quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A lógica da consolidação da economia de mercado em Angola, 1930-74

           Análise Social, vol. XXI (85), 1985-1.°, 83-110  Eduardo de Sousa Ferreira
             A lógica da consolidação da economia de mercado em Angola, 1930-74
 


                                                          INTRODUÇÃO
Tem sido comummente defendida a tese de que a economia de Angola, nos últimos quarenta anos da sua existência como economia colonial, não evoluiu segundo um processo lógico, mas sim devido a um encadeamento de factos mais ou menos aleatórios, essencialmente porque a economia e a política colonial portuguesa, pela sua fraqueza e dependência, não estavam em condições de seguir um modelo de exploração colonial.

Uma certa distância que permita abarcar toda a evolução do período nos seus traços essenciais — evitando assim possíveis distorções derivadas duma visão de processo «por dentro» na sua parcialidade — e uma análise dos dados socieconómicos disponíveis, se bem que insuficientes, parecem con-
tradizer uma tal tese.

A uma fase de integração crescente da mão-de-obra numa economia de mercado sucedeu, a partir dos anos 50, um grau crescente, porque mais racional, de exploração. Estas fases representam a penetração e consolidação em Angola dum modo de produção baseado na economia de mercado e orientado segundo os interesses da economia metropolitana, onde — ao contrário do que geralmente é afirmado — se encontravam os principais centros de decisão. A partir da década de 60 assiste-se à expansão deste modo de produção, com a passagem da exploração colonial através do comércio para a exploração através da penetração de capital e do aumento de possibilidades de acumulação local, com o respectivo reforço duma burguesia local fraca, mas já existente.

Patenteia-se em Angola um processo de desenvolvimento da economia que, não sendo «clássico», se mantém dentro das margens dos modelos de exploração colonial geral implantados pelas outras metrópoles. Na realidade, o baixo grau relativo de desenvolvimento da economia portuguesa irá conceder uma certa «especificidade» ao processo, derivada do facto de o capital português conseguir manter uma posição dominante na definição da política económica colonial e este capital se encontrar numa fase de «empi-
rismo», em que ainda carece da renovação dos conceitos e mentalidades, do planeamento e da organização científica do trabalho. Por outro lado, a necessidade de encontrar apoio à política seguida e a fraqueza relativa do capital industrial português levam-no a não poder, na fase final, prescindir da penetração do capital estrangeiro, tanto nas colónias como na metrópole, passando o centro de decisão da metrópole a ser partilhado com outros centros.

Mas esta «especificidade» não ultrapassa a margem de variação dum modelo colonial passível de várias combinações dum número limitado de componentes e vai conduzir objectivamente — função do próprio mecanismo das leis económicas, mas também função de decisões — à consolidação e expansão da economia de mercado em termos tais que o domínio político directo se torna cada vez menos necessário e o caminho vai ficando aberto para uma solução neocolonial. A crescente autonomia administrativa atribuída
a Angola na fase final do colonialismo não pode ser considerada uma diminuição da sua dependência em relação à metrópole: a transformação das relações Angola/Portugal, assim como o surgimento de novas relações, implicam, sim, uma dependência cada vez maior da colónia nos campos económico, monetário, financeiro e tecnológico. Esta dependência foi perdendo o carácter de controlo político directo e foi-se transformando no sentido de um controlo económico, o que representa a promoção das possibilidades de
desenvolvimento da economia metropolitana e da sua associação à Europa desenvolvida, pretendendo preparar-se assim o caminho para a participação de Portugal numa exploração de tipo neocolonialista. A solução federalista de Spínola antes do 25 de Abril é disso testemunho. Por parte do capital internacional, o grau de penetração da economia de mercado atingido em Angola na fase final revelava-se suficiente para garantir a continuidade do modo de produção, tornando-se assim supérfluo o domínio político directo e mesmo vantajosa a eliminação do intermediário até aí obrigatório que era Portugal, em contradição com as pretensões do capital português.

Conclui-se, pois, que obstáculos postos à independência de Angola não derivavam da inexistência de um desenvolvimento tipo colonial, como nas outras colónias tornadas independentes em termos neocoloniais. Para as potências «candidatas» à neocolonização de Angola (incluindo Portugal), o impedimento residia no facto de não ter sido possível criar condições que garantissem a tomada do poder por uma burguesia local correia de transmissão de um capitalismo dependente, dado que essa burguesia não conseguiu ser integrada na formação social devido à clivagem gerada por um racismo económica e socialmente necessário como defesa duma população branca pouco qualificada1; para Portugal, o impedimento derivava, além disso, especificamente, de dois factores: por um lado, o desenvolvimento do capital indus- trial português era relativamente recente e quanto mais tempo «fosse ganho» até à independência, tanto maior seria o grau de participação da economia portuguesa numa futura exploração neocolonial internacional; por outro
lado, a concessão de independência às colónias, e a Angola especialmente, iria pôr em causa todo o sistema político implantado na metrópole, e uma transição teria de ser extremamente cuidadosa e, por isso, morosa.

A verificação de que Angola foi explorada segundo uma lógica inerente a um dos modelos de exploração colonial não é contradita pelo facto de o desfecho do processo de descolonização ter sido diferente dos outros modelos de descolonização devido precisamente ao carácter «específico» da colonização portuguesa. Na realidade, se a descolonização foi essencialmente determinada tanto pela existência de forças nacionalistas não articuladas pela burguesia local, e que não aceitavam um capitalismo dependente, como pelo carácter que assumiu a revolução do 25 de Abril na metrópole, ela foi também determinada pela incapacidade da economia portuguesa de se implantar

O aspecto da tese inicialmente exposta e referente aos reflexos do desenvolvimento da economia portuguesa na política colonial cremos ter sido por nós já devidamente refutado numa análise fundada da perspectiva neocolonialista da economia portuguesa2.  O objectivo do presente trabalho é apresentar pontualmente alguns dados que permitam contribuir para a refutação do corpo da tese que cremos errada. Numa análise do período de 1930 a 1974, se bem que baseada na precariedade dos dados existentes e na impossibilidade de sintetizar pesquisas também existentes, mas ainda iniciais, pretender-se-á caracterizar a penetra-
ção e consolidação da economia de mercado em Angola, demonstrando, por um lado, que o processo de desenvolvimento teve a sua lógica, que era a de permitir uma exploração colonial racional e preparar o caminho para a neocolonização, e, por outro lado, que certos factos «aleatórios» são expressão
duma especificidade do modelo colonial adoptado que o não fazem transbordar, no essencial, para além das fronteiras dos modelos impostos pelas outras potências coloniais. O ensaio limita-se assim à análise do processo económico interno de Angola e suas ligações directas com a política económica da potência colonial, excluindo, mas sem poder de forma alguma pretender subestimar, os efeitos da conjuntura da economia mundial sobre a actividade económica em Angola, que, sendo um factor relevante a tomar em consideração, excede o âmbito da presente análise.


I. A ESTRUTURA DA ECONOMIA COLONIAL ATÉ À DÉCADA DE 60

Nas décadas de 30 até 50, o factor essencial de produção dinamizador da economia angolana foi o factor trabalho, pilar tradicional do sistema de exploração colonial. O factor capital, se bem que se tivesse vindo a reforçar principalmente a partir dos anos 203, era ainda débil em termos de acumulação local e afluía
de forma ténue da metrópole à época fracamente industrializada; por outro lado, ao capital estrangeiro deparava-se certa dificuldade de penetração devido à política proteccionista do Estado Novo, que insistia em dar preferência ao capital português4.

O sistema fiscal e o regulamento do trabalho, baseado no Código do Trabalho do Indígena, de 1928, constituíam o enquadramento institucional destinado a limitar a possibilidade de o trabalhador angolano reduzir a sua actividade à cultura de subsistência, libertando mão-de-obra a ser inserida no circuito de economia monetária, seja através da sua introdução na «rede de comercialização» pela cultura autónoma de produtos de exportação, seja através da exploração directa da mão-de-obra pelo assalariamento. Preten-
dia-se criar condições para a existência e utilização de mão-de-obra em termos favoráveis a uma economia de mercado. O método utilizado era assim duplo. Um indirecto, através do sistema de impostos, que coagia à obtenção de rendimentos monetários, sendo a aplicação das leis fiscais «utilizada  pelos funcionários da Administração para garantir a mão-de-obra necessária às plantações europeias de cacau, café ou sisal, ou a empresas como as minas de diamantes»5; o outro método era directo, através do trabalho forçado
sob variadas formas. O Decreto n.° 16 199 (Código do Trabalho do Indígena) permitia o trabalho compelido para fins de interesse público, embora a titulo excepcional (artigo 294, § único). Contudo, «na prática, como não havia afluência espontânea de mão-de-obra em número suficiente, eram as autoridades administrativas que recrutavam os trabalhadores para as obras públicas em curso»6. Também a proibição do trabalho compelido em empresas privadas era ignorada pela Administração, servindo, por exemplo, o cultivo obrigatório do algodão de pretexto para este tipo de trabalho nas plantações europeias que possuíam concessões do Governo7. «Em Angola, o Estado actua aberta e deliberadamente como agente recrutador e distribuidor do trabalho em benefício dos colonos.»8 A Convenção do Trabalho Forçado, de 1930, foi ratificada por Portugal somente em 1956 e subterfúgios legais permitiam continuar a violar a Convenção9.
O trabalho forçado, pelo impacte que provocava no trabalhador africano, tinha ainda o efeito de induzir a aceitação de salários baixos junto dos empregadores particulares, sendo assim errado assumir que estes trabalhadores, ao aceitarem contratos a baixo nível salarial, respondiam a incentivos
económicos normais10.

Em 1941, os salários médios mensais eram de 27$ para os trabalhadores agrícolas residentes na região do local de trabalho e de 36$ para a mão-de-obra migrante, acrescidos de alimentação e vestuário n. O pagamento feito aos trabalhadores autónomos situava-se igualmente a um nível extremamente baixo, sob um regime de preços fixados por lei. Em meados de 40, o preço do milho de Angola foi fixado em 1$, enquanto o dos Estados Unidos ficava a 2$05 e o da Argentina a 2$81. Daquele escudo, ao cultivador africano eram
pagos $0,5812.

Este sistema de produção, baseado quase exclusivamente no factor tra- balho e nestas condições, não podia induzir uma economia dinâmica. Na base de uma população que em 1930 pouco ultrapassa os 3 milhões e em 1950 os 4 milhões, os fracos salários distribuídos e os baixos preços pagos ao cultivador africano não permitem o desenvolvimento de um mercado interno activo de consumo, mesmo que algumas camadas sociais estivessem interessadas na sua expansão. A procura de bens de consumo encontra uma base
fraca de alargamento quase exclusivamente no poder de compra dos colo- nos, que, contudo, eram em número de 30 000 em 1930 e em 1950 não ultrapassavam os 75 000. Em 1930-31, do valor da exportação, 15°/o têm origem na produção de agricultores africanos autónomos, 20% na de contratadores
e somente 5% na produção directa de europeus. Da produção agrícola em 1942, apenas 28,9% eram de origem europeiaI3

CONTINUA...
 Ver aqui: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223476582X5dGR7qk4Lo82EL4.pdf.




sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

SOBRE A GÉNESE DA LITERATURA ANGOLANA


[pepetela.jpg]Por: Pepetela



O primeiro livro editado em Angola e escrito por um angolano data de 1849 e foi publicado em Luanda pouco depois de se ter instalado a Imprensa Oficial. Trata-se de um livro de poemas, intitulado “Espontaneidades da minha alma”, cujo autor, José da Silva Maia Ferreira, pertencia a uma família de comerciantes portugueses instalada há muito na colónia.

Certos indícios fazem crer que outros angolanos se teriam dedicado às letras antes desta data, mas não encontrámos até hoje as obras, apenas referências esparsas. Preferimos pois referir que na segunda metade do século passado, e mais particularmente a partir de 1880, se desenvolve o que se pode chamar um embrião de literatura em Luanda e Benguela, cidades antigas na costa atlântica e pontos de partida para a colonização do interior. Tratava-se principalmente de obras de carácter jornalístico, muito activo nessa época marcada por grande agitação na vida da colónia, mas também poemas, romances e ensaios. Temos uma grande variedade de títulos de jornais, utilizando a língua portuguesa, kimbundo e kikongo, por vezes bilingues. A vida da maior parte destes jornais era efémera e embora tivesse sido decretada a liberdade de imprensa, vários deles eram proibidos logo desde o primeiro número, por razões políticas.

É o contexto social em que se desenvolveu esta literatura que vamos tentar rapidamente examinar, para pôr em evidência a maneira como se foi criando uma cultura própria que teria um enorme protagonismo no século actual, servindo de base para as manifestações nacionalistas.

O território que iria ser conhecido mais tarde pelo nome de Angola tornou-se, a partir da fundação da cidade de Luanda, em 1576, um enorme fornecedor de escravos para as Américas. A norte do território situava-se o reino do Congo, o qual já participava do tráfico há quase um século, mas tratava-se de uma entidade política independente na época, só se integrando na colónia de Angola no século XVII. Toda a economia de Angola vivia de e para o tráfico. E isto durou aproximadamente três séculos. Os escravos partiam principalmente para o Brasil. Do Brasil, Angola importava todos os produtos necessários à vida da colónia : da aguardente e pólvora até à carne seca e à madeira para construção. Portugal contentava-se em enviar pessoas e entre elas um importante contingente de deportados, condenados por crimes de direito comum e por “delitos religiosos”. Esta categoria era constituída por judeus e adeptos da reforma protestante. Os colonos eram compostos essencialmente de traficantes, comerciantes, soldados e deportados. Dadas as circunstâncias específicas em que se realizava a partida desta população para Angola e dados os objectivos visados, é fácil deduzir que se tratava de uma população principalmente masculina, o que esteve evidentemente na origem da forte mestiçagem gerada na colónia.

