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René Pélissier
Análise Social, vol. XLII (185), 2007, 1105-1123
Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos
Em relação aos segundos, temos de admitir com tristeza que escrevem pouco e que os seus escritos não recebem a atenção que merecem. Mesmo no Instituto Nacional das Línguas e Civilizações Orientais de Paris (as ex- -Langues O), lamento dizê-lo, as suas obras são negligenciadas e, à excepção talvez no Maiombe de Cabinda, não estou certo de que exista no mundo uma única biblioteca que, sistematicamente, coleccione os seus trabalhos. Em contrapartida, os seus primos mais espertos, os diplomatas na reforma, estes são cada vez mais prolixos à medida que a idade avança e se recordam de todos aqueles anos em que tiveram de sorrir, em vez de dizerem o que pensavam. Iremos ao seu encontro mais tarde. Comecemos por outro ramo ainda mais frutífero da nossa árvore genealógica comum: os soldados de cabelos brancos.
Abramos as hostilidades com uma salva em honra do coronel António Lopes Pires Nunes, cujo magnum opus 1 se impõe pelo seu volume (cerca de 1400 páginas), mas que continua e continuará, infelizmente, pouco conhe- cido, como consequência de uma política editorial que o impede de chegar às mãos de um número significativo de leitores, a começar pelas centenas de milhares de portugueses que cumpriram o serviço militar em Angola. Trata-se exclusivamente da história oficial, mas não temos nada mais deta- lhado sobre a guerra colonial na África lusófona. O primeiro volume com- preende o período até ao final de 1964; o segundo vai até 1974. É necessário que sejamos claros: esta imensa compilação e exploração de documentos — aparentemente, nem todos utilizados — foi elaborada para honra e glória das forças terrestres portuguesas, o que é normal, uma vez que a obra foi produzida por um estado-maior nacional. Assim, na descrição das operações e na análise dos seus resultados pouco encontramos que possa pôr em dúvida as suas capacidades, a fundamentação dos seus métodos, as vitórias sobre este ou aquele ponto, e tudo o mais que um observador externo poderia contestar ou reprovar ao Alto Comando. Nem tudo são rosas no Page 2 1106 René Pélissier quadro pintado pelo autor, mas, no plano estritamente militar, a tendência geral é optimista. A derrocada do MPLA a oriente, a quase impotência da resistência a noroeste (onde se inclui Cabinda), a fraqueza ou a inactividade relativa da FNLA e da UNITA no início de 1974, confirmam, por outro lado, inegavelmente as conclusões do autor. É uma linha de defesa profissional que não se provou na Guiné, mas que para Angola permaneceu pertinente até às vésperas do 25 de Abril de 1974.
Não é este o local indicado para insistir no que não podemos encontrar nestes volumes: a começar pelo moral dos oficiais e pelas zonas de sombra que já foram iluminadas noutros livros não oficiais. Enquanto historiador, que conhece alguma coisa sobre a reconquista do Noroeste em 1961 (René Pélissier, La colonie du Minotaure, Editions Pélissier, Orgeval, 1979, 717 páginas, nomeadamente pp. 301-653), gostaria simplesmente de sublinhar veementemente cinco aspectos: (a) a vastidão do trabalho investido na ex- ploração de uma massa documental que cremos seleccionada, mas que é ainda assim esmagadora; (b) o desaparecimento quase total do maniqueísmo e da propaganda diabolizante, sempre inevitáveis num conflito que durou treze anos; (c) a imensidão das informações, que não encontramos em mais nenhum sítio e que nos permitem seguir a evolução das operações após o Outono de 1961; (d) a qualidade dos serviços de informações da PIDE/DGS, de organismos conexos e das forças terrestres, que se inteiraram ou «com- praram» uma parte dos segredos políticos e militares dos três movimentos nacionalistas; (e) a riqueza das estatísticas relativas à acção psicológica, às «inovações» (a reintrodução da cavalaria montada, etc.), às tropas auxiliares ou irregulares, ao material, etc. A bibliografia é relativamente abundante mas limitada ao que encontramos nas bibliotecas militares portuguesas (e nem em todas). A produção estrangeira sobre este assunto é, como de costume, pouco utilizada. Em resumo, do ponto de vista historiográfico, estes dois volumes são indispensáveis e encontram-se a léguas do que ficamos a saber (ou melhor, do que ficamos a ignorar) através dos lacónicos comunicados da imprensa portuguesa ou pela propaganda dos intervenientes nesta guerra. Mas, uma geração depois de 1974, podemos colocar uma questão que também se aplica a todos os exércitos coloniais recentes: onde se alojou o bicho que os impediu de concretizarem a sua aparente e relativa superioridade no plano técnico? No ramo da árvore ou nos seus frutos? Não encontraremos resposta para todas estas questões nos livros que imediatamente se seguem, mas é sempre interessante ir atrás das imagens oficiais. Comecemos por outro coronel, também ele reformado. O livro de Maximino Cardoso Chaves 2 , é constituído pelas suas memórias, enquanto tenente pára-quedista que combateu no Planalto maconde e não teria agradado a Kaúlza de Arriaga. Para o autor, a operação «Nó Górdio» foi um «fracasso» Page 3 1107 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos (p. 150), no qual o esquadrão de cavalaria (Panhard) foi «dizimado» pelas minas e as bases da FRELIMO foram encontradas abandonadas. Ele não data as operações, mas descreve a vida na Beira, sede do seu batalhão, que operou a partir de Mueda, nos postos mais ameaçados (neste caso, Nangololo e Mocímboa do Rovuma). Não é habitual um oficial pára-quedista — mesmo humanista — admitir que os africanos explorados tinham boas razões para estarem ao lado da guerrilha. Estávamos longe de Gilberto Freyre! Outro oficial de carreira 3 , também pára-quedista, escolheu contar as pequenas histó- rias que viveu, algumas das quais à volta de Mueda, perto de Sagal (1970) e Nangololo, sem falar nas que tiveram por palco Zala e a serra do Uíge (tomada de um campo da UPA/FNLA em 1965), em Angola, ou a desordem em Timor. Sempre na mesma região «quente» do Norte moçambicano, mas não exclusivamente no terreno dos macondes, quem se interessar detalhadamente por esta quarentena de microguarnições portuguesas estacionadas frente à FRELIMO deve consultar o álbum 4 de Manuel Pedro Dias. Constituído essencialmente por fotografias realizadas pelas diferentes companhias que aí se sucederam durante dez anos, o conjunto é completado por um comentário patriótico e mesmo heróico. Os temas? A vida quotidiana e as patrulhas. Abandonados em 1974, estes postos militares foram parcialmente revisitados pelo autor em 2004, que pôde constatar a degradação das instalações (in- cluindo os próprios cemitérios). Um livro 5 mais complexo, pois reflecte os estados de alma de um antigo suboficial de telecomunicações destacado em Angola, num posto na picada entre Lucunga e Damba, no Uíge, de Dezembro de 1971 a Fevereiro de 1974, é-nos dado pelo autor, que ilustra as suas memórias introspectivas com extractos das cartas que escreveu à sua noiva. A particularidade do texto está no facto de Nogueira Baptista se encontrar numa companhia de artilharia composta, em parte, por cabo-verdianos. Anti-salazarista, acredita, no entanto, que os africanos eram portugueses e defende o império, apesar de saber que a guerra estava perdida, pois escutava, obviamente, as rádios estrangeiras. Tendo participado numa operação contra a UPA/FNLA na serra da Mucaba, mostra-se igualmente desdenhoso em relação aos colonos que querem a independência. Um assunto verdadeiramente angustiante é tratado num excelente livro do género «memórias de uma derrota anunciada». Este Diário da Guiné 6 é a via-sacra, a derrota lúcida e frouxa de um exército desmoralizado e ultrapas- sado. O autor, alferes de Junho de 1972 a 17 de Abril de 1974, redigiu a sua obra a partir do seu diário pessoal e dos aerogramas que enviou à família. Teixeira Pinto, Mansoa, Cufar (no Sudeste) foram as etapas desta derrocada, à qual assiste sem, no entanto, participar nas operações, pois pertencia à sacrossanta Administração Militar. Graça de Abreu observa a política contestada de Spínola e permanece duvidoso quanto às pretensões Page 4 1108 René Pélissier do PAIGC em dominar todo o território, mas cedo se apercebe de que, pelo menos entre os manjacos, décadas de exploração colonial não podem ser apagadas por tardias reformas materiais. Apesar da calma na zona de Teixeira Pinto, as emboscadas na estrada de Bissau intensificam-se. A partir de Feve- reiro de 1973, quando chega a «chao» balante, os guerrilheiros encontram-se a 4 ou 5 quilómetros. Os guerrilheiros e o exército português bombardeiam- -se à distância, mas acotovelam-se no cinema local. Em Março são abatidos os primeiros aviões por mísseis e as operações terrestres portuguesas dimi- nuem, pois os helicópteros já não descolam com frequência para evacuar os feridos. O PAIGC reforça o seu armamento e multiplica as suas picadas de vespa. Em Junho uma parte do batalhão do autor é transferida para Cufar (nas rias do Sul), reconquistado por Spínola. À medida que a data da desmobilização se aproxima, a indisciplina dos soldados aumenta. No final de 1973, Cufar e todas as guarnições em redor são bombardeados pelos 122, orgãos de Estaline do PAIGC. As tropas sabem que vão para a morte na ofensiva contra Cantanhez e as minas que os esperam. Os «sábios» de uniforme escrevem poemas que Camões não teria imaginado, mas todos mergulham no álcool para adormecerem os seus medos. O estado-maior e os serviços de saúde pública terão elaborado, posteriormente, estatísticas sobre a dependência alcoólica dos antigos combatentes portugueses? A água pura era rara na Guiné no início de 1974. Sabemos a que é que tudo isto conduziu o exército e o Estado Novo. Bastante menos dramáticos são dois livros de um ex-oficial subalterno, aviador de carreira, com cerca de quarenta anos de serviço e perto de setenta meses na África portuguesa, e que se encontra agora reformado e dedicado aos demónios da literatura de guerra. No primeiro romanceia pequenas his- tórias amorosas 7 de soldados durante a guerra colonial, tal como as ouviu contar ou inventar no avião que os repatriou (juntamente com os colonos) de Angola em 1974. A seguir, mais ambicioso, em Triângulo nublado 8 o autor compila as suas memórias anedóticas dos tempos em que serviu como militar. O interesse deste livro reside no facto de, nele, o autor observar — sem ilusões patrióticas — os costumes coloniais presentes na Guiné, como o racismo tácito em Bissau, antes da insurreição: Bissau, Farim, Nhacra, por volta de 1962-1963. A partir de Novembro de 1964, ele está na Beira, onde impera o bloqueio petrolífero ordenado pelos britânicos à Rodésia. Os por- tugueses receiam um ataque (de verdade?) aéreo da parte dos seus mais velhos aliados, mas, provavelmente, é quando chega ao terceiro vértice do seu triângulo (a base aérea de Henrique de Carvalho/Saurimo) que ele é mais original. Aqui o autor descreve minuciosamente a vila e a sua microssocie- dade branca de 1971 a 1974, abastecida por comboios de camiões, escol- tados por soldados desde o Luso/Luena. A localidade não se desenvolveu muito, apesar da guerra e do tráfico de diamantes. Esta obra é ainda útil porque nos dá uma panorâmica da organização aérea do Leste angolano, do qual Cazombo é uma antena relativamente importante. Page 5 1109 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos Mencionemos brevemente, e visando futuros candidatos a um doutora- mento em História consagrado ao corpo de oficiais que combateram no império (na sua última fase), um