Este blog visa apenas dar visibilidade a textos de autores considerados de interesse para a compreensão da História Colonial de Angola. Por abarcar os mais diversas abordagens, é um blog dedicado aos de espirito aberto, que gostam de avaliar assuntos, levantar questões e tirar por si próprios suas conclusões. É natural que alguns assuntos venham a causar desagrado, e até reacções da parte daqueles cujas perspectivas estejam firmemente cristalizadas.
sábado, 31 de janeiro de 2009
LIBERTAÇÃO E QUESTÃO RACIAL
Mais um precioso post do WR, agora sobre os problemas raciais nos movimentos de libertação africanos (no caso, portas dentro do MPLA), pode ler-se aqui e a que se promete dar continuação.
O post do WR, numa leitura imediata, induz (pelo menos, isso aconteceu-me) uma leitura taxativa de que o problema racial era um problema em si. Pela minha parte, penso que, se existia um problema racial de facto (que mais não fosse como reflexo de resposta a uma sociedade colonialista, assente ela própria no racismo, segregando um racismo preto em resposta ressentida e imediatista ao insuportável racismo branco), a sua dimensão e motivação mais preocupantes, se assim se pode dizer, extravasavam as barreiras raciais e apontava para outras fracturas e níveis de ressentimento (funcionando mais como pretexto que como causa). O facto é que a maioria das elites dos movimentos de libertação (MPLA, Frelimo, PAIGC) foram politizadas no seu contacto com o marxismo-leninismo aprendido (e, na maior parte das vezes, treinado e praticado) na Europa (por exemplo, na Casa de Estudantes do Império, em Lisboa). E, por razões de estatuto sócio-económico-cultural, uma grande parte dessa elite era constituída por africanos brancos ou mestiços (Marcelino dos Santos, Lúcio Lara, Mário Andrade, Amílcar Cabral) porque eram os brancos e os mestiços que mais hipóteses tinham de frequentar a Universidade em Portugal. Para além de que, paradoxalmente, eram os melhor aceites na aprendizagem de luta nos movimentos estudantis e no antifascismo metropolitanos. Naturalmente, para os africanos negros (e a grande massa de combatentes só podia ser de negros), havia uma espécie de percepção de fatalidade – passar do domínio dos colonialistas brancos para o mando de uma nova camada dirigente independentista onde grande parte dos lugares de destaque estava ocupada por mestiços e até alguns brancos. Ao mínimo problema de divisão ou de agudização das dificuldades, impostas muitas vezes pelas próprias agruras da luta armada, como não cair na tentação de simplificar os problemas de clivagens vendo nesses mestiços e nesses brancos a “continuação da supremacia colonial”?
Já no terreno da luta armada, essas elites iam disputar a repartição de lugares no quadro dos movimentos. Enquanto os movimentos de marca mais primária nos seus objectivos de transformação das realidades (FNLA, UNITA) tinham assumido uma dicotomia preto-branco e o facto de os brancos independentistas e mestiços estarem no MPLA levou a que não só a propaganda usasse este facto para diminuir a penetração do MPLA, apontando-o como um “movimento de mestiços”, como acabou por contaminar o interior do próprio MPLA com a questão racial. E a tal ponto que, por iniciativa de Viriato Cruz (um mestiço não escolarizado nem politizado em Portugal), os brancos e mestiços dirigentes do MPLA se auto-excluiram da direcção política (casos de Viriato Cruz, Lúcio Lara, Mário Andrade e mais alguns quadros de pele branca) para não darem “pretextos de propaganda” à FNLA e UNITA. Esta “cedência”, mais tarde rectificada, teve a importância de introduzir, de forma irreversível, a questão racial dentro do MPLA. Mas se olharmos o que se passou em Moçambique e Guiné, onde as questões raciais não têm a mesma história nem sequer pretexto idêntico, mas existiram e foram agudos (porque é que Marcelino dos Santos e Jacinto Veloso nunca passaram além de “eminências pardas” do regime frelimista?) (porque é que a imensa autoridade e prestígio de Amílcar Cabral nunca conseguiram solucionar a contradição guinéus-caboverdianos e pagou essa incapacidade com a própria vida?), não é caso para se confirmar que, na luta pelo poder, no quadro de estruturas de matriz marxista-leninista, qualquer pretexto serve (por via do próprio afunilamento de supremacia na pirâmide do “centralismo democrático”) para separar dirigidos e dirigentes, criando fracções e bases programáticas tantas vezes improvisadas e a disfarçar razões mais primárias de luta pelo poder. E movimentos construídos para libertarem povos e países de domínio colonialista e racista com séculos de poder absoluto e brutal poderiam libertar-se da ganga da contaminação dos problemas a resolver?
Estas algumas achegas para alimentar o debate em boa hora lançado pelo WR. Suponho que, num próximo post, ele vá abordar o fenómeno nitista do 27 de Maio (que também bebeu no pretexto racista, não só mas também). Espero que ele dê a sua interpretação porque é que a suposta grande alma da insurreição (Sita Valles, uma não negra de origem indiana) representava, na aparência ou de facto, a figura de eminência parda da Fracção MPLA-ML, enquanto as figuras de líderes expostos eram dois negros puros (Nito Alves e José Van Dunen), sendo certo que um numeroso lote de brancos e mestiços do MPLA engrossaram as hostes da ala negra nitista. E se neste último tipo de adesão, não contribuiu o conhecido fenómeno da atracção pelo radicalismo por parte de apressados em redimirem-se de pecados de cor de pele, em que uma grande parte de brancos e mestiços que se colocaram contra o colonialismo se assumiram (ou ainda se assumem, os que ainda não fizeram a via do desencanto) como os radicais entre os radicais, os mais apressados na fase da pressa e antes que o cansaço ocupe o lugar do frenesim.
publicado por João Tunes
In blog Agualisa
quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
Subsídios para uma história de Angola - III
«Durante centenas de anos Angola — transformada em “mina de escravaria” — assistiu à saída forçada para o Brasil de milhares de seus naturais.
O negócio era de tal forma rendoso que o Estado tinha nele o seu principal esteio financeiro, como o atesta o seguinte passo da “História de Angola”, de Elias da Silva Corrêa:
“O mais vezivel, e constante, hé, e tem sido os direitos da escravaria; pois, hé inegável, que o giro dos escravos, fecunda grandes interesses à monarchia”.
Certamente, por verificarem quão difícil era a vida da Província assente em tão ruinosa actividade, os governadores Fernão de Sousa (1624-1630), D. Francisco de Sousa Coutinho (1764-1772) e D. Miguel António de Melo (1797-1802) tentaram, por várias formas, dar impulso às fontes de riqueza, fomentando o comércio, a agricultura e a indústria.
Esta luta em que tanto se empenharam resultou, a bem dizer, em insucesso.
Assim o reconheceu D. Miguel António de Melo, ao referir-se ao estado da agricultura, no seguinte passo do relatório do seu governo, datado de 25 de Agosto de 1802: “É este importante ramo o manancial mais seguro e primeiro da riqueza de qualquer estado, porém, apezar de ser ele tal como digo, e todos sabem, e havendo-se, por muitas vezes, experimentado aqui, por falta de chuvas, grandes fomes, é contudo aquele que se acha em maior desprezo”.
Aludindo à precária situação geral da Província, resultante do nefando tráfico, tem estas expressões de sentido tão humano:
— “não devemos emprehender mais conquistas, maiormente conservando as que temos indefezas e na lastimosa decadência que se observa, e que o nosso cuidado daqui em diante se deve encaminhar a tratarmos estes povos com suavidade e justiça, procurando fazer-lhes esquecer os danos, as violências e os males em que já por três séculos que os oprimimos e molestamos …”.
Como se verifica, abandonadas, por inércia, desleixo e apego ao lucro ilícito, as providências tendentes ao aproveitamento dos seus recursos naturais, Angola permanecia na apagada situação em que a lançara o desregrado comércio da escravaria.» in Subsídios para a história de Luanda, Manuel da Costa Lobo Cardoso, Edição do Museu de Angola - Luanda Angola,1954
Alguns aspectos da vida de Luanda antiga
( Conferência proferida na Associação Comercial de Luanda em 12 de Setembro de 1952.)
Para ler o restante artigo, ver página da Casa de Angol
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
Fui para Angola como um cão, trouxeram-me como um cão e continuam a tratar-me como a um cão
Habana - Angola foi um destino de calvário. As noites intensamente frias. Os amanheceres como preâmbulo de calores que convertiam a atmosfera num forno. O sono perturbado pelo cochicho dos ratos. As cobras vadiando pelos arredores a qualquer hora. Era uma grande conspiração contra o sistema nervoso. Temia-se pela vida e por aquela soma de hostilidades que deixava um vazio interno. Um vácuo de incertezas que bloqueava o acesso à razão. Reflexões de um "Cão" A esperança de regressar a Cuba são e salvo flutuava, com torpeza, na imaginação. Não havia garantia de consegui-lo. Bastava uma bala inimiga, uma rajada de metralhadora, uma morteirada desintegradora. Sobravam medos para deixar em suspenso a alegria de voltar ao seio da família, sentir o abraço da mãe, brindar com os amigos, pisar o asfalto para se esquecer do mato e os depredadores da selva. A guerra arredando as suas cortinas para exibir o seu drama, os seus sobressaltos, a agonia dos moribundos, a passagem do bom senso e a demência. Vários companheiros regressaram loucos, não puderam resistir ao peso das tensões, isso me disse Braulio do seu assento de condutor de um bici-Taxi. Sua copiosamente depois de acabar uma das suas extenuantes viagens. Nas suas pernas está o sustento da sua esposa e filhos. É a única opção num ambiente com outras crispações. "Este agora é o meu campo de batalha", assegurou-me com certo ar de resignação. "Aqui não vou a morrer de uma "chumbada" no coração, mas entre a pedalada pelas ruas desniveladas, o clima dos trópicos, a perseguição da polícia e a dor que sinto pelo abandono das autoridades depois que expus a minha vida em Angola, é lógico que pense noutro tipo de morte". Um cancro na próstata, um enfarte, uma depressão nervosa como prévio escalão para a loucura. Isso significa o atribulado veterano como parte da sorte que poderia ocorrer nos próximos meses. Com 18 anos fui enviado para esse país africano. Era uma missão a que não podia renunciar por causa da Lei do Serviço Militar Obrigatório imposta pelo governo actual a partir da década de 60 do século XX. Decorria 1982 e o seu destino tomava o cheiro das selvas meridionais angolanas com os seus mosquitos transmissores do paludismo, as águas infestadas de amebas, os possíveis ataques dos combatentes comandados por Jonas Savimbi, o líder insurrecto já desaparecido. Mais de 24 meses decorreram à mercê do azar. Regressou com a ideia de um reconhecimento da sua contribuição como soldado internacionalista. No entanto, actualmente é um homem com o ânimo à deriva. "Isto que tem feito a tantos jovens algum dia o terão de pagar", afirma com as sobrancelhas franzidas. Está incomodado. Consegue conter a ira e deixa no ar um leve suspiro que lhe serve para descongestionar a alma. O seu irmão terminou no alcoolismo. Teve a desgraça de ficar mutilado mo fragor de um combate. Conta-me que apenas pode andar com as severas afectações numa das suas pernas e que o governo o deixou na mais absoluta marginalização. Milhares de jovens que passaram pela provações da guerra, passam inadvertidos, esquecidos, muitos sem trabalho e outros encerrados na prisão por delitos. "Mandaram-me para Angola como um cão, trouxeram-me como um cão e continuo a ser tratado como um cão", neste termos empreende a marcha costa acima por uma das ruas de Habana Velha. Antes de ir-se, lhe digo que somos da mesma espécie. Ao menos assim me tem tratado desde que cheguei de Angola em 1983. Como a um cão.
|
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
Cuito Cuanavale revisitado
Cuito Cuanavale revisitado
Este ano decorre o 20º aniversário do início da batalha de Cuito Cuanavale, no sudeste de Angola, quando as forças armadas da África do Sul do apartheid enfrentaram o exército cubano e as forças angolanas. O general Magnus Malan escreve nas suas memórias que a campanha foi uma grande vitória para as forças de defesa sul-africanas (SADF) mas Nelson Mandela não podia discordar mais: "Cuito Cuanavale – afirmou – foi a viragem para a luta de libertação do meu continente e do meu povo do flagelo do apartheid".
