sábado, 16 de outubro de 2010

APONTAMENTOS PARA A HISTÓRIA DO QUITEXE - INTRODUÇÃO


                            
Coordenação: João Matos Garcia

Colaboração: Arlindo de Sousa
                      João Cabral          

Introdução

A história do Quitexe, como acontece com todos os outros espaços lusófonos, insere-se num amplo processo histórico, com implicações à escala planetária. Tem a ver com a expansão ultramarina portuguesa iniciada em 1415 com a conquista de Ceuta no Norte de África.
É no decorrer da referida expansão que os portugueses nos finais do século XV, averbando já uma invejável lista de terras descobertas, chegam ao actual país designado por Angola.
A empresa da expansão marítima, hoje vista pelos historiadores como os caboucos da globalização, era justificada pelo espírito da missionação e expansão da fé católica, mas dominada pelas preocupações económicas e interesses materiais. Assentava, inicialmente, na fundação de feitorias, com a finalidade de estabelecer o comércio com os povos locais.

Dominado por esta preocupação, em 1482 Diogo Cão e seus companheiros sobem o rio Zaire, entram em contacto com o reino do Congo e no ano seguinte percorrem toda a costa angolana.
As navegações para sul, com vista à descoberta da passagem (depois apelidada de rota do Cabo da Boa Esperança) que em 1498 haveria de levar à Índia, continuaram. Mas entretanto os portugueses, certamente influenciados pelo bom acolhimento que lhes foi dispensado pelo reino do Congo (capital em M’Banza Congo), aportam também na hoje designada ilha de Luanda. Onde, sem tanto sucesso, contactam com “N’gola”, um soba vassalo do rei do Congo, cujo nome veio a denominar todo o território de Cabinda ao Cunene, hoje conhecido por Angola.

Um dos ramos comerciais que maior riqueza trazia à coroa portuguesa era a dos escravos. Até 1560 o comércio de escravos funcionara bem pelo Reino do Congo; mas, por esta altura, povos Jagas vindos do Leste invadiram este reino, obrigando o rei e os portugueses que viviam em M’Banza Congo a exilar-se numa ilha do rio Zaire. Esta reviravolta e a esperança de encontrar minas de prata e cobre, encorajou os portugueses a conquistarem um território onde pudessem ser senhores absolutos. Em 1571, o rei D. Sebastião passa a Paulo Dias de Novais a carta régia de doação da capitania de Angola, primeiro estatuto administrativo, político, económico e judicial de Angola, com poderes para “sujeitar e conquistar o reino de Angola” (Ndongo era, de facto, o nome do reino, sendo N’gola o título do seu rei). Paulo Dias de Novais, neto de Bartolomeu Dias conhecia bem este reino pois ali vivera prisioneiro 6 anos até  ser libertado em 1566.

Facilitadas ou dificultadas por muitos e variadíssimos acontecimentos, desânimos e euforias, muita guerra e pouca paz, em que de um lado e do outro se somam derrotas, ressentimentos, longas situações de marasmo, alianças, vitórias e até cruzamentos étnicos, M’Banza Congo (ex-São Salvador do Congo) e Luanda vêm a definir-se como pontos de partida de duas linhas de penetração colonizadora que só por meados do século XVII (cerca de duzentos anos depois de Diogo Cão chegar pela primeira vez ao Zaire) se vão encontrar em Encoje (São José de Encoje). Onde em 1759 é construída uma fortaleza que objectiva ser um dos nós da rede lusa de ocupação militar, política, económica e religiosa de que já faziam parte Massangano (1533), Muxima (1599), Cambambe (1604) e Ambaca (1614).

Mais tarde São José de Encoje, depois de muitas e variadas vicissitudes e por virtude do Decreto n.º 80 de Norton de Matos datado de 14 de Dezembro de 1921, perde o seu cunho militar e fornece o nome que designará a Circunscrição Civil de Encoje com sede no Quitexe.  

Angola - expansão portuguesa até 1870


Expansão colonial portuguesa em Angola até 1870 (W. G. L. Randles -De la traite à la colonisation : les Portugais en Angola-Annales. Économies, Sociétés, Civilisations, Année 1969, Volume 24, Numéro 2
                


ORIGENS

A ocupação humana no norte de Angola é o resultado de sucessivas migrações, algumas realizadas em épocas recentes. Os povos aqui residentes fizeram parte do grupo Banto que, vindo dos Grandes Lagos, chegou ao Atlântico rodeando o Zaire pela sua margem direita. Outros ramos migratórios vieram juntar-se-lhes, subindo os vales dos afluentes Luabala, Cassai, Cuango, etc. A zona do Quitexe constituiria uma região de cruzamento de migrações e é maioritariamente habitada por povos Bahungos e N’Golas.