repertório 9 que reúne as fichas autobiográ- ficas dos cerca de 200 alunos finalistas da Escola do Exército, do curso de 1956. Ao ler estas páginas, ficamos a saber como evoluíram as suas car- reiras, quer no ultramar, quer posteriormente. Algumas anedotas finais rela- tivas a África e a bibliografia das suas publicações mostram-nos que alguns cultivaram outros géneros literários, para além do militar ou político, como, por exemplo, a poesia. Dos antípodas dos oficiais que escolheram fazer carreira no exército (os Xicos) chega-nos um volumoso romance-documento 10 de um ex-alferes miliciano que, em Setembro de 1972, desembarcou com 120 metropolitanos em Mazoe, posto militar situado sobre a estrada estratégica e, por isso mesmo asfaltada, que ligava a Rodésia ao Malawi, via Tete. Aí eles encon- traram-se com os 120 soldados africanos que deviam juntar-se-lhes, uma vez que, como afirmava o Estado Novo, sendo Portugal multirracial, todos os jovens, negros e brancos, deviam defender a pátria. Não sabemos muito bem que pátria, mas é claro que o nosso alferes não morre de amores pelos mitos oficiais, quando confrontados com as realidades africanas. E com ele começa uma das mais implacáveis demolições literárias da guerra colonial em Moçambique. Não porque os combates aí sejam particularmente duros (os rodesianos não o permitiam), mas porque o desfasamento entre o que dizia a propaganda pós-salazarista e aquilo que vêem e vão viver os recém- -chegados é abissal. Não podemos resumir aqui as 450 páginas desta pseudoficção, na realidade, de memórias dialogadas do autor, que é hoje arquitecto e vive no Porto. Ele trata temas habituais na literatura dos antigos combatentes, hostis a um sistema que lhes malbaratou a juventude, acres- centando outros, mais insólitos, para Moçambique. Sem sermos exaustivos, podemos referir: (a) o mal-estar provocado por uma política desumana de concentração forçada das populações em aldeias criadas de raiz mas desadaptadas às suas necessidades e aos seus costumes; (b) as relações tensas com a PIDE/DGS; (c) o modus vivendi tácito estabelecido com a FRELIMO muito antes do 25 de Abril; (d) o respeito pela sabedoria dos velhos chefes costumeiros; (e) os diferendos entre os comandos e esta tropa que não queria combater mas simplesmente sobreviver; (f) o caminho mi- nado de uma coluna de abastecimento para Chioco, um dos postos mais isolados do distrito de Tete. Passemos agora a outros guerreiros, muito mais calmos, pois estes con- sideram, com razão ou sem ela, que foram os vencedores da sua guerra. Falo dos sul-africanos em Angola, começando por uma arma, a marinha, que desempenhou um papel necessariamente modesto em virtude da falta de adversários no mar. O estudo 11 do almirante na reforma Chris Bennett é, como o título indica, consagrado à história de três fragatas ao serviço entre Page 6 1110 René Pélissier 1954 e 1985, entre as quais a President Steyn, que foi encarregue de ir resgatar de improviso a Ambriz, em 28 de Novembro de 1975, 9 oficiais, 2 civis e 15 soldados sul-africanos que apoiavam as tropas da FNLA na sua tentativa de tomada do poder em Luanda. Sabemos o fiasco total em que redundou a aventura de Holden Roberto face aos cubanos e ao MPLA, mas o que mais nos surpreende é o secretismo que rodeou a intervenção terrestre (Operation Savannah) do exército sul-africano em Angola e que o levou a nem sequer advertir os marinheiros de que a operação estava em curso desde 24 de Setembro de 1975! Já havia mais de dois meses que os sul-africanos estavam envolvidos com Savimbi, antes de intervirem directamente sozi- nhos! É incrível, mas verdadeiro, como podemos ler no livro que se segue e que, pelo menos que eu conheça, é o mais detalhado, em inglês, sobre o primeiro período (de 1975 a 1980) da guerra entre angolanos e sul-africanos. Borderstrike! 12 revela-se, nesta 3.ª edição, um livro quase inteiramente novo, com pelo menos três vezes mais informação do que a versão original de 1983, hoje obsoleta. Trata-se da obra de um jornalista, especialista em questões militares, que conduz a sua narrativa como uma investigação, apoiado pelas publicações editadas nos últimos vinte e três anos. O tom é heróico-patriótico, mas, tendo recuperado a sua liberdade de apreciação, ele não esconde nem as insuficiências, nem os erros, nem os desaires do seu exército. O autor ignora as fontes em espanhol, extremamente difíceis de encontrar fora de Cuba, mas isso é compensado pelo volume de factos novos revelados, nomeadamente sobre o ataque de Cassinga em Março de 1978. Nem todas as suboperações são tratadas (nomeadamente a ofensiva Foxbat, em 1975, desde o Centro de Angola até ao oceano) e ele insiste, talvez demasiado exclusivamente, no duelo Cuba-África do Sul. O MPLA e a UNITA não são apresentados de forma muito favorável, tal como também não é elogiado o remanescente das forças portuguesas (em Moçâmedes) nem os contra-revolucionários portugueses (estacionados no Sul e apoiantes de Roberto). Quanto ao MFA em Angola, coitado! Na minha opinião, a estocada sobre o Queve foi demasiado minimizada. De facto, trata-se de uma macrorreportagem a posteriori, comparável às realizadas pela imprensa ame- ricana durante a guerra do Vietname, com os acontecimentos individualiza- dos por centenas de nomes dos participantes sul-africanos. Dito isto, este livro será do agrado dos amantes de relatos de guerra e daqueles que querem compreender como é que um exército muito eficaz, altamente profissionalizado, motivado e dispondo de importantes recursos materiais não conseguiu vencer claramente face a adversários igualmente motivados ideologicamente e apoiados por aliados generosos em material de guerra sofisticado, mas pouco cuidadosos com as perdas humanas. No fim de contas, foi o factor humano e, sobretudo, a opinião pública interna e internacional que fizeram a diferença. Esta visão do soldado sul-africano Page 7 1111 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos vencedor é, evidentemente, a de Magnus Malan 13 , comandante do exército sul-africano durante o período (treze anos) que durou o envolvimento inter- mitente no Norte da fronteira namibiana e mais tarde nomeado chefe supre- mo dos três ramos (terra, mar e ar) e ministro da Defesa de Pretória. A sua obra é uma defesa veemente da luta anticomunista e, neste sentido, complementa bem o texto anterior, ao introduzir a dimensão política como orientadora das decisões operacionais, dos limites a não ultrapassar, da importância dos efectivos a mobilizar, etc. Por isso, Malan dedica mais de 100 páginas a Angola, na perspectiva do estado-maior e dos ministérios implicados. Morreram apenas 35 sul-africanos na Operation Savannah, o que é um bom indicador, por um lado, da intensidade relativa dos combates e, por outro, da competência dos militares sul-africanos.
A partir de Maio de 1978, os ataques contra a SWAPO, nomeadamente em Cassinga, ganharam uma feição mais cruel e, vinte e oito anos depois, o debate sobre o que verdadeiramente aí ocorreu continua em aberto. Parece ter sido preciso esperar por Junho de 1980 para que ocorresse um confronto decisivo com o exército do MPLA, tendo-se registado mais cinco entre 1981 e 1984. A captura e a destruição de material pesado soviético atingiram valores até então inigualáveis, mas os pesados combates só começaram verdadeiramente a partir de 1985, com o empenhamento massivo de cubanos e de tropas do Pacto de Varsóvia contra a UNITA. Sabemos que estes confrontos culminaram em verdadeiras batalhas de tanques (1987-1988), bem documentadas a partir daí, com cubanos e sul-africanos a reivindicarem simultaneamente a vitória e, segundo Malan, com o emprego de armas químicas pelos cubano-soviéticos. Ele não nos dá muitos pormenores novos em relação à bibliografia já publicada. Segundo um dos autores citados, as perdas entre o Cuíto- -Cuanavale e as proximidades de Mavinga foram de 94 tanques, 100 trans- portes blindados de tropas, 389 camiões, etc., para o MPLA e os seus aliados, que, segundo o autor, perderam igualmente 7000 a 10 000 (?) homens e cerca de mil milhões de dólares de material. As forças sul-africa- nas (3000 homens) apenas perderam 3 tanques, 11 transportes blindados, 3 aviões e 31 soldados. Estamos mais perto d’El Alamein (1942) do que de Guiledge ou de Mueda, mesmo que nada seja dito sobre os mortos nas fileiras da UNITA. Naturalmente, a controvérsia sobre a identidade do ven- cedor está longe de estar terminada. Podemos ainda interrogar-nos sobre o bombardeamento da barragem de Calueque e sobre as suas consequências.
Em resumo, para Malan, nestas memórias, não há qualquer dúvida. Mas eu, que li os livros publicados pela imprensa militar de Havana, pergunto-me se estão a falar da mesma coisa. Aguarda-se, pois, a abertura dos arquivos e o emergir de historiadores verdadeiramente neutrais (se é que estes estão disponíveis para estudar conflitos cujos participantes ainda estão, quase todos, vivos). Talvez um suíço? Page 8 1112 René Pélissier E agora demos um salto por cima dos meridianos e catapultemo-nos até uma outra guerra que mobilizou a opinião pública internacional tardia mas massivamente. Talvez de forma artificial, sem dúvida de forma emocional, a sorte dos timorenses levou o muito respeitado medievalista José Mattoso a passar, desde 2000, cinco ou mais anos nesta ilha insalubre para organizar os arquivos locais. Tratou-se de uma acção de apostolado puro e desinteres- sado. A dignidade 14 , que Mattoso dedica a Konis Santana, mártir da resis- tência anti-indonésia, é uma espécie de hagiografia comovida, mas crítica, em conformidade com os estudos iniciais do autor, que, se pudessem lê-la, surpreenderia os milhares de missi dominici que a ONU enviou para Timor Leste a fim de o tirar do «nada». Qualquer que seja a recepção deste livro nesses meios, pela minuciosidade dos pormenores e pelo inimaginável traba- lho de reconstituição histórica da luta da FRETILIN (e de tudo o que a rodeou), Mattoso revela-se o melhor de todos aqueles que escreveram sobre as convulsões militares posteriores a 1974. Nunca ninguém, em todos os comités de apoio e entre os seus émulos posteriores, pôde dispor de uma tal abundância de fontes de arquivo e orais. Konis Santana, que se transformou no líder de facto dos resistentes armados após a prisão de Xanana Gusmão (20 de Novembro de 1992), morreu de doença a 11 de Março de 1998. Contudo, e apesar de lhe manter a aura, o autor não esconde as fragilidades e as intrigas dos exilados e dos combatentes, da mesma forma que não esquece as traições no seu seio. Porém, para além da pequenez de alguns actores, o que ele revela é a vontade de os timorenses permanecerem eles mesmos, mesmo que não se entendam entre si. Um livro admirável, mas que não é angélico nem ingénuo relativamente a estes combatentes extremistas, defensores de uma causa que pensávamos perdida. Regressemos a Moçambique em guerra, mas remontando ao período de 1914 a 1918, graças a um livro de 527 páginas muito densas, entre as quais 25 só de bibliografia (mais de 600 entradas) e de fontes de arquivo. Em princípio, isto bastaria para o considerar imponente. Mas continuemos no âmbito das estatísticas e acrescentemos que, das cerca de 480 páginas dedicadas à narrativa propriamente dita das 52 meses de operações na África oriental, apenas 50 páginas são consagradas aos dez ou doze meses de ope- rações que tiveram como palco Moçambique e Nevala, incluindo ainda um estudo do contexto político português. Enfim, dito de outra forma, o leitor que pretenda encontrar uma relação e uma análise pormenorizadas dos acon- tecimentos que devastaram o Norte de Moçambique e humilharam