O debate sobre o significado de Cuito Cuanavale tem sido intenso, em parte porque os documentos sul-africanos relevantes continuam classificados. Entretanto, pude estudar os documentos nos arquivos fechados cubanos e também muitos documentos norte-americanos. Apesar do fosso ideológico que separa Havana e Washington estes documentos relatam uma história com impacto pela semelhança que têm
Analisemos os factos. Em Julho de 1987 as forças armadas angolanas (FAPLA) lançaram uma ofensiva de grande envergadura no sudeste de Angola contra as forças de Jonas Savimbi. Mas ao ver que a ofensiva estava a ter êxito as SADF, que controlavam as partes mais meridionais do sudoeste de Angola, intervieram no sudeste. Em princípios de Novembro das SADF haviam encurralado as melhores unidades angolanas na aldeia de Cuito Cuanavale e preparavam-se para aniquilá-las.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas exigiu que as SADF se retirassem incondicionalmente de Angola, mas a administração Reagan assegurou que esta exigência fosse uma Resolução sem maior transcendência. O secretário de Estado Adjunto dos Estados Unidos para África, Chester Crocker, disse ao embaixador da África do Sul nos Estados: "a resolução não prevê sanções e não estabelece nenhuma assistência a Angola. Isto não é por acaso e sim o resultado dos nossos esforços para manter a resolução dentro de certos limites" [1] . Enquanto isso, as SADF aniquilariam as unidades de elite das FAPLA.
Em princípios de 1988, fontes militares sul-africanas e diplomáticas ocidentes asseguravam que a queda de Cuito era iminente. Isto significaria um golpe demolidor para o governo angolano.
Mas a 15 de Novembro de 1987 o presidente cubano Fidel Castro havia decidido enviar mais tropas e armas para Angola: seus melhores aviões com os seus melhores pilotos, suas armas anti-aéreas mais refinadas e seus tanques mais modernos. A intenção de Castro não era só defender o Cuito, era retirar as SADF de Angola de uma vez e para sempre. Mais tarde ele descreveu sua estratégia ao líder do Partido Comunista Sul Africano, Joe Slovo: Cuba travaria a investida sul-africana e a seguir atacaria em outra direcção, "como o boxeur que com a mão esquerda o mantém e com a direita o golpeia" [2] .
Aviões cubanos e 1500 soldados cubanos reforçaram os angolanos e Cuito não caiu.
A 23 de Março de 1988 os sul-africanos lançaram seu último assalto de maior envergadura contra Cuito. Tal como o descreve o coronel Jan Breytenbach, o assalto sul-africano "foi travado abrupta e definitivamente" pelas forças conjuntas cubanas-angolanas.
A mão direita de Havana preparou-se para golpear. Poderosas colunas cubanas estavam a avançar no sudoeste de Angola em direcção à fronteira da Namíbia. Os documentos que nos poderiam dizer o que os líderes sul-africanos pensaram desta ameaça continuam classificados. Mas sabemos os que as SADF fizeram: cederam terreno. Os serviços de inteligência dos Estados Unidos explicaram que os sul-africanos se retiravam porque estavam impressionados com a rapidez e a força do avanço cubano e porque consideravam que um combate de maior envergadura "teria acarretado grandes riscos" [3] .
Quando criança, na Itália, escutei meu pai falar da esperança que ele e seus amigos sentiram em Dezembro de 1941 ao ouvir na rádio que as tropas alemãs haviam tido que abandonar a cidade de Rostov do Don. Era a primeira vez em dois anos de guerra que o "super homem" alemão fora obrigado a retirar-se. Recordei-me das suas palavras – e do profundo sentimento de esperança que elas implicavam – quando li a imprensa sul-africana e da Namíbia em meados de 1988.
A 26 de Maio de 1988 o chefe das SADF anunciava que "forças cubanas e da SWAPO fortemente armadas, integradas pela primeira vez, avançaram em direcção ao sul a uns 60 quilómetros da fronteira com a Namíbia". A 26 de Junho o administrador general sul-africano da Namíbia reconhecia que MIGs-23 cubanos estavam a voar sobre a Namíbia, uma mudança dramática em relação àqueles tempos em que os céus pertenciam às SADF. Acrescentava que "a presença dos cubanos havia provocado uma onda de ansiedade na África do Sul".
Contudo, estes sentimentos de ansiedade não eram compartilhados pelos negros sul-africanos: eles viam a retirada das forças sul-africanas como uma luz de esperança.
Enquanto as tropas de Castro avançavam rumo à Namíbia, cubanos, angolanos, sul-africanos e estado-unidenses enfrentavam-se na mesa de negociações. Dois pontos eram chave: se a África do Sul aceitava a implementação da Resolução 435 do Conselho de Segurança das Nações Unidas que exigia a independência da Namíbia e se as partes poderiam por-se de acordo sobre um cronograma da retirada das tropas cubanas de Angola.
Os sul-africanos pareciam estar cheios de esperança: o ministro dos Negócios Estrangeiros Pik Botha esperava que a Resolução 435 fosse modificada. O ministro da Defesa Malan e o presidente PW Botha afirmavam que a África do Sul se retiraria de Angola só "se a Rússia e os seus títeres fizessem o mesmo". Eles nem sequer mencionavam retirar-se da Namíbia. A 16 de Março de 1988 o Business Day informava que Pretória estava "oferecendo retirar-se para a Namíbia – não da Namíbia – em troca da retirada das forças cubanas de Angola. Ou seja, a África do Sul não tem qualquer intenção de retirar-se do território em nenhum futuro próximo.
Mas os cubanos haviam revertido a situação no terreno e quando Pik Botha apresentou as exigências sul-africanas Jorge Risquet, que estava à frente da delegação cubana, caiu-lhe em cima com uma tonelada de tijolos: "a época das aventuras militares, das agressões impunes, dos seus massacres de refugiados acabou". A África do Sul – disse – estava a actuar como se fosse "um exército vencedor ao invés do que é na realidade: um exército agressor golpeado e em retirada discreta... A África do Sul deve compreender que não obterá nesta mesa de negociações o que não pode alcança no campo de batalha" [4] .
Ao terminar a ronda de negociações no Cairo Crocker enviou um telegrama ao secretário de Estado George Shultz dizendo que as conversações haviam tido "como pano de fundo a tensão militar crescente devido ao avanço em direcção à fronteira da Namíbia de tropas cubanas fortemente armadas no sudoeste de Angola... o avanço cubano no sudoeste de Angola criou uma dinâmica militar imprevisível" [5] .
A grande pergunta era: deter-se-iam os cubanos na fronteira? Para obter uma resposta a esta pergunta Crocker procurou Risquet. "Tem Cuba a intenção de deter o seu avanço na fronteira entre a Namíbia e Angola?" Risquet respondeu: "se eu lhe dissesse que não se vão deter estaria a proferir uma ameaça. Se eu lhe dissesse que se vão deter estaria a dar-lhe um meprobamato e eu nem quero ameaçar nem quero dar-lhe um calmante... o que disse é que só os acordos sobre a independência da Namíbia podem dar as garantias" [6] .
No dia seguinte, 27 de Junho de 1988, MIGs cubanos atacaram posições das SADF junto à barragem de Calueque, onze quilómetros a norte da fronteira da Namíbia. A CIA informou: "a maneira exitosa com que Cuba utilizou sua força aérea e a aparente debilidade das defesas anti-aéreas de Pretória" sublinhavam o facto de que Havana havia conseguido a superioridade aérea no sul de Angola e no norte da Namíbia. Uma poucas horas depois destes ataque com êxito dos cubanos, as SADF destruíram uma ponte próxima a Calueque, sobre o Rio Cunene. Destruíram-na – opinou a CIA – "para dificultar à tropas cubanas e angolanas o cruzamento da fronteira com a Namíbia e para reduzir o número de posições que devem defender" [7] . O perigo de um avanço cubano sobre a Namíbia nunca antes havia parecido tão real.
Os últimos soldados sul-africanos saíram de Angola a 30 de Agosto, quando os negociadores nem sequer haviam começado a discutir o cronograma da retirada cubana de Angola.
Apesar de todos os esforços de Washington para impedi-lo, Cuba mudou o curso da história da África Austral. Até Crocker reconheceu o papel de Cuba quando disse a Shultz num telegrama de 25 de Agosto de 1988: "descobrir o que pensam os cubanos é uma forma de arte. Estão preparados tanto para a guerra como para a paz. Fomos testemunhas de um grande refinamento táctico e de uma verdadeira criatividade na mesa de negociações. Isto tem como pano de fundo as fulminações de Castro e o desdobramento sem precedentes dos seus soldados no terreno" [8] .
A proeza dos cubanos no campo de batalha e o seu virtuosismo na mesa de negociações foram decisivos para obrigar a África do Sul a aceitar a independência da Namíbia. Sua defesa com êxito do Cuito foi o prelúdio de uma campanha que obrigou a SADF a sair de Angola. Esta vitória repercutiu-se para além da Namíbia.
Muitos autores – Malan não é senão o exemplo mais recente – tentaram reescrever esta história, mas documentos norte-americanos e cubanos relatam o que verdadeiramente se passou. Esta verdade foi expressa com eloquência por Thenjiwe Mtintso, embaixadora da África do Sul em Cuba, em Dezembro de 2005: "hoje a África do Sul tem muitos novos amigos. Ontem estes amigos referiam-se aos nossos líderes e aos nossos combatentes como terroristas e nos acossavam a partir dos seus países sempre que apoiavam a África do Sul do apartheid... hoje esses mesmos amigos querem que nós denunciemos e isolemos Cuba. A nossa resposta é muito simples – é o sangue dos mártires cubanos e não destes amigos o que corre profundamente na terra africana e nutre a árvore da liberdade na nossa Pátria".
1) Secretário de Estado, na embaixada dos EUA, em Pretória, 5 de Dezembro de 1987, Freedom of Information Act (FOIA).
2) "Transcripción sobre la reunión del Comandante en Jefe con la delegación de políticos de África del Sur (Comp Slovo)", Centro de Información de las Fuerzas Armadas Revolucionarias.
3) Abramowitz (Gabinete de Inteligência do Departamento de Estado) ao secretário de Estado. 13 de Maio de 1988, FOIA.
4) "Transcripción no oficial. Conversaciones RPA-CUBA EEUU-RSA (Reunião Quadripartita) sessão da tarde de 24-6-88. "Arquivo do CC, La Habana." (en adelante, ACC)
5) Crocker ao secretário de Estado 26 de Junho de 1988. FOIA.
6) "Entrevista de Risquet con Chester Crocker, 26-6-88, ACC.
7) CIA, "South Africa-Angola-Cuba, ¨ 29 de Junho de 1988. FOIA; CIA, "South África-Angola-Cuba," 1 de julio de 1988, FOIA
8) Crocker ao secretário de Estado, 25 de Agosto de 1988, FOIA
Ver também:
O original encontra-se em www.cubadebate.cu
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
ANGOLA, A GUERRA INJUSTA
General Del Pino (foto TV 2006)
Neste excelente livro o general Del Pino relata minuciosamente o que se passou em Cuba e na guerra em Angola. Sugerimos vivamente a leitura deste livro a todos aqueles que estão interessados em saber a verdade sobre a descolonização de Angola. Colocámos a cor diferente as partes mais críticas para melhor localização. Como o livro tem copyright e não será fácil de adquirir àqueles que vivem em Angola, solicitamos a complacência da Editora e do autor. Obrigado.
Pg. 155. - No entanto, somente sete meses mais tarde se apresentou a Fidel outra conjuntura que prometia melhores dividendos que o país sul-americano: os militares portugueses em 25 de Abril derrubaram a ditadura de Marcelo Caetano.
Com este acontecimento transcendental apresentava-se não somente a possibilidade de influir uma viragem à esquerda no país lusitano senão muito mais que proveitoso ainda, facilitava-se a sempre esperada oportunidade de poder intervir directamente nas antigas colónias portuguesas sem correr risco algum. De todas, a fruta mais madura era Angola e o almirante vermelho Rosa Coutinho se encarregou de oferecê-la em bandeja de prata.
Pg. 156/167. - Em 15 de Fevereiro de 1975, fui citado para uma reunião especial no Ministério das Forças Armadas. Ali fui encarregado da missão de seleccionar um grupo de oficiais especialistas da força aérea, capazes de garantir as condições mínimas necessárias num aeródromo para o seu funcionamento e a recepção de aviões de transporte.