Até ao século XIX, a situação económica e social sofreu poucas modificações, em Luanda, Benguela e nos territórios circunvizinhos que constituíam praticamente a colónia de Angola. Era de facto uma feitoria servindo de base à captura e ao embarque dos escravos. Sendo a sua principal vocação militar e administrativa, a esta se agregou alguma actividade económica ligada à pesca e a uma agricultura rudimentar nas quintas à volta das cidades e presídios e, finalmente, o comércio de alimentação e bebidas. Esta feitoria era de facto desde o século XVII governada pela colónia portuguesa do Brasil e não directamente pelo Reino de Portugal.

Até ao século XIX, que constitui um período-charneira, como veremos, as características da população da colónia não variaram. Assim, a categoria dos brancos, que eram em número de dois mil e se compunham de comerciantes e soldados, permaneceu estável durante séculos. O número de mestiços aumentou progressivamente e sempre foi superior ao dos brancos. O elemento negro evoluía de maneira significativa, mesmo se uma parte importante era constituída por escravos que só ficavam nas cidades o tempo mínimo para se restabelecerem fisicamente do desgaste provocado pela viagem em caravana do interior para a costa, com o fim de poderem suportar as condições infra-humanas da viagem para a América. Luanda e Benguela eram com efeito entrepostos de engorda dos escravos capturados em guerras do interior ou vendidos pelos chefes tribais.

O número reduzido de brancos, a quase inexistência de mulheres brancas, e o facto de os negros serem escravos em trânsito ou servindo nas casas dos donos, e por isso com poucas possibilidades de fundar uma família, explicam que a família mestiça tenha predominado nessa altura. Pode mesmo dizer-se que a família dominante era não somente mestiça mas também patriarcal polígama. Um homem, que podia ser europeu, mestiço ou raramente um negro com grandes propriedades, tinha normalmente uma mulher principal e várias secundárias, geralmente escravas (mucambas) que ajudavam a mulher principal nas lides da casa. Muitas vezes a mulher principal era mestiça e as secundárias eram negras, independentemente da cor do chefe de família. Se este era rico, as mulheres eram tratadas com grande luxo e ostentadas publicamente, sem nenhuma reserva, o que levava a igreja católica a elevar-se constantemente contra “a dissolução dos costumes e a degradação da moral familiar”. Mas, ao que sabemos, a sociedade fazia pouco caso das invectivas da igreja, não só porque as condições da colonização a forçavam a isso, mas também porque este factor encontrava justificação fácil nos costumes da sociedade africana tradicional, polígama por excelência. Assim, a sociedade mestiçava-se racialmente e se baseava sobre uma síntese cultural entre a estrutura familiar europeia e a estrutura familiar africana tradicional. Em Luanda, cidade situada em território de língua kimbundu, era esta língua africana que se usava correntemente na família patriarcal, mesmo se o chefe fosse branco. Do mesmo modo, inúmeras crenças e costumes africanos perduravam, sob o manto da europeização e da cristianização, em imprevistos sincretismos religiosos e culturais.

Um outro fenómeno se juntava a esta evolução : o da ascensão de mestiços livres na administração, os quais representavam uma quinta parte dos funcionários. Esta ascensão social dos mestiços dava um aspecto particular às sociedades da costa, muito particularmente a Luanda e Benguela. De um modo geral, os brancos consagravam-se sobretudo ao comércio, fonte real do poder, que lhes assegurava mais vantagens materiais que os magros salários de funcionários. Por isso uma parte significativa dos cargos públicos, civis e militares, foi progressivamente ocupada pelos mestiços. No entanto sempre existiram medidas legais restritivas. Os cargos mais elevados ou de maior prestígio, compreendidos os de vereadores da Câmara, reclamavam “pureza de sangue”, o que queria dizer que o candidato não podia ter sido “contaminado” por sangue judeu, mouro ou negro.

A sociedade urbana de fim do século XVIII é melhor conhecida graças ao historiador brasileiro Elias Correia , que viveu vários anos em Angola e descreveu o quotidiano dos seus habitantes. Ele considerava a sociedade dominante em Luanda licenciosa e atentatória à moral católica. Refere também que a cidade era a mais suja do mundo, com as ruas cheias de lama e de estrume, os animais vivendo nas ruas no meio do lixo atirado de todos os lados. Os habitantes sofriam de paludismo e desinteria, e todas as pestes provocadas pela atmosfera pútrida em que viviam. As casas estavam reduzidas a estado de pardieiros e os edifícios com imponentes fachadas mas ameaçando desabar estavam rodeados de cabanas sombrias e sem ventilação e casas em ruína que serviam de despejo a toda a espécie de imundícies. No entanto, talvez para reforçar os contrastes, nesta cidade descuidada, infecta, mal cheirosa, que os grandes senhores se contentavam de disfarçar mandando queimar alfazema e açúcar no interior das habitações, havia a maior ostentação de luxo. Os senhores e suas consortes vestiam caras sedas, veludos e brocados, como nas cortes europeias, sem temerem a sauna a que se condenavam, passeavam pedrarias, espadins e fivelas de ouro nos sapatos, para os mergulhar logo em seguida no esterco das ruas. Por Elias Correia sabemos ainda que não havia vida cultural, excepto raras representações teatrais nas igrejas. Os habitantes mais desafogados passavam o tempo a engolir copiosos repastos que duravam horas, bem regados de aguardente brasileira, e que terminavam invariavelmente por partidas de cartas com grossas apostas. As fortunas se faziam e desfaziam numa noite.


Esta sociedade pachorrenta para a qual o desenvolvimento significava quase um insulto sofreu no século XIX dois grandes abalos que por pouco a faziam desaparecer. O primeiro abalo foi a independência do Brasil em 1822. Grupos importantes das classes dominantes de Luanda e de Benguela tentaram fomentar um movimento para se juntarem ao Brasil e prolongarem constitucionalmente o que existia na prática. A burguesia colonial de Angola vislumbrava grandes benefícios nesta ligação directa com a região que lhe comprava os escravos e sem ter de enviar o dinheiro dos impostos do tráfico para Portugal. Mas o poder português reagiu e o número de brancos aumentou consideravelmente num ano, com o envio de tropas para defenderem os direitos da coroa europeia. O resultado mais sensível da independência do Brasil foi uma diminuição progressiva da exportação de escravos, o que provocou uma crise da economia que durou um século.

Em 1836, um segundo abalo iria modificar a face da colónia : a abolição do tráfico de escravos pela pressão da Inglaterra. E a crise tronou-se pânico e engendrou uma verdadeira debandada. Houve uma exportação clandestina e massiva de escravos e fuga de capitais e de pessoas para a Metrópole. O tráfico diminuiu lentamente para desaparecer completamente só no fim do século. Todavia, deixou de ser a principal e quase única fonte de receitas da colónia. A economia de feitoria terminou, deixando o lugar a outro tipo de colonização, já timidamente experimentado no passado, com o envio de maior número de colonos para o interior com o fito de se dedicarem à agricultura. Esse movimento migratório de brancos modificou pouco a pouco as relações sociais e marcou definitivamente a vida cultural. As perdas provocadas pelo fim do tráfico foram somente em parte compensadas pelos benefícios do comércio da borracha e do marfim, e pelo princípio da exploração do café. Mas a transformação do sistema de produção provocou mudanças importantes numa camada social que alguns autores qualificam como “classe média africana”, “sociedade crioula” ou “elite africana”, termos utilizados para designar essencialmente o mesmo fenómeno.



CONTINUA...

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Sul de Angola - O Gado Sagrado entre os Nhanecas-Humbes

Sul de Angola - O Gado Sagrado entre os Nhanecas-Humbes (1) O cortejo

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"O grupo étnico que apelidamos de Nhaneca-Humbe constitui um grande agregado populacional no Sudoeste de Angola. Possui uma unidade étnica bastante bem definida e a sua coesão linguística é facilmente observável para quem se dedica a estudos desta natureza.
Inclui os seguintes povos: Muílas, Gambos, Humbes, Donguenas, Hingas, Cuâncuas, Handas, Quipungos e Quilengues.
Com excepção da região de Quilengues e parte da área da Bibala, podemos dizer que estes povos ocupam a terra planáltica do Sul de Angola.
Esta área atinge o seu ponto mais elevado no planalto do Bimbe, perto da Humpata (cerca de 2300 metros), descaindo gradualmente até ao vale do Cunene.
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Não se pode falar na vida pastoril destes povos sem mencionar a existência do gado sagrado (machos ou fêmeas bovinos).
Regra geral, os animais sagrados são herdados ou recebidos como presente do pai, de um tio materno ou de um irmão. Referindo-se a um deles no singular, chamam-lhe otyi-panga, que quer dizer "o animal amigo".
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O espírito do benfeitor falecido parece protegê-los ou, mesmo, residir neles. Os espíritos comunicam por seu intermédio com os vivos. São como que a protecção da família: todo o bem que a esta sucede é facilmente atribuído à sua interferência. Por isso se lhes presta culto e se lhes dispensam cuidados muito especiais.
Tudo o que esteja relacionado com estes animais reveste um carácter sagrado - o leite, os excrementos, o vaso da ordenha, o lugar onde o leite é distribuído.
Nunca podem ser alienados e, se forem roubados, constitui tal facto um grande desastre para o dono e para a família deste.
Todo o nhaneca que se respeita deve possuir pelo menos dois bois (ou vacas) sagrados: um recebido do pai e o outro herdado do tio materno. Os mais ricos têm quatro ou cinco.
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É entre os Nhanecas que se encontram talvez mais variedades de animais sagrados. Conhecem eles pelo menos seis classes de "bois" sagrados:
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1 - Onaluhonge, que quer dizer: "aquele da vara". - Pode ser um macho que o filho recebe de seu pai. Trata-se, porém, geralmente, de uma vitela. Assim que tiver a primeira cria, o leite só poderá ser utilizado pelo proprietário ou pelos companheiros de circuncisão. Os mesmos, e só eles, podem comer a carne desta vaca, quando ela morrer de doença ou de velhice.
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2 - Ondyila-ombe - É uma vaca oferecida ao filho do falecido dono do gado. O leite pertence exclusivamente ao órfão e a seus filhos, se os tiver. Enquanto pequenos, alimentar-se-ão do leite desta vaca; uma vez crescidos, abster-se-ão de o fazer, por respeito.
De vez em quando conduzem todas as vacas ao cemitério - todas, mesmo as profanas. Vão acompanhadas dos seus vitelos, a um dos quais se racha então uma orelha ao meio. O sangue, derramado sobre as campas, é oferecido como sacrifício aos mortos aí enterrados. Se o vitelo vingar e for fêmea, ficará automaticamente sagrado como otyi-panga. Um animal destes não pode ser alienado.
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3 - Onumatwa, "a mordida", por causa da orelha fendida. Esta vaca pouco difere da precedente. Para a consagrar, porém, não é necessário ir fazer a cerimónia ao cemitério. O animal foi recebido por um sobrinho, por ocasião da morte de um tio: é como o seu memorial. O leite pertence ao dono e aos seus filhos. A descendência desta vaca pode no entanto ser vendida.
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4 - Onamphinga, "a do herdeiro". - É um boi geralmente abatido por ocasião da morte do dono. Os herdeiros só podem comer da carne do peito, que é imediatamente separada do resto, logo depois de a rês ter sido abatida. A esta carne especial têm também direito os parentes próximos paternos.
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5 - Ondilisa, "faz chorar", por alusão aos prantos fúnebres. É o boi morto por ocasião do passamento do proprietário. Mas não se lhe come a carne, a qual é lançada aos cães. O couro pertence aos herdeiros.
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6 - Onamulilo, "o do fogo". Temos aqui um boi macho muito respeitado e ao qual se não podem dar maus tratos. O dono, depois de o ter escolhido, manda um dia ministrar-lhe umas drogas por um quimbanda, o que o torna imune aos ataques do leão. Com efeito, declarou-me um velho da região da Quihita: Como poderá ele ser atacado pelo leão, se tem fogo no seu corpo?!
Quando morrer, unicamente mulheres e raparigas lhe podem comer a carne." (*)
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(*) - Adaptado de: Padre Carlos Estermann - Etnografia do Sudoeste de Angola - Vol. 2 - Grupo Étnico Nhaneca-Humbe - Junta de Investigações do Ultramar - Lisboa - Portugal - 1960.
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"A manifestação mais espectacular, respeitante ao gado sagrado, é o chamado "cortejo do boi sagrado", rito que hoje em dia só é praticado entre os Nhanecas.
A festa consiste essencialmente num cortejo solene, que leva o boi sagrado do régulo através do sobado inteiro, com todas as honras que são devidas a um animal no qual as almas dos antigos reis parecem ter estabelecido o seu habitáculo.
O boi, que é de cor branca e preta, tem ao seu serviço um séquito de altos dignitários, entre os quais se destacam o mwene-hambo, que é o chefe dos pastores do gado do soba, e o nthoma, que faz as vezes de arauto, anunciando por toda a parte a passagem do boi.
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Antes da saída do cortejo, o soba faz as recomendações seguintes:
Percorrei a terra, fazei a festa. Se o cortejo encontrar um cabrito no caminho, matai-o; se for um boi, comei-o; se for uma criança, prendei-a e que a família pague um boi para a resgatar!
Toda a pessoa adulta deve venerar o boi à sua passagem. Se houver alguém que assim não proceda, tirai-lhe tudo quanto tem. Se resistir, matai-o. Que não se chore o morto. É um tempo de regozijo!
Que tudo seja permitido! No entanto, não se devem maltratar as mulheres. Não deve haver nem questões nem querelas. Não pode haver lamentações, mesmo que alguém morra. O povo quer a festa. Se eu a não permitisse, o povo ficaria descontente. Ide, pois!
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Feita esta proclamação, procede-se à cerimónia seguinte: a primeira mulher do soba apanha um pouco do pó das pegadas do chefe dos pastores, ao mesmo tempo que uma pequena porção da bosta do boi sagrado, e leva estes produtos para o quarto de dormir, colocando-os debaixo do travesseiro de madeira. Não podendo tomar parte no cortejo, ficar-lhe-á desta maneira pelo menos indirectamente unida. Durante o cortejo, ela e o régulo têm a obrigação de guardar continência, tal como o chefe dos pastores.
A procissão do boi sagrado dura mais ou menos três semanas. Em todas as quintas por onde ele passa são-lhe prestadas todas as honras e, no decorrer da viagem festiva, junta-se-lhe muito gado para acompanhar o cortejo.
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De regresso à residência do soba, este e a mulher principal, mais uma rapariga virgem, apresentam ao animal uma bebida peculiar. O boi sagrado lambe-a com sofreguidão, o que é um motivo de alegria para todos os circunstantes e um óptimo augúrio para toda a tribo. Nesta ordem de ideias, o chefe dos pastores promete prosperidade e uma protecção especial dos espíritos dos antigos sobas para todo o povo." (*)
(*) Adaptado de: Padre Carlos Estermann - Etnografia do Sudoeste de Angola - Vol. 2 - Grupo Étnico Nhaneca-Humbe - Junta de Investigações do Ultramar - Lisboa - Portugal - 1960.

