerações vê-se às voltas com histórias e silêncios de pais e avós que foram definitivamente marcados por um retorno nem sempre tranquilo ou pela nostalgia dos tempos africanos. Do lado africano, as coisas não são diferentes. Histórias sobre os tempos coloniais fazem parte do dia a dia de angolanos e moçambicanos. Geralmente, trata-se de histórias sobre os colonos ou sobre os brancos que se foram. E estamos longe de um mínimo consenso em torno destas histórias: um trabalho sobre a memória, muitas vezes uma memória traumática, levar-nos-ia a um campo que a historiadora quer evitar. Tratar-se-ia, enfim, de uma outra pesquisa. O necessário aqui é, sim, desbravar os arquivos, organizar os documentos, criar uma cronologia, compreender as instituições que se encarregavam do controlo dos territórios coloniais e do assentamento de colonos; saber quantos foram, em que períodos, qual a sua origem social e a que se dedicaram na terra de destino. E conhecer minimamente as informações de que dispunham sobre o continente que os iria receber, quais as suas expectativas. O trabalho ganha, assim, imensa densidade. Sempre matizando os problemas e limites do material disponível, temos muitas vezes não apenas o número de portugueses embarcados para Angola e Moçambique, como também, e em determinados períodos, a sua divisão por género, o seu estado civil, a idade e o grau de instrução.

Podemos acompanhar como, efectivamente, pelo menos a partir dos anos 40, o número de mulheres se aproxima do número de homens e, sobretudo, o grau de instrução médio daquele que se aventurava nas colónias africanas era superior ao da metrópole e certamente ao dos emigrantes que a partir dos anos 50 passam a preferir destinos europeus. Compreender este perfil exigiu da autora enfrentar o controlo que o Estado autoritário português pretendeu exercer sobre os fluxos rumo ao ultramar. Se é verdade que boa parte dos grandes projectos de colonização levados a cabo pelo Estado fracassaram — particularmente aqueles que implicavam a colonização rural —, tudo leva a crer que a tentativa de evitar uma emigração desordenada e impulsionada somente pela pobreza que imperava em Portugal foi bem sucedida. Page 5 187 Livros Mas por que evitar que Angola e Moçambique se transformassem, efectivamente, no lugar de destino das massas miseráveis que desde as últimas décadas do século XIX emigravam para o Brasil e, posteriormente, para a Venezuela, os Estados Unidos e, a partir dos anos 50, para os países desenvolvidos da Europa ocidental? Nos congressos coloniais muitos foram os intelectuais e políticos que defenderam que deveria ser a África o destino do excedente populacional peninsular. No entanto, um temor pairava particularmente entre aqueles que ocupavam cargos nas colónias ultramarinas: o temor da produção de uma massa branca pobre e despreparada a competir com os indígenas. E novamente Portugal se aproximava das demais colónias europeias do seu entorno africano: no Congo Belga, na Rodésia do Sul, no Quénia, dever-se-ia evitar a todo o custo a existência de uma pobreza branca; a consolidação do Estado sul-africano ao longo do século XX , que culmina com o estabelecimento do apartheid, representou um imenso esforço de eliminar a miséria que caracterizava as grandes massas de afrikaans que povoavam os subúrbios das grandes urbes sul-africanas. De certa forma, os esforços dos distintos Estados coloniais foram bem sucedidos e, como lembra Doris Lessing no 1.º volume da sua autobiografia, Under My Skin (1994), a memória de uma pobreza branca foi praticamente apagada de territórios como a África do Sul ou o Zimbabwe e também de Angola e Moçambique.

A pobreza branca deveria ser evitada a todo custo, pois os indígenas deveriam estar absolutamente convencidos da superioridade europeia. Era sobre a crença nesta superioridade que pretendeu-se assentar a arquitectura colonial, o que foi notavelmente eficaz, pelo menos ao longo de um determinado período de tempo. O poder colonial manteve-se não apenas pela força das armas. Após o brutal período da denominada pacificação, um complexo aparelho ideológico em torno da superioridade branca deveria não apenas ser disseminado como ritualizado. E é aqui que surge um estilo de vida colonial, tão distante da matriz europeia e que só fazia sentido naquela estrutura de poder. E este estilo de vida deveria ser tão pomposo e exclusivo quanto possível para, no caso português, e como lembra Cláudia Castelo, superar não apenas o fantasma da pobreza branca, mas evitar o que poderia definitivamente colocar em xeque o poder colonial aos olhos dos nativos (e dos demais europeus): a miscigenação e a cafrealização, ou seja, a adoção por parte dos brancos de comportamentos associados aos indígenas (p. 288).

ESTILO DE VIDA COLONIAL: O IDEAL DO NÃO TRABALHO —
Quando foi pela primeira vez a Portugal? —
Em 1937. Page 6 188 Análise Social — Gostou? — Não. Fui para ficar três anos, e não aguentei mais que um. — O que mais o surpreendeu quando chegou a Portugal? — Logo no porto tive a minha grande surpresa: ver brancos a trabalhar, a descarregar os navios. Trecho da história de vida de um moçambicano branco registada em Janeiro de 2001 Eis o que deveria ser evitado a todo o custo: o trabalho manual realizado por brancos. É impressionante o número de referências que recolhi na minha pesquisa de campo em Moçambique sobre o choque dos brancos coloniais quando chegavam à metrópole e deparavam com brancos a carregar caixas ou a servir em mesas de bar — referências estas que se repetiam no caso rodesiano 3 .