Não obstante o grande segredo que se mantinha sobre a planificação daquela operação, tiveram de comunicar me onde e para quê se necessitava de activar um aeródromo, pois era a única maneira de poder organizar o grupo dos homens capazes de cumprir essa missão.
Para meu assombro, que não estava seguindo o desenvolvimento dos acontecimentos nas colónias portuguesas de África, causou me grande surpresa saber que o aeródromo em questão se encontrava nada mais nada menos que no profundo do território da longínqua e afastada Angola.
As explicações posteriores me foram tirando do meu desconhecimento até que cheguei a ter uma ideia aproximada do que se pretendia fazer pelo Alto Comando de Cuba. Tinham começado os planos para futura "Operação Carlota".
Em 25 de Abril de 1974, um levantamento militar tinha derrubado a ditadura de Marcelo Caetano. Uma das principais medidas anunciadas pelo novo governo foi a decisão de dar a independência às suas antigas colónias da Guiné Bissau, Cabo Verde, Moçambique e Angola. No caso das três primeiras não existiam maiores dificuldades, pois estava bem definido o movimento independentista que tinha encabeçado a luta contra os colonialistas portugueses; no entanto, com Angola existia a dificuldade de que três movimentos independentistas que tinham lutado contra a antiga metrópole se adjudicavam separadamente a legítima representação das aspirações do povo angolano. O novo governo de Portugal consegue sentar à mesa de negociações os três líderes destes movimentos e em 15 de Janeiro de 1975 assinam na costa portuguesa do Algarve o acordo de Alvor.
Este acordo estabelecia como data da independência o dia 11 de Novembro de 1975. Até esse dia o país seria regido pelo Alto Comissário português, um governo provisório integrado pelos três movimentos de libertação os quais teriam três ministérios cada um e o primeiro ministro seria rotativo equitativamente entre os três movimentos. Em Outubro deveriam fazer-se eleições livres para eleger a assembleia constituinte.
O Acordo de Alvor previa forças armadas angolanas compostas por 8.000 efectivos de cada um dos três movimentos. Por sua vez permaneceriam no país 24.000 soldados portugueses para garantir a paz os quais começariam a ser evacuados paulatinamente deste o primeiro dia de Outubro até onze semanas depois de proclamada a independência no dia 11 de Novembro.
Depois de inaugurado o governo provisório de transição em Luanda no dia 31 de Janeiro de 1975, deu-se início a uma desenfreada corrida ao armamento entre o MPLA apoiado pelos soviéticos e a FNLA apoiado pelo chineses, romenos e norte coreanos. Centenas de toneladas de armas procedentes de esses países começaram a chegar a Angola por diferentes vias para armar estes movimentos que não tardaram a enfrentar-se numa luta sem quartel.
O Alto Comissário português almirante Rosa Coutinho, conhecido como o "Almirante Vermelho" pelas suas ideias comunistas, foi factor decisivo para que o MPLA se impusesse nesta luta pelo poder ao permitir todo o tipo de liberdade de acção à desmesurada entrada de armamento soviético e aos primeiros contingentes oficiais cubanos que, como é lógico, acudiam em ajuda ao movimento apoiado pela URSS.
Encarniçados e violentos combates entre o MPLA e a FNLA se davam diariamente nas ruas de Luanda, até que a FNLA se viu na necessidade de abandonar a capital e estabelecer-se no norte do país.
Em 4 de Julho de 1975, duzentos e cinquenta recrutas da UNITA foram massacrados em Luanda pelo MPLA na cidade de Luanda. Perante estes factos, a direcção da UNITA decidiu retirar da capital e concentrar-se nas cidades do planalto central de Angola. Desta maneira só ficava em Luanda o MPLA esperando a partida dos portugueses.
Desde o início de 1975, em diversas conversações secretas tidas em La Habana entre o governo cubano, oficiais esquerdistas portugueses e dirigentes do MPLA se acordou enviar grupos de oficiais cubanos para que servissem como assessores em diversas escolas e centros de treino militar que foram organizados em vários lugares dos país. Além disso estes oficiais cubanos deviam preparar as condições necessárias que garantiram uma escalada ulterior com o envio de grandes contingentes de tropas regulares.
A organização dos centros de treino militar correu totalmente a cargo dos cubanos, empregando armamento e equipamento militar que era fornecido pelos soviéticos em quantidades fabulosas desde Agosto de 1974. Somente nos últimos meses deste mesmo ano o MPLA chegou a receber mais de dez milhões de dólares em armas de diferentes tipos.
O general Del Pino cumprimentando Agostinho Neto. (foto livro)
Começou uma rápida corrida contra relógio. O eixo Cuba-URSS-MPLA considerava que quem estivesse na posse da capital no dia 11 de Novembro, data assinalada no Acordo de Alvor para a proclamação da independência, seria quem alcançaria o poder. Ainda que só a periferia urbana estivesse nas mãos do MPLA e o resto dos 1.246.000 quilómetros quadrados do imenso território angolano foi controlado totalmente pelos outros movimentos de libertação, aqueles que se encontravam em Luanda poderiam informar o mundo que eram os legítimos governantes.
O eixo Cuba-URSS tinha valorizado muito bem que a situação mundial favorecia amplamente os seus planos. O colapso sofrido pelos Estados Unidos da América do Norte no Vietname lhe impossibilitava de acometer qualquer acção de envergadura contra a aberta intervenção comunista em Angola.
Os soviéticos não eram bem vistos em África, mas possuíam mas tinham uma insubstituível carta de trunfo: O Cavalo de Tróia das tropas cubanas.
Por sua vez, Cuba soube aproveitar muito bem as raízes africanas do seu povo enviando nos primeiros grupos de oficiais a maior quantidade de descendentes daquele continente que de imediato ganhou a aceitação por parte dos nativos.
Tudo era questão de esperar e resistir sem perder a capital. Uma incrível concentração de armas e equipamento bélico esperavam dentro dos enormes aviões de transporte AN-22 o sinal para partir de diferentes aeroportos da União Soviética em direcção a Luanda, enquanto comboios de barcos zarpavam dos portos de Mariel em Cuba e Riga na URSS em direcção à África austral.
A descomunal maquinaria bélica comunista tinha começado a andar e nada era capaz de detê-la. As tropas portuguesas comandadas pelo "Almirante Vermelho" permitiam livremente todo o tipo de movimento às forças do MPLA e aos assessores cubanos assim como a recepção e desembarque dos carregamentos de armas que ininterruptamente chegavam à capital angolana.
Na reunião para que fui convocado em 15 de Fevereiro de 1975, eu tinha proposto o envio inicial de dois especialistas qualificados da força aérea que exploraram o terreno e depois nos informaram das condições existentes para poder enviar o resto do grupo. Desta forma a finais de Março de 1975 chegaram a Luanda o coronel Jaime Archer Silva, piloto de combate e ex-chefe da base aérea de Santa Clara na província cubana de Las Villas e o tenente coronel Ángel Botello de Ávila, especialista em logística de aviação, graduado na URSS e quem até ao momento da sua designação tinha estado como chefe dos serviços de retaguarda, também na base aérea de Santa Clara.
A missão fundamental destes altos oficiais consistia em determinar todas as necessidades existentes para poder operar no aeroporto de Luanda independentemente dos especialistas portugueses e angolanos que ali se encontravam, assim como a base aérea de Henrique de Carvalho (Saurimo) situada no extremos norte do país.
Em finais de Junho desse ano, somente a dois meses de se ter dado o colapso do governo pro-norte americano do Vietname do Sul, ordenaram-me partir para Saigão com o fim de estudar os diferentes aviões e tecnologia militar do ocidente ocupadas pelos Vietcong. Isto fez com que me alheei um pouco dos planos que se levavam a cabo para a nossa intervenção em Angola e no meu regresso encontrei o coronel Archer recém chegado de África com toda a informação necessária.
Os portugueses permaneciam em Luanda mas tinham entregue ao MPLA a base aérea de Henrique de Carvalho (Saurimo). Esta apresentava o inconveniente de se encontrar muito longe da capital, a quase 1.200 quilómetros no profundo território angolano pelo que se dificultava o envio de meios logísticos para as operações dos voos que ali deviam de aterrar, fundamentalmente o combustível.
Não obstante, para manter activo aquele aeródromo e operar os seus meios de comunicações e outras instalações enviámos em fins de Agosto, conjuntamente com o coronel Archer que partia novamente, dois técnicos de comunicações, um técnico de iluminação de pista, um engenheiro de telecomunicações, um técnico de energia especialista em geradores e centrais eléctricas, vários especialistas e operadores de equipamento de rádio-ajuda à navegação, um engenheiro em combustíveis e lubrificantes, um engenheiro em equipamento de segurança logística de aviação com a responsabilidade de atender os abastecedores de combustíveis, centrais auxiliares de arranque dos aviões (APU), equipamentos de oxigénio, etc.
Além disso enviou-se o capitão Armengol, piloto de transporte especializado em aviões ligeiros para servir de contacto e um mecânico de aviação. Posteriormente, nos primeiros dias de Setembro enviámos o coronel Juan Céspedes, também piloto de transporte, para que voasse exclusivamente como piloto pessoal do general Diaz Arguelles, chefe principal das tropas cubanas em Angola.
Este grupo especial da Força Aérea manteve operacionais as instalações da base aérea de Henrique de Carvalho (Saurimo) até que o general Diaz Arguelles decidiu que partissem para Luanda tendo permitido as autoridades portuguesas todo o tipo de operação no próprio aeroporto da capital e tornando-se desnecessário realizá-las ocultamente em Saurimo.
Os portugueses entregaram vários aviões de transporte DC-3 a este primeiro grupo de cubanos da Força Aérea para que começassem a realizar voos de abastecimento logístico para diferentes zonas do país onde se encontravam oficiais cubanos, formando aceleradamente o novo exército do MPLA. Também se conseguiu autorização das autoridades portuguesas para por à disposição dos cubanos dois aviões de transporte turbo-hélice modelo F-27 e dois DC-3, todos pertencentes à companhia angolana TAA (Transportes Aéreos de Angola). Do Congo Brazzavile já se tinham trazido dois aviões de transporte militar Nord Atlas cedidos pelo presidente dessa nação Marian Nguabi e outro de Moçambique entregue por Samora Machel.
Com todos estes aviões formamos um esquadrão de transporte que ininterruptamente durante o dia e noite começou a fazer missões de abastecimento às tropas cubanas e às do MPLA: transporte de feridos, de armamento, missões de exploração e, fundamentalmente, o transporte de Brazzaville até Luanda dos contingentes militares cubanos que continuavam chegando àquela localidade em aviões Britannia procedentes de La Habana. Para poder operar este esquadrão de transporte, desde meados de Setembro tínhamos enviado de Cuba três pilotos da Cubana Aviação, os oficiais da reserva da Força Aérea, Francisco Cuza, José Ramos Pagan e Elias Moisés Pasto aos quais se uniram os capitães no activo da Força Aérea, Efraín Muñoz Cordove, Amaury Léyva e Raul Ortiz. Junto a este pilotos cubanos participaram amplamente dois pilotos angolanos de nome Sampayo e Yardini.
Os meses de Outubro e Novembro de 1975 foram sombrios e angustiantes. Sabíamos que a missão era manter Luanda a todo o custo pois posteriormente se efectuaria a mudança radical mas as tropas da FNLA acercavam-se perigosamente à capital pelo norte e pelo sul as forças da UNITA avançavam a uma velocidade vertiginosa apoiadas por unidades blindadas sul-africanas que começaram a penetrar em território angolano em 23 de Outubro desse ano. Não obstante ter-se recebido um considerável reforço nos primeiros dias de Outubro com a chegada de barcos cubanos que transportavam armamento e tropas, parecia totalmente que ia ser impossível deter o avanço da FNLA e da UNITA. A balança começava a inclinar-se perigosamente em favor do inimigo. Os projecteis da artilharia pesada de 140mm das forças de Holden Roberto começavam a detonar nos subúrbios da cidade.
Pelo Este, perigosas colunas da UNITA avançavam ao longo da linha do caminho de ferro (CFB) que atravessa todo o centro de Angola unindo o porto do Lobito no Oceano Atlântico com o Zaire e Zâmbia. Estas colunas encontravam-se às portas da cidade do Luso (Luena) com a intenção de tomá-la e desenvolver a ofensiva em direcção a Teixeira de Sousa para apoderar-se por completo desta estratégica via férrea. A situação não podia ser mais alarmante.