DO TEJO GRANDIOSO AO ZAIRE PODEROSO - Poema Épico - Volume I



Caravela portuguesa

CANTO I - "DO TEJO GRANDIOSO AO ZAIRE PODEROSO" -(65 estâncias)-

1) - Não pretendo cantar lutas gloriosas
...... Desses antigos reis e outros senhores,
...... Já gabadas em versos e altas prosas
...... Por alguns de mais rápidos louvores,
...... Mas sim aquelas duras,perigosas,
...... As mais negras, sem fim e sem favores,
...... Desses aventureiros de espantar
...... Que venceram as terras e o alto mar !

2) - Olhos ténues do céu azul e distante
...... Que sois luzes de estranhos universos,
...... Eis,bem erguida, minha lira sonante
...... Pra relatar por estes pobres versos
...... Quanto labotou o luso navegante
...... Nestes ocidentais rincões imersos,
...... Bem longe, nas lonjuras tão profanas
...... Das seculares costas africanas !

3) - Apenas pra os de triunfos merecidos
...... E que, de pó,seus feitos silenciosos
...... Estavam já cobertos ou sumidos
...... P'la pata de inimigos temerosos,
...... A eles, de tantas lutas esquecidos,
...... Louvo a Calíope, para que animosos
...... Vibrem os seus, em som alto e mais forte
...... Contrariando os caprichos d'outra sorte!

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CANTO II - NO REINO DO CONGO - (171 estências) -

1) - Os negros barulhentos, todos ledos
...... Na festa com que os lusos recebiam,
...... Por vencerem as lendas e alguns medos
...... Das tantas terras que, vendo, possuíam,
...... Entre si, com recato e alguns segredos,
...... Mais dobrados cuidados lhes faziam,
...... Sem esconderem seus tratos e modos
...... Dum apreço e respeito dados a todos.

2) - Em tão gratas mercês deles ficavam
...... Que deixar sair ninguém desejaria,
...... Pretendendo aprender quanto ensinavam
...... Do seu muito saber, fé e valentia.
...... Por diversos locais tambores soavam
...... Convidando ao batuque a negraria,
...... Cada qual em seus trajos mui variados
...... E aos outros parecendo desusados.

3) - Corpos cobertos só das baixas partes
...... Com troncos nús e braços musculosos,
...... Outros fêmeos, gentis, de finas artes
...... Dançavam e saltavam mui graciosos,
...... Fazendo certas coisas sem desastres
...... Com pulos, gestos, gritos estrondosos;
...... O visitante espantado ficava
...... E,de certo modo, isso não admirava!

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CANTO III - NO REINO DE ANGOLA - (108 estâncias) -

1) - Do Congo ao Cabo o Reino estava
...... Em cada dia alargando a sua fronteira,
...... Engolindo outros sobados, andava
...... Juntando tributos d'outra maneira.
...... Desse,que antes de Ndoango se chamava,
...... A Angola dava a palavra primeira,
...... Assim sendo para sempre conhecido
...... E por aquele senhor protegido.

2) - Uns antigos os quimbundos combateram
...... E em seu lugar ficaram instalados,
...... Depois, ainda os anzicos submeteram
...... E tomaram as rédeas desses lados.
...... Um, N'gola Inene, que antes conheceram,
...... Seria dos angolanos iniciados
...... O que mais terras depois conquistara
...... Formando um Reino que em grande tornara;

3) - Um que de ferrador tinha alguns jeitos
...... E aos seus queria com muito coração
...... Teve cuidado com valiosos peitos
...... Livrando-os da mais rude privação.
...... Por todas essas coisas satisfeitos
...... O buscaram para a nova Nação,
...... Designando-o po N'GOLA, rei primeiro,
...... E mais Mussuri, nome verdadeiro,

...................................................

CANTO IV - O GOVERNO GERAL - (113 estâncias) -

1) - No ano noventa e dois, sendo Janeiro,
...... Foi nomeado pra Angola outro gestor;
...... Vinha c'o ilusões e homens,bem lampeiro,
...... Sendo um ilustre e mui rico senhor.
...... Teve boa recepção, sendo o primeiro,
...... Nem se sabendo qual o seu valor
...... Porque às gentes surgia como um estranho,
...... Vindo que era das terras doutro amanho.

2) - Mas o modo de sua governação
...... Causou protestos dalguns contrafeitos,
...... Feridos no interesse e na feição
...... E pelos quais houvera bons proveitos.
...... Surgia deles um padre, com acção
...... Alegando os haveres e direitos
...... Ganhos em anos de muitas canseiras
...... E para outros o fim das suas asneiras!

3) - Duvidando por onde a razão andava
...... E sendo tantos falsos, intriguistas,
...... Deixou tudo ficar como ali estava
...... Aguardando a sentença dos legistas.
...... Cada soba uma nova causa dava
...... Sendo apoiado com largas, santas vistas,
...... Por certos padres que ali comandaram
...... E quase por si também governaram.

................ ......................................

CANTO V - A GRANDE GINGA - (63 estâncias) -

1) - Vasconcelos, pra Angola fora eleito
...... E logo toma posse de sua herdade,
...... Só seguindo mais tarde ao duro leito
...... Quer fosse p'lo receio ou pouca vontade.
...... Evitando um perigo ou algum mau jeito
...... Com holandeses sem qualquer piedade,
...... Tivera de fazer um melhor plano
...... Dispondo armas e homens com menor dano.

2) - Os tributos ao reino destinados
...... P'los diversos caminhos se sumíam,
...... Por uns padres e chefes controlados
...... E que entre si essas coisas discutiam;
...... Despertados de sonhos, enganados,
...... Que com promessas vãs os iludiam,
...... Passaram a explorar as novas fontes
...... (Que andavam as cabeças ali as montes!)

3) - Entre eles as discórdias aumentavam
...... Repondo em lutas pérfidos rivais,
...... Pois que dos mesmos meios todos usavam
...... Esquecendo de pronto tudo o mais.
...... A paz com alguns sobas negociavam
...... Para alcançar daqueles naturais
...... Auxílios necessários nas suas guerras
...... Com as quais se ganhavam as boas terras.

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CANTO VI - O DRAMA DA ESCRAVATURA - (75 estâncias) -

1) - Muitos escravos foram retomados
...... Que eram vendidos em boa quantidade,
...... Sendo para novas terras embarcados
...... Que deles havia lá necessidade.
...... Mas os poderes régios contrariados
...... Logo os mandavam de volta à sua herdade,
...... Sendo caso de má e desleal conduta,
...... Não fosse obra feia, de filhos de puta!

2) - Não era por Dom Henrique ou sua alegria
...... Que em escuros negócios se metessem,
...... Sendo antes para Cristo e a Santa Pia
...... Todos quantos a Nova ali quizessem;
...... Amolecendo as mentes pretendia
...... Evitar que outros piores ali viessem
...... Colher frutos em tão enorme fartura,
...... Que uma vida fácil nem sempre dura!

3) - Em tendo aquele campo bem semeado
...... Seria farta e válida a colheita
...... E,próximo do tal reino ali buscado,
...... Uma outra melhor já havia de estar feita.
...... Pra tanto era o caminho procurado
...... Em naus que o Índico rápido rejeita,
...... Se outra solução não fora a escolhida
...... Que era a vela,mais fácil,sumetida.

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CANTO VII - DOS ATAQUES HOLANDESES À RECONQUISTA - (103 estâncias) -

1) - Os mares muito turvo se tornavam
...... Por algumas escuras, feias razões,
...... Doutros que o rico Reino desejavam
...... Cheios de cobiça e ódio de ladrões;
...... Para o interior as tropas não marchavam
...... Poupando as fracas forças e os canhões,
...... E,deslocando-os antes para as costas
...... Protegiam-se das naus ao largo expostas.

2) - Da outra banda dos mares oceânicos
...... Chegava triste nova de espantar,
...... Que plebes calmas já punha em pânicos
...... Das coisas que por certo se iam passar:
...... - Velas grandes, tamanhos titânicos,
...... Preparavam-se para os atacar !
...... Sendo fraca a defesa residente,
...... Temerosa se punha toda a gente,

3) - Mas, suspendendo um pouco essa eminência
...... Os reservados, cautos holandeses,
...... Sabidos da possível resistência
...... Comum em muitas lutas e revezes,
...... Prosseguiam com mais pérfida violência
...... Sobre alguns desses pobres camponeses,
...... Sondando talvez aos poucos os caminhos
...... Pra ver que haveria entre esses ninhos.

................................................

101)- Logo alcança o fronteiriço e alto Penedo
...... Levando quanto surgia p'la frente,
...... Os forte toma e ocupa de arremedo
...... Que a coragem fazia aumentar a gente!
...... Em fuga alguns se botam bem mais cedo
...... Cuidando noutra forma diferente,
...... Com os fogos danados incendiando
...... Tudo o que por ali iam abandonando.

102)- Restava por refúgio a fortaleza
...... Que o encorajado luso ali arremete,
...... Defendendo-se então a cercada presa
...... Mas que sem forças já pouco acomete.
...... De novo Salvador com mais firmeza
...... Se prepara para honrar seu galhardete,
...... Quando nota no alto mastro a bandeira
...... Agora branca, em vez da desordeira !

103)- "Abre-se a porta" dessa "cidadela"
...... Saindo os vencidos bem envergonhados,
...... Em número maior e em vária farpela
...... Entre alas dos vencedores formados.
...... Metidos depois numa caravela
...... Dali são pra sua terra despachados,
...... Enquanto por toda a costa angolana
...... Ardia de novo a flama lusitana !

......................................

POEMA ÉPICO - Roberto Correia - Volume : I

NOTA - ESTE POEMA ÉPICO TEM DOIS VOLUMES COM UM TOTAL DE 1.368 ESTÂNCIAS : Vol.I = 698 e Vol.II = 670, A QUE CORRESPONDEM 10.944 VERSOS)

DO ZAIRE PODEROSO AO CUNENE MISTERIOSO - (Poema Épico - Volume II)

CANTO VIII - A RESTAURAÇÃO DOS REINOS - (71 estâncias) -


1) - Para esse mesmo Reino de Benguela
...... Foi então nomeado Gomes de Gouveia
...... Enquanto outros de sua douta tutela
...... Fugiram da terrível alcateia.
...... Muita gente, com boa e melhor farpela
...... Seguia a santa, de flores toda cheia,
...... Sendo o colégio antigo recompensado
...... Porque junto ao palácio era situado.

2) - Assim caminham para a fortaleza
...... Com uns santos e santas resguardados,
...... Sendo sua fé mostrada com firmeza
...... Entre tantos fiéis e alguns soldados.
...... Não causaranenhuma outra estranheza
...... O que logo surgiranoutros lados
...... Já festejando com muita alegria
...... O fim do sofrimento e vilania.

3) - Outros, enviados à Vila Vitória,
...... Informavam da nova situação,
...... Retirando da lusa e boa memória
...... Tanta desgraça e total desolação.
...... Mandara recolher, sem mais história,
...... Todos que se mantinham p'lo sertão
...... Sendo bem mais segura a capital
...... Antes que lhes surgisse novo mal.

.................................................

CANTO IX - A INFLUÊNCIA BRASILEIRA - (72 estâncias) -


1) (72)- Para Vieira chegara a ocasião
...... De assumir o comando desejado
...... Tendo tido outra boa governação
...... Em terras do Brasilcom muito agrado.
...... Aos jesuítas não alegra a nomeação
...... Pelo que logo fora excomungado;
...... Julgando-se em Angola superiores
...... Manobravam sem ter opositores.

2) (73)- Massandano recebeu benefícios
...... Passando a vila por merecimento,
...... Depois de tanto azar e sacrifícios
...... Da população em fácil crescimento.
...... Os igleses cometem artifícios
...... Numa grave traição sem fundamento,
...... Quando Chichorro,calmo,regressava
...... E em Paraíba porém preso ficava!