o exército português da I República terá de esperar que alguém se decida um dia a publicar uma monografia específica que, em meu entender, utilizando todas as fontes disponíveis, não deverá ter menos de 350 páginas compactas, pois sobre este período há uma lacuna enorme na historiografia sobre Moçambique. Não sei se este autor hipotético partilhará todas as conclusões Page 9 1113 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos de Edward Paice 15 sobre o papel e as actividades dos portugueses, mas, pelo menos, deverá agradecer-lhe ter indicado cerca de seis dezenas de livros e artigos relacionados, directa ou indirectamente, com Moçambique durante a Grande Guerra. Uma leitura atenta dos capítulos dedicados a este tema demonstra que Paice, infelizmente, não utiliza senão uma pequena parte das entradas da sua bibliografia, mas, pelo menos, os seus sucessores poderão facilmente «desaportuguesar» as suas fontes, explorando e alargando o que referenciou em alemão e inglês, uma vez que ele chama a atenção para um corpus já assinalável (que, no entanto, esquece, inexplicavelmente, Ross Anderson, The Forgotten Front, Stroud, Tempus Publishing, 2004). O autor fez mes- mo um esforço e consultou o Arquivo Histórico Militar e o arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Este livro tem múltiplas qualidades, a saber: (a) lê-se muito bem, o que, neste caso, não é uma qualidade menor, pois trata-se da descrição de dezenas e dezenas de batalhas; (b) dá-nos o pano de fundo político e diplomático deste interminável conflito «esquecido», que custou ao império britânico um terço das despesas feitas durante a guerra dos bóeres, ou seja, o equivalente à totalidade do orçamento militar do Reino Unido para o ano de 1913; (c) tem em consideração todos os intervenientes europeus (e, portanto, também os belgas e os portugueses), africanos e asiáticos, ao contrário de certos livros triunfalistas que se con- tentam em cultivar unicamente o duelo anglo-alemão; (d) não transforma os chefes militares em heróis, pelo contrário, assinala as suas insuficiências e incompetências e até mesmo a sua crueldade; (e) concede um «lugar de honra» às vítimas civis da África oriental e mesmo da África centro-austral (provavelmente, foram mortos entre 500 000 e um milhão de africanos nas picadas e nas povoações). Esta obra volumosa, que renuncia ao pitoresco fácil, deve ser, por isso, considerada uma base de partida para um estudo aprofundado desta página negra que cobre uma grande parte do Norte de Moçambique. E, depois desta exaltação de «vitórias» pelas armas, vejamos o que pensa um politólogo da terrível guerra civil angolana. A organização do livro 16 é complicada e, curiosamente, entre cerca de trezentas fontes utilizadas, cita unicamente três em português! Apesar de não ser o autor um veterano de guerra, a sua obra é uma das análises mais pertinentes das causas da vio- lência em Angola. O título diz tudo sobre o pensamento do autor: para ele, o MPLA e a UNITA revelaram-se incapazes de construir uma sociedade fundada sobre a igualdade dos cidadãos e não sobre a guerra. Assis Malaquias não poupa os ladrões, no poder, nem Savimbi, que acusa de fazer o culto da guerra e cuja paranóia (pp. 96-98) degenera, depois de 1992, numa «insurreição criminal» (dixit, p. 101). Em suma, apesar de não se centrar na história militar que atormentou a infeliz população angolana, o seu Page 10 1114 René Pélissier texto não tem aquela parcialidade que é uma das fraquezas das muitas páginas redigidas pelos serviços oficiais ou para-oficiais. E os gorilas no meio disto tudo? Vamos encontrá-los como consultores ou activos em algumas embaixadas e direi mesmo que muitos foram sufi- cientemente hábeis para se infiltrarem num livro em hebraico que é uma pérola rara na bibliografia angolana. Atrever-me-ia a brincar com um país que perdeu um milhão de habitantes, ou mais, em virtude da guerra civil e internacional? Não, evidentemente, e posso prová-lo. Um livro que, em ca- racteres latinos, se intitula Gorilot ye-diplomatyah: mifgeshe adam ye-teva be-Angolah 17 , o que, traduzido, dá em português Gorilas e diplomacia: encontros do homem com a natureza em Angola, não pode mentir e, na verdade, são gorilas o que o leitor encontrará pela pena de uma zoóloga/ ecologista israelita que se aventurou no Maiombe cabindês, apesar da guerra local. Este texto é a primeira obra em hebraico consagrada exclusivamente a Angola e, provavelmente, a primeira a ser publicada em Israel sobre este país. E não se trata de uma reportagem qualquer, de um qualquer jornalista ou humanitário, uma vez que Tamar Golan foi a primeira embaixatriz de Israel em Angola e, Tamar Ron foi até à Jamba, antiga «capital» de Savimbi, onde, refira-se, ergueu, num pedestal, uma locomotiva miniatura, em honra de seu pai, que foi o primeiro chefe de gare africano do caminho de ferro de Benguela. A centenas de quilómetros da linha e num mato que não está pronto a ser inteiramente desminado! Estamos na «futura» reserva de caça de Luiana, que o governador da província do Cuando-Cubango, um antigo general de Savimbi, pretende repovoar de elefantes e de girafas. Para isso é necessário «limpar» um corredor migratório para os trazer desde o Botswana. Até que a desminagem do Cuando-Cubango, realizada por uma empresa sul-africana, esteja total- mente concluída, receio que muitas gerações de elefantes morrerão. E, ge- ralmente, quando não são vítimas dos homens e dos seus malefícios, estes paquidermes vivem muitos anos. O capítulo dedicado às visitas de Tamar Ron às «Terras do Fim do Mundo» nada nos diz sobre os gorilas, uma vez que este não é o seu habitat, mas a descrição dos seus encontros com o governador-general (ou o inverso) é original. Não é comum um banto acor- rer em auxílio dos bosquímanos — mesmo que recentemente aliados, já que estes eram ex-mercenários dos sul-africanos — na qualidade de guarda de reservas naturais. Mais vale ler isto do que as estatísticas sobre o extermínio parcial de bosquímanos pelo MPLA, que os acusou de colaboração com a PIDE/DGS. Este capítulo não é o único verdadeiramente original neste livro, pois a antiga embaixatriz perdeu-se de amores pelos angolanos e expõe claramente (trata-se de uma antiga jornalista) alguns dos problemas destes, com preferên- cia especial pelos das mulheres, das crianças e dos refugiados. Relativamente Page 11 1115 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos ao resto (como o petróleo ou os diamantes), confio nela, pois lembrar-me-ei sempre do que me disse, há mais de trinta anos, o mais célebre dos jornalistas africanistas franceses dessa época: «Quando chego a um país subsariano que conheço mal, se quero ter informações actualizadas, fiáveis e rápidas sobre o pessoal político local, não as procuro junto dos diplomatas franceses. Estes nada sabem. Consulto directamente os diplomatas israelitas, que são os mais bem informados. São os melhores.» E isto não deve ter mudado desde essa altura; pelo contrário, deve ter-se acentuado ainda mais. Sobretudo para os países ricos, como Angola, os diamantes assim obrigam! E, já que acabei de dizer bem dos diplomatas israelitas, quero dizer outro tanto dos seus colegas portugueses, que foram — e talvez continuem a ser — ainda mais fortes, pois no final do século XIX e no início do século XX a sua delegação de Londres foi dirigida, não por um gorila, mas por um outro primata superior, amigo íntimo do príncipe Eduardo (futuro rei Eduar- do VII), que o informou do acordo secreto anglo-alemão de 30 de Agosto de 1898 sobre a «futura» repartição do império português entre as duas potências. Oficialmente, como no Anuário Diplomático, ele era designado por conde de Soveral, mas em todas as chancelarias era conhecido pelo epíteto de «macaco azul», o que acabo de saber pela leitura da bela tese 18 de Gisela Guevara, publicada muito judiciosamente pelo Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Por isso, não subestimemos nunca a sagacidade e a competência dos diplomatas portugueses, muito menos a influência oculta dos antropóides na história das relações internacionais. Mais seriamente, este trabalho universitário revela alguns aspectos inova- dores, já que penso que é o primeiro, em português, que se baseia nos arquivos alemães e numa forte bibliografia alemã compilada no terreno. Além disso, a autora interessa-se, naturalmente, pelo destino de Lourenço Mar- ques, objecto de múltiplos estudos anteriores, mas dedica-se também à baía dos Tigres e ao projecto do caminho de ferro que os alemães aí pretendiam realizar na direcção do Sudeste. Gisela Guevara destrói ainda a opinião ge- neralizada sobre a incapacidade de a monarquia defender diplomaticamente o império e revela-nos o lado secreto da «aliança luso-belga» contra a Ale- manha, bem como, aspectos pouco conhecidos, em português, sobre a Companhia do Niassa e sobre o financiamento da dívida portuguesa. Tendo escolhido um período curto (ca. 1891 a 1903 e, sobretudo, os anos de 1898 a 1902) e um assunto limitado (exclusivamente a luta diplomática), o seu trabalho deixa naturalmente de lado o papel dos africanos. Por exemplo, o nome de Gungunhana é mal ortografado (p. 156) e, se Chaimite é referido, é-o com uma data errada. O capitalista Esser também não é um verdadeiro explorador: ele «inventou» a sua viagem até ao médio Cunene. Tudo isto é de somenos face à enorme utilidade deste livro que o Instituto Diplomático teve a excelente ideia de publicar. Page 12 1116 René Pélissier Mas ainda não terminaram as boas surpresas que o Ministério dos Ne- gócios Estrangeiros nos oferece, pois acabo de descobrir, já muito tardia- mente, e não devo ser o único, duas outras publicações que, literalmente, me entusiasmaram. Como e por que é que um texto tão rico, percuciente e original como Ensaios sobre nacionalismos em Timor-Leste 19 é tão dolosamente ignorado pela maior parte das grandes livrarias de Lisboa e do Porto, ultrapassa o meu entendimento. Talvez devido a imperativos burocrá- ticos ou financeiros, mas isso não me diz respeito. O que me importa é que os milhares de portugueses que se inflamaram pela causa timorense e que são capazes de ler outros textos, para além dos jornalísticos ou sentimentais, saibam que encontrarão na escrita de Armando Marques Guedes e Nuno Canas Mendes (entre outros autores das contribuições reunidas nesta reco- lha) as análises mais profundas, mais pormenorizadas e mais realistas que alguma vez li em português (e mesmo em inglês) sobre a génese, o presente e… o futuro do ou dos nacionalismos timorenses. Não vou entrar nos seus labirintos onde o inocente leitor se arrisca a ver as suas convicções abaladas se ainda acredita na simplicidade «adâmica» da vida política e da luta pela independência, como uma certa geração de de- fensores estrangeiros da causa nos quer fazer crer. Com estes dois autores ultrapassamos, finalmente, o mero reflexo das coisas e a propaganda de ontem torna-se ridícula. Mas o que mais me surpreende são as bibliografias estrangeiras citadas. Em que bibliotecas portuguesas é que eles se encon- tram? No Palácio das Necessidades, numa misteriosa central de que não há registo na PORBASE? Que o leitor compare com aquilo que se encontra disponível no mercado português e me informe para que eu possa medir a extensão das minhas lacunas. Um livro tão indispensável como o primeiro desta crónica não deve ficar reservado a uns poucos «eleitos». Espero que a distribuição em Timor Leste ultrapasse o mínimo dos 300 exemplares, se não, de que vale publicar um livro tão importante como este em Portugal? Digo o mesmo de um outro título sobre Timor 20 que, na sua