No dia 23 de Outubro as tropas da FNLA arremetem contra as forças cubanas ao norte da capital e são derrotadas. Cinco combatentes cubanos ficam isolados atrás das linhas inimigas e arrastando-se vários quilómetros durante a noite conseguem chegar às suas posições anteriores.
A FNLA reagrupa as suas forças e na manhã do dia 6 de Novembro lança um segundo ataque com mais de 64 veículos blindados apoiados por uma forte e intensa preparação de artilharia. É derrotada novamente e as nossas tropas conseguem capturar os três primeiros mercenários brancos de origem portuguesa. A FNLA tinha encontrado uma forte resistência e apercebe-se de que as tropas à defesa não tem possibilidades de contra atacar e que paulatinamente se vão debilitando.
No dia 5 de Novembro tinham partido de La Habana vários aviões Bristol Britânnia de Cubana Aviação transportando várias unidades das nossas tropas de elite das tropas especiais de assalto com o fim de reforçar a direcção norte e poder fixar o inimigo nessa frente. Simultaneamente, no próprio dia 6 ordena-se aos oficiais cubanos da Força Aérea tomar o aeroporto civil de Luanda para garantir a chegada e o desembarque das nossas tropas de elite. Ao anoitecer desse mesmo dia, o coronel Jaime Arvher conjuntamente com os oficiais da Força Aérea mais uma companhia das FAPLAS composta por 95 homens, penetram com vários transportadores blindados BTR-60 no aeroporto civil e o tomam.
Às 21.00 hora local aterrou o primeiro Britannia tripulado pelo capitão Wilfredo Pérez e dirigiu-se ao lugar que lhe indicou a torre de controle. Esta última tinha sido também tomada pelo piloto Francisco Cuza para garantir a aterragem e a posterior direcção da aeronave em terra. Minutos mais tarde aterraram o resto dos aviões.
As tropas recém chegadas dirigiram-se ao aquartelamento do Grafanil na periferia da cidade o qual já tinha sido entregue pelos portugueses aos cubanos, vestiram os seus uniformes de campanha e partiram directamente para a frente.
No dia seguinte, 7 de Novembro, chega a Ponta Negra no Congo Brazzaville um barco soviético transportando grande quantidade de armamento e entre ele várias baterias de artilharia reactiva BM-21. Cinco destas máquinas com os seus módulos de projécteis foram transbordadas para o barco cubano "La Plata", o qual as conduziu directamente para o porto de Luanda. Depois de desembarcadas foram montadas no lugar durante a noite de 8 e levadas ocultadamente para a direcção perigosamente ameaçada de Quifangondo.
Na frente sul a situação não podia ser mais desalentadora e preocupante. As colunas da UNITA apoiadas pelos blindados sul-africanos, que em 23 de Outubro tinham iniciado a sua rápida ofensiva para o norte, chocam dias mais tarde com os instrutores cubanos do centro de treino militar Nr.2 de Benguela, cercam esta cidade e o porto do Lobito e marcham aceleradamente para a capital pelas estradas que bordeiam a costa atlântica.
Del Pino tripulando um MIG23 (foto Net)
No dia 28 de Outubro, perante as notícias incertas e confusas que se recebiam em Luanda acerca dos nossos combatentes que tinham chocado com a UNITA na direcção de Benguela, o general Diaz Arguelles, chefe das tropas cubanas, é transportado em avião pelo coronel Céspedes até ao aeroporto da referida cidade que ainda estava nas nossas mãos. Depois de aterrar o general Arguelles ordena a Céspedes para realizar um voo de reconhecimento algumas milhas para o sul da cidade para determinar com mais exactidão qual era a posição real do inimigo. No seu regresso, depois de ter sido submetido a um intenso fogo antiaéreo Céspedes informa o general que o inimigo avança em todas as direcções com numerosas unidades blindadas e de infantaria.
O general Diaz Argüelles ordena-lhe pedir a Luanda urgentemente outro avião de transporte para evacuar pelo ar os feridos e o resto do pessoal. Céspedes cumpre a ordem e permanece na torre de controle para garantir a aterragem deste avião pois o controlador civil, aterrado pelo que estava sucedendo abandonou o seu posto e fugiu. Aproximadamente à meia noite chegou o piloto Francisco Cuza tripulando um Nord Atlas; recolheram os feridos e o resto do pessoal, pegou fogo aos armazéns e instalações e saiu em direcção à capital. O general Diaz Arguelles apercebe-se do desaparecimento de um grupo de combatentes cubanos e decide permanecer na cidade procurando localizá-los. Não o conseguindo abandona o lugar, ameaçando com a pistola um patrão de um barco que os transporte por mar até Novo Redondo onde já se está combatendo e tratando de conter as forças da UNITA que avançam nessa direcção.
Neste intervalo, Céspedes realizou várias missões de reconhecimento sobre as linhas inimigas e num desses voos é atingido pelo fogo antiaéreo do inimigo que lhe avaria um motor e outras partes do aparelho.
As forças cubanas que tinham conseguido romper o cerco em Benguela e retirar-se tratam desesperadamente de conter o avanço do inimigo que no dia 8 de Novembro ameaçava apoderar-se de Porto Amboim.
Na noite do dia 9 de Novembro duas companhias das tropas de elite chegadas a Luanda na noite de 5 são transportadas via aérea da capital até à pequena pista de Porto Amboim iluminada apenas com os faróis dos jeeps que se situaram em uma das suas cabeceiras. Com este esforço se conseguiu conter o inimigo momentaneamente e depois explodiram a ponte sobre o rio Queve para deixá-lo retido nessa direcção sem que pudessem passar para Novo Redondo.
Aquilo se converteu numa verdadeira batalha contra-relógio. Por um lado a UNITA e a FNLA intentando a todo o custo penetrar na capital no dia 11 de Novembro, data fixada para a proclamação da independência e por outro as nossas unidades tratando de contê-los para procurar estabilizar as frentes na espera da chegada do grosso das nossas tropas para passar a acções ofensivas.
A situação tinha-se tornado muito mais crítica pelas deserções em massa das tropas do MPLA que cheias de pânico abandonavam os cubanos em todas as frentes.
A partir de 28 de Outubro, a contenda converteu-se para todos os efeitos numa guerra entre cubanos e as forças da UNITA e da FNLA.
Aproximadamente às nove da manhã desse mesmo dia, o mecânico de aviação Vicente Hermán dirigia-se à frente norte para levar uma mensagem quando se apercebe que pela estrada que conduz a Luanda marchavam vários carros blindados BRDM tripulados por soldados angolanos do MPLA que aterrados se retiravam em direcção à capital. Hermán pára o seu jeep num lado da estrada, saindo do mesmo e de pé no meio da estrada começa a fazer-lhes sinais com os braços para que se detivessem. Expondo-se a ser atropelado pelo veiculo que encabeçava o grupo, consegue detê-los a menos de dois metros do seu corpo. Salta para cima do primeiro carro e apontando a sua AKM, obriga o condutor a retornar para a frente.
Parecia que tudo se desmoronava. As colunas da UNITA marchavam sobre a cidade do Luso (Luena) a leste do país e as tropas do MPLA fugiam espavoridas sem enfrentar o combate deixando abandonados armas e equipamentos militares de todo o tipo. Vários dos chefes desta unidades chegaram à cidade de Henrique de Carvalho totalmente bêbados e desmoralizados.
O Estado Maior das tropas cubanas apercebe-se das intenções da UNITA de continuar a marcha em direcção a Teixeira de Sousa com o objectivo evidente de se apoderar desta cidade e assim poder controlar toda a estratégia do caminho de ferro que une o Porto do Lobito na costa atlântica de Angola com o Zaire e a Zâmbia. Se a UNITA conseguia este propósito, ao ficar o país virtualmente dividido em duas partes, demonstraria ao mundo a sua enorme força beligerante.
No Este deste país não existiam tropas cubanas pois as mesmas estavam fundamentalmente em Luanda tratando de impedir que o inimigo penetrasse na capital. Este dia os nossos pilotos recebem a missão de transportar urgentemente um batalhão de tropas cubanas recém chegadas a Cabinda para o aeródromo de Henrique de Carvalho. Prepararam-se quatro DC-3, um Nord Atlas e dois F-27. A operação começou a realizar-se de noite debaixo de uma condições metrológicas infernais.
Um dos DC-3 caiu numa tormenta severa e depois de suportar muitos embates perde-se na obscuridade da noite, não consegue encontrar o aeródromo de destino e sem outra alternativa regressa a Luanda. O resto dos aviões, depois de múltiplas peripécias, conseguem aterrar em Cabinda. Essa noite foram transportados 165 homens. No dia seguinte conseguem transportar os 450 homens restantes. Esta força consegue deter o avanço impetuoso da UNITA em direcção a Teixeira de Sousa e desta maneira frustrar o seu objectivo de apoderar-se da estratégica via férrea.
Como as tropas cubanas tinham ficado combatendo praticamente sós contra a UNITA, para garantir que de nenhuma maneira pudesse estabelecer-se o domínio desta sobre esta importante via de comunicações, o comando cubano deu a ordem de fazer uma ponte aérea fronteiriça entre Angola e Zaire.
Na manhã do dia 10 de Novembro, na Frente Norte muito próximo da capital, as tropas do FNLA começam a mover-se pelo amplo e raso Vale de Quifangondo apoiadas por veículos blindados e tropas do Zaire decididos a quebrar as defesas cubanas e penetrar na capital antes da proclamação da independência.
As tropas de elite cubanas que tinha ido a reforçar essa frente com baterias de artilharia reactiva BM-21 (Órgãos de Estaline ?) colocadas de maneira oculta desde a noite anterior, esperaram pacientemente que as tropas da FNLA estivessem todas nomeio do vale. Os soldados marchavam tão confiantes que avançavam cantando canções e bailando.
Exactamente às 09.35 hora local começou a cair sobre eles uma chuva de fogo e chumbo que fez em pedaços as suas colunas em escassos minutos. No campo de batalha só ficou sucata fumegante e montes de cadáveres. O resto das forças inimigas, tomadas de pânico, fugiram espavoridas por todo o vale, abandonando veículos, feridos e armas.
As tropas cubanas tinham conseguido para a tarde do dia de 10 de Novembro estabilizar todas as frentes de combate. A partir daquele momento, acompanhados pelas escassas e contadas forças do MPLA que não tinham desertado, começava a grande batalha dos cubanos contra a UNITA e a FNLA.
A primeira missão tinha sido cumprida e com ela o primeiro e mais importante objectivo se tinha conseguido. Em 11 de Novembro, Agostinho Neto unilateralmente proclamava ao mundo a independência de Angola. A primeira fase da "Operação Carlota" tinha alcançado resultados positivos.
Tradução livre
Fonte: Memorias de Angola ( http://pissarro.home.sapo.pt/memorias0.htm )
FNLA - MPLA - UNITA
A partir do final da década de 40 surgiram, no norte de Angola, vários movimentos com o objectivo comum de se oporem ao sistema colonial. Tiveram, de início, características messiânicas e base tribal, destacando-se o movimento encabeçado pelo «profeta» Simão Toco, que anunciou o fim da miséria e nova mensagem divina. Embora detido pelas autoridades em 1949, as suas ideias estenderam-se entre os bacongos emigrados no então Congo Belga, que vieram a criar em 1956, a Aliança do Povo Zombo (ALIAZO). Este movimento converteu-se, em 1962, no Partido Democrático de Angola (PDA).
Mas foi outro movimento, de características similares, que esteve na base da sublevação da Baixa do Cassange, em Janeiro de 1961. O movimento, que, de alguma forma, colheu de surpresa as autoridades portuguesas, iniciou-se com uma greve dos trabalhadores da Companhia Cotonang, como forma de protesto contra o atraso no pagamento de salários, mas transformou-se rapidamente em protesto da população contra o cultivo obrigatório de algodão e as duras condições de trabalho.
Em todo o movimento, desempenhou papel de destaque António Mariano, que pertencia a uma seita católica e cujo o nome ficou ligado à insurreição, conhecida como «Guerra da Maria». os habitantes da região queimaram as sementes, destruíram ou interromperam vias de comunicação, mataram gado, invadiram armazéns e missões católicas, expulsaram os brancos, mas não utilizaram armas. Para reprimir este movimento, as autoridades socorreram-se de unidades do Exército e da Força Aérea presentes em Angola, que atacaram os grevistas de 24 de Janeiro a 2 de Março, transformando a acção num desproporcionado massacre de populações, cujo número de vítimas nunca se conheceu com exactidão.