3) (74)- Doente e com fome finha falecido
...... Nem lhe valendo o farto e bom marisco
...... Pois,pelo mesmo,foi depois comido
...... Sendo assim muito pior que um outro risco!
...... Ao sobrado esqueleto,ali esquecido,
...... De nada servia já o poder ou o fisco
...... E,nem mesmo o salvando,o Salvador,
...... Só restando entregar a alma ao Criador!

....................................................

CANTO X - A INEVITÁVEL EVOLUÇÃO - (72 estâncias) -


1) (144)- Távora chega a Luanda com atraso,
...... Em plena juventude da sua vida,
...... Entre grande alegria,sem qualquer prazo,
...... Com espanto da gente embevecida.
...... Não perdendo mais tempo e, sem dar azo
...... A avanços de adversários nessa lida,
...... Mandara reforçar fortes, fortins,
...... E outras bases de mais seguros fins.

2) (145)- Chegam à capital embaixadores
...... Do novo rei conguês com cumprimentos
...... Ao governador jovem e uns senhores
...... Que davam apoio aos doutos elementos.
...... Solicitam vencer usurpadores
...... Estranhos, sem humanos sentimentos,
...... Que mantinham negócios dos escravos
...... Recordando outros tempos dos eslavos.

3) (146)- Dom Rafael concedera outro condado
...... Que junto ao Pinda estava protegido,
...... Muitos seguiam o destino desgraçado,
...... Não cumprindo o tratado antes havido.
...... Os jesuítas também haviam falhado
...... Com o escuro negócio, repelido,
...... Sendo expulsos p'ra tais bandas,distantes,
...... Em companhia de certos traficantes!

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CANTO XI - NOS REINOS DO SERTÃO - (59 estâncias) -


1) (216)- Silva e Sousa chegapo finalmente
...... P'ra comandar o Reino principal
...... Não tempo de aguçar o dente
...... Contra Dala e o Cassanje, seu rival,
...... Que nem aproveitou a ajuda presente
...... E o livrou de sofrer um grande mal;
...... Perdera assim aquele seu comando
...... Ficando tudo a saque d'outro mando.

2) (217)- Não consegue,porém,ali aguentar
...... Preferindo regressar à origem,
...... Sendo logo preenchido seu lugar
...... Com apoio renovado e vassalagem.
...... Em Catole, Sequeira iria acampar
...... Com um certo descuido,mas coragem;
...... Acabava com trágica surpresa
...... Perdendo terrenoe alguma firmeza.

3) (218)- Explodiam as barracas num instante
...... Repletas de armas, muitas munições,
...... Mais parecendo festa delirante
...... Apavorando suas populações.
...... E Sequeira, o "invencível" e triufante,
...... Foi abatido com setas nos pulmões
...... Sem desânimo dos seus companheiros,
...... Conseguindo vencer, foram primeiros.

....................................................

CANTO XII - A COBIÇA INTERNACIONAL - (94 estâncias) -


1) (275)- Ribafria sucedera ao nobre Almada
...... Que foi governar para outro reinado
...... E para onde não houvera mais jornada,
...... Que o governo acabara co'"el-dourado";
...... Mesmo p'ra degredado era vedada
...... Sendo Angola o destino sobejado,
...... Como acontecera antes a diversos
...... Embora fossem santos não perversos.

2) (276)- A revoltada gente da Quiçama
...... Fora vencida por sobas reunidos.
...... Ribafria nunca teve santa cama
...... Actuandocom processos mal sabidos:
...... Pouco valera alguma justa fama
...... Nem resolveu problemas conhecidos.
...... No seu regresso teve de aquecer
...... Quando seu barco estsva a fenecer.

3) (277)- Entretanto, chegara Dom Noronha,
...... Havendo situações bem complicadas,
...... Com casos muito doentes,qual peçonha,
...... Para o que devia ter as mãos pesadas.
...... Mesmo o Senado, com bastante ronha,
...... Desviava nomeações menos cotadas
...... E, por não serem da alta sociedade,
...... Apenas dos musseques da cidade!

.....................................................

CANTO XIII - OS CAMINHOS DA LIBERTAÇÃO - (72 estâncias) -


1) (369)- Tomara posse Dom Sousa Coutinho
...... Reunindo os comerciantes da cidade,
...... Devendo cessar logo de caminho
...... Com os que nunca obtinham liberdade,
...... Nem havendo um imposto mais daninho
...... Prejudicando toda lusa herdade,
...... Mesmo tendo suas dívidas somadas
...... Com as diversas, tão mal disfarçadas.

2) (370)- Sendo o Terreiro Público ali criado
...... Para a recolha dos bons alimentos,
...... Assim ficando tudo armazenado
...... Para distribuir com mais fundamentos,
...... Sem que algum fosse mais beneficiado
...... Ficando outros com menos suprimentos;
...... Assim evitam feios, fracos negócios
...... Ou trocas de trabalhos pelos ócios.

3) (371)- A Geometria, porém, e a Construção,
...... Em "aulas",antes já sendo existentes,
...... Tiveram uma nova pretensão
...... Havendo muitas obras dependentes,
...... Porque nem encontravam solução
...... Para resolver casos das suas gentes
...... Em casas mais antigas,mal situadas,
...... Sem posses para serem reparadas.

....................................................

CANTO XIV - OS MISTÉRIOS DO CUNENE - (128 estâncias) -


1) (441)- Decide a JUnta fixar em Benguela
...... Os dirigentes das expedições,
...... Como se fosse uma imensa janela
...... Aberta p'ra desvendar os sertões;
...... Com Furtado e Valente em curta trela
...... Tinha em Silva e Lacerda uns bons peões,
...... Buscando o estranho final do Cunene :
...... Rio estreito,largo,rápido ou perene !?

2) (442)- Uns chegam a Angra do Negro p'lo mar
...... Encontrando emissários dum sobeta,
...... Curiosos de conhecer,"conversar",
...... Como sendo "homens" dum outro planeta!
...... Mais não pretendiam do que desvendar
...... A ligação do rio com a sua meta,
...... Julgada estar situada num maior
...... Que os levasse ao longíquo interior.

3) (443)- Caminhara Gregório para o sul,
...... Indo pelo Quilengues e mais terras
...... Para alcançar em Angra o mar azul,
...... Depois de atravessar deserto e serras;
...... Com uma caravana passa um paul,
...... Chegando a Banda(Angra) sem mais guerras
...... E conseguira algumas vassalagens
...... Desde Quinzamba ao Negro,fim das viagens.

......................................................

CANTO XV - ATÉ À DESCOBERTA DA SUA FOZ - (102 estâncias) -


1) (569)- Vidal fora o primeiro governante
...... Segundo a nova Carta Nacional,
...... Que orientaria os destinos doravante
...... Co'a justiça p'ra todos sendo igual.
...... Em Benguela ninguém seria ignorante
...... Da lei aplicada por ali em geral,
...... P'ra matarem mosquitos com metralha
...... Ou,queimando umas ervas sem ter falha!

2) (570)- Ngola Quiassama,soba numa serra,
...... Não concordando com a instalação
...... Dim Presídio dos lusos em sua terra,
...... Avança contra Ambaca,no sertão,
...... Mas,a tropa depressa mais o encerra,
...... Algemando-lhe com vontade a mão.
...... Garcia,regente na Oylla,nem sabia
...... Como dominar outra rebeldia.

3) (571)- O distrito "Bragança" surgiria
...... Na zona em que Quiassama dominava;
...... Andrade,coronel,melhor fazia
...... E a ordem ali de novo se instalava.
...... Benguela no local se manteria
...... E,Catumbela,na mesma ficava,
...... Enquanto Luanda obtinha provimentos
...... Com as diversas obras e uns eventos.

......................................................
......................................................

100) (668)- Os ingleses tentaram conquistar
....... O Reino de Cabinda,sem prudência,
....... Sabendo que não estava p'ra alugar,
....... Mas ao cargo da lusa previdência.
....... Subornavam o N'hongo sem cessar,
....... Fazendo quase perder a paciência
....... A quem tinha a total obrigação
....... De manter em paz sua população.

101) (669)- Costa Leal percorrendo pelo sul,
....... Passa a Baía dos Peixes,continuando
....... Em busca do mistério,sob céu azul :
....... Se o Cunene,absorvido e sem comando
....... Há tantos anos, longe do Giraul,
....... Entrava nessa areia que o iria ocultando !?
....... Findava esse segredo centenário
....... Um caso,talvez, bem extraordinário!

102) (670)- Leal, manda estudar sua navegação,
....... Pretendida por outros governantes,
....... Pensando na possível ligação
....... Ao Cubango. desejo dos meliantes,
....... Para terem mais rápida função
....... Com os barcos de tantos traficantes,
....... Na busca dos escravos e marfim
....... Sem cuidar que esse podia ser seu Fim.

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POEMA ÉPICO - Roberto Correia - Volume : II

NOTA - ESTE POEMA ÉPICO TEM DOIS VOLUMES COM UM TOTAL DE 1.368 ESTÂNCIAS : Vol.I = 698 e Vol.II = 670, A QUE CORRESPONDEM 10.944 VERSOS)

O ensino colonial destinado aos indígenas de Angola. Antecedentes do ensino rudimentar instituido pelo Estado Novo

O ensino colonial destinado aos indígenas de Angola. Antecedentes do ensino rudimentar instituido pelo Estado Novo  . Revista Lusófona de Educação 2003
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terça-feira, 12 de janeiro de 2010

domingo, 10 de janeiro de 2010

A CIA CONTRA ANGOLA" - de JOHN STOCKELL

Gerald Ford autorizou operações da CIA em Portugal e Angola
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Transcrições recolhidas em : "A CIA CONTRA ANGOLA" - de JOHN STOCKELL, ex. Chefe da Força de Intervenção da CIA em ANGOLA )-- pgs.31- 39 - 44 - 46 - 47/8 - 49 -- (1ª edição - Setembro de 1979) --


-- "...Os soviéticos estão a rondar em Angola e pensa-se que a agência tem de impedi-los. Estamos a programar em conjunto a forma de dar apoio a Savimbi e Roberto. Isto é em grande, a maior coisa da Divisão para África desde o Congo. Temos 14 milhões de dólares e já começámos a enviar algumas armas por via aérea. Estamos a enviar armas apenas para Kinshasa a fim de substituir o equipamento que Mobutu está a enviar para Angola dos seus próprios stocks. A ideia é neutralizar militarmente o MPLA, até à realização das eleições em Outubro."...(afirmações de GEORGE COSTELLO, chefe de operações da Divisão da CIA para África ) --
............................................................
..."As relações turvas dos Estados Unidos com o Zaire também estimularam o desejo de Kissinger em actuar em Angola. Tanto o Zaire como a Zâmbia receavam a perspectiva de um governo apoiado pelos soviéticos nos seus flancos, controlando o Caminho de Ferro de Benguela.O Presidente Mobutu receava, particularmente,os soviéticos. Por duas vezes desde 1960 que rompeu as relações com a União Soviética e, embora as relações tivessem sido restabelecidas de cada uma das vezes,mais recentemente ele andara a fazer a corte aos Chineses, à custa tanto dos Soviéticos como dos Americanos. Na primavera de 1975 os problemas internos do Zaire tinham-se agravado e o regime de Mobutu tinha sido ameaçado pelo descontentamento.
................................................
..."Eu estava familiarizado com a colónia portuguesa da costa Atlântica no Atlântico Sul através de viagens feitas na infância e na idade adulta. Nós visitámos os portos angolanos de Luanda e do Lobito e tivéramos encontros com missionários americanos que contavam histórias alarmantes sobre as autoridades portuguesas no interior de Angola. Em 1961 um navio da marinha norte-americana, no qual eu me encontrava como elemento da informação dos Fusileiros Navais aportou em Luanda para uma breve visita. Tarefas e missões de serviço temporárias da CIA tinham-me levado para perto de Angola, por exemplo, Lubumbashi, no Zaire, em 1967, quando o grupo de Bob Denard, composto de 16 mercenários invadiu a partir da fronteira angolana.
A minha última experiência directa com as questões angolanas tinha sido em Fevereiro de 1969 quando me dirigi de automóvel de Lubumbashi para visitar um acampamento da FNLA perto da fronteira com Angola. Constatar a indolência e indisciplina e talvez a experiência me tivesse levado a subestimar a tenacidade do movimento nacionalista Angolano, alguns anos mais tarde. Alguns soldados sem líder, fardas esfarrapadas e mulheres e crianças semi-nuas arrastavam-se por entre edifícios de tijolos delapidados, os quais eram o resto de um acampamento da Force Publique colonial belga. Sem instalações nem condições sanitárias, pouco diferia de uma aldeia africana primitiva, com as pequenas casas de tijolo a substituir as palhotas de colmo e espingardas ferrugentas a substituirem armas ainda primitivas."...
......................................
..."Durante muitos anos os Portugueses propagandearam um sucesso exemplar na assimilação de negros para uma sociedade colonial dita isenta de barreiras raciais. Até 1974 eles pareciam acreditar que mantinham uma relação permanente com as colónias. Nos serviços clandestinos da CIA, estávamos inclinados a aceitar as declarações dos portugueses, de uma sociedade aberta, do ponto de vista racial,em Angola e aceitava-se tacitamente que a agitação comunista era em grande parte responsável pela resistência contínua dos negros ao governo português. A razão era de base. Sendo uma organização essencialmente conservadora, a CIA mantém ligação secreta com serviços de segurança locais onde quer que actue"...
....................................................
"...Em relação a Angola dizíamos normalmente... "os Portugueses estabeleceram uma sociedade anti-racial,miscegenaram-se"..."Na realidade, o papel dos Portugueses em Angola foi historicamente o da exploração e brutal repressão. Tendo iniciado em 1498, Portugal conquistou e subjugou os três reinos tribais dominantes : -- os Bakongo, os Mbundu e os Ovimbundo -- e exportou mais de três milhões de escravos, deixando vastas extensões da colónia sub-povoada. A sociedade colonial achava-se dividida em seis categorias raciais definidas pela quantidade de sangue branco em cada uma delas, com duas categorias de pretos puros, na base da escala. Os privilégios de cidadania, económicos e legais, resultavam apenas a favor dos 600.000 brancos, mulatos e assimilados ou pretos legalmente aceites entre a elite da sociedade. Os 90% da população classificados de indígenas sofreram todo o tipo de discriminação -- incluindo trabalho forçado,pancada,prisões arbitrárias e condenações sem julgamento às mãos das autoridades coloniais."...
. ................................................................
..."A desintegração da sociedade tradicional levou ao aumento da desorientação, desespero, e à preparação para um protesto violento"... "Por volta de 1961, Angola era um barril de pólvora negra com três grupos étnicos mais significativos organizados para a revolta.
..."A 15 de Março de 1961 as guerrilhas da FNLA realizaram um ataque em 50 pontos ao longo do rio Congo, numa frente de 640 kms., matando indiscriminadamente tanto homens Africanos e Portugueses, como mulheres e crianças.Imediatamente aviões da Força Aérea Portuguesa trouxeram reforços, utilizando armas da NATO, destinadas à defesa da área do Atlântico Norte, e começaram a atacar com uma fúria indiscriminada, bombardeando mesmo áreas que não tinham sido afectadas pela sublevação nacionalista. A política portuguesa prendeu nacionalistas, protestantes, comunistas e eliminou sistematicamente líderes negros executando-os ou utilizando métodos terroristas. Ao reagir e reprimir indiscriminadamente, os Portugueses ajudavam a garantir que a insurreição não seria localizada ou suprimida"...
..............................................................
..."O golpe do 25 de Abril de 1974 em Portugal apanhou os Estados Unidos
de surpresa, sem alternativas políticas à altura e sem contacto com os revolucionários africanos. A CIA não actuava no interior de Angola desde o final dos anos 50, até 1975."...
..."Apenas em Março de 1975, quando os portugueses estavam a desligar-se e a perder o controle, é que finalmente reabrimos a delegação de Luanda . Antes disso, a maior parte das informações locais da CIA sobre o interior de Angola vinham de Holden Roberto que era o líder, desde 1960, do movimento revolucionário Bakongo, chamado FNLA. Operando a partir de Kinshasa (então chamado Leopoldville), estabeleceu laços com a CIA"...
......................................................
-- Transcrições recolhidas em : "A CIA CONTRA ANGOLA" - de JOHN STOCKELL, ex. Chefe da Força de Intervenção da CIA em ANGOLA )-- pgs.31- 39 - 44 - 46 - 47/8 - 49 -- (1ª edição - Setembro de 1979) --