infinita sabedoria, os diplomatas portugueses acolheram no seu seio, ainda que se trate de um tema técnico que me ultrapassa, bem como, talvez, à maioria dos agentes do Ministério. Num livro patético mas humorístico de uma jornalista australiana que contava, desiludida com o seu romance, a sua vida amorosa com o chefe da missão da GNR portuguesa em Díli recolhi, indirectamente, uma opinião positiva relativamente à polícia portuguesa em missão. Mas não poderia adivinhar, como é evidente, que, dois anos depois, iria ler um estudo sobre a criação, por oficiais da PSP, de uma polícia timorense sob a égide da ONU. Contrariamente aos diplomatas de todos os países, os polícias, pelas funções que lhes são próprias, estão em contacto directo com o povo, que têm por obrigação proteger, encaminhando ou reprimindo os comporta- Page 13 1117 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos mentos desviantes. Assim, no livro de Luís Elias encontramos elementos que nunca aparecem nos despachos diplomáticos sobre a vida social, a justiça, os costumes locais — nem sempre edénicos —, a criminalidade e uma série de outras questões que influenciam a prática e a ética de uma polícia que a ONU desejava modelar e que o autor do texto se esforça, em 2002-2003, por colocar no bom caminho. Os acontecimentos posteriores talvez não tenham respondido a todas as suas esperanças, mas, pelo menos, ele explica-nos o que será preciso fazer para aí chegar. Perto de 1500 páginas profundas e mesmo fundamentais justificam que nos debrucemos agora sobre a produção, mais ligeira, de antigos — embora os diplomatas, tal como os militares de carreira e os eclesiásticos, fiquem para sempre marcados pela sua matriz profissional — representantes de Portugal nos PALOP «órfãos». Em tempos de inocência 21 destina-se a todos aqueles que gostam de ler revelações sobre a alta política, neste caso conduzida pelo autor, que foi o primeiro embaixador de Lisboa em Bissau (de Junho de 1977 a Fevereiro de 1980), durante a presidência de Luís Cabral. António Pinto da França escolheu comunicar, sob a forma de anedotas cáusticas, as suas opiniões sobre o pessoal político local, a arraia miúda e, sobretudo, os diplomatas estrangeiros com quem, pelas suas responsabilida- des e pelas suas preocupações, foi obrigado a conviver. Aliás, o mesmo já tinha feito num livro anterior para a sua missão posterior em Luanda. Se bem entendi — embora não esteja certo disso —, uma excelência da sua quali- dade e importância só tem três inimigos ou adversários principais nas antigas colónias africanas: os mosquitos, os cooperantes portugueses marxistas e os diplomatas franceses. No fim de contas, são todos mosquitos, só que de raças diferentes, sendo os últimos apenas um pouco maiores do que os primeiros. Por conseguinte, altivo, examina-os com toda a indulgência condescendente de um entomologista distinto, sobrinho-bisneto de Teixeira Pinto — uma referência na Guiné. Mas, magnânimo, enterrou o machado de guerra e, estando 1913-1915 já muito longe, defende a memória de Amílcar Cabral e é amigo sincero do seu meio-irmão, o presidente Luís Cabral. A abertura de espírito e a benevolência dos funcionários sempre me fasci- naram. Relativamente aos mosquitos e aos marxistas, «intolerantes e incultos», na sua opinião, se não estão satisfeitos, são suficientemente grandes para se defenderem sozinhos. O mesmo se diga da viúva de Agostinho Neto, que declarou (p. 126) «vestir… só do Dior» e de quem ele parece não gostar. Em relação aos diplomatas franceses, fiquei um pouco surpreendido com a aten- ção que lhes dedica, pois consta-me que aqueles que o Quai d’Orsay enviava nesta altura para as colónias portuguesas e, mais tarde, para os PALOP não pareciam particularmente importantes ou ofensivos ao seu ministro. Mas a opinião abalizada de um antigo embaixador junto da Santa Sé e da Ordem Page 14 1118 René Pélissier Soberana e Militar de Malta (1996-2000), não sendo de considerar leviana, foi mais convincente para o historiador que há em mim e, após as informa- ções que consegui obter, é verdade, três embaixadores franceses (um em Dacar e dois em Luanda), desprezados ou postos a ridículo pelo autor, mereciam, efectivamente, ser vítimas da implacável demolição empreendida por este novo duque de Saint-Simon. Resta o caso do quarto representante francês que tinha a dupla deficiência de já ser velho e apenas barão, apesar de encarregado de negócios. O nosso crítico total apressa-se a dizer que era seu «amigo», ainda que pudesse «ter servido de modelo a Monsieur Hulot» (p. 101), e que ele não falava nem português nem crioulo. Foi precisamente tradutor de chinês e de Léopold Senghor para o provençal. Na minha humilde opinião, só por milagre ou por intervenção inesperada da Providência é que este barão, resgatado ao século XVII , se tornou o autor do primeiro estudo publicado em francês sobre a literatura da Guiné-Bissau. Admito que rir do seu «amigo» é, provavelmen- te, um combate diplomático retroactivo leal que faz rir quando se está na reforma. Mas, entretanto, assinalemos a este longínquo discípulo de Bordalo Pinheiro que será duas vezes centenário antes de encontrar no Largo do Rilvas um funcionário capaz de interpretar ou traduzir sozinho turco, tagalo, suaíli, albanês, pelo menos quatro línguas eslavas, três bálticas e não sabe- mos mais quantos idiomas do Médio Oriente e de Madagáscar, sem falar no tétum, todas as línguas germânicas e escandinavas, hebraico e grego moder- nos e, provavelmente, um terço de todas as outras que se ensinam nas Langues O. O Sr. Hulot? Um génio da linguística, segundo me asseguraram. A inocência é, por vezes, a última desculpa quando queremos esquecer uma ferida secreta que remonta a um desses traumatismos ocultos que marcam todos aqueles que são obrigados a participar nas feiras de vaidades. Mas felicitemos o autor, pois, na verdade, dos quatro alvos franceses que escolheu, apontou com precisão e abateu três, o que, bem contado, lhe dá 75% de sucesso, o que o qualifica para as olimpíadas do humor diplomático. Por isso, recomendo vivamente este livro a quem quiser saber como e quanto é possível divertirmo-nos nas embaixadas do mundo inteiro. Se ficarmos nessas posições avançadas «sob ameaça», onde os chefes do mundo sacrificam os seus melhores agentes e os seus maiores peritos em dissimulação, para que resistam aos sorrisos assassinos, ao vinagre e à cirrose do fígado, a fim de refazerem a Conferência de Berlim e conserva- rem ou engrandecerem as suas zonas de influência, encontraremos outro livro de memórias diplomáticas. Estórias de Angola 22 é um texto optimista, sem maldade nem pretensão, redigido pelo adido cultural (1996-2001) em Luanda, cidade donde é natural. De regresso ao país natal, aí vive como peixe na água. As suas observações sentimentais e humorísticas versam, essencialmente, sobre a vida quotidiana Page 15 1119 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos na capital, mas também em Sumbe e no Lubango. Ele dá conta da corrupção da polícia, das tensões entre alguns representantes diplomáticos, das debili- dades dos meios financeiros portugueses, da desorganização e da falta de seriedade das «elites» angolanas, bem como da insegurança que se vive. O glossário tem mais de 220 termos do linguajar local. E encontramos ainda um embaixador de Espanha alcoólico. O seu homólogo polaco era, igualmen- te, um grande amante de vodka — o que reforça a minha convicção sobre os perigos da vida diplomática e me permite saltar até Maputo, onde vamos encontrar outros polacos, estes acima de qualquer suspeita, já que se trata de um arcebispo polaco enviado do papa João Paulo II a Moçambique e que nos faz a descrição 23 da construção da nunciatura apostólica, concebida por uma arquitecta, também polaca, que não deve ser confundida com um fan- toche de embaixada. O que mais impressiona é o sentido artístico deste eclesiástico, que de 2000 a 2002 orientou e supervisionou a edificação e a decoração deste símbolo da influência da Igreja Católica, durante a presidên- cia de Chissano. Uma verdadeira obra-prima de originalidade, de modernismo e de bom gosto. Texto trilingue em inglês, italiano e português. Eis-nos, portanto, instalados em Moçambique e, sem a bênção diplomá- tica, refiramos um pequeno texto 24 que é uma novidade enternecedora dedicada às jovens meninas sul-africanas «arco-íris» e que tem como per- sonagens um trio de adolescentes tricolor em férias multirraciais em Maputo. A novela tem como público-alvo as teenagers da moda, uma nova juventude dourada (ainda que mestiça e negra-africana) que copia os comportamentos dos turistas brancos. Nesta produção, que se quer paradigmática das boas relações inter-raciais e internacionais na África austral, vamos encontrar todos os tiques da imprensa feminina. Bastante mais denso e complexo, um romance 25 palpitante, que arrasta o leitor para uma cavalgada ofegante entre épocas e países? Parte da história tem lugar em Moçambique entre 1969(?) e 1984(?). Não percebi tudo, mas o autor baralha a cronologia, não gosta muito da FRELIMO na sua fase marxista e ainda menos das gentes da RENAMO. Simon Ings parece ter conhecido o interior de Moçambique durante a guerra civil ou, pelo menos, os aventureiros anglófonos que percorreram o país durante esses tempos conturbados. Provavelmente, cooperantes e activistas da causa. Ele muda a toponímia, os nomes das personagens históricas, mas, muito provavelmente, a sua descrição da confusão que reinou entre 1980 e 1994 na fronteira do Malawi baseia-se na sua própria experiência. O atentado contra Mondlane e os acontecimentos nas fileiras da FRELIMO no exílio na Tanzânia são-lhe familiares. Uma história difícil de seguir, mas a descobrir. Voltemos a temas menos controversos com um autor dos Países Baixos que se transformou em detective do passado para nos oferecer uma ex- traordinária biografia de um explorador alemão que foi o primeiro europeu Page 16 1120 René Pélissier «conhecido» a atingir o lago Niassa/Malawi a partir da costa da África oriental. Personagem das mais misteriosas, que não deixou qualquer livro ou artigo fundamental sobre esta viagem épica, a estada do Dr. Roscher 26 em África só pode ser reconstituída graças às cartas que enviou para a Alema- nha. Em Moçambique vamos encontrá-lo por breves instantes na ilha-capital, onde fez escala em 1858, e no interior, onde permaneceu mais longamente, quando atravessou o Rovuma (Outubro de 1859), vindo de Zanzibar, e chegou ao lago Niassa, em Nussewa (19 de Novembro de 1859). Encontran- do-se muito doente, regressou ao Rovuma. No total, terá estado cerca de quatro ou cinco meses no Niassa «moçambicano», onde o chefe da aldeia de Kisanguni o assassina em Março de 1860. O seu diário e os seus papéis foram roubados. O assassino apanhado será executado em Zanzibar. Este episódio da história da exploração moçambicana levou o autor a fornecer um impressio- nante volume de pormenores sobre as relações dos europeus com Zanzibar e o interior do país. Sobre os portugueses, ausentes da região nesta época, diz pouca coisa, mas descobrimos um pioneiro quase esquecido e ficamos a saber qual era a dimensão do comércio de Zanzibar no Niassa muito antes do surgimento de uma presença europeia estável. Um bom trabalho. E, já que estamos nas biografias «transfronteiriças», onde não se aven- turaram os historiadores de profissão, passemos a Angola a partir da Namíbia actual. Quem é que em Portugal, no século XXI , já ouviu falar de Axel Wilhelm Eriksson 27 ? Trata-se de uma figura esquecida, tal como, mar- ginalmente, na Suécia, mas não em Angola, onde deixou o seu nome a um vau