Contudo, a organização que viria a dar consistência ao nacionalismo bacongo foi a União dos Povos do Norte de Angola (UPNA), criada em Julho de 1954, em Leopoldville, com a finalidade de influenciar a sucessão do rei do Congo, Pedro VII, que morreu nesse ano. A UPNA pretendia que o futuro monarca fosse mais independente das autoridades portuguesas, apresentando como candidato Holden Roberto aparentado com o antigo rei. Entre os seus apoiantes encontravam-se os bacongos angolanos emigrados no Congo Belga e nas missões protestantes, numa das quais ele próprio fora educado. Mas o Governo e a Igreja Católica tinham outro candidato, António da Gama, que tomou o nome de António III. A facção derrotada iniciou, então, uma onda de agitação independentista, que alcançou o seu ponto mais alto ao longo de 1956-57.Mas como neste último ano morreu António III, as autoridades portuguesas preferiram deixar vago o trono, para mitigar o nacionalismo que nova designação poderia provocar.
A UPNA tinha como objectivo programático a independência do antigo reino do Congo, em que se incluía Cabinda. Com esta ideia, Holden Roberto foi, em Dezembro de 1958, ao congresso dos povos africanos realizados em Acra. Perante a vitalidade da ideia do pan-africanismo ficou convencido da necessidade de diluir a componente tribal do seu partido, o que o levou a mudar-lhe o nome para UNIÃO DOS POVOS DE ANGOLA (UPA). A partir de então, a UPA transformou-se no movimento nacionalista mais bem organizado e aquele que maiores simpatias congregava. Iniciou então um processo de implantação em áreas de maior dimensão, com o objectivo de se estender a todo o país. Em Luanda, a maior parte dos seus apoiantes, que não podiam deixar de ser clandestinos, como de resto os de todos os outros movimentos, eram protestantes. Mas tinha também a simpatia de destacados católicos, como o Cónego Manuel Mendes das Neves.
Nestes meios nacionalistas sentiu-se a necessidade imperiosa de oposição ao sistema colonial, logo a seguir às primeiras independências africanas, mas especialmente a seguir à do Congo Belga, em Julho de 1960. Foi aliás, na sequência deste sentimento, que se planeou o assalto a duas prisões em Luanda: a Casa de Reclusão Militar e o Forte de São Paulo, com o intuito de libertar alguns presos nacionalistas.
De Leopoldville, onde estava exilado, Holden Roberto desaconselhou este projecto, sobretudo porque em Luanda, e torno da UPA, se movimentava apreciável número de mulatos, que não eram da confiança de Holden Roberto. Mas também porque ele desejava iniciar a guerra com uma insurreição de grandes proporções, já em preparação para a zona Bacongo, onde as raízes da UPA eram muito profundas. Contudo, os conspiradores de Luanda não só não detiveram a mobilização, como aceleraram a sua execução, a fim de aproveitar a presença na cidade de dezenas de jornalistas estrangeiros atraídos pelo assalto ao paquete SANTA MARIA, que poderiam vir a sensibilizar o mundo para a situação colonial portuguesa. Entre cerca de uma centena de participantes na acção, o núcleo principal era formado por protestantes ligados à UPA, havendo também estudantes católicos do seminário de São Domingos e alguns simpatizantes do MPLA e de outros grupos, porque o conceito destas militâncias não era então muito rígido.
O ataque iniciou-se na noite de 4 de Fevereiro. O balanço oficial de vítimas foi de cerca de 40 assaltantes e de 7 polícias, já que as forças portuguesas, recuperadas da surpresa inicial neutralizaram com facilidade o ataque realizado com «catanas e varapaus». Nos dias seguintes, e em especial no dia do funeral dos polícias mortos, os colonos brancos e as forças militarizadas desencadearam violenta repressão nos bairros negros de Luanda, que durou cerca de um mês. Curioso foi que o MPLA, cuja direcção estava exilada em Conacri, reivindicou a acção, enquanto a UPA se remeteu ao silêncio.
O conselho de segurança da ONU foi convocado para apreciar os acontecimentos de 4 de Fevereiro. A UPA, assessorada por conselheiros americanos, pretendeu aproveitar a oportunidade para conseguir as simpatias mundiais para a sua causa, o que levou a preparar uma sublevação geral de grande parte da região norte de Angola, incluindo São Salvador, Uije, Dembos, Luanda e Cuanza Norte. Nesta zona, a partir de 15 de Março, elementos da UPA e os seus seguidores destruíram tudo o que encontraram pela frente: fazendas, postos administrativos, destacamentos policiais; atacaram brancos e negros, crianças e mulheres, numa onda nunca vista de chacinas e assassínios.
As vítimas cifraram-se em cerca de 1.000 brancos e de 6.000 negros. Esta actuação da UPA não só contribuiu para um profundo movimento de revolta dos colonos brancos, como deu ao Governo Português o argumento final de que necessitava para envolver o país numa guerra sem quartel contra qualquer movimento ou expressão nacionalista. Demonstrou também a ausência, no seio da UPA, de qualquer ideologia moderna, evidenciando-se a sua natureza tribal. De facto, os bacongos não conseguiram, nem sequer tentaram, o apoio, ou ao menos a neutralidade, dos trabalhadores negros contratados das fazendas do Norte, fundamentalmente constituídos por ovimbundos e ganguelas provenientes do Centro de Angola.
À dureza e barbaridade tribal, as forças portuguesas responderam implacavelmente. Em 9 de Agosto, o exército entrava em Nambuagongo, proclamada antes a capital dos revoltosos. Antes do fim do ano, incompreensivelmente, alguns responsáveis portugueses davam as hostilidades por terminadas.
Em conclusão, a UPA, ao ser a primeira organização a iniciar as hostilidades em grande escala, mobilizando milhares de seguidores, acabou por conseguir grande apoio internacional, desde os Estados Unidos até vários países africanos. Para corrigir a sua conotação tribal, a UPA transformou-se em Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) em Março de 1962, integrando o PDA. Pouco depois constituiu o Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE), que no fim de 1963, tinha sido reconhecido pela OUA e por 32 países africanos
MPLA
Ao mesmo tempo que surgiam os movimentos messiânicos e tribalistas do Norte de Angola, constituíram-se em Luanda várias organizações políticas clandestinas, de forma geral por iniciativa de angolanos que tinham acedido ao estatuto de assimilados. O primeiro foi o Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUA) em 1953, seguindo-se-lhe o Partido Comunista de Angola (PCA), em 1955. Estes dois grupos acabaram por se fundir, em Dezembro de 1956, dando lugar ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Em 1958, surgiu o Movimento para a Independência Nacional de Angola (MINA). Que também se integrou no MPLA.
O MPLA foi desde o primeiro momento, uma organização nacional, e ainda que a sua principal base da apoio tenha sido a etnia umbundo, que se estendia de Luanda a Malanje, contou sempre com apoios noutros grupos tribais.
Aglutinou, além disso, elementos da pequena burguesia negra e mestiça e dos sectores operários. Contrariamente à FNLA, tinha uma ideologia mais definida e, com o tempo, evidenciou-se a sua raiz marxista. O crescimento do MPLA foi lento, ainda mais quando, em Março de 1959 e Junho de 1960, ficou praticamente decapitado pela prisão de muitos dos seus escassos quadros no chamado «processo dos 50». Neste processo foram incriminados 57 nacionalistas, alguns à revelia, dos quais 20 por pertencerem ao MPLA, destacando-se nestes o padre Joaquim Pinto de Andrade e Agostinho Neto. Nessa altura, a cúpula dirigente ficou constituída por Mário de Andrade, como presidente, e Viriato da Cruz, como secretário-geral, os quais, em face da situação, decidiram transferir a direcção do movimento de Luanda para Conacri, donde viriam a reivindicar a acção do 4 de Fevereiro, num desejo de demonstrar, tanto para fora como para o interior do movimento, que a luta devia continuar.
Em Outubro de 1961, após a independência do ex-Congo Belga, o MPLA transferiu as suas estruturas para Leopoldville, por estar mais próximo de Angola. Politicamente, o partido tentou a aproximação à UPA, por esta ser, então, a força nacionalista hegemónica.
Esta estratégia veio, contudo, a falhar inteiramente, em especial porque a UPA se transformou em FNLA no início de 1962, e porque este partido constituiu o GRAE, acções que consolidaram a imagem de Holden Roberto e impuseram a sua política como a única via independentista de Angola. O MPLA atravessou um período de marasmo e contradições, nunca se conseguindo libertar da condição de partido de muitos generais e poucos soldados.
A situação em Leopoldville veio a agravar-se com a chegada de Agostinho Neto, em Julho de 1962, que havia fugido de Portugal. Já nomeado presidente honorário do MPLA, depois da sua detenção em Junho de 1960, chegou disposto a integrar-se na cúpula do partido, mas as suas ideias «presidencialistas» acabaram por se chocar com a direcção, o que viria a provocar a demissão de Mário de Andrade.
Em Dezembro de 1962, com o intuito de ultrapassar as suas divisões internas, o movimento realizou uma conferência, mas esta não só não conseguiu a unidade, como agravou as divergências, de resto em consonância com os fracassos do movimento no terreno, incapaz de penetrar solidamente em Angola.
Em Julho de 1963, a OUA criou uma comissão de reconciliação com a missão de aproximar o FNLA ao MPLA, mas acabaria ela própria por propor aos membros da OUA o reconhecimento do GRAE como a única organização representativa angolana, em face das divisões do MPLA. Neto e os seus seguidores culparam, por esta resolução da OUA, o trabalho fraccionário de Viriato da Cruz e do sector minoritário do movimento, que, aliás, tinha já sido expulso. Mas como um mal nunca vem só, Agostinho Neto, que tinha encabeçado a direcção com a promessa de incrementar a luta armada, acabou por não conseguir, tanto pela política de obstrução da FNLA, como por acção do Governo de Lisboa. Holden Roberto não queria competidores em solo bacongo, para além de se apresentar com o exclusivo da luta anticolonial, pelo que era essencial impedir a penetração do MPLA pela fronteira norte. Portugal, por seu lado, conseguiu de alguma forma comprometer o Governo Congolês na neutralização do MPLA, com a ameaça, sempre em jogo, do corte de saída do cobre pelo caminho de ferro de Benguela.
Por estas e outras razões, o MPLA acabou por ser expulso do Congo-Brazzaville, onde, desde Agosto de 1963, se havia instalado um governo marxista, mais próximo do seu ideário. A partir daqui, o movimento podia aceder, com facilidade, à fronteira de Cabinda, onde se iniciou a sua actividade militar no ano seguinte.
UNITA
A União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) foi formalmente criada em Março de 1966, no interesse de Angola, no lugar de Tchocué do Mungai, distrito do Moxico, mas a data de criação do terceiro movimento de libertação de Angola é menos importante do que a evolução política do seu inspirador e principal dirigente, Jonas Malheiro Savimbi.
Savimbi, filho de pastor protestante, recebeu a educação primária em várias missões evangélicas e, apesar de posteriormente ter frequentado colégios católicos, cedo revelou ideias anti colonialistas, o que lhe permitiu, nos anos que passou como estudante em Lisboa ( 1958-1960), contactar com a UPA através da rede que as organizações protestantes tinham em Portugal, e que se encarregava de tirar do país os africanos que quisessem aderir a FNLA, partido que era então o mais representativo de Angola.
Exilado em Paris, Savimbi trabalhou para a FNLA, de que chegou a ser secretário-geral em 1961. No ano seguinte, quando se constituiu o GRAE, foi nomeado ministro dos negócios estrangeiros, mas em Julho de 1964 abandonou o cargo e o partido, por divergências com Holden Roberto. Tem-se referido, embora sem provas concludentes, que nesta época Savimbi terá tentado aproximar-se do MPLA, embora certo que, ao longo dos anos, sempre orientou a sua acção no sentido de dispor de uma força própria de que fosse o incontestado dirigente.