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Do blog ANGOLABRASIL


POVOS DE ANGOLA: Postais antigos
















Uma festa na Missão americana em Luanda















Golungo Alto. Trabalhadores assalariados.















Alto Dande. Mercado do Caxito.















Pungo Andongo. Indígenas importantes com Chefe do Conselho
Postais de fonte devidamente identificada

sábado, 9 de janeiro de 2010

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

História de Angola: AS COLÓNIAS DO NAMIBE

AS COLÓNIAS DO NAMIBE
Anuário da Origem Abolicionista
da Colonização do Sul de Angola


Compilado por Júlio Alves Victor
*
em Luanda, aos 3 de Março de 2004.




Dissertações sobre a actual cidade do Namibe tendem a vestir-se de apenas duas roupagens: a épico-bairrista e a bucólico-naturalista, referindo com maior ou menor pormenor, respectivamente as afanosas idas e vindas de primeiros colonos e pescadores, ou o ‘potencial’ turístico da welwitschia e o deambular das cabras-de-leque. Pouco se lê sobre o elo entre a cidade e a maior transformação sócio-económica da História moderna, a criminalização do comércio em mão-de-obra escrava – o tráfico – e os papéis que muitas figuras associadas com a cidade desempenharam nesse longo drama. Sem entrar em pormenores sobre a origem e necessidade económica do tráfico, merece a pena conferir algumas datas na larga periferia temporal da localidade do sul de Angola: o sítio tem raízes compridas e espêssas, alimentadas durante séculos pelo enriquecimento das Américas.

Não tanto as razões humanitárias, de há muito expressas pelas nações europeias – especialmente aquelas cujas economias não dependiam do trabalho braçal em escalas industriais – mas a influência da máquina-a-vapor inglesa sobre o Brasil independente, tornou possível a libertação de todos os escravos daquele país em 1826. A medida causaria na Angola do século dezanove sérios problemas administrativos – derivados da despesa com a prevenção do tráfico ilícito e dos resultados da ociosidade e potencial criminalidade dos libertos desempregados – se a legislação portuguesa tivesse contemplado o caso de uma dívida do Estado para com os senhores e mercadores angolanos. É duvidoso que o problema pudesse resolver-se, mesmo se os governos Liberais que promoveram a Abolição fossem perenemente fortes; assim, merece todo o crédito a orientação política, tão judiciosa quanto o permitiam os preconceitos da época e a conversão lenta da cultura económica colonial, que veio a ser adoptada e passou pela criação de um foco de dispersão de uma economia moderna a partir do antigo porto do barão de Moçâmedes, no sul de Angola.

É ali, à beira do deserto do Namib,
1 que as convicções abolicionistas de um outro barão, o de Sá da Bandeira, tomam corpo num projecto de colonização em cuja cronologia se esboçam a coincidência e o contraste, ocorrem situações extraordinárias e aparecem tipos humanos como os que coloriram a literatura da época Romântica, a que pertenceu, curiosamente, a Abolição.
__________
1. Namib – ‘Terra sem água’ nos dialectos Nama, nome genérico de povos do grupo étnico Khoi (versão inglesa do nome de uma das tribos a sul do Cunene, os Gai //khaun), ou ‘hotentotes’.
__________
*
Natural de Moçâmedes, hoje Namibe, Angola. Amigo e colega no Helderberg College, África do Sul, nos anos 60. Depois de terminar os estudos universitários, em Geologia, fixou residência naquele país.
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1. Datas da Ascendência Internacional da Abolição




1.1. O início do tráfico, comércio legal institucionalizado de escravaria


1493 – A colonização de São Tomé inicia-se por a cultura da cana em Cabo Verde nunca ter pegado, dada a fraca pluviosidade do arquipélago; para tanto, D. João II decreta que as escravas negras – maioritariamente da costa africana entre a ilha de Fernando Pó e a foz do rio Zaire – que dêm filhos aos colonos do arquipélago, sejam libertas e os filhos nasçam livres. Algumas centenas de almas continuaram a ir, cada ano, da costa da ‘guiné’ – o antigo reino de Ghana – para o Reino, em parte para venda a Castela.


1495 – No ano da morte do seu grande rival D. João II, a rainha Isabel, a Católica, de Espanha decreta a proibição do tráfico de índios nas colónias espanholas do Novo Mundo, valendo-se do comércio particular dos armadores internacionais que, sob o rei D. Manuel I, passaram a poder comprar mão-de-obra à alfândega real portuguesa em Santiago de Cabo Verde: eram escravos, na sua maior parte, idos da Guiné, mas também do porto conguês de Mpinda.


1502 – Logo na primeira viagem de colonização após o manifesto de descobrimento do Brasil se transportaram para o Brasil alguns escravos da Guiné. Ficou assim patente aos feitores espanhóis das ilhas do mar das Caraíbas, que uma “máquina” negra produzia quatro vezes mais trabalho que uma ameríndia. Isto facilitou a luta dos missionários contra o verdadeiro genocídio – geralmente involuntário, devido à ausência de imunidades entre os autóctones – que viam desenrolar-se entre as populações índias durante os primeiros vinte anos da colonização espanhola.


1514 – O antigo advogado e colono, e recentemente padre domínico, Bartolomeu de Las Casas, entrega os seus escravos ao governador de Cuba e transforma-se no mais acérrimo pregador contra os excessos dos encomenderos sobre os autóctones das Américas, advogando a ideia de utilizarem-se escravos negros, em vez de ameríndios, nas colónias espanholas.


1516 – O resgate da Guiné torna possível a intervenção oficial da coroa espanhola: neste ano em que o chefe do Santo Império Romano acede aos tronos de Castela e Aragão por morte do viúvo da rainha Católica, os escravos africanos passam ser importados directamente pelo imperador Carlos V, por contrato real – assiento – com o rei de Portugal, D. Manuel I, devendo o tráfico ser autorizado pelas autoridades de Santiago de Cabo Verde e os direitos da Coroa espanhola fiscalizados por Portugal: o resgate no Congo é vedado aos santomenses e o tráfico do Congo canalizado para a alfândega de Santiago.




1.2. O sul do ‘reino de Angola’ e o germe do movimento abolicionista


1601 – Concluídas as obras do presídio da Muxima, o capitão-geral de Angola, João Furtado de Mendonça, decide iniciar a ‘ocupação efectiva’ do país a sul do rio Cuvo no ano seguinte, enviando uma pequena frota a explorar e comerciar nas baías da costa de Benguela.


1602 – É um contingente da força enviada pelo governador Mendonça que sobe o rio Cuvo e transporta um quilombo de jagas, em batéis, para a margem sul do rio, onde os célebres guerreiros se dedicam quase que imediatamente à sua ocupação favorita: fazer escravos para venda aos mercadores da costa. Com a força seguia um ex-corsário escocês chamado André Battell – aprisionado em águas brasileiras e oferecido ao governador Mendonça como criado – que é deixado com o regimento imbangala, segundo o próprio, e bastante improvavelmente, como refém: ao fim de um ano de permanência com os temíveis canibais, Battel é entregue são e salvo no presídio de Cambambe, vindo a escrever na Inglaterra as suas memórias da aventura.


1605 – Neste ano da ‘conspiração da pólvora’ – o atentado católico contra o Parlamento inglês – o rei Tiago de Inglaterra (James I), resolve reconciliar as facções religiosas do país por meio de uma nova tradução da Bíblia, e é a John Layfield, colono na América retornado à pátria, que os editores reais confiam a tradução do Livro do Génese da famosa edição dos textos sagrados: o pastor protestante descreve o Paraíso à semelhança das Caraíbas, onde eram então evidentes os efeitos desastrosos da economia colonial da potência contemporânea mais forte do Mundo, a católica Espanha, sobre as populações ameríndias.

1615 – Com a autonomização do governo do reino de Benguela, por provisão de 14.02 de Filipe II, abre-se um novo porto comercial na costa a sul do rio Zaire, depois do de Luanda e dos vários do rio Cuanza. A opinião internacional sobre a escravatura não é, porém, o que fora em fins do século XV e o antigo governador da administração espanhola de Angola – o mesmo Capitão-general que demonstrara não haver prata em Cambambe – é nomeado donatário do Reino de Benguela, que parece ter fama de conter minas de cobre, minério de que, de resto, a Espanha não carece.

1617 – O antigo capitão-general, e agora donatário, Manuel Cerveira Pereira, lança ferro na baía da Torre a 17.05. A partir de então, diz-nos Cadornega, “este Reino de Benguella antes desta terra ser tomada pello Hollandez, teve sobre si governo separado, onde havia feituria e officiaes reaes, que davão despacho ás peças deste Reino, e assim despachadas vinhão para esta cidade de São Paulo da Assumpção, ficando naquelle Reino os direitos dellas, para a paga e sustento da infantaria, e mais ordinarias...” Benguela nunca se evidenciaria como porto exportador de cobre.

1627 – O capitão-mor Lopo Soares Lasso é nomeado governador de Benguela por morte de Cerveira Pereira no ano anterior, e quando o capitão-geral de Angola, Fernão de Sousa (1624-1630), c. 1626, pensa em encerrar o presídio – de onde não só nunca se exportara cobre mas onde poucos escravos se resgatavam – Lasso opôs-se. Terá sido na subsequente tentativa de estabelecer relações comerciais com os chefes tribais do planalto de Benguela que o capitão-mor descobriu a verdadeira vocação do presídio de S. Filipe: dar acesso aos territórios entre o rio Coporolo e o cabo da Boa Esperança, que todos então eram considerados parte do ‘reino de Angola’. Lasso funda Caconda-a-Velha e terá estabelecido, provavelmente ainda antes do fim do mandato do Capitão-general em 1630, os primeiros contactos com o soba ‘Hila’
1 , cuja gente vinha até o Lobito 2 à troca do sal; em 1639, ao pretender comerciar na margem esquerda do rio Cunene, pereceu com toda a sua tropa numa emboscada perto de Caconda.