no Cunene, e não é mesmo certo que com a africanização de toda a toponímia este tenha chegado a ser desbaptizado. O que evocaria o bóer! Ora trata-se de um sueco que, antes dos alemães, foi um dos grandes comerciantes e pioneiros europeus na Namíbia. As suas relações com os portugueses de Humbe, da Huíla e de Moçâmedes são mencionadas e mes- mo, por vezes, descritas no texto do casal Rudner, que, ao longo dos anos, traduziu e anotou os principais livros de viagens dos suecos que chegaram, depois de Charles John Andersson, ao país. Esta ressurreição de Eriksson interessa a Angola por diversas razões. Em Agosto de 1880 está no Evale e começa a importar mercadorias via Moçâmedes em 1881. Trata-se de um homem de negócios e de um caçador que foi bem acolhido pelo governador e regressou a Angola por diversas vezes. Em 1890 encontramo-lo no Cubango e no Cuanhama, onde comprou os direitos de exploração do mi- nério ao soba local (chefe, rei). Regressou em 1894, 1895 e 1897 (encontra- -se com a expedição portuguesa encarregada de vacinar os bois do Humbe). Em 1899 acompanhou o capitão alemão Franke ao Cuanhama e ao Humbe. Enriquecido com o comércio de armas, álcool, cavalos, bois, marfim, etc., a sua generosidade vai levá-lo à pobreza na sua morte. Amigo dos sobas ovambo e dos portugueses, passou diversos anos a traficar e a caçar de Page 17 1121 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos Moçâmedes ao Cuanhama e até ao Cubango. O seu único erro foi não ter deixado algum livro escrito para a posteridade. A sua vida foi, por isso, reconstruída a partir das cartas que enviou à família para a Suécia. Um dos seus filhos, mestiço, instalou-se no Sul de Angola, participando em várias campanhas portuguesas e vivendo como um patriarca nas décadas de 20 e 30 do século XX (e talvez depois disso). A obra é aconselhada aos que se interessam pela história do Sul de Angola, para «arejar» concepções dema- siado lusocentristas, introduzindo nas bibliotecas uma biografia muito bem escrita e que ultrapassa o Sul da fronteira. O mesmo se pode dizer, mas com sentido inverso, para os namibianos. Desejos pios? Há outra biografia «transfronteiriça» que merece ser referida, pois diz respeito a um «proto-angolano». Trata-se da história 28 da ascensão social de um africano nascido em 1887 perto de Naulila (de triste memória para os portugueses) e que era criado de um bóer de Humpata, o qual ajudou os alemães a vencerem Roçadas em Naulila em 1914. Em virtude deste facto, não podendo regressar a Angola, entre 1921 e 1955 transformou-se no indispensável intermediário entre a administração sul-africana e os emigrantes angolanos que chegavam, em busca de trabalho, ao Sul da fronteira. Poli- glota (falava sete línguas africanas, português, afrikaans, alemão e inglês), este polícia-interprete, instalado no posto que estava frente ao Cuangar, era igualmente um pilar da Igreja luterana e polígamo. Após a transferência para oriente da administração, torna-se chefe de um clã no país que não o viu nascer. Apesar de pedófilo, mandou construir uma escola e é recordado como um grande homem na sua «pátria» adoptiva. A passagem por este minúsculo posto de 3212 angolanos em busca de trabalho no Sul de 1925 a 1931 (p. 93) é, evidentemente, a ponta de um enorme icebergue constituído pela situação salarial em Angola e, chamemos as coisas pelo seu nome, pelo trabalho forçado que, sob formas diversas, ali reinava bem antes e muito depois de ter florescido igualmente noutras ex- periências coloniais em África. Mesmo o mais sectário dos defensores do lusotropicalismo e da «brandura dos nossos costumes» acaba por admitir que nem tudo era irrepreensível, neste domínio, no balanço da colonização portuguesa. Vamos encontrar exemplos disso numa excelente obra 29 que reúne as contribuições apresentadas no Porto em 2005 e que foram publicadas com uma rapidez a que não estamos acostumados em Portugal. É mesmo uma excepção à qual não será, provavelmente, alheio o facto de o encontro ter tido lugar no Porto… Para mim não se trata de dar, em poucas linhas, uma visão, mesmo que superficial, da extrema riqueza e utilidade deste livro. A sua primeira qualidade parecer ser, contudo, o seu carácter comparativo. Mesmo se eliminarmos os cinco artigos sobre a es- cravatura no Brasil, continua a sobrar suficiente matéria para tranquilizar o especialista sobre a pertinência do adjectivo «comparadas» que encontramos Page 18 1122 René Pélissier no título. Em que outro livro encontraremos em Portugal estudos sobre a cultura forçada do algodão no Norte dos Camarões, ou sobre o trabalho forçado no Quénia, sem falar do trabalho escravo no forte dinamarquês de Christiansborg, ou sobre a «república negra» de Annobom? Nenhum dos PALOP foi esquecido, a liberdade de tom dos autores é total, mesmo que alguns puxem um pouco mais pela polémica. «The British civilising mission was tantamount to that of Nazi Germany» (p. 464) afirma um queniano acerca da repressão dos mau mau. Não vou discutir a qualidade (ou não) deste ou daquele autor, mas, na minha opinião, este texto é, simplesmente, e acho que é uma pena que assim seja, absolutamente necessário ao grande público por- tuguês ou mesmo brasileiro, quer por ignorar estes assuntos, quer por não querer ouvir falar neles, por serem aborrecidos. Não se trata de um problema de arrependimento forçado imposto a uma população que não é, em nada, responsável pelo que fizeram os seus antepassados. Trata-se de um problema de informação. A este respeito, bem gostaria de ler os livros de história utilizados actualmente nas escolas primárias e secundárias portuguesas para saber se se continuam a inculcar nos alunos os mesmos mitos herdados de séculos de cegueira voluntária sempre que as palavras «descobrimentos», «expansão» ou «colonização» eram pronunciadas. O que pensam os diploma- tas e os seus amigos, os gorilas, sobre isto? Redigido em Maio de 2007. NOTAS 1 António Lopes Pires Nunes, Aspectos da actividade operacional. Resenha histórico- -militar das campanhas de África (1961-1974), 6.º vol., t. I , Angola, Estado-Maior do Exército, Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), Lisboa, livro 1, 1998, 629 páginas, com fotografias a preto e branco e um mapa desdobrável a cores, livro 2, 2006, 733 páginas, com fotografias a preto e branco e dois mapas desdobráveis a cores. 2 Maximino Cardoso Chaves, Andanças, tribulações e reflexões em tempo de guerra. Memórias de uma comissão de serviço em Moçambique (1968 a 1971), Coimbra, MinervaCoimbra, 2005, 170 páginas. 3 António dos Santos Frias, Do céu em pára-quedas. Histórias vadias, s. l., ed. de autor, 2006, 80 páginas. 4 Manuel Pedro Dias, Aquartelamentos de Moçambique. Cabo Delgado, 1964-1974, Odivelas, ed. de autor, 2006, 138 páginas, com muitas fotografias a preto e branco e a cores. 5 Nogueira Baptista, Contagem decrescente, Cacém (Portugal), VoxGo, 2.ª ed., 2006, 317 páginas. 6 António Graça de Abreu, Diário da Guiné. Lama, sangue e água pura, Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2007, 220 páginas, com fotografias a preto e branco. 7 J. Loufar, A mola real do combatente, é a mulher, Leiria, Diário de Leiria, 2003, 163 páginas. 8 J. Loufar, Triângulo nublado, Leiria, ed. de autor e Diário de Leiria, 2004, 322 páginas. 9 Alberto Ribeiro Soares (coord.), Bodas de ouro dos cursos entrados na Escola do Exército em 1956. 50 anos 1956-2006, Lisboa, Academia militar, 2006, 224 páginas, com fotografias a preto e branco. Page 19 1123 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos 10 João Carlos Sarabando, As hienas também choram, Porto, Papiro Editora, 2006, 451 páginas. 11 Chris Bennett, Three Frigates (President Class Frigates bring the SA Navy to maturity), Durban, Just Done Productions Publishing, 2006, xx-270 páginas, com fotografias a preto e branco. 12 Willem Steenkamp, Borderstrike! South Africa into Angola 1975-1980, Durban, Just Done Productions Publishing, 2006, revisto e actualizado (3.ª ed.), XIV -328 páginas, com fotografias a preto e branco. 13 Magnus Malan, My life with the SA Defence Force, Pretória, Protea Book House, 2006, 509 páginas, com fotografias a preto e branco. 14 José Mattoso, A dignidade. Konis Santana e a resistência timorense, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005, 323 páginas, com fotografias a preto e branco e a cores. 15 Edward Paice, Tip and Run. The untold tragedy of the Great War in Africa, Londres, Weidenfeld & Nicolson, 2007, XXXIX -488 páginas, estampas fotográficas a preto e branco. 16 Assis Malaquias, Rebels and Robbers. Violence in Post-Colonial Angola, Uppsala, Nordiska Afrikainstitutet, 2007, 263 páginas. 17 Tamar Golan e Tamar Ron, Gorilot ye-diplomatyah: mifgeshe adam ye-teva be- -Angolah, Telavive, Am Oved Publishers, 2006, 257 páginas, estampas a preto e branco e a cores. 18 Gisela Guevara, As relações entre Portugal e a Alemanha em torno da África. Finais do Século XIX e Inícios do Século XX, Lisboa, Instituto Diplomático (Ministério dos Negócios Estrangeiros), 2006, 507 páginas. 19 Armando Marques Guedes e Nuno Canas Mendes (eds.), Ensaios sobre nacionalismos em Timor-Leste, Lisboa, Instituto Diplomático (Ministério dos Negócios Estrangeiros), 2005, 431 páginas. 20 Luís Elias, A formação das polícias nos estados pós-conflito. O caso de Timor-Leste, Lisboa, Instituto Diplomático (Ministério dos Negócios Estrangeiros), 2006, 529 páginas. 21 António Pinto da França, Em tempos de inocência. Um diário da Guiné-Bissau, Lisboa, Prefácio, 2006, 192 páginas. 22 Luís Mascarenhas, Estórias de Angola, Lisboa, Prefácio, 2006, 137 páginas. 23 Juliusz Janusz, Apostolic Nunciature in Mozambique, Cracóvia, Rzecz Piekna, s. d. [c. 2002-2003], 84 páginas, com muitas ilustrações a cores. 24 Nokuthula Mazibuko, A Mozambican Summer, Claremont (África do Sul), New Africa Books, 2005, 84 páginas. 25 Simon Ings, The Weight of Numbers, Nova Iorque, Black Cat/Grove/Atlantic, 2006, 420 páginas. 26 J. W. Heldring, The Killing of Dr. Albrecht Roscher. The Story of a Young German Explorer in East Africa 1858-1860, Leicestershire, Upfront Publishing (?), 2003, 393 páginas, com fotografias e mapas a preto e branco. 27 Rudner, Ione e Jalmar, Axel Wilhelm Eriksson of Hereroland (1846-1901). His Life and Letters, Windhoek, Gamsberg Macmillan, 2006, XVII -19-302 páginas, com fotografias a preto e branco e mapas. 28 Hans Martin Milk, «For the power and glory». Die Lebensgeschichte des Makaranga Kavango/Namibia, Colónia, Rüdiger Köppe Verlag, 2004, 201 páginas, com fotografias a preto e branco. 29 Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (coord.), Trabalho forçado africano — Experiências coloniais comparadas, Porto, Campo das Letras, 2006, 575 páginas
René Pélissier
Análise Social, vol. XLII (185), 2007, 1105-1123
Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos
Em relação aos segundos, temos de admitir com tristeza que escrevem pouco e que os seus escritos não recebem a atenção que merecem. Mesmo no Instituto Nacional das Línguas e Civilizações Orientais de Paris (as ex- -Langues O), lamento dizê-lo, as suas obras são negligenciadas e, à excepção talvez no Maiombe de Cabinda, não estou certo de que exista no mundo uma única biblioteca que, sistematicamente, coleccione os seus trabalhos. Em contrapartida, os seus primos mais espertos, os diplomatas na reforma, estes são cada vez mais prolixos à medida que a idade avança e se recordam de todos aqueles anos em que tiveram de sorrir, em vez de dizerem o que pensavam. Iremos ao seu encontro mais tarde. Comecemos por outro ramo ainda mais frutífero da nossa árvore genealógica comum: os soldados de cabelos brancos.