 In Nunes, António Lopes Pires – Angola 61 Da Baixa do Cassange a Nambuangongo, Prefácio 2005


MAHUNGOS

Os mahungos (do sub-grupo etnolinguístico quimbundo) estabeleceram-se nesta área empurrados do norte pelos bassorongos e baxicongos (do sub-grupo Quicongo) quando estes atravessaram o rio Zaire e começaram a espalhar-se na margem esquerda do rio, talvez no séc. XIV. Resistindo bem a esta pressão conseguiram manter-se durante muito tempo na parte sul do Bembe descendo, depois mais para sul. Constituindo-se em pequenos sobados, os seus chefes (sobas ou dembos) eram subordinados do Rei do Congo.





Aldeia mahunga na zona do Quitexe 1933/35 fotos – Elmano Cunha e Costa - Instituto de Investigação Científica Tropical


N’GOLAS

Os N´golas, residentes nesta área do Quitexe são apenas uma pequena franja deste grupo quimbundo maioritariamente localizado a sul do Dange onde estavam organizados no reino independente do Ndongo (ou Ngola).
Tendo o rio Cuanza como eixo orientador os N’golas ocupavam uma zona que ía do litoral até às regiões de Pungo Andongo e de Duque de Bragança. Há uma certa identificação dos n’golas aos gingas que, segundo alguns antropólogos, remonta ao tempo em que o sul do Reino do Congo foi invadido pelos gingas. No entanto certos autores (Hélio Felgas – As populações nativas do Norte de Angola, Lisboa 1965) mantêm a distinção considerando-as duas etnias diferenciadas.
O Reino do Ndongo formou-se no século XIV com migrações de povos do centro de África que se instalaram na Matamba. O chefe destes povos, Ngola a Nzinga avançou para o Cuanza e conquistou as terras quase até ao mar. O seu filho Ngola a Mbandi criou o Reino do Ndongo com a capital em Mbanza Kabassa. Este reino, até perto de 1563, pagava tributo ao Reino do Congo. Os portugueses entraram oficialmente em contacto com o reino em 1520, no reinado de Ngola Kiluanje, mas muito antes dessa época já havia relações entre os Ngolas e os comerciantes portugueses que estavam no Congo. Este reino manteve a sua independência até 1671, ano em que os portugueses venceram e mataram o rei Ari II em Mpungo a Ndongo (Pungo Andongo)


  
Carta dos três Reinos de Congo, Angola e Benguela com os países vizinhos (Dongo, Matamba, Kassanji) No fim da Guerra Civil, em 1834, as possessões portuguesas além-mar, eram como segue: Em Angola havia dois reinos, o de Angola que se estendia do rio Ambriz até ao Cuanza; e o reino de Benguela que ia do Cuanza ao Cabo Negro. No sentido leste/oeste não passaria das 100 léguas a influência portuguesa para o interior onde haveria cerca de 370 sobas subordinados à autoridade portuguesa.



Esta diferenciação étnica, entre N’golas e Hungos manteve-se, no Quitexe, até aos nossos dias vivendo as comunidades em povoações separadas, mas sem sinais de agressividade expressiva, também pelo facto de pertencerem, na sua maioria a uma igreja comum, a protestante.
A distribuição destas duas etnias, por sanzalas, era a seguinte (1961):

N’Gola – Ambuíla, Quimbinda, Luege, Taela, Cacuaco, e Dambi N’Gola;

Hungo – Quitoque, Quimassabi, Tala M’Banza, Cuale, Bumbe, Mungage, Catenda, Aldeia, Zenza Camuti, Quimulange, Cahunda, Tabi, Combo, Quimucanda e Catulo.

Refira-se que depois do início da guerra foram poucos os N’Golas que se “apresentaram” às autoridades portuguesas, mantendo-se nas matas ou, a maioria, refugiando-se no Congo.


                        Sanzalas e fazendas na área do posto administrativo do Quitexe - 1961 (João Nogueira Garcia) 



publicado por Quimbanze in QuitexeHistoria

1 comentário:

Nelson disse...

Muito bom o seu blog, amigo. Sucesso!
(http://nelsonsouzza.blogspot.com)