A UNITA viria a iniciar a sua actividade no interior de Angola, no distrito de Moxico, contando com apoios da população ovimbundo, que representa cerca de 40% da população de Angola. Embora estabelecendo cumplicidades com agentes do planalto, não conseguiu montar aí a guerrilha, nem tão-pouco viria a implantar-se nos meios urbanos. Embora o número dos seus quadros fosse sempre muito reduzido, conseguiu alguma audiência a nível externo, em especial da China e do Egipto. Teve também alguns apoios por parte da Zâmbia, mas nunca conseguiu construir uma retaguarda firme, como foi a do PAIGC em Conacri, ou da FRELIMO, na Tanzânia. A UNITA realizou a primeira acção armada em Setembro de 1966, em Lucusse e Calunga, prosseguindo com um ataque a Teixeira de Sousa, no natal do mesmo ano.
Em Março de 1967, atacou a linha de caminho de ferro de Benguela, importante para as Forças Armadas Portuguesas, mas fundamental também para o trânsito de mercadorias da Zâmbia. O incidente acabou por se traduzir em crescentes dificuldades de utilização, por parte da UNITA, do território zambiano, facto que, contudo, não impediu que a guerrilha penetrasse no distrito do Bié e que fossem realizadas acções na estrada Luso - Gago Coutinho e ao sul de Gago Coutinho, entre as suas bases e a fronteira.
A UNITA surge, assim, como opositora do MPLA pelo controlo do Leste do território angolano, o que se traduziu em sucessivos confrontos entre os dois movimentos. Foi então que surgiu a oportunidade de entendimentos com as autoridades militares Portuguesas, com base no combate contra o MPLA, que estava então empenhado em alargar a sua acção militar na zona, onde actuava desde 1966.
Até 1970, não tinha sido possível ao Exército Português responder com eficácia ao alastramento da guerrilha no leste de Angola. O MPLA havia chegado ao planalto do Bié, planeando penetrar até ao mar, para dividir Angola em duas metades, e é então que o comando militar Português procura uma solução para toda a zona leste, o que vem a incluir um acordo de cessar-fogo com a UNITA, concretizado em 1972. Este acordo assegurava a Savimbi a utilização de extensa área nos rios Lungué-Bungo, ao sul do caminho de ferro de Benguela, zona onde o exército Português não entraria, a troco do combate que ele deveria fazer ao MPLA e do fornecimento de informações militares; as autoridades portuguesas comprometiam-se também a fornecer alguma logística e material. Os contactos com o exército português estabeleceram-se por intermédio dos madeireiros portugueses que trabalhavam na área de refúgio da UNITA e nas florestas do Moxico, pelo que as diligências efectuadas ficaram conhecidas pelo nome de código de Operação Madeira. Estes acordos mantiveram-se até 1973, quando Costa Gomes e o seu comandante da zona leste, Bettencourt Rodrigues, deixaram Angola.
Os seus substitutos iniciaram, em Setembro de 1973, um ataque às posições de Savimbi, por dois motivos: porque o entendimento dos novos comandantes não se conformava com a situação criada e porque a UNITA, uma vez diminuída a acção dos grupos rivais, queria estender a sua zona de acção ao planalto central. Contudo, em Fevereiro de 1974, os militares portugueses e os guerrilheiros da UNITA iniciaram novos contactos para repor a situação existente anteriormente, embora, quando se deu o 25 de Abril, não se tivesse chegado formalmente ao restabelecimento do cessar-fogo.
A correspondência entre Savimbi e as autoridades portuguesas viria a ser publicada na revista AFRIQUE-ASIE, com o título de «la longue trahision de l' unita», no n.º61, de 3 de Julho de 1974, em artigo anónimo, mas da autoria de Aquino de Bragança.
http://www.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=intervns1/#upa/fnla
sábado, 24 de janeiro de 2009
Movimentos angolanos
MPLA
O Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA) tem governado Angola desde a independência. As suas raízes estão no movimento crescente pela independência de Angola, que se desenvolveu na clandestinidade em Luanda na década de 1950 e entre estudantes angolanos que estudavam em Lisboa. Há quem afirme que Ilídio Machado, Viriato da Cruz, Matias Migueis, Higino Aires e André Franco de Sousa formaram o MPLA a partir de grupos pré-existentes (de que se destacam o Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola e o Partido Comunista de Angola) em Dezembro de 1956. Mas outros questionam se é possível afirmar-se que o MPLA teria verdadeiramente existido enquanto tal antes de 1960.
O MPLA começou verdadeiramente a desenvolver a sua actividade depois da irrupção de violência a partir de Fevereiro de 1961, quando uma prisão de Luanda em que estavam detidos prisioneiros políticos foi atacada. O MPLA reivindicou depois ter estado envolvido na preparação do ataque, embora seja hoje considerado mais provável que o ataque tenha sido executado por elementos estranhos ao movimento.
Em 1962, o MPLA estabeleceu a sua primeira sede no exílio na cidade de Leopoldville no Zaire (hoje Kinshasa na RDC). No mesmo ano, Viriato da Cruz foi substituído como Secretário-Geral por Mário Pinto de Andrade, que cedeu a presidência a Agostinho Neto, que tinha já estabelecidas credenciais nacionalistas e populistas ajudado pelo facto de ser negro e não mestiço. Em meados de 1963, Viriato da Cruz tinha liderado uma dissidência do MPLA aderindo à Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA), o que provocou confrontos entre os partidários de ambas os movimentos nas ruas de Leopoldville. Estas tensões contribuíram para o facto da Organização de Unidade Africana (OAU) reconhecer em 1963 o auto-denominado Governo Revolucionário no Exílio (GRAE) do líder da FNLA, Holden Roberto, como o único reprensentante legítimo do movimento independentista angolano, o que resultou na expulsão do MPLA de Leopoldville. Usando Brazzaville (Congo) como base, o MPLA foi-se re-organizando gradualmente. Em 1964, a OAU reconheceu o MPLA como movimento legítimo e gradualmente suspendeu o seu apoio ao GRAE. O apoio cubano e soviético ao MPLA começou na década de 1960.
Os problemas internos do MPLA ressurgiram em 1973-74. A Revolta do Leste, liderada pelo comandante Daniel Chipenda, desafiou sem sucesso a liderança de Agostinho Neto, resultando na adesão de Chipenda ao FNLA acompanhado pelas suas forças. Um tipo diferente de revolta deu-se no ano seguinte: a Revolta Activa, que foi uma crítica política à liderança de Agostinho Neto, uma tentativa sem violência de Mário de Andrade e outros intelectuais para mudar o rumo do movimento. Muitos dos protagonistas foram encarcerados ou exilados até a amnistia em 1978.
Com o conflito com Portugal a passar para segundo plano depois da revolução portuguesa em 1974, o MPLA assinou os Acordos de Alvor com os seus rivais em Janeiro de 1975. Porém, as tensões entre os diferentes movimentos de libertação exacerbaram-se logo em seguida, e o MPLA durante o ano de 1975 lutou para obter o controlo do país. O apoio cubano e soviético ajudaram o MPLA a conseguir o controlo da capital na data da independência. Em 1976, a OAU e a ONU reconheceram o MPLA como o governo legítimo de Angola.
Em Maio de 1977, Nito Alves comandante militar carismático e ministro de governo com apoio militante nos musseques (bairros populares) de Luanda liderou um sangrento golpe de estado contra a liderança do MPLA. A facção de Nito Alves mostrava-se favorável a dar ao partido uma orientação mais africana contrariando a alegada dominação dos mulatos. A purga desta facção e a re-estruturação do partido resultou no desmantelamento de estruturas democráticas populares em desenvolvimento. A liderança montou um sistema político centralizado em torno do Comité Central e do presidente do partido.
No primeiro congresso do MPLA, em Dezembro de 1977, o partido transformou-se num partido marxista-leninista de "trabalhadores, camponeses e intelectuais revolucionários" e a sua denominação foi alterada para MPLA-Partido do Trabalho (MPLA-PT). Organizações de massa, como a Organização de Mulheres Angolanas (OMA) e a União Nacional dos Trabalhadores Angolanos (UNTA) tornaram-se o elemento principal da sua organização. Ao mesmo tempo, a quantidade de membros do partido diminuía e concentrava-se principalmente em Luanda e noutras regiões kimbundu. À época em que José Eduardo dos Santos sucedeu a Agostinho Neto, após a sua morte em 1979, o número total de membros tinha declinado de 60.000 em 1975 para 16.500.
Na segunda metade dos anos 80, Eduardo dos Santos começou a consolidar seu poder pessoal sobre o partido e o governo. Mas apesar disso, na assinatura de um acordo em Gbadolite em 1989, ele não contou com o apoio de figuras importantes do partido que se recusavam a reconhecer a necessidade de negociar com a UNITA.
Com o fim da guerra fria e a onda de democratização em África, o MPLA promoveu numerosas reformas na década de 1990. Em 1990, abandonou o marxismo-leninismo em favor da social democracia. Em 1991, as organizações da sociedade civil exteriores ao partido foram legalizadas e um congresso extraordinário procurou ampliar o apelo do partido. Marcolino Moco, um ovimbundu, e o reformista Lopo do Nascimento foram eleitos para posições destacadas. Em Maio desse ano, os Acordos de Bicesse puseram oficialmente fim ao regime de partido único.
UNITA
A União Nacional pela Independência Total de Angola (UNITA) foi formada em 1966 depois do fundador, Jonas Savimbi, ter abandonado a FNLA. Savimbi, que era um ovimbundu, estava descontente com o controlo da FNLA pelos bakongos, com a sua ineficácia militar, com a influência americana e com a liderança autoritária do fundador do partido, Holden Roberto. A UNITA surgiu como um partido 'africanista', dando ênfase aos elementos étnicos e rurais em contraste com a perspectiva urbana e 'ocidentalizada' do MPLA. O apoio internacional da UNITA variou desde a China até à África do Sul, do Zaire até aos Estados Unidos. Nos primeiros anos, o carisma de Savimbi e sua imagem de defensor dos oprimidos permitilharam-lhe conquistar um apoio significativo no centro e no sul de Angola, especialmente entre os ovimbundu que constituem 40 por cento da população angolana.
Depois de assinar o acordo de cessar-fogo com Portugal, em Junho de 1974, Savimbi estabeleceu o seu quartel general em Nova Lisboa (hoje Huambo) e começou a criar a estrutura local do partido. Criou uma rede de apoiantes, inclusive alguns colonos brancos. Diversas reportagens da imprensa estrangeira, repetidas pelo MPLA, afirmam que, durante a primeira metade da década de 1970, a UNITA tinha cooperado com o exército português no leste de Angola, assim como com comerciantes brancos de madeira e o serviço secreto português. Porém, acima de tudo, Savimbi previa que o apoio em massa dos ovimbundu seria a base para uma vitória eleitoral depois da independência. A sua promoção da consciência étnica ovimbundu tornou-se mais pronunciada à medida que a sua base de apoio se tornava mais regionalizada no conflito entre os movimentos de libertação. Savimbi cultivou um relacionamento com a liderança protestante e co-optou muitas organizações ovimbundu acentuando a divisão entre as elites ovimbundu e o estado.
Quando os Acordos de Alvor fracassaram e o país mergulhou na guerra civil, a UNITA recebeu o apoio da África do Sul, mas foi expulsa de Luanda e perdeu a iniciativa. Na sequência da vitória do MPLA, a UNITA inicialmente retirou-se para a sua base no Huambo. Depois, reorganizou-se e começou uma campanha de sabotagem económica em 1977, que se expandiu com o apoio directo da África do Sul, depois de 1983, e dos Estados Unidos.
A partir de 1979, a UNITA estabeleceu uma auto-denominada 'região autónoma', baptizada de Terras Livres de Angola tendo na Jamba a sua capital. Esta região teria em 1989 uma população entre 800 mil a um milhão de habitantes a quem assegurava serviços de educação e saúde. Enquanto o MPLA centralista 're-educou', a UNITA mobilizou as comunidades de vilas por via dos líderes 'tradicionais'. No entanto, a UNITA também podia ser muito brutal, aterrorizando as populações rurais e impedindo as cidades sitiadas de receber alimentos.
A UNITA tinha as características de um partido, com um comité central, um secretariado político, um secretário-geral e 'organizações de massa' para mulheres e jovens. Como organização de combate, a UNITA e a sua ala militar, as FALA, mantinham laços estreitos e os oficiais de patente mais elevada integravam os orgãos de direcção política. No entanto, a característica mais importante da UNITA era a concentração do poder na pessoa de Savimbi, presidente do movimento e também comandante-em-chefe das FALA. Ele mantinha um controlo apertado do poder e era impiedoso no seu exercício. Havia purgas regulares na liderança, afastando-se as figuras mais antigas, que por vezes eram torturadas e assassinadas.