1664 – André Vidal de Negreiros, um dos principais comandantes da resistência portuguesa contra a ocupação holandesa do Brasil, e capitão-general de Angola (1661-1666), com grandes interesses no fornecimento de mão-de-obra africana à agricultura das colónias do nordeste daquele país, envia em Outubro deste ano um ‘homem prático’ no patacho Nossa Senhora da Nazaré à descoberta da foz do rio Cunene: o explorador identifica-se numa inscrição na falésia que limita a angra do Negro pelo sul: “José da Rosa em 1665”; a viagem prendia-se com a possibilidade de o Cunene – nome banto que significa ‘grande’ e sugerira extensa navegabilidade a Lopo Soares Lasso, o primeiro europeu a ver o rio – se aproximar do rio Zambeze e poder assim dar acesso, mediante portagem até este outro rio, à costa de Moçambique. Rosa, não encontrando a foz do rio, encontrou contudo o estranho gentio daquela paragem, que, relata-o Cadornega, o capitão “resolveu trazer... que se não entendia nada do que fallava; e a falla como de estrallo, gente como selvagem, que bem o demostravão assim em comerem a carne, o peixe, e milho cru, e por acenos só se entendia delles alguma couza, os quaes se mandarão pôr outra vez em suas terras, à custa de quem os trouxe, sem os haver comprado, nem resgatado...” Desconhece-se se o Rosa de facto voltou à custa do sul de Angola com os pobres diabos.
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1.
Nha.Hum. yila, ‘veia’, ‘vida’, por onde o’yila e ‘Oíla’, claramente sem ‘h’ aspirado, dos escritores portugueses coevos.

2. Umb. o’lupito, a ‘porta’ por entrava o mar, entre a cuspe arenosa e a costa que caracteriza o lugar.


1.3. As raizes do movimento abolicionista

1670 – Publicação de Christian Directory, em que o pregador Robert Baxter, daqueles Protestantes que nem com o anglicanismo se conformavam – por isso o epíteto de ‘inconformista’ que lhes davam – ataca vigorosamente a escravatura.

1680 – Outra obra crítica da prática da escravatura é a do clérigo anglicano Morgan Goodwin, que retrata em 1680 os horrores do tratamento dos escravos na colónia britânica de Barbados.

1688-1690 – Na novela Oroonoko (1688) o escritor Aphra Behn descreve o tráfico nas Antilhas britânicas; o Tratado Sobre o Governo Civil (1690), do filósofo escocês John Locke, condena a escravatura.

1700 – Na França, o nobre Carlos Luís de Secondat, barão de La Brède e respeitadíssimo marquês de Montesquieu, pondera no seu Espírito das Leis, que “a escravatura é tão contrária à lei civil como está em oposição à lei natural: que espécie de estado civil poderia impedir um escravo de fugir?” O célebre jurista havia passado um tempo na Inglaterra e sem dúvida mantinha contactos com anti-esclavagistas ingleses.

1766 – Os devotos e circunspectos agricultores da feitoria independente da Pensilvânia libertam todos os seus escravos: pouco depois começam a aparecer grupos abolicionistas na Europa.

1772 – Os colonos da Virgínia debalde peticionam à Coroa britânica a libertação dos seus escravos: é tristemente irónico que os seus descendentes viessem a ser, menos de cem anos mais tarde e quando já americanos independentes, o esteio da política esclavagista dos estados meridionais da América do norte.

1778 – Um pedido dos comerciantes de Bristol e Liverpool – chocados com o mau nome que o transbordo dos escravos para as Antilhas dava aos dois grandes portos ingleses – para que Coroa proibisse as escalas nas Ilhas britânicas do descomunal tráfico da Slave Coast
1 , é indeferido pelo governo.



2. O Abolicionismo



2.1. Moçâmedes
1784 – A resistência dos colonos norte americanos de Jorge Washington sobre o exército expedicionário inglês tem um desfecho inesperado a norte da foz do rio Zaire: numa pausa nas operações contra a marinha britânica, uma frota francesa sob o comando do almirante Bernado de Marigny vem a Molembo – hoje Cabinda – e bombardeia o forte que o Capitão-general de Angola ali mandara o major de engenharia Furtado construir.


1785 – Em consequência do bombardeamento do forte de Molembo, o Capitão-general, receoso de que os Franceses planeassem apoderar-se da rota atlântica do Brasil – que, sob os ventos predominantes, trazia os veleiros directamente à angra do cabo Negro, assim chamado por Diogo Cão – dá ao major Luis Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado o comando de uma expedição por mar e terra à estratégica angra, onde tencionaria fundar um presídio. O major, a quem o capitão-mor de Benguela não parece ter dado o auxílio que devia, beneficia porém do apoio do abastado comerciante e sertanejo da vila, Gregório José Mendes, habilmente aliciado pelo Capitão-general, e os dois levam a bom termo uma das expedições mais interessantes da história ultramarina portuguesa: Furtado por mar, a remos, em grande parte do reconhecimento pormenorisado da costa, e Mendes a pé, com cerca de mil empregados seus, através das terras áriadas a norte do deserto do Namib. Reúnem-se os dois comandantes a 03.08 na angra, que Furtado crisma com o nome de Moçâmedes – uma vila do distrito de Viseu, Portugal, de que o Capitão-general era barão – mais mnemónico que o nome próprio do precavido governador, D. José de Almeida e Vasconcelos Soveral de Carvalho da Maia Soares de Albergaria.
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1. Slave Coast – A ‘Costa dos Escravos’, no Golfo da Guiné, contestada pelos Franceses e Ingleses aos Portugueses antes do tráfico se enraizar no Congo.
 
2.2. A oposição militante ao tráfico


1786 – Neste ano em que só as colónias britânicas no Atlântico importam 38.000 almas – seguia-se-lhe o Brasil com umas 14.000 pessoas por ano – o pastor inglês James Clarkson publica a primeira “sondagem” moderna sobre o tráfico: o Ensaio sobre a Escravidão e Comércio da Espécie Humana, baseado nos depoimentos de muitas testemunhas contemporâneas. Nenhum filósofo contemporâneo – para não dizer empresário – saberia nesse ano que outra fonte de energia usar para inverter o aumento no tráfico, dada a necessidade de mão-de-obra para as minas e plantações americanas; e no entanto, neste mesmo ano o vapor faz funcionar um moinho na Inglaterra. Já noventa anos antes Montesquieu, ao definir como coisas “intrinsecamente más” na sociedade humana, “a intolerância, o despotismo e a escravatura”, profetizara que a máquina substituiria o escravo.


1788 – Figuras importantes de Paris juntam-se para exigir à Coroa a abolição imediata da escravatura: o presidente da Sociedade dos Amigos dos Negros é o matemático, membro da Academia das Ciências e inspector geral da Casa da Moeda, João António Nicolau Caritat, marquês de Condorcet.


1789 – No ano da Revolução francesa, Condorcet é secretário da Assembleia Legislativa revolucionária: tenta obliterar algumas coisas “intrinsecamente más” que iam pelo mundo, conseguindo que a Assembleia adopte algo que havia redigido: a Declaração dos Direitos do Homem.


1790 – A Assembleia constituinte ainda não está decidida quanto à legislação competente à Declaração, excepto num aspecto: pelo decreto de 08.03 os direitos definem-se só para os habitantes da França, não os das colónias essencialmente agrárias, muito menos à população escrava.


1794 – A esquerda revolucionária toma poderes ditatoriais e passa a Lei abolicionista. Logo se nota, porém, que existe apenas em teoria e as medidas que se tomam contra o tráfico são tímidas: no Haiti são contestadas pela própria administração colonial e na ilha de Reunião são mesmo repudiadas.


1798 – Os princípios contidos nos Direitos são adoptados no Código de Escravidão das colónias espanholas e as melhorias assim introduzidas no tráfico nas Antilhas são logo exigidas pela mão-de-obra das plantações francesas e britânicas.


1799 – No Haiti, que já cem anos antes era uma das possessões coloniais mais ricas do mundo, havia nas vésperas da Revolução francesa uma população de 42.500 brancos, 27.500 libertos mulâtre e 450.000 escravos negros; mas a nova Constituição francesa, promulgada em Paris em 25.12.1799 com o apoio do competentíssimo general corso Buonaparte, não menciona egalité e fraternité, nem liberté, nem se refere aos Direitos.


1800 – O plebiscito de Fevereiro de 1800 aprova a Constituição napoleónica – por três milhões de votos contra mil e quinhentos – e, com ela, o governo militar que vem restabelecer a boa ordem na França e a legalidade da escravatura: o general Bonaparte refere-se a esta como o estatuto “sob o qual as colónias tinham atingido a prosperidade.” A mão-de-obra escrava mantém-se como elemento importante da economia francesa, dependente então da produção de açúcar e seus derivados no ultramar: e enquanto a França produzisse o açúcar que ajudava a manter os seu poderio naval, na Inglaterra a câmara dos Lordes não tinha o mínimo interesse na abolição advogada pelo orador Guilherme Wilberforce, deputado por Hull, o porto por onde se exportavam as máquinas a vapor que estavam a tornar famosa a indústria britânica. Outro deputado famoso, o mestiço Aléxandre Sabès Pètion que representara o Haiti na defunta Assembleia Nacional francesa, encontra-se na frota enviada por Bonaparte ao Haiti, sob o comando de seu cunhado o general Leclerc: o governador negro da ilha, Toussaint l’Ouverture, pensando que vai assinar um tratado de paz, é detido e embarcado para a França. Quando Bonaparte reinstitui a escravatura nas ilhas de Guadalupe e Martinica, Pètion, desiludido, incorpora-se na guerrilha de Jean-Jacques Dèssalines, outro caudilho haitiano negro que sucede a l’Ouverture.


1803 – L’Ouverture morre no cárcere em Paris. Entretanto no Haiti a guerrilha, a febre amarela e a Armada britânica cobram aos Franceses: Leclerc morre da febre em Novembro e pouco depois o general Rochambeau rende-se aos Ingleses.


1804 – Dèssalines nomeia-se governador geral do Haiti, declara a ilha independente, massacra todos os colonos que haviam ficado na ilha – naturais brancos que se consideravam benquistos dos negros – e trata brutalmente todos os que, entre estes, o opunham. Em Setembro proclama-se imperador, como Jacques I, e, já não sendo legal a escravatura mas apercebendo-se da vantagem continuar a produzir açucar para o mercado francês, institui o trabalho forçado.




2.3. Reacção na Europa


1805 – Na segunda-feira dia 21.10.1805 uma armada franco-espanhola de 33 navios que saía de Cádiz com rumo a Nápoles, onde Bonaparte necessitava de tropas para invadir a Áustria, é atacada e destruida ao largo do cabo Trafalgar; embora o mais jovem almirante britânico, Horácio Nelson, morra durante a famosa batalha, pelas 17 horas o poderio naval da França atinge o seu ocaso. Quando a Inglaterra proíbe imediatamente as nações neutras de comerciarem por mar com a França sem uma licença a obter nos portos ingleses, o imperador Bonaparte decreta um bloqueio geral dos portos europeus.


1806 – Encorajada pelo domínio britânico do mar das Caraíbas, a população mestiça de Port-au-Prince, encabeçada por Pètion, revolta-se e o imperador Jacques I morre ao tentar dominá-la. No lado sul da ilha Pètion alforria os escravos e persuade-os a que, em vez de cultivarem a cana, plantem café: é esta cultura livre e imecanizável, encorajada pelo comércio americano, que põe fim à economia ultramarina francesa.


1807 – Na Europa, a nação portuguesa encontra-se na difícil situação de aliada centenária da Inglaterra, com uma economia dominada por investimentos britânicos e sob um governo forçado a fingir que respeita o bloqueio francês; a 12.08 sabe-se da nota do embaixador francês, em que este exige, entre outras medidas, a declaração de guerra à Inglaterra. De facto o rei português chega a assinar os decretos respectivos entre Outubro e Novembro mas, mesmo assim, a Casa de Bragança é banida por decreto de Bonaparte e, na noite de 19.11, o general Junot invade Portugal com 25.000 soldados que vão saquear a vila de Castelo Branco. Dez dias depois a família real e muitos nobres deixam a praia da Ericeira rumo ao Brasil, sob escolta duma flotilha britânica. Com o domínio do comércio do Atlântico garantido pela presença do rei português D. João VI na América, os Lordes britânicos aprovam, finalmente, a proposta de Wilberforce: a abolição da escravatura em todos os domínios da coroa britânica.


1810 – O tratado de Aliança de 19.02.1810, negociado com a Grã-Bretanha pela corte do Rio de Janeiro, contém uma proposta de Abolição gradual em todos os territórios portugueses.


1811 – O governo britânico institui a pena de morte para os transportadores ingleses, agora conhecidos por ‘negreiros’.


1813 – A lei de 13.11 reduz à metade o tráfico de Angola, mas na prática os negreiros mantêm-no em alta.


2.4. Portugal e a Abolição


1815 – Pelo tratado de Viena de 22.01 a Coroa britânica renuncia à soberania que exercera desde 1795 sobre todos os ancoradouros de Angola além de 15º de latitude sul – toda a costa a sul da foz do rio Giraúl – que fizera da angra das Aldeias de Diogo Cão o porto Alexander dos Britânicos: a real armada britânica alijava a responsabilidade, agora injustificada, de manter os Franceses ao largo da costa do sul de Angola, mas continuava a poder apreender os transportes ilegais de escravos no Atlântico Sul.
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1817 – No Brasil eclode a revolução emancipalista do norte e o Capitão-general intervém, mas desagrada ao príncipe Regente.


1818 – A actuação das autoridades civis que o Regente inaugura é, porém, ainda pior que a do Capitão-general português, e D. Pedro concede aos revolucionários uma amnistia no dia da sua coroação, 06.02.


1820 – A primeira revolução Liberal portuguesa, assoprada por ventos de França, repercute no nordeste brasileiro, e a adesão popular ao movimento emancipalista em Pernambuco convence a Coroa de que a posição imperial é insustentável.