Abramos as hostilidades com uma salva em honra do coronel António Lopes Pires Nunes, cujo magnum opus 1 se impõe pelo seu volume (cerca de 1400 páginas), mas que continua e continuará, infelizmente, pouco conhe- cido, como consequência de uma política editorial que o impede de chegar às mãos de um número significativo de leitores, a começar pelas centenas de milhares de portugueses que cumpriram o serviço militar em Angola. Trata-se exclusivamente da história oficial, mas não temos nada mais deta- lhado sobre a guerra colonial na África lusófona. O primeiro volume com- preende o período até ao final de 1964; o segundo vai até 1974. É necessário que sejamos claros: esta imensa compilação e exploração de documentos — aparentemente, nem todos utilizados — foi elaborada para honra e glória das forças terrestres portuguesas, o que é normal, uma vez que a obra foi produzida por um estado-maior nacional. Assim, na descrição das operações e na análise dos seus resultados pouco encontramos que possa pôr em dúvida as suas capacidades, a fundamentação dos seus métodos, as vitórias sobre este ou aquele ponto, e tudo o mais que um observador externo poderia contestar ou reprovar ao Alto Comando. Nem tudo são rosas no Page 2 1106 René Pélissier quadro pintado pelo autor, mas, no plano estritamente militar, a tendência geral é optimista. A derrocada do MPLA a oriente, a quase impotência da resistência a noroeste (onde se inclui Cabinda), a fraqueza ou a inactividade relativa da FNLA e da UNITA no início de 1974, confirmam, por outro lado, inegavelmente as conclusões do autor. É uma linha de defesa profissional que não se provou na Guiné, mas que para Angola permaneceu pertinente até às vésperas do 25 de Abril de 1974.
Não é este o local indicado para insistir no que não podemos encontrar nestes volumes: a começar pelo moral dos oficiais e pelas zonas de sombra que já foram iluminadas noutros livros não oficiais. Enquanto historiador, que conhece alguma coisa sobre a reconquista do Noroeste em 1961 (René Pélissier, La colonie du Minotaure, Editions Pélissier, Orgeval, 1979, 717 páginas, nomeadamente pp. 301-653), gostaria simplesmente de sublinhar veementemente cinco aspectos: (a) a vastidão do trabalho investido na ex- ploração de uma massa documental que cremos seleccionada, mas que é ainda assim esmagadora; (b) o desaparecimento quase total do maniqueísmo e da propaganda diabolizante, sempre inevitáveis num conflito que durou treze anos; (c) a imensidão das informações, que não encontramos em mais nenhum sítio e que nos permitem seguir a evolução das operações após o Outono de 1961; (d) a qualidade dos serviços de informações da PIDE/DGS, de organismos conexos e das forças terrestres, que se inteiraram ou «com- praram» uma parte dos segredos políticos e militares dos três movimentos nacionalistas; (e) a riqueza das estatísticas relativas à acção psicológica, às «inovações» (a reintrodução da cavalaria montada, etc.), às tropas auxiliares ou irregulares, ao material, etc. A bibliografia é relativamente abundante mas limitada ao que encontramos nas bibliotecas militares portuguesas (e nem em todas). A produção estrangeira sobre este assunto é, como de costume, pouco utilizada. Em resumo, do ponto de vista historiográfico, estes dois volumes são indispensáveis e encontram-se a léguas do que ficamos a saber (ou melhor, do que ficamos a ignorar) através dos lacónicos comunicados da imprensa portuguesa ou pela propaganda dos intervenientes nesta guerra. Mas, uma geração depois de 1974, podemos colocar uma questão que também se aplica a todos os exércitos coloniais recentes: onde se alojou o bicho que os impediu de concretizarem a sua aparente e relativa superioridade no plano técnico? No ramo da árvore ou nos seus frutos? Não encontraremos resposta para todas estas questões nos livros que imediatamente se seguem, mas é sempre interessante ir atrás das imagens oficiais. Comecemos por outro coronel, também ele reformado. O livro de Maximino Cardoso Chaves 2 , é constituído pelas suas memórias, enquanto tenente pára-quedista que combateu no Planalto maconde e não teria agradado a Kaúlza de Arriaga. Para o autor, a operação «Nó Górdio» foi um «fracasso» Page 3 1107 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos (p. 150), no qual o esquadrão de cavalaria (Panhard) foi «dizimado» pelas minas e as bases da FRELIMO foram encontradas abandonadas. Ele não data as operações, mas descreve a vida na Beira, sede do seu batalhão, que operou a partir de Mueda, nos postos mais ameaçados (neste caso, Nangololo e Mocímboa do Rovuma). Não é habitual um oficial pára-quedista — mesmo humanista — admitir que os africanos explorados tinham boas razões para estarem ao lado da guerrilha. Estávamos longe de Gilberto Freyre! Outro oficial de carreira 3 , também pára-quedista, escolheu contar as pequenas histó- rias que viveu, algumas das quais à volta de Mueda, perto de Sagal (1970) e Nangololo, sem falar nas que tiveram por palco Zala e a serra do Uíge (tomada de um campo da UPA/FNLA em 1965), em Angola, ou a desordem em Timor. Sempre na mesma região «quente» do Norte moçambicano, mas não exclusivamente no terreno dos macondes, quem se interessar detalhadamente por esta quarentena de microguarnições portuguesas estacionadas frente à FRELIMO deve consultar o álbum 4 de Manuel Pedro Dias. Constituído essencialmente por fotografias realizadas pelas diferentes companhias que aí se sucederam durante dez anos, o conjunto é completado por um comentário patriótico e mesmo heróico. Os temas? A vida quotidiana e as patrulhas. Abandonados em 1974, estes postos militares foram parcialmente revisitados pelo autor em 2004, que pôde constatar a degradação das instalações (in- cluindo os próprios cemitérios). Um livro 5 mais complexo, pois reflecte os estados de alma de um antigo suboficial de telecomunicações destacado em Angola, num posto na picada entre Lucunga e Damba, no Uíge, de Dezembro de 1971 a Fevereiro de 1974, é-nos dado pelo autor, que ilustra as suas memórias introspectivas com extractos das cartas que escreveu à sua noiva. A particularidade do texto está no facto de Nogueira Baptista se encontrar numa companhia de artilharia composta, em parte, por cabo-verdianos. Anti-salazarista, acredita, no entanto, que os africanos eram portugueses e defende o império, apesar de saber que a guerra estava perdida, pois escutava, obviamente, as rádios estrangeiras. Tendo participado numa operação contra a UPA/FNLA na serra da Mucaba, mostra-se igualmente desdenhoso em relação aos colonos que querem a independência. Um assunto verdadeiramente angustiante é tratado num excelente livro do género «memórias de uma derrota anunciada». Este Diário da Guiné 6 é a via-sacra, a derrota lúcida e frouxa de um exército desmoralizado e ultrapas- sado. O autor, alferes de Junho de 1972 a 17 de Abril de 1974, redigiu a sua obra a partir do seu diário pessoal e dos aerogramas que enviou à família. Teixeira Pinto, Mansoa, Cufar (no Sudeste) foram as etapas desta derrocada, à qual assiste sem, no entanto, participar nas operações, pois pertencia à sacrossanta Administração Militar. Graça de Abreu observa a política contestada de Spínola e permanece duvidoso quanto às pretensões Page 4 1108 René Pélissier do PAIGC em dominar todo o território, mas cedo se apercebe de que, pelo menos entre os manjacos, décadas de exploração colonial não podem ser apagadas por tardias reformas materiais. Apesar da calma na zona de Teixeira Pinto, as emboscadas na estrada de Bissau intensificam-se. A partir de Feve- reiro de 1973, quando chega a «chao» balante, os guerrilheiros encontram-se a 4 ou 5 quilómetros. Os guerrilheiros e o exército português bombardeiam- -se à distância, mas acotovelam-se no cinema local. Em Março são abatidos os primeiros aviões por mísseis e as operações terrestres portuguesas dimi- nuem, pois os helicópteros já não descolam com frequência para evacuar os feridos. O PAIGC reforça o seu armamento e multiplica as suas picadas de vespa. Em Junho uma parte do batalhão do autor é transferida para Cufar (nas rias do Sul), reconquistado por Spínola. À medida que a data da desmobilização se aproxima, a indisciplina dos soldados aumenta. No final de 1973, Cufar e todas as guarnições em redor são bombardeados pelos 122, orgãos de Estaline do PAIGC. As tropas sabem que vão para a morte na ofensiva contra Cantanhez e as minas que os esperam. Os «sábios» de uniforme escrevem poemas que Camões não teria imaginado, mas todos mergulham no álcool para adormecerem os seus medos. O estado-maior e os serviços de saúde pública terão elaborado, posteriormente, estatísticas sobre a dependência alcoólica dos antigos combatentes portugueses? A água pura era rara na Guiné no início de 1974. Sabemos a que é que tudo isto conduziu o exército e o Estado Novo. Bastante menos dramáticos são dois livros de um ex-oficial subalterno, aviador de carreira, com cerca de quarenta anos de serviço e perto de setenta meses na África portuguesa, e que se encontra agora reformado e dedicado aos demónios da literatura de guerra. No primeiro romanceia pequenas his- tórias amorosas 7 de soldados durante a guerra colonial, tal como as ouviu contar ou inventar no avião que os repatriou (juntamente com os colonos) de Angola em 1974. A seguir, mais ambicioso, em Triângulo nublado 8 o autor compila as suas memórias anedóticas dos tempos em que serviu como militar. O interesse deste livro reside no facto de, nele, o autor observar — sem ilusões patrióticas — os costumes coloniais presentes na Guiné, como o racismo tácito em Bissau, antes da insurreição: Bissau, Farim, Nhacra, por volta de 1962-1963. A partir de Novembro de 1964, ele está na Beira, onde impera o bloqueio petrolífero ordenado pelos britânicos à Rodésia. Os por- tugueses receiam um ataque (de verdade?) aéreo da parte dos seus mais velhos aliados, mas, provavelmente, é quando chega ao terceiro vértice do seu triângulo (a base aérea de Henrique de Carvalho/Saurimo) que ele é mais original. Aqui o autor descreve minuciosamente a vila e a sua microssocie- dade branca de 1971 a 1974, abastecida por comboios de camiões, escol- tados por soldados desde o Luso/Luena. A localidade não se desenvolveu muito, apesar da guerra e do tráfico de diamantes. Esta obra é ainda útil porque nos dá uma panorâmica da organização aérea do Leste angolano, do qual Cazombo é uma antena relativamente importante. Page 5 1109 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos Mencionemos brevemente, e visando futuros candidatos a um doutora- mento em História consagrado ao corpo de oficiais que combateram no império (na sua última fase), um repertório 9 que reúne as fichas autobiográ- ficas dos cerca de 200 alunos finalistas da Escola do Exército, do curso de 1956. Ao ler estas páginas, ficamos a saber como evoluíram as suas car- reiras, quer no ultramar, quer posteriormente. Algumas anedotas finais rela- tivas a África e a bibliografia das suas publicações mostram-nos que alguns cultivaram outros géneros literários, para além do militar ou político, como, por exemplo, a poesia. Dos antípodas dos oficiais que escolheram fazer carreira no exército (os Xicos) chega-nos um volumoso romance-documento 10 de um ex-alferes miliciano que, em Setembro de 1972, desembarcou com 120 metropolitanos em Mazoe, posto militar situado sobre a estrada estratégica e, por isso mesmo asfaltada, que ligava a Rodésia ao Malawi, via Tete. Aí eles encon- traram-se com os 120 soldados africanos que deviam juntar-se-lhes, uma vez que, como afirmava o Estado Novo, sendo Portugal multirracial, todos os jovens, negros e brancos, deviam defender a pátria. Não sabemos muito bem que pátria, mas é claro que o nosso alferes não morre de amores pelos mitos oficiais, quando confrontados com as realidades africanas. E com ele começa uma das mais implacáveis demolições literárias da guerra colonial em Moçambique. Não porque os combates aí sejam particularmente duros (os rodesianos não o permitiam), mas porque o desfasamento entre o que dizia a propaganda pós-salazarista e aquilo que vêem e vão viver os recém- -chegados é abissal. Não podemos resumir aqui as 450 páginas