Alguns membros de origem étnica diferente da maioria ovimbundu ressentiram-se do poder do círculo íntimo desta etnia, leal a Savimbi, especialmente dos membros de sua família (por exemplo, seu sobrinho o general "Ben-Ben") ou dos originários de Andulu, a sua região natal (por exemplo, o general "Bock"). Houve algumas facções dissidentes na metade da década de 1980 que o acusavam de se ter vendido à África do Sul. Antigos líderes destacados, como António da Costa Fernandes, acusaram Savimbi de valer-se de feiticeria em julgamentos, esquartejando, afogando e queimando dissidentes políticos como feiticeiros. Por outro lado, a sua manipulação das crendices populares, especialmente no que diz respeito à feiticeria, reforçou o seu apelo entre os camponeses. Contudo, o seu apoio internacional foi prejudicado, especialmente depois de alegações que Savimbi estaria por detrás do assassinato de Tito Chingunji (um dos negociadores dos Acordos de Nova Iorque em 1988), Wilson dos Santos, comandante António Vakulukutu, e outros.
A estratégia da UNITA para as eleições de 1992 foi a campanha de 'nós' contra 'eles' (camponeses pobres contra cidadãos urbanos com formação), que não deu bons resultados em cidades politicamente mais sofisticadas como Luanda, Malanje e Benguela. Contudo, a UNITA demonstrou que poderia organizar uma campanha, propor candidatos em todo o país, e ganhar maiorias consideráveis em províncias de grande importância. Ao mesmo tempo, o MPLA pode desenvolver uma campanha mais inclusiva, acolhendo Fernandes e um outro dissidente, Miguel N'zau Puna (que havia abandonado a UNITA acusando Savimbi de planejar secretamente o regresso à guerra caso perdesse). Tendo ganho o MPLA, Savimbi alegou que as eleições haviam sido fraudulentas e, num quadro de violência em larga escala nas ruas, a UNITA voltou à guerra. Rapidamente assumiu o controlo de boa parte do país, mas ficou cada vez mais isolada internacionalmente e foi sendo forçada a recuar, tendo acabado por ser levado a assinar o Protocolo de Lusaka em Novembro de 1994.
A natureza do envolvimento da UNITA em iniciativas de paz, como as negociações de Lusaka, refletia o estilo de liderança de Savimbi. A posição protocolar dos negociadores mudava frequentemente, já que Savimbi manobrava constantemente procurando maximizar a sua influência e punir as pessoas que não fossem consideradas absolutamente leais. As principais figuras destas equipas negociais eram principalmente oriundas das forças armadas da UNITA, nomeadamente, no caso de Lusaka, o Vice-Presidente António Dembo, chefe do Estado-Maior, General Arlindo Pena "Ben Ben", General Paulo Lukamba "Gato", Jorge Valentim, Eugénio Ngolo "Manuvakola", mas também representantes no exterior (por exemplo, Isaías Samakuva de Londres) e um advogado português, António Oliveira. Savimbi não assinou pessoalmente o Protocolo de Lusaka, deixando a tarefa para Manuvakola (que mais tarde foi encarcerado por Savimbi durante três anos). Os 70 deputados da UNITA não tomaram assento no parlamento, já que Angola mais uma vez acabou por regressar à guerra.
Com muitos dos seus membros cada vez mais desiludidos, a UNITA fracturou-se. O núcleo da organização (os seguidores de Savimbi) continuou a lutar de 1998 até 2002. Um grupo baseado em Luanda auto-intutitulado UNITA-Renovada criou uma dissidência em Setembro de 1998 sob a liderança de Manuvakola e Valentim. O governo considerou a UNITA-R como o único interlocutor legítimo para a finalização do processo de paz, mas muitos viram o grupo como um fantoche do MPLA. 54 deputados da UNITA deixaram claro que não reconheciam a UNITA-R, e confirmaram Abel Chivukuvuku (antigo enviado pessoal de Savimbi ao Presidente Dos Santos) como seu líder.
A capacidade da UNITA para resistir militarmente ao governo entrou em colapso gradualmente nos anos entre 1998 e 2002, em que perdeu cada vez mais território e partidários. O retorno a táticas de guerrilha não inverteu o fluxo da maré, já que as sanções da ONU começaram a atingir as suas redes logísticas.
Por fim, Savimbi foi morto em Fevereiro de 2002. O Vice-Presidente Dembo morreu dias depois, alegadamente de causas naturais. O Secretário-Geral Lukamba Gato assumiu então a chefia do movimento. O Chefe do Estado-Maior Abreu "Kamorteiro" assinou o Memorando de Luena em Abril de 2002. A desmilitarização deu-se de forma rápida, a partir de Agosto de 2002 com a integração dos soldados da UNITA nas FAA e a sua desmobilização, com excepção de 5.000.
Em Julho de 2002, as diferentes facções da UNITA reunificaram-se e aceitaram a direcção de uma nova 'Comissão Política'. Em Junho de 2003, durante o primeiro congresso do partido depois da morte de Savimbi, Isaías Samakuva derrotou facilmente Gato e foi eleito líder da UNITA.
FNLA
Na década de 1950, os emigrantes bakongo originários do noroeste de Angola fundaram a União dos Povos do Norte de Angola (UPNA), que depois se tornou a União dos Povos de Angola (UPA), à medida que a organização procurou orientar-se mais para uma posição de nacionalismo angolano. No início da década de 1960, o líder Holden Roberto tinha estabelecido um perfil internacional bem mais destacado do que as lideranças mais difusas do MPLA, e tinha estabelecido ligações com os EUA. Ele também se tinha voltado para a resistência armada e, nos últimos anos da década de 1950, a UPA era um nome conhecido entre os militantes jovens em muitas regiões do país. Depois de o MPLA ter reivindicado com sucesso (embora dubiamente) a responsabilidade pelo ataque de 4 de Fevereiro de 1961 à prisão em Luanda, a UPA liderou ataques armadas no norte em Março. A partir da base da UPA em Kinshasa, Holden Roberto fundou a Frente Nacional pela Libertação de Angola (FNLA) em 1962. Ele também foi o primeiro a estabelecer um Governo Revolucionário de Angola em Exílio (GRAE), no mesmo ano.
Apoiado pelo Presidente do Zaire Mobutu Sese Seko, a FNLA travou uma discreta guerra de guerrilha no noroeste de Angola. O seu apoio internacional diminuiu nos últimos anos da década de 1960 e início da década de 1970, quando a OAU transferiu o seu reconhecimento para o MPLA. Pareceu receber um segundo fôlego no início da década de 1970 com o apoio renovado do Zaire e dos EUA, mas a ajuda das forças militares do Zaire e África do Sul não foi suficiente durante a guerra civil de 1975-76, e a FNLA foi virtualmente destruída como uma força militar.
Holden Roberto exilou-se em Paris em 1979 e embora alguns milhares de soldados tenham permanecido no norte de Angola, não se mostraram capazes de controlar esse território. Em 1984, muitos deles aceitaram uma amnistia do governo. Holden Roberto regressou a Angola e concorreu à eleição presidencial de 1992, tendo obtido apenas 2,1 por cento do voto, enquanto que a FNLA ganhou cinco assentos na Assembleia.
Hoje em dia, a FNLA é em grande parte irrelevante. Em Setembro de 1998, uma comissão de gestão de 51 membros proeminentes removeu publicamente Holden Roberto da presidência, substituindo-o por Lucas Ngonda. Em resposta, Roberto expulsou os membros da comissão de gestão e declarou as suas acções ilegais. Depois de várias tentativas fracassadas de mediação, o partido logrou a sua reunificação em Abril de 2004.
FLEC
A Frente pela Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) foi formada em 1963 reunindo algumas organizações mais pequenas que lutavam pela independência de Cabinda de Portugal, inclusive o Movimento pela Libertação do Enclave de Cabinda (MLEC) e a Aliança de Mayombe. A FLEC foi liderada por Luís Ranque Franque e criou um Governo de Cabinda no Exílio em 1967.
Portugal recusou reconhecer a FLEC em 1974, a qual respondeu desenvolvendo uma ala militar. Excluída das conversações de Alvor em 1975, a FLEC tentou assumir o controlo de Cabinda em Novembro com o apoio do Zaire. O MPLA e as forças cubanas derrotaram os separatistas, que passaram desde então a desenvolver uma guerra de guerrilha, que incluiu o rapto de trabalhadores estrangeiros empregues no território na indústria petrolífera, da construção e da extração de madeira.
A insurreição em Cabinda tem sido caracterizada pelo faccionismo e a FLEC tem vivido inúmeras cisões. Em 1977, uma cisão levou à criação de um Comando Militar pela Libertação de Cabinda (CMLC). Em 1984, a FLEC dividiu-se em FLEC-FAC (Forças Armadas de Cabinda) liderada por Henriques Nzita Tiago e FLEC-Renovada (FLEC-R), liderada por António Bento-Bembe. Outras facções incluem a Frente Democrática de Cabinda (FDC), a UNCL (baseada em Libreville, Gabão), a UNALEC e FLEC-Lubota (liderada por Francisco Xavier Lubota). Todas as tentativas de reagrupar estes movimentos fracassaram.
As sedes de todas estas facções ficam fora de Cabinda. A FLEC-FAC em Paris é mais militante e conta com mais combatentes do que a FLEC-R. Os números não são mais do que estimativas, mas pensa-se que a FLEC-FAC teria entre 600 e 1.000 homens em armas em meados da década de 1990. Esta organização reivindica uma República Federal de Cabinda sob a presidência de Tiago, que, no entanto, parece existir apenas no papel e na internet.
A FLEC-FAC intensificou suas actividades depois das eleições de 1992, assumindo o controlo de boa parte do interior rural, enquanto que o governo aumentou a quantidade de soldados em Cabinda para 15.000 em meados de 1993. A UNITA apoiou os rebeldes durante o período 1993-94. O governo anunciou conversações com a FLEC-FAC em Março de 1994, mas estas nunca se realizaram. Recentemente, surgiram novas divisões sobre se se deveria discutir um estatuto de autonomia em vez de reclamar independência total.
A FLEC-R de Bembe tem uma história de tentativas de negociação, como o cessar-fogo que assinou com o governo em Setembro de 1995. Este facto levou a um acordo adicional em Maio de 1996, mas a condições deterioraram-se entretanto, já que as FAA prosseguiram a guerra com a FLEC-FAC, e em resposta à falta de interesse do governo a FLEC-R retomou a luta armada com numerosos ataques em 1997.
A FLEC-R dividiu-se novamente, com a Plataforma FLEC de Bembe reivindicando ser a sucessora natural da FLEC original de Franque. Franque terá participado em conversas exploratórias com o governo de Luanda em Agosto de 2003.
A FLEC-R, agora reclamando a sigla FLEC, estabeleceu um governo em exílio com sede em França. Como todas as FLECs, a FLEC-R considera o território como sendo formalmente um protetorado português que foi integrado illegalmente com Angola e, em 2003, apelou a Portugal para ajudá-lo a realizar um referendo sobre o seu futuro.
Desde que o governo lançou uma ofensiva importante no final de 2002, alguns oficiais da FLEC desertaram aderindo publicamente às FAA, mas os rumores sobre o fim da FLEC ainda não se traduziram numa realidade concreta, e os grupos secessionistas armados continuam activos. Os grupos da sociedade civil em Cabinda e Luanda têm-se movimentado em torno da denúncia de abusos aos direitos humanos durante a campanha das FAA.
Envolvimento internacional
Portugal
A posse da colónia de Angola foi reconhecida a Portugal na Conferência de Berlim de 1884-85, 400 anos depois do primeiro contacto com os povos da bacia do Congo. Com o crescimento do número de colonos, Portugal não tinha qualquer intenção de aceitar a independência angolana até ao golpe de estado sem derramento de sangue, de Abril de 1974, em Lisboa, executado por elementos esquerdistas das forças armadas portuguesas.
O novo regime negociou em Janeiro de 1975 os Acordos de Alvor entre os diferentes movimentos de libertação. Os simpatizantes do MPLA no governo de transição eram hostis a determinados colonos brancos, que consideravam a pior face do colonialismo português, e verificou-se uma crise profunda de autoridade na colónia. Existiam, porém, ligações antigas em Portugal entre as forças da oposição, sobretudo do Partido Comunista Português (PCP) e o MPLA.