1822 – Enquanto entra a vigorar em Portugal uma constituição Liberal, baseada no princípio da ‘soberania do povo’, no Brasil, o príncipe regente D. Pedro usa o pretexto de uma votação desfavorável nas Cortes de Lisboa para declarar o território independente, e os mercadores brasileiros, por convenções assinadas imediatamente com a Grã Bretanha, obrigam-se a fornecer-se de escravos exclusivamente em Angola. A abolição no Brasil dá-se já como inevitável, e aos fornecedores angolanos resta a possibilidade de manter o tráfico com Havana, de onde, por sua vez, se fornecem os estados meridionais da União da América do norte: quando o governo brasileiro propõe a Luanda a independência de Angola, a maioria dos vereadores e outros representantes do povo ao senado da Câmara de Luanda – brasileiros e nativos – vota pela continuação do território africano sob a Coroa portuguesa.


1823 – Aparece no mercado a caldeira de Seguin, ou ‘de tubos’, que não explode como os modelos mais antigos: a mecanização apodera-se dos engenhos açucareiros do Brasil, a libertação total dos escravos é aprazada para 1826 impreterivelmente e, à medida que as empresas do ramo se adaptam à nova tecnologia, crescem as exportações da indústria do vapor inglesa.


1826 – No ano em que a Abolição se completa no Brasil, morre em Portugal o rei D. João VI e o seu filho, o imperador D. Pedro, aprova uma Carta constitucional que vem substituir a Constituição liberal de 1822: concede um pouco mais de soberania à Nobreza nacional em redor da coroa, e um pouco menos ao Povo. É trazida para o Reino por um Lorde inglês, e os ‘conservadores’ portugueses, entre eles nobres e militares antigos combatentes das Invasões francesas, aceitam-na.


1836 – A segunda revolução liberal portuguesa imita também um acontecimento parisiense: a subida ao poder em Julho de 1830 do popular Luís Phillipe, em cujo reinado se criminalizaram finalmente os ‘negreiros’ franceses. Estes, de resto, continuavam a visitar a costa africana entre o Molembo e o Ambriz, já que os governos ‘conservadores’ portugueses se haviam acomodado ao status-quo comercial que a escravatura implicava. A revolução estala quando, sob a crítica cerrada dos ‘liberais’ lisboetas, o governo autoriza uma força de setecentos fuzileiros navais britânicos a desembarcar sob pretexto de protegerem a soberana de dezasseis anos, D. Maria II, sobrinha do imperador do Brasil; aos nobres que apoiam a Constituição de D. Pedro impõe-se habilmente um soldado da mesma guerra civil que dera o trono à menina: é o tenente-coronel Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, que a Coroa vem depois a chamar para formar o segundo governo Liberal. É como chefe deste que o futuro marquês de Sá da Bandeira dá urgente atenção à questão do contrabando de escravos a sul do Molembo, decretando em 10.12 a Abolição da escravatura em todo o território português; porém, perante a realidade desta mono-indústria de Angola, Sá Nogueira propõe um antídoto: “Promovamos na África a colonização dos europeus, o desenvolvimento da sua indústria, o emprego dos seus capitais; e numa série de anos tiraremos os grandes resultados que outrora obtivemos das nossas colónias.” Em Luanda os exportadores clamam contra o primeiro ministro que assustara a jovem Rainha, neta do soberano a quem em 1822 o senado da Câmara jurara fidelidade em vez de se juntar ao Brasil, e em Lisboa cai o governo do tenente coronel. Neste ano o tráfico angolano é conduzido maioritariamente com Havana, por negreiros americanos e franceses que actuam entre a foz do rio Loge e a baía de Molembo: os Estados norte-americanos meridionais protegem o seu abastecimento de Havana, a Inglaterra não deve intervir, Portugal não pode, e portanto o risco de complicações internacionais aumenta.



2.5. Moçâmedes e a Abolição

1838 – A ‘colonização’ a que Sá Nogueira se referira tinha tudo a ver com a aclimatisação de comunidades portuguesas em África como unidades produtivas auto-suficientes – na tradição portuguesa do Brasil e inglesa na América do norte – e pouco com o conceito de grandes territórios ultramarinos anexados a uma potência europeia, ao jeito popularizado cinquenta anos mais tarde pelo rei Leopoldo dos Belgas; não devia, por isso, dar-se como o início daquilo que mais tarde se convencionou chamar ‘colonialismo’. Porém, toda a autoridade era então pouca para manter em Luanda o respeito pelo governo Liberal em Lisboa: o ministro Sá Nogueira, agora na pasta da Marinha e Ultramar, nomeia por isso António de Noronha Governador geral, em cujo posto o almirante se mantém aproximadamente um ano, governando Angola segundo o novo figurino, e não já como um capitão-general da antiga tradição ultramarina: é um governador geral com grande autoridade civil em representação da Coroa, à maneira britânica. Noronha dá o primeiro passo da nova política ultramarina portuguesa ordenando a restauração do antigo presídio de Caconda, em parte para demonstrar que existia já uma soberania europeia a sul de 13º latitude sul – desde a seca de 1829 que os hotentotes Orlam entravam a cavalo pela Huíla em busca de gado – e em parte para iniciar o projecto anti-esclavagista imaginado pelo ex-primeiro ministro.

1839 – O almirante Noronha escolhe para chefe da estação naval de Luanda o tenente da Armada Pedro Alexandrino da Cunha: já servia em Angola havia alguns anos, competindo-lhe vigiar os ‘negreiros’ entre Molembo e Luanda, e por isso conhecia bem o envolvimento da praça da capital no contrabando de escravos. Sá Nogueira autoriza uma expedição do tenente ao sul de Benguela, nos moldes da de Furtado e Mendes em 1785: na costa sul de Angola os contrabandistas não tinham ancoradouros, portanto o governador geral terá pensando em radicar ali uma agricultura local, que ocupasse a população escrava e servisse de exemplo ao norte, visto ser impossível ao tesouro do Reino indemnizar os senhores. Por terra, de Benguela a Quilengues – a antiga Caconda – e de aqui à Huila e ao Jau, marcha o comandante daquele presídio, o tenente de artilharia José Francisco Garcia. Pedro Alexandrino comanda, já como capitão-tenente, a corveta Isabel Maria, acompanhando-o o comerciante António Joaquim Guimarães, encarregado de escolher um ponto para estabelecer indústrias de charqueação e curtumes no porto de Moçâmedes, com promessa de ajuda do governo. De caminho, Cunha dá o nome do governador geral à ponta sul da baía de Moçâmedes.

1840 – O tenente Garcia, escolhido para chefiar o novo estabelecimento, vem a bordo do brigue Raimundo I, aprisionado a 19.02 por um navio da Armada britânica que o confunde com um negreiro; quando chega à baía, na corveta Isabel Maria do comando do capitão-tenente Cunha, já ali se encontravam, não só Guimarães, mas também os empresários de Benguela, Jácome Filipe Torres, Manuel Joaquim Teixeira e João Gonçalves Pinto. Finalmente, no dia 13.08 há uma tenda de campanha na praia da baía de Moçâmedes, em que estão presentes os comerciantes, os dois oficiais, e os sobas de Mussungo, Giraúl, Quietena e Jáu: vão estes assinar um acordo com os portugueses, que vêm ali instalar-se para abrir comércio com eles e construir uma fortaleza “que a todos protegesse das frequentes correrias do gentio...” do ‘nano’
1 , segundo a acta respectiva, 2 assinada por todos os presentes. Fundava-se o presídio de Moçâmedes e, acto contínuo, delimitam-se feitorias nas margens do rio das Mortes, o Mbwelo (‘o de baixo’) dos nativos.

1841 – A portaria de 31.08. determina a construção de um forte na extremidade norte da falésia da baía do porto de Moçâmedes, a que o tenente Garcia, seu construtor inicial, dá por patrono S. Fernado, o santo homónimo do príncipe que D. Maria II desposara cinco anos antes, Fernando de Saxe-Coburgo Gotha.
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1.
Nano – A raiz de o’nanu, ‘cimo’, va nanu, ‘povo de cima’, munanu, ‘um de lá de cima’; referência aos bandos de guerreiros de origem ovimbunda que assolavam os pastores do planalto de Moçâmedes – hoje ‘da Huíla’ – com golpes-de-mão para apresamento de gado destinado em parte ao comércio de Benguela. 2. Esta acta foi publicada no Jornal de Moçâmedes de 8 de Março de 1882.

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1842 – As obras da fortaleza estão suficientemente avançadas para que o estabelecimento agrário do porto de moçâmedes se classifique como presídio, visitado então pelo governador geral José Xavier Bressane Leite (1842-1843).

1844 – O governo Liberal concede distinções aos colonos do norte de Angola que se sobressaiam na agricultura, como o cafeicultor do Cazengo agraciado nesse ano com o Hábito de Nossa Senhora de Vila Viçosa; seria, porém, evidente em Lisboa que fundir grilhetas em enxadas tão perto do reino do Congo seria obra demorada.

1845 – No ano em que o ministro da Marinha, o persistente coronel Sá Nogueira, agora barão de Sá da Bandeira, decide nomear dois governadores para África, especialmente escolhidos para executarem o decreto de 1836, em Angola não há ninguém mais credenciado para o cargo que o chefe da Estação Naval: Pedro Alexandrino é promovido a capitão-de-fragata e simultaneamente empossado em 31.05, e envia imediatamente o antigo companheiro de exploração, o tenente Garcia, para o planalto de Moçâmedes – hoje ‘da Huíla’ – para iniciar outra colónia, substituido-o interinamente na costa António Joaquim de Freitas. O novo governador geral (1845-1848) dá, assim, o primeiro passo do projecto do capitão-general pombalino, D. Francisco Inocêncio da Sousa Coutinho, de construir uma linha de presídios entre a costa e o rio Zambeze.

1846 – O tenente da Armada, Francisco António Correia, é nomeado chefe do presídio de Moçâmedes. A 06.10, a rainha D. Maria II chama ao paço o Primeiro ministro, Duque de Palmela e, zangada, demite-o: ostensivamente, porque Sá Nogueira, novo ministro da Guerra, também demitira e transferira numerosos oficiais de tendências conservadoras. É menos claro, mas plausível, que se tenham movido influências de Luanda, já que dos implicados no contrabando de escravos pelas rusgas navais ordenadas pelo governador geral Pedro Alexandrino, um é o director das alfândegas de Angola, irmão do juiz presidente de Luanda, que 18 meses antes se perfilara no cais da Alfândega do irmão para saudar o novo Governador geral.

1847 – Quase exactamente doze meses depois da queda do governo de Palmela, e depois de perder duas batalhas, Sá Nogueira tem que aceitar um armistício proposto por um oficial inglês enviado pelo lado ‘conservador’. No porto de Moçâmedes o conde de Bonfim, ali desterrado por actividades a favor dos Cartistas em Portugal, tenta um levantamento e é deportado, tentando contudo evadir-se da escuna Conselho. No Brasil explode em Dezembro a revolução Praieira: o ‘Nativismo’
1 que, desde a vitória do movimento Liberal brasileiro em 1844, alimentara a “extrema esquerda” brasileira, reacende o antigo antagonismo entre as duas comunidades, “nativa” e portuguesa, do Nordeste. Sob o caudilho conservador português Costa Cabral – o primeiro Ministro favorecido na corte de D. Maria II – assiste-se ao espectáculo, em Angola e Lisboa, de um governador-geral de Angola ser levado a juízo por impor leis incómodas a alguns homens influentes de Luanda.



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1.
Este sentimento brasileiro radicava-se na rivalidade seiscentista entre a classe “nativa” de ricos agricultores e donos de engenho de Olinda, e os imigrantes portugueses – “marinheiros” – da vizinha cidade de Recife, na maior parte comerciantes que não dependiam directamente da escravatura para sobreviverem, pois tinham um modus vivendi comercial com a Companhia das Índias Ocidentais holandesa; esta dominava o tráfico e competia com Olinda, ao ponto de a destruir quando teve que abandonar o Brasil durante a restauração do domínio português em 1654. Foi após o desaparecimento da administração holandesa que se fizeram as grandes fortunas dos senhores-de-engenho brasileiros da região de Olinda e se inventou a nova alcunha de “mascates”, dada aos comerciantes de origem portuguesa radicados no porto do Recife. Os “nativos” chegaram ao extremo de invadirem o Recife em 1710 com um exército de 20.000 homens, financiado pelos agricultores, e colocarem um ‘governo’ exclusivamente de autóctones no município, cujos privilégios só lhe foram restaurados pelo novo governador nomeado por Lisboa: por fim, em 1716, a capitania foi comprada pela Coroa portuguesa ao então proprietário, o conde de Vimieiro. Mas nada disso impediu que em 1817 os caudilhos do estado da Baía tentassem fundar como os vizinhos Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte uma ‘Confederação do Equador’, independente e republicana, e em 1820 afigurava-se aos nordestinos uma incongruência que a economia do território enorme do Brasil, em crescimento praticamente independente sob o investimento britânico, devesse obedecer ao governo de um diminuto reino europeu do outro lado de um oceano.
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1848 – Em Fevereiro a influência conservadora da monarquia francesa está inteiramente defunta: quando mais uma revolução Liberal inicia em Paris a 2ª República Francesa, em Lisboa é rapidamente nomeada uma comissão parlamentar e elaborado um decreto de abolição que se aplica a todo o Ultramar entre Maio e Agosto. Neste ano em que o Governador geral Pedro Alexandrino da Cunha é exonerado – o processo que lhe fora movido pelo comerciante de Luanda não chegara a tribunal – a compra de escravos de Molembo e Ambriz era, finalmente, criminalizada. Paradoxalmente, é então que, no Brasil, a meados do ano, o terrorismo contra a comunidade portuguesa no Nordeste é tal – gritava-se “mata que é ‘marinheiro’” – que um obscuro professor português de liceu, tão apegado à causa absolutista de D. Miguel que se exilara voluntariamente em Pernambuco, decide-se a escrever ao maior Liberal de Portugal pedindo-lhe asilo para si e outros Portugueses “nas Áfricas ou na Índia”: a petição de Bernardino Freire de Abreu e Castro vem directamente ao encontro dos planos do chefe da Repartição de Angola do Conselho Ultramarino, o extraordinário combatente Liberal, tipógrafo, médico da Armada e historiador, Simão José da Luz Soriano: sacode a poeira ao relatório de Pinheiro Furtado, escrito 63 anos antes, e apresenta ao ministro da Marinha, o indestrutível Sá Nogueira – por agora visconde de Sá da Bandeira – a ideia de colocar o professor Absolutista e os seus seguidores numa das “Áfricas”, a do porto de Moçâmedes. O financiamento do transporte de cento e setenta emigrantes, e dois engenhos de açúcar, é prontamente arranjado, mas entretanto os agricultores do vale do rio das Mortes sofrem o primeiro ataque do gentio do Nano, cujos chefes linhageiros eram antigos beneficiários do tráfico: é uma acção que vai repetir-se, somando-se os seus efeitos psicoógicos aos dos outro grande problema administrativo ainda por resolver: o destino a dar à escravaria de Angola.