desta pseudoficção, na realidade, de memórias dialogadas do autor, que é hoje arquitecto e vive no Porto. Ele trata temas habituais na literatura dos antigos combatentes, hostis a um sistema que lhes malbaratou a juventude, acres- centando outros, mais insólitos, para Moçambique. Sem sermos exaustivos, podemos referir: (a) o mal-estar provocado por uma política desumana de concentração forçada das populações em aldeias criadas de raiz mas desadaptadas às suas necessidades e aos seus costumes; (b) as relações tensas com a PIDE/DGS; (c) o modus vivendi tácito estabelecido com a FRELIMO muito antes do 25 de Abril; (d) o respeito pela sabedoria dos velhos chefes costumeiros; (e) os diferendos entre os comandos e esta tropa que não queria combater mas simplesmente sobreviver; (f) o caminho mi- nado de uma coluna de abastecimento para Chioco, um dos postos mais isolados do distrito de Tete. Passemos agora a outros guerreiros, muito mais calmos, pois estes con- sideram, com razão ou sem ela, que foram os vencedores da sua guerra. Falo dos sul-africanos em Angola, começando por uma arma, a marinha, que desempenhou um papel necessariamente modesto em virtude da falta de adversários no mar. O estudo 11 do almirante na reforma Chris Bennett é, como o título indica, consagrado à história de três fragatas ao serviço entre Page 6 1110 René Pélissier 1954 e 1985, entre as quais a President Steyn, que foi encarregue de ir resgatar de improviso a Ambriz, em 28 de Novembro de 1975, 9 oficiais, 2 civis e 15 soldados sul-africanos que apoiavam as tropas da FNLA na sua tentativa de tomada do poder em Luanda. Sabemos o fiasco total em que redundou a aventura de Holden Roberto face aos cubanos e ao MPLA, mas o que mais nos surpreende é o secretismo que rodeou a intervenção terrestre (Operation Savannah) do exército sul-africano em Angola e que o levou a nem sequer advertir os marinheiros de que a operação estava em curso desde 24 de Setembro de 1975! Já havia mais de dois meses que os sul-africanos estavam envolvidos com Savimbi, antes de intervirem directamente sozi- nhos! É incrível, mas verdadeiro, como podemos ler no livro que se segue e que, pelo menos que eu conheça, é o mais detalhado, em inglês, sobre o primeiro período (de 1975 a 1980) da guerra entre angolanos e sul-africanos. Borderstrike! 12 revela-se, nesta 3.ª edição, um livro quase inteiramente novo, com pelo menos três vezes mais informação do que a versão original de 1983, hoje obsoleta. Trata-se da obra de um jornalista, especialista em questões militares, que conduz a sua narrativa como uma investigação, apoiado pelas publicações editadas nos últimos vinte e três anos. O tom é heróico-patriótico, mas, tendo recuperado a sua liberdade de apreciação, ele não esconde nem as insuficiências, nem os erros, nem os desaires do seu exército. O autor ignora as fontes em espanhol, extremamente difíceis de encontrar fora de Cuba, mas isso é compensado pelo volume de factos novos revelados, nomeadamente sobre o ataque de Cassinga em Março de 1978. Nem todas as suboperações são tratadas (nomeadamente a ofensiva Foxbat, em 1975, desde o Centro de Angola até ao oceano) e ele insiste, talvez demasiado exclusivamente, no duelo Cuba-África do Sul. O MPLA e a UNITA não são apresentados de forma muito favorável, tal como também não é elogiado o remanescente das forças portuguesas (em Moçâmedes) nem os contra-revolucionários portugueses (estacionados no Sul e apoiantes de Roberto). Quanto ao MFA em Angola, coitado! Na minha opinião, a estocada sobre o Queve foi demasiado minimizada. De facto, trata-se de uma macrorreportagem a posteriori, comparável às realizadas pela imprensa ame- ricana durante a guerra do Vietname, com os acontecimentos individualiza- dos por centenas de nomes dos participantes sul-africanos. Dito isto, este livro será do agrado dos amantes de relatos de guerra e daqueles que querem compreender como é que um exército muito eficaz, altamente profissionalizado, motivado e dispondo de importantes recursos materiais não conseguiu vencer claramente face a adversários igualmente motivados ideologicamente e apoiados por aliados generosos em material de guerra sofisticado, mas pouco cuidadosos com as perdas humanas. No fim de contas, foi o factor humano e, sobretudo, a opinião pública interna e internacional que fizeram a diferença. Esta visão do soldado sul-africano Page 7 1111 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos vencedor é, evidentemente, a de Magnus Malan 13 , comandante do exército sul-africano durante o período (treze anos) que durou o envolvimento inter- mitente no Norte da fronteira namibiana e mais tarde nomeado chefe supre- mo dos três ramos (terra, mar e ar) e ministro da Defesa de Pretória. A sua obra é uma defesa veemente da luta anticomunista e, neste sentido, complementa bem o texto anterior, ao introduzir a dimensão política como orientadora das decisões operacionais, dos limites a não ultrapassar, da importância dos efectivos a mobilizar, etc. Por isso, Malan dedica mais de 100 páginas a Angola, na perspectiva do estado-maior e dos ministérios implicados. Morreram apenas 35 sul-africanos na Operation Savannah, o que é um bom indicador, por um lado, da intensidade relativa dos combates e, por outro, da competência dos militares sul-africanos.
A partir de Maio de 1978, os ataques contra a SWAPO, nomeadamente em Cassinga, ganharam uma feição mais cruel e, vinte e oito anos depois, o debate sobre o que verdadeiramente aí ocorreu continua em aberto. Parece ter sido preciso esperar por Junho de 1980 para que ocorresse um confronto decisivo com o exército do MPLA, tendo-se registado mais cinco entre 1981 e 1984. A captura e a destruição de material pesado soviético atingiram valores até então inigualáveis, mas os pesados combates só começaram verdadeiramente a partir de 1985, com o empenhamento massivo de cubanos e de tropas do Pacto de Varsóvia contra a UNITA. Sabemos que estes confrontos culminaram em verdadeiras batalhas de tanques (1987-1988), bem documentadas a partir daí, com cubanos e sul-africanos a reivindicarem simultaneamente a vitória e, segundo Malan, com o emprego de armas químicas pelos cubano-soviéticos. Ele não nos dá muitos pormenores novos em relação à bibliografia já publicada. Segundo um dos autores citados, as perdas entre o Cuíto- -Cuanavale e as proximidades de Mavinga foram de 94 tanques, 100 trans- portes blindados de tropas, 389 camiões, etc., para o MPLA e os seus aliados, que, segundo o autor, perderam igualmente 7000 a 10 000 (?) homens e cerca de mil milhões de dólares de material. As forças sul-africa- nas (3000 homens) apenas perderam 3 tanques, 11 transportes blindados, 3 aviões e 31 soldados. Estamos mais perto d’El Alamein (1942) do que de Guiledge ou de Mueda, mesmo que nada seja dito sobre os mortos nas fileiras da UNITA. Naturalmente, a controvérsia sobre a identidade do ven- cedor está longe de estar terminada. Podemos ainda interrogar-nos sobre o bombardeamento da barragem de Calueque e sobre as suas consequências.
Em resumo, para Malan, nestas memórias, não há qualquer dúvida. Mas eu, que li os livros publicados pela imprensa militar de Havana, pergunto-me se estão a falar da mesma coisa. Aguarda-se, pois, a abertura dos arquivos e o emergir de historiadores verdadeiramente neutrais (se é que estes estão disponíveis para estudar conflitos cujos participantes ainda estão, quase todos, vivos). Talvez um suíço? Page 8 1112 René Pélissier E agora demos um salto por cima dos meridianos e catapultemo-nos até uma outra guerra que mobilizou a opinião pública internacional tardia mas massivamente. Talvez de forma artificial, sem dúvida de forma emocional, a sorte dos timorenses levou o muito respeitado medievalista José Mattoso a passar, desde 2000, cinco ou mais anos nesta ilha insalubre para organizar os arquivos locais. Tratou-se de uma acção de apostolado puro e desinteres- sado. A dignidade 14 , que Mattoso dedica a Konis Santana, mártir da resis- tência anti-indonésia, é uma espécie de hagiografia comovida, mas crítica, em conformidade com os estudos iniciais do autor, que, se pudessem lê-la, surpreenderia os milhares de missi dominici que a ONU enviou para Timor Leste a fim de o tirar do «nada». Qualquer que seja a recepção deste livro nesses meios, pela minuciosidade dos pormenores e pelo inimaginável traba- lho de reconstituição histórica da luta da FRETILIN (e de tudo o que a rodeou), Mattoso revela-se o melhor de todos aqueles que escreveram sobre as convulsões militares posteriores a 1974. Nunca ninguém, em todos os comités de apoio e entre os seus émulos posteriores, pôde dispor de uma tal abundância de fontes de arquivo e orais. Konis Santana, que se transformou no líder de facto dos resistentes armados após a prisão de Xanana Gusmão (20 de Novembro de 1992), morreu de doença a 11 de Março de 1998. Contudo, e apesar de lhe manter a aura, o autor não esconde as fragilidades e as intrigas dos exilados e dos combatentes, da mesma forma que não esquece as traições no seu seio. Porém, para além da pequenez de alguns actores, o que ele revela é a vontade de os timorenses permanecerem eles mesmos, mesmo que não se entendam entre si. Um livro admirável, mas que não é angélico nem ingénuo relativamente a estes combatentes extremistas, defensores de uma causa que pensávamos perdida. Regressemos a Moçambique em guerra, mas remontando ao período de 1914 a 1918, graças a um livro de 527 páginas muito densas, entre as quais 25 só de bibliografia (mais de 600 entradas) e de fontes de arquivo. Em princípio, isto bastaria para o considerar imponente. Mas continuemos no âmbito das estatísticas e acrescentemos que, das cerca de 480 páginas dedicadas à narrativa propriamente dita das 52 meses de operações na África oriental, apenas 50 páginas são consagradas aos dez ou doze meses de ope- rações que tiveram como palco Moçambique e Nevala, incluindo ainda um estudo do contexto político português. Enfim, dito de outra forma, o leitor que pretenda encontrar uma relação e uma análise pormenorizadas dos acon- tecimentos que devastaram o Norte de Moçambique e humilharam o exército português da I República terá de esperar que alguém se decida um dia a publicar uma monografia específica que, em meu entender, utilizando todas as fontes disponíveis, não deverá ter menos de 350 páginas compactas, pois sobre este período há uma lacuna enorme na historiografia sobre Moçambique. Não sei se este autor hipotético partilhará todas as conclusões Page 9 1113 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos de Edward Paice 15 sobre o papel e as actividades dos portugueses, mas, pelo menos, deverá agradecer-lhe ter indicado cerca de seis dezenas de livros e artigos relacionados, directa ou indirectamente, com Moçambique durante a Grande Guerra. Uma leitura atenta dos capítulos dedicados a este tema demonstra que Paice, infelizmente, não utiliza senão uma pequena parte das entradas da sua bibliografia, mas, pelo menos, os seus sucessores poderão facilmente «desaportuguesar» as suas fontes, explorando e alargando o que referenciou em alemão e inglês, uma vez que ele chama a atenção para um corpus já assinalável (que, no entanto, esquece, inexplicavelmente, Ross Anderson, The Forgotten Front, Stroud, Tempus Publishing, 2004). O autor fez mes- mo um esforço e consultou o Arquivo Histórico Militar e o arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Este livro tem múltiplas qualidades, a saber: (a) lê-se muito bem, o que, neste caso, não é uma qualidade menor, pois trata-se da descrição de dezenas e dezenas de batalhas; (b) dá-nos o pano de fundo político e diplomático deste interminável conflito «esquecido», que custou ao império britânico um terço das despesas feitas durante a guerra dos bóeres, ou seja, o equivalente à totalidade do orçamento militar do Reino Unido para o ano de 1913; (c) tem em consideração todos os intervenientes europeus (e, portanto, também os belgas e os portugueses), africanos e asiáticos, ao contrário de certos livros triunfalistas que se con- tentam em cultivar unicamente o duelo anglo-alemão; (d) não transforma os chefes militares em heróis, pelo