Na verdade, havia um verdadeiro debate quanto à natureza do trabalho a ser realizado pelos brancos em territórios ultramarinos, e não eram poucos os que reclamavam uma maior implantação de colonos como agricultores, trabalhando lado a lado com os nativos africanos, como forma de garantir a assimilação da massa indígena ao que se considerava uma civilização superior. No debate, e como demonstra Cláudia Castelo, predominaram muitas vezes aqueles que queriam garantir aos brancos metropolitanos as posições de mando junto da massa indígena, esta sim dedicada ao trabalho nas grandes empresas agrícolas. Para tanto, competia não apenas a visão predominante da não resistência dos brancos ao trabalho manual em ambiente tropical africano, mas mesmo a negativa dos assentados europeus. Parte dos naturais da metrópole associava a sua ida às colónias a um evidente projecto de ascensão social, o que implicava justamente deixar para trás possíveis origens rurais ou camponesas; outros procediam, na verdade, da própria burguesia metropolitana, que encarava o estabelecimento em Angola e Moçambique não só como forma de ascensão social, mas como uma estratégia para fugir à estreiteza da vida metropolitana de então. As colónias das revistas, manuais e dos romances a partir pelo menos dos anos 30 prometiam não apenas fortuna, mas também aventura e, sobretudo, um estilo de vida, que implicava uísque ou gin no fim da tarde — algo muito distante do trabalho de um camponês. 3 Numa entrevista que realizei a um rodesiano (assim se definia, embora a Rodésia já não exista), ele afirmou que a primeira vez que entrou num avião da British Airways num voo de Salisbury para Londres ficou chocado ao ver aeromoças brancas a servirem os passageiros, pois jamais fora servido por um branco. Page 7 189 Livros A foto apresentada na capa de Passagens para África — «Colonos e suas famílias em Benguela seguem para Angola e Moçambique», publicada pelo jornal O Século em 29-8-1947 — indica uma ambiente relativamente relaxado existente entre aqueles que partiam da metrópole rumo às grandes colónias africanas. Não deparamos com emigrantes assustados ou mal vestidos. Alguns homens encontravam-se engravatados, outros já usavam o inconfundível chapéu colonial, um deles com uma harmónica. Dois jovens estão ao fundo, claramente felizes. As três mulheres que aparecem na foto, à esquerda, também aparecem bem vestidas, assim como a menina sentada na mesma cadeira com aquele que possivelmente seria o seu pai. Homens, mulheres, crianças, jovens, indicam a ida de famílias, e todos estes parecem querer registar na foto a sua melhor imagem — uma imagem de alegria de quem parte para um destino que lhe reserva algo certamente mais empolgante do que sua terra de origem. Mas a implantação do estilo de vida colonial em muitas cidades de Angola e Moçambique deu-se, na verdade, com o extraordinário desenvolvimento que acompanhou as guerras de libertação nacional. O desenvolvimento e o estabelecimento de grandes comunidades brancas nestes territórios passaram a ser estratégicos no interior do esforço de guerra e de uma portugalização que se queria definitiva dos territórios, que passaram a reivindicar a partir dos anos 60 o direito à autodeterminação e à independência. Em grande medida, e como conclui Cláudia Castelo, as memórias de África que percorrem parte da sociedade portuguesa contemporânea fazem referência justamente a este período, quando a exclusividade dos espaços dos brancos coloniais começou a ser pressionada por um cada vez maior número de africanos que se representavam a si mesmos como cidadãos e que haviam sido beneficiados com o tardio crescimento das instituições de ensino em Angola e Moçambique. Uma África multirracial portuguesa já não era possível naquele momento. Embora distante dos centros de assentamento europeus, em Angola e Mo- çambique ardiam guerras de libertação nacional, transformadas ulteriormente em guerras civis. E as relações entre as transformações promovidas pelo tardo-colonialismo português, que supôs o estabelecimento sem precedentes de naturais da metrópole em terras africanas, e os conflitos sangrentos que sucederam às independências ainda estão para serem estudadas. Consciente de que esta resenha não faz justiça ao trabalho de Cláudia Castelo, na medida em que destaquei apenas alguns pontos de Passagens para África com o propósito de indicar a sua importância e de seduzir possíveis futuros leitores, permito-me uma divergência com a autora. Logo no início Cláudia adverte que, apesar de pressupor um diálogo com os estudos africanos, a sua pesquisa não se encontra no âmbito da história de Page 8 190 Análise Social África. Ora, e hoje mais do que nunca, sabemos que a colonização faz parte da história do continente africano.

No caso daquelas colónias que num determinado período foram terra de destino de milhares de famílias euro- peias, a dinâmica do assentamento europeu — e do seu fim — revela-nos parte da herança do colonialismo tardio. Passagens para África representa, assim, uma contribuição decisiva para a historiografia contemporânea de Angola e Moçambique, mas não só: lança luz sobre processos similares noutras experiências coloniais, procurando abordar com um olhar mais agudo os processos de assentamento branco na África como um todo. Nesse sentido, é, sem dúvida, importante para qualquer interessado em estudos do colonialismo europeu em África, nos estudos africanos e nos estudos pós-coloniais. O MAR RIBEIRO THOMAZ Universidade Estadual de Campinas