As relações entre Portugal e Angola foram tensas na década a seguir à independência, já que Angola suspeitava que o antigo poder colonial, e especialmente o Primeiro-Ministro socialista Mário Soares (um dos arquitectos dos Acordos de Alvor), encorajava os Estados Unidos a não reconhecer o MPLA e a apoiar a UNITA. Também havia em Portugal muitos retornados (colonos brancos refugiados) descontentes com a descolonização e com o regime marxista do MPLA. De forma que cada vez mais Lisboa se tornou a segunda base da UNITA.
As relações com o MPLA começaram a melhorar depois de Cavaco Silva se ter tornado Primeiro-Ministro em 1985, o que possibilitou a Portugal assumir o papel de mediador. Cavaco Silva começou por procurar ganhar a confiança do MPLA, cujos líderes, por sua vez, consideravam Lisboa como um veículo importante de reaproximação aos EUA numa época em que a continuação do apoio soviético parecia cada vez menos garantida. A resistência de Cavaco Silva ao forte lobby favorável à UNITA em Lisboa alcançou essse objectivo, mas depois do fracasso das conversações de Gbadolite em 1989, tornou-se óbvio que o governo português também teria de melhorar as suas relações com a UNITA, se quisesse assumir um papel de mediação. Foi então permitida a visita de Savimbi a Lisboa no início de 1990 e as restrições à sua actuação cessaram.
Com a 'solução africana' preferida do MPLA esgotada após Gbadolite, o MPLA via como cada vez mais provável ter de negociar com a UNITA sob a mediação dos EUA, o que não lhe agradava de todo. A alternativa, igualmente aceitável pelas duas superpotências, era mediação de Portugal, que não tinha condições de influenciar a vida internacional, nem interesses óbvios na vitória de qualquer dos beligerantes.
Os portugueses, sob a liderança do Secretário de Estado Durão Barroso, organizaram diversas rondas negociais entre Abril de 1990 e Maio de 1991, que resultaram na assinatura dos Acordos de Bicesse. Portugal foi um dos membros da Troika de países que mediava e monitorizava a implementação do processo de paz angolano. Portugal continua a manter relações mais estreitos com Angola do que outros países europeus.
Estados Unidos da América
Da década de 1960 até o início da década de 1990, o envolvimento dos Estados Unidos em Angola foi orientado por considerações derivadas do clima de Guerra Fria. Atraídos pela abundância de petróleo e diamantes, os EUA apoiaram Portugal na sua luta pelo controlo de Angola durante a maior parte da década de 1960. No entanto, durante algum tempo sob a presidência de John F. Kennedy, também houve um certo apoio ao anticolonialismo, bem como ao anticomunismo, o que conduziu ao estabelecimento de vínculos com a FNLA.
Os Estados Unidos deram ajuda aos movimentos anticomunistas em Angola durante a guerra civil de 1975-76. No entanto, numa fase decisiva, em Dezembro de 1975, o Senado aprovou a Emenda Clark que decretou o fim da assistência clandestina às forças anticomunistas em Angola. Com a FNLA efectivamente derrotada e perante a impossibilidade de aceitar um regime marxista, os EUA começaram a voltar-se para a UNITA por volta de 1977 e em 1985, com a revogação da Emenda Clark, enviam uma ajuda substancial através do Zaire.
Com o enfraquecimento da União Soviética, os EUA aproveitaram a oportunidade para exercer o papel de mediador, sendo o anfitrião das conversações entre Angola, Cuba e África do Sul, em Nova Iorque, em Dezembro de 1988. Entretanto, a política dos Estados Unidos continuava a ser fortemente favorável à UNITA e este apoio atingiu um valor próximo dos 90 milhões de dólares em 1990. Apesar de os Estados Unidos apoiarem um fim negociado para a guerra, argumentavam que uma UNITA mais forte seria necessária para a transição para o pluralismo político. Os Estados Unidos ajudaram a orientar as partes rumo aos Acordos de Bicesse em 1991 e parecem ter estado plenamente confiantes de que a UNITA venceria as eleições de 1992. A decisão da UNITA de regressar à guerra, depois da sua controversa derrota, foi o começo do fim da sua relação próxima com os Estados Unidos e após o fracasso das conversações de paz em Adis Abeba e Abidjan, em 1993, os Estados Unidos decidiram estabelecer, pela primeira vez, relações diplomáticas plenas com o governo do MPLA.
Os Estados Unidos ainda desempenharam um papel importante no regresso da UNITA à mesa de negociações em Lusaka, mas com o aproximar do final da década, tornaram-se aliados cada vez mais importantes do governo do MPLA, em parte por causa da importância crescente do petróleo angolano.
URSS/Rússia
A concessão de ajuda financeira, diplomática e de material militar pelos soviéticos ao MPLA começou na década de 1960, permanecendo entretanto clandestina e insuficiente para permitir que o MPLA desafiasse Portugal. O apoio atingiu o seu ponto mais baixo em 1973, num contexto dominado por duas revoltas contra a liderança de Agostinho Neto, e foi retomado apenas quando a situação de Neto se consolidou. Durante a guerra civil de 1975-76, a URSS enviou por avião armamento pesado para o MPLA nos meses decisivos, imediatamente antes e depois da independência, ajudando assim a garantir o triunfo dos seus aliados. Com a superpotência rival ainda em crise por causa do Vietname, a URSS estabeleceu relações estreitas com o MPLA através da assinatura em 1976 de um Tratado de Amizade e Cooperação.
A URSS forneceu apoio financeiro e militar essencial ao governo angolano durante toda a década de 1980. As relações com o regime do MPLA nem sempre foram fáceis, com suspeitas de apoio soviético à tentativa de golpe de Nito Alves em 1977 e a purga das figuras mais pró-soviéticas no congresso do partido em 1985.
Nos últimos anos da década de 1980, tornou-se óbvio que o governo do MPLA não podia contar com o apoio soviético indefinidamente, já que a URSS procurava um entendimento com os EUA. A URSS (e mais tarde a Rússia) assumiram o seu lugar como um dos países da Troika que acompanhou os acordos de paz de 1991 e 1994, um papel que manteve até ao Memorando de Luena de 2002.
Outros
Os vizinhos de Angola desempenharam papéis de grande importância. Os laços étnicos e políticos entre os povos bakongo de ambos os lados da fronteira foram uma das razões que levaram o Presidente Mobutu do Zaire (hoje a República Democrática do Congo) a apoiar a FNLA. A influência de Mobutu sobre outros líderes africanos, como Kaunda de Zâmbia e Nyerere da Tanzânia foram decisivos no ressurgimento da FNLA no início da década de 1970. Holden Roberto também utilizou o apoio de Zaire para reforçar os laços com a China e mesmo para controlar divergências internas na FNLA quando o Zaire enviou tropas para sufocar um motim nas forças armadas da FLNA em 1973. Mobutu interveio directamente na guerra civil angolana em 1975, enviando tropas para apoiar a FNLA contra o MPLA. O Zaire proporcionou também uma via para tranferir o apoio dos EUA para a FLNA e ajudou a atrair a África do Sul, que aproveitou a oportunidade de ser vista a lutar ao lado de uma nação africana negra.
Depois de efectivada a sua derrota na guerra civil, Mobutu logo se entendeu com o governo do MPLA, o que significou o desaparecimento de Holden Roberto como protagonista sério nas lutas pelo poder em Angola. As relações com Angola declinaram novamente depois de 1981, já que Mobutu começara a apoiar as políticas de desestabilização dos EUA e o Zaire tornou-se uma 'base de retaguarda' importante para a UNITA, especialmente depois de 1986, quando serviu de canal para a venda ilegal de diamantes e via de entrada de equipamento. Mobutu aproveitou a oportunidade para assumir o papel de mediador, em 1989, quando foi o anfitrião das conversações de Gbadolite, mas Portugal assumiu esta posição nos Acordos de Bicesse. A queda de Mobutu em 1997 foi um golpe importante para Savimbi.
O Zaire deu igualmente apoio considerável à FLEC, como também o fez o Congo (República do Congo Brazzaville), já que ambos aspiravam a controlar uma Cabinda independente, se não mesmo anexá-la. Ambos os países reagiram positivamente à proclamação da independência da 'República de Cabinda' emitida pela FLEC baseada em Kinshasa, na cimeira da OAU em Agosto de 1975. Contudo, Brazzaville apoiava uma facção rival FLEC de N'Zita Tiago, e o MPLA, que era anti-secessionista (um regime também apoiado pelos soviéticos, e igualmente rival do Zaire, que apoiava a FNLA). Ambos os países acabaram por abandonar publicamente os seus apoios à independência de Cabinda e às diversas facções da FLEC.
A África do Sul do apartheid também interveio contra o MPLA em diversas ocasiões, motivada pelo desejo de ter um regime amistoso e não-comunista em Luanda que negasse santuário aos guerrilheiros da Organização do Povos do Sudoeste Africano (SWAPO), o movimento de libertação da Namibia. O seu envolvimento começou com uma intervenção militar de pequeno escala em 1975 em nome da proteção de seus investimentos no projeto hidroelétrico do rio Cunene, mas empenhou-se cada vez mais no treino de forças da UNITA e FNLA. Em Outubro de 1975, tropas das Forças de Defesa Sul-Africanas (SADF) juntaram-se à ofensiva da UNITA/FNLA. Primeiramente, a estratégia era ajudar a UNITA a reivindicar tanto território quanto possível na corrida para possíveis negociações e então retirar-se; entretanto, o foco se transformou, ao invés disto, em atacar para cima até Luanda, já que o Zaire e a FLNA atacavam para baixo partindo do norte (preocupando Savambi que temia uma conspiração para colocar a FNLA no poder). A operação não conseguiu impedir que o MPLA conservasse o controlo de Luanda e solapou decisivamente o apoio geopolítico aos rivais do MPLA.
A SADF retirou-se em Março de 1976, mas a África do Sul manteve durante os anos que se seguiram uma política agressiva de baixa intensidade, e voltou a ser um protagonista importante na guerra durante a década de 1980. A pressão da ONU levou ao Acordo de Lusaka de 1984, em que os sul-africanos concordaram em retirar se os angolanos cortassem a sua ajuda à SWAPO, mas a SADF regressaram em 1985 em apoio às forças da UNITA contra uma grande ofensiva das FAPLA com apoio cubano. Em 1987-88, a luta no sul de Angola culminou no cerco de Cuito Cuanavale por forças sul-africanas e da UNITA. O brutal impasse militar que se seguiu foi um golpe fatal nas suas esperanças de vitória militar em Angola. Os Acordos de Nova Iorque de Dezembro de 1988 puseram-lhe termo definitivo e resultaram na independência da Namibia.
No lado oposto na maior parte das intervenções da África do Sul, estava Cuba. O interesse cubano no MPLA começou com a visita de Che Guevara à África Central em 1964-65. Na guerra civil de 1975, Cuba interveio ao lado do MPLA enviando primeiro conselheiros militares e, em seguida, tropas pretensamente como resposta à intervenção da África do Sul, embora a decisão de avançar fosse provavelmente anterior, tal como os pedidos de ajuda do MPLA. Os efectivos cubanos, que seriam cerca de 1.000 em Outubro de 1975, aumentaram para 14.000 no período até Fevereiro de 1976. As tropas de elite enviadas logo no início ajudaram a defender Luanda no momemento da independência a 11 de Novembro de 1975. O apoio cubano também ajudou a reforçar o envolvimento da URSS.
Nos anos a seguir à independência, Cuba forneceu também apoio não-militar indispensável ao regime do MPLA, enviando arquitectos, engenheiros, professores, médicos, funcionários civis e outros para construir o novo país. A presença militar de Cuba ganhou maior importância para o governo do MPLA, de novo, na década de 1980, quando as forças cubanas se envolveram frequentemente na luta contra os sul-africanos e os seus efectivos chegaram a atingir os cerca de 50.000 homens.
Na década de 1990, Cuba deixou de ter grande utilidade para o MPLA. A mudança nas prioridades do MPLA ficou claramente marcada quando a partir de Dezembro de 1995 Angola, paradoxalmente, deixou de votar na Assembleia Geral das Nações Unidas contra o bloqueio de Cuba, o que enfureceu o Presidente Fidel Castro. (continua)