2.6. As colónias de Moçâmedes


1849 – A última etapa da Abolição passa a decorrer da acção colonial desenvolvida a partir do presídio de Moçâmedes pelo Ministério da Marinha e Ultramar, habilmente aconselhado pelo autodidacta Luz Soriano. O major do Exército Ferreira da Horta é nomeado por portaria de 30.03 para planificar o estabelecimento da colónia que se prepara em Pernambuco, e o decreto de 19.04 nomeia o tenente da Armada António Sérgio de Sousa primeiro governador do novo distrito, talhado do de Benguela e que inclui parte da actual Huila. Os colonos sob a chefia do austero e conservador Abreu e Castro tomam o seu lugar na barca Tentativa Feliz que, escoltada pelo brigue Douro, vai fazer um travessia extraordinariamente lenta, de mais de dois meses, nas calmarias do Atlântico sul: são pessoas de ambos os sexos e todas as idades, empregados do comércio, operários, algumas com as suas famílias – todas “marinheiros” das cidades do Nordeste – por quem o governador geral Adrião da Silveira Pinto espera em vão na baía do Namib, regressando a Luanda por necessidade de serviço. A colónia aporta afinal a 04.08.


1850 – Aporta a Moçâmedes na barca Bracharense mais um grupo de refugiados do Nordeste brasileiro: o Governo português não financiara esta ‘segunda colónia’ mas o desejo de vir para as Áfricas ou as Índias, na expressão de Abreu e Castro, era tal que o fizera ela própria por colecta em Pernambuco; nesse ano a seca e a inexperiência conjugam-se para reduzir muitos membros das duas ‘colónias’ do Namib à indigência; de Luanda vem o generoso auxílio que permite a uns sobreviverem durante o ano e a outros emigrarem para Benguela e a Huíla; os dois engenhos da ‘primeira colónia’ e o da ‘segunda’ são montados e a seu tempo funcionam, empregando a mão-de-obra que abunda ainda em Benguela. Pedro Alexandrino da Cunha toma posse em 29.05 como governador de Macau.


1851 – Com a fundação da alfândega de Moçâmdes, exporta-se o primeiro açucar. O governador de Macau é encontrado morto em 06.07: assassinado, aparentemente.


1852 – Estabelece-se o julgado municipal de Moçâmedes.


1853 – Apenas três anos após a Conferência de Berlim, o Capitão de mar-e-guerra António Ricardo Graça manda ocupar o porto de Mpinda como forma derradeira de impedir o contrabando em seres humanos no território de Angola, que agora inclui o ‘Congo português’. A mão-de-obra escrava não pode, contudo, deixar de ser utilizada na produção de açúcar do vale do rio Bero; o ministro Sá Nogueira, agora marquês de Sá da Bandeira, insiste para que se fomente uma indústria da pesca no distrito de Moçâmedes.


1854 – José Rodrigues Coelho do Amaral chega a Luanda como Governador geral (1854-1860); acompanha-o Fernando da Costa Leal, um capitão do Exército de 28 anos escolhido pelo Geral e que vem nomeado como governador de Moçâmedes, onde toma posse a 26.02. Das primeiras iniciativas que toma, uma é localizar a foz do rio Cunene, o que faz por terra, já que por mar a foz é encoberta por uma barra de areia a maior parte do ano; baptiza o rio mas o nome de “Elefantes” nunca é popular; tem melhor sucesso noutra área: “Obras paralisadas havia muito tempo, como a Igreja, que não andava desde 1849, são rapidamente concluídas. Outras, como a Fortaleza de São Fernando, iniciam-se ainda nesse ano e sem delongas se aprontam.” 1 Mas a mais importante é a concessão das primeiras licenças de pesca comercial, na Baía das Pipas. Em 14.12 é decretada com efeito imediato a libertação dos escravos do Estado: calcula-se que em toda a Angola houvesse então ainda cerca de 60.000 escravos nas mãos de senhores particulares.

1855 – A povoação do porto de Moçâmedes é elevada à categoria de vila: consistia então de dois alinhamentos de habitações, as melhores frente à praia, com uma rua de permeio, de 400 metros de comprimento. Neste ano de eleição da primeira vereação da Câmara Municipal, tendo com seu primeiro presidente Bernardino de Abreu e Castro, chefe da primeira colónia, é ocupada a Praia do Baba e a rainha D. Maria II envia 1000 anzóis ao governador do distrito.

1856 – No ano em que o hospício de Moçâmedes é inaugurado, o decreto de 15.06 decreta a Abolição em todo o território então sob a soberania portuguesa. Os primeiros armadores portugueses estabelecem-se nas Luciras.

1857 – Segundo o governador Leal, estão agora instaladas em Moçâmedes 16 pescarias, com 40 escaleres e 280 escravos, e mais 4 nas praias do Norte: Baía das Pipas, Baba, Lucira e Catara. Mas por outra preocupação, o governante desloca-se aos Gambos acompanhado pelo presidente da Câmara municipal de Moçâmedes: Bernardino Abreu e Castro mais tarde descreve ao Govenador geral o patria potestas banto, verdadeiro motor da escravatura africana.
2 A visita relacionava-se com a resolução de um litígio com o novo soba dos Gambos, ‘Xipalanga’, 3 que o governador dava por usurpador, e foi o prelúdio de pequenas operações militares lançadas da colónia do Lubango pelo governador, contra o parecer da Câmara e a opinião do experiente e educado viajante e comerciante entre os Cuanhamas, Bernardino José Brochado, estabelecido em Moçâmedes. Como o clima de guerra na Huíla convencesse alguns dos colonos do Lubango a deslocarem-se para a costa, a 25.11 o governador Leal assentou praça a dois deles: seguiu-se o protesto da Câmara, a dissolução desta pelo governador, a sublevação dos colonos e o embarque do governador para Luanda. O incidente – reflexo da antiga tradição de independência municipal ibérica, vestígio da colonização Romana e travão perene contra os desmandos dos barões feudais – tem sido, contudo, mal visto por habitantes mais recentes do Namib angolano, onde, por esse ponto de vista mais obediente, naquele tempo “uma indisciplina latente constituía permanente ameaça.” 4




1858 – O Governador geral vem a Moçâmedes acompanhado do governador Leal, manda deter os cabecilhas da revolta, dissolve a Câmara – Brochado é nomeado presidente da Vereação (1858-1860) – e reconduz Leal. Resta pouca dúvida, porém, que a iniciativa militar do jovem governador de trinta e dois anos, inexperiente das “Áfricas” mas assoberbado pelo apoio que teria em Luanda, terá ajudado a acender um fogo entre os povos aguerridos do sul de Angola que só veio a apagar-se meio século mais tarde, depois de outro incidente, o de Naulila. Sai o decreto de 29.04 que estabelece aos senhores particulares um prazo improrrogável de 20 anos para a libertação final dos seus escravos, metade do qual na condição de servitude livre.


1859 – O Governador Fernando da Costa Leal deixa o distrito de Moçâmedes para ir trabalhar com o marquês de Sá da Bandeira na compilação da primeira carta geográfica de Angola

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1.
Bobella Mota, A. - A Exploração do Rio Cunene, c. 1970. 2. Abreu e Castro, B.F. de – Opinião sobre a melhor forma de extinguir a escravatura. Boletim Oficial de Angola, nº. 611 de 13 de Junho de 1857. 3. O nome não é, necessariamente, próprio: epalanga eram os conselheiros dos chefes nos estados ovimbundo e este soba seria um tyipalanga revolucionário que se julgara autorizado pelo governador Leal a tomar o poder. 4. Bobella Mota, A. – Op. ct.
 
1860 – Dez anos depois da chegada dos portugueses vindos do Brasil começa a colonização dos algarvios que para aqui se deslocam nos seus próprios barcos, em viagens de autênticos aventureiros honrando bem os seus antepassados navegadores: o primeiro é José Guerreiro de Mendonça, de Olhão.

1861 – No Governo geral de Sebastião Lopes Calheiros de Menezes (1861-1862) o levantamento dos povos do baixo Cunene – herança do governo do capitão Leal – obriga à constituição do Batalhão de Caçadores 3 com seis companhias, das quais a 1.ª e 2.ª se vão estacionar na Huíla, a 3.ª nos Gambos, a 4.ª no Humbe; a 5.ª C. caç. é colocada em Capangombe e constroem-se os fortes dos Cavaleiros e Boa Esperança, no vale do rio Bero: a guerra do Nano descia à cidade. Famílias de pescadores de Moçâmedes estabelecem quatro feitorias na ponta do Pinda, adjacente à antiga angra das Aldeias, o porto Alexander das cartas náuticas do almirantado britânico.

1862-5 – A reacção dos chefes tribais do sul de Angola ao aparecimento dos destacamentos militares não se fazem esperar, inaugurando um longo período de instabilidade para os colonos do planalto. Em Luanda o Governador geral é o militar que pacificara os Dembos e subtraíra finalmente o Ambriz às atenções britânicas; é, no entanto, durante este período conturbado da primeira vigência do notável Governador geral José Baptista de Andrade (1862-1865) que, na costa do distrito de Moçâmedes, se radicam pescadores algarvios não só em Moçâmedes, mas também na Baía das Pipas, Baba e Baía das Salinas: os do Baba mudam-se para o porto Alexandre, onde em 1863 já há seis feitorias de gente de Moçâmedes; iniciam-se as obras do hospital de Moçâmedes (1863), a construção do troço Bruco-Chela da estrada Moçâmedes-Huila e a fundação de uma indústria de tecelagem em Moçâmedes (1864), e se inaugura a estrada de Moçâmedes à pousada da Pedra Grande (1865); neste ano, os algarvios atingem na enseada do Leão, na enorme Great Fish-bay da marinha inglesa: o jogo de sombras às listas nas dunas da costa sugerem-lhe o nome moderno, ‘baía dos Tigres’, e a falta de água obriga-os a fazer um plano.

1870 – No ano em que o marquês de Sá da Bandeira deixa definitivamente a política, as estradas para a Huila estão acabadas, não só na antiga passagem por Capangombe à Huíla, pelo Bruco, mas também para a Bibala, pelo Munhino; e há um numeroso grupo de pescadores algarivos na baía dos Tigres, que para ali transportam a água potável nas suas frotas. Governa Angola novamente, por um breve período, o enérgico Coelho do Amaral (1869-70).

1876 – Morre Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, o marquês de Sá da Bandeira, e em sua memória é decretada para o dia 29.04 – dois anos antes do previsto em 1859 – a libertação dos poucos escravos que ainda existem em território português.

1884 – Os oficiais da Armada Hermenegildo Brito Capelo e Roberto Ivens partem de Moçâmedes para Tete, no rio Zambeze, na sua travessia de África até Moçambique: é que as potências internacionais interessam-se por partilhar o sempre difícil continente e o Governo português toma precauções, uma delas o convite de muitas famílias da populosa e pobre ilha da Madeira a estabelecerem-se nas ‘Áfricas’. São pescadores e agricultores, aqueles com destino a Moçâmedes – a maioria ao Baba, outros a Porto Alexandre – estes em rota para a colónia de Lubango, na Huíla. De resto, a imigração portuguesa para Angola encontra-se agora facilitada,
1 e pela primeira vez se pensa em Angola como uma ‘província’ aberta a todos os Portugueses particulares, como as do continente europeu.

1885 – Por decreto do Ministro da Marinha e Ultramar, a vila do Lubango passa a conhecer-se pelo título do marquês cuja iniciativa humanitária e denodo político lhe dera origem: Sá da Bandeira.
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1.
Só em 1921, no governo do Alto comissário de Angola, o general Norton de Matos, volta a haver nova corrente emigratória, desta vez incluindo pescadores poveiros. Data de então a construção de uma estação de dessalinização a baía dos Tigres.



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BIBLIOGRAFIA
: Bobella Mota, A. - A Exploração do Rio Cunene, c. 1970; C. M. Castro Alves, trineto de Bernardino de Figueiredo Abreu e Castro - Tese de mestrado; Encyclopedia Britannica; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira; Lemos, A. 1943-45; O Sul de Angola, n.º comemorativo do 1º centenário da Cidade de Moçâmedes, 1949.