contrário, assinala as suas insuficiências e incompetências e até mesmo a sua crueldade; (e) concede um «lugar de honra» às vítimas civis da África oriental e mesmo da África centro-austral (provavelmente, foram mortos entre 500 000 e um milhão de africanos nas picadas e nas povoações). Esta obra volumosa, que renuncia ao pitoresco fácil, deve ser, por isso, considerada uma base de partida para um estudo aprofundado desta página negra que cobre uma grande parte do Norte de Moçambique. E, depois desta exaltação de «vitórias» pelas armas, vejamos o que pensa um politólogo da terrível guerra civil angolana. A organização do livro 16 é complicada e, curiosamente, entre cerca de trezentas fontes utilizadas, cita unicamente três em português! Apesar de não ser o autor um veterano de guerra, a sua obra é uma das análises mais pertinentes das causas da vio- lência em Angola. O título diz tudo sobre o pensamento do autor: para ele, o MPLA e a UNITA revelaram-se incapazes de construir uma sociedade fundada sobre a igualdade dos cidadãos e não sobre a guerra. Assis Malaquias não poupa os ladrões, no poder, nem Savimbi, que acusa de fazer o culto da guerra e cuja paranóia (pp. 96-98) degenera, depois de 1992, numa «insurreição criminal» (dixit, p. 101). Em suma, apesar de não se centrar na história militar que atormentou a infeliz população angolana, o seu Page 10 1114 René Pélissier texto não tem aquela parcialidade que é uma das fraquezas das muitas páginas redigidas pelos serviços oficiais ou para-oficiais. E os gorilas no meio disto tudo? Vamos encontrá-los como consultores ou activos em algumas embaixadas e direi mesmo que muitos foram sufi- cientemente hábeis para se infiltrarem num livro em hebraico que é uma pérola rara na bibliografia angolana. Atrever-me-ia a brincar com um país que perdeu um milhão de habitantes, ou mais, em virtude da guerra civil e internacional? Não, evidentemente, e posso prová-lo. Um livro que, em ca- racteres latinos, se intitula Gorilot ye-diplomatyah: mifgeshe adam ye-teva be-Angolah 17 , o que, traduzido, dá em português Gorilas e diplomacia: encontros do homem com a natureza em Angola, não pode mentir e, na verdade, são gorilas o que o leitor encontrará pela pena de uma zoóloga/ ecologista israelita que se aventurou no Maiombe cabindês, apesar da guerra local. Este texto é a primeira obra em hebraico consagrada exclusivamente a Angola e, provavelmente, a primeira a ser publicada em Israel sobre este país. E não se trata de uma reportagem qualquer, de um qualquer jornalista ou humanitário, uma vez que Tamar Golan foi a primeira embaixatriz de Israel em Angola e, Tamar Ron foi até à Jamba, antiga «capital» de Savimbi, onde, refira-se, ergueu, num pedestal, uma locomotiva miniatura, em honra de seu pai, que foi o primeiro chefe de gare africano do caminho de ferro de Benguela. A centenas de quilómetros da linha e num mato que não está pronto a ser inteiramente desminado! Estamos na «futura» reserva de caça de Luiana, que o governador da província do Cuando-Cubango, um antigo general de Savimbi, pretende repovoar de elefantes e de girafas. Para isso é necessário «limpar» um corredor migratório para os trazer desde o Botswana. Até que a desminagem do Cuando-Cubango, realizada por uma empresa sul-africana, esteja total- mente concluída, receio que muitas gerações de elefantes morrerão. E, ge- ralmente, quando não são vítimas dos homens e dos seus malefícios, estes paquidermes vivem muitos anos. O capítulo dedicado às visitas de Tamar Ron às «Terras do Fim do Mundo» nada nos diz sobre os gorilas, uma vez que este não é o seu habitat, mas a descrição dos seus encontros com o governador-general (ou o inverso) é original. Não é comum um banto acor- rer em auxílio dos bosquímanos — mesmo que recentemente aliados, já que estes eram ex-mercenários dos sul-africanos — na qualidade de guarda de reservas naturais. Mais vale ler isto do que as estatísticas sobre o extermínio parcial de bosquímanos pelo MPLA, que os acusou de colaboração com a PIDE/DGS. Este capítulo não é o único verdadeiramente original neste livro, pois a antiga embaixatriz perdeu-se de amores pelos angolanos e expõe claramente (trata-se de uma antiga jornalista) alguns dos problemas destes, com preferên- cia especial pelos das mulheres, das crianças e dos refugiados. Relativamente Page 11 1115 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos ao resto (como o petróleo ou os diamantes), confio nela, pois lembrar-me-ei sempre do que me disse, há mais de trinta anos, o mais célebre dos jornalistas africanistas franceses dessa época: «Quando chego a um país subsariano que conheço mal, se quero ter informações actualizadas, fiáveis e rápidas sobre o pessoal político local, não as procuro junto dos diplomatas franceses. Estes nada sabem. Consulto directamente os diplomatas israelitas, que são os mais bem informados. São os melhores.» E isto não deve ter mudado desde essa altura; pelo contrário, deve ter-se acentuado ainda mais. Sobretudo para os países ricos, como Angola, os diamantes assim obrigam! E, já que acabei de dizer bem dos diplomatas israelitas, quero dizer outro tanto dos seus colegas portugueses, que foram — e talvez continuem a ser — ainda mais fortes, pois no final do século XIX e no início do século XX a sua delegação de Londres foi dirigida, não por um gorila, mas por um outro primata superior, amigo íntimo do príncipe Eduardo (futuro rei Eduar- do VII), que o informou do acordo secreto anglo-alemão de 30 de Agosto de 1898 sobre a «futura» repartição do império português entre as duas potências. Oficialmente, como no Anuário Diplomático, ele era designado por conde de Soveral, mas em todas as chancelarias era conhecido pelo epíteto de «macaco azul», o que acabo de saber pela leitura da bela tese 18 de Gisela Guevara, publicada muito judiciosamente pelo Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Por isso, não subestimemos nunca a sagacidade e a competência dos diplomatas portugueses, muito menos a influência oculta dos antropóides na história das relações internacionais. Mais seriamente, este trabalho universitário revela alguns aspectos inova- dores, já que penso que é o primeiro, em português, que se baseia nos arquivos alemães e numa forte bibliografia alemã compilada no terreno. Além disso, a autora interessa-se, naturalmente, pelo destino de Lourenço Mar- ques, objecto de múltiplos estudos anteriores, mas dedica-se também à baía dos Tigres e ao projecto do caminho de ferro que os alemães aí pretendiam realizar na direcção do Sudeste. Gisela Guevara destrói ainda a opinião ge- neralizada sobre a incapacidade de a monarquia defender diplomaticamente o império e revela-nos o lado secreto da «aliança luso-belga» contra a Ale- manha, bem como, aspectos pouco conhecidos, em português, sobre a Companhia do Niassa e sobre o financiamento da dívida portuguesa. Tendo escolhido um período curto (ca. 1891 a 1903 e, sobretudo, os anos de 1898 a 1902) e um assunto limitado (exclusivamente a luta diplomática), o seu trabalho deixa naturalmente de lado o papel dos africanos. Por exemplo, o nome de Gungunhana é mal ortografado (p. 156) e, se Chaimite é referido, é-o com uma data errada. O capitalista Esser também não é um verdadeiro explorador: ele «inventou» a sua viagem até ao médio Cunene. Tudo isto é de somenos face à enorme utilidade deste livro que o Instituto Diplomático teve a excelente ideia de publicar. Page 12 1116 René Pélissier Mas ainda não terminaram as boas surpresas que o Ministério dos Ne- gócios Estrangeiros nos oferece, pois acabo de descobrir, já muito tardia- mente, e não devo ser o único, duas outras publicações que, literalmente, me entusiasmaram. Como e por que é que um texto tão rico, percuciente e original como Ensaios sobre nacionalismos em Timor-Leste 19 é tão dolosamente ignorado pela maior parte das grandes livrarias de Lisboa e do Porto, ultrapassa o meu entendimento. Talvez devido a imperativos burocrá- ticos ou financeiros, mas isso não me diz respeito. O que me importa é que os milhares de portugueses que se inflamaram pela causa timorense e que são capazes de ler outros textos, para além dos jornalísticos ou sentimentais, saibam que encontrarão na escrita de Armando Marques Guedes e Nuno Canas Mendes (entre outros autores das contribuições reunidas nesta reco- lha) as análises mais profundas, mais pormenorizadas e mais realistas que alguma vez li em português (e mesmo em inglês) sobre a génese, o presente e… o futuro do ou dos nacionalismos timorenses. Não vou entrar nos seus labirintos onde o inocente leitor se arrisca a ver as suas convicções abaladas se ainda acredita na simplicidade «adâmica» da vida política e da luta pela independência, como uma certa geração de de- fensores estrangeiros da causa nos quer fazer crer. Com estes dois autores ultrapassamos, finalmente, o mero reflexo das coisas e a propaganda de ontem torna-se ridícula. Mas o que mais me surpreende são as bibliografias estrangeiras citadas. Em que bibliotecas portuguesas é que eles se encon- tram? No Palácio das Necessidades, numa misteriosa central de que não há registo na PORBASE? Que o leitor compare com aquilo que se encontra disponível no mercado português e me informe para que eu possa medir a extensão das minhas lacunas. Um livro tão indispensável como o primeiro desta crónica não deve ficar reservado a uns poucos «eleitos». Espero que a distribuição em Timor Leste ultrapasse o mínimo dos 300 exemplares, se não, de que vale publicar um livro tão importante como este em Portugal? Digo o mesmo de um outro título sobre Timor 20 que, na sua infinita sabedoria, os diplomatas portugueses acolheram no seu seio, ainda que se trate de um tema técnico que me ultrapassa, bem como, talvez, à maioria dos agentes do Ministério. Num livro patético mas humorístico de uma jornalista australiana que contava, desiludida com o seu romance, a sua vida amorosa com o chefe da missão da GNR portuguesa em Díli recolhi, indirectamente, uma opinião positiva relativamente à polícia portuguesa em missão. Mas não poderia adivinhar, como é evidente, que, dois anos depois, iria ler um estudo sobre a criação, por oficiais da PSP, de uma polícia timorense sob a égide da ONU. Contrariamente aos diplomatas de todos os países, os polícias, pelas funções que lhes são próprias, estão em contacto directo com o povo, que têm por obrigação proteger, encaminhando ou reprimindo os comporta- Page 13 1117 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos mentos desviantes. Assim, no livro de Luís Elias encontramos elementos que nunca aparecem nos despachos diplomáticos sobre a vida social, a justiça, os costumes locais — nem sempre edénicos —, a criminalidade e uma série de outras questões que influenciam a prática e a ética de uma polícia que a ONU desejava modelar e que o autor do texto se esforça, em 2002-2003, por colocar no bom caminho. Os acontecimentos posteriores talvez não tenham respondido a todas as suas esperanças, mas, pelo menos, ele explica-nos o que será preciso fazer para aí chegar. Perto de 1500 páginas profundas e mesmo fundamentais justificam que nos debrucemos agora sobre a produção, mais ligeira, de antigos — embora os diplomatas, tal como os militares de carreira e os eclesiásticos, fiquem para sempre marcados pela sua matriz profissional — representantes de Portugal nos PALOP «órfãos». Em tempos de inocência 21 destina-se a todos aqueles que gostam de ler revelações sobre a alta política, neste caso conduzida pelo autor, que foi o primeiro embaixador de Lisboa em Bissau (de Junho de 1977 a Fevereiro de 1980), durante a presidência de Luís Cabral. António Pinto da França escolheu comunicar, sob a forma de anedotas cáusticas, as suas opiniões sobre o pessoal político local, a arraia miúda e, sobretudo, os diplomatas estrangeiros com quem, pelas suas responsabilida- des e pelas suas preocupações, foi obrigado a conviver. Aliás, o mesmo já tinha feito num livro anterior para a sua missão posterior em Luanda. Se bem entendi — embora não esteja certo disso —, uma excelência da sua quali- dade e importância só tem três inimigos ou adversários principais nas antigas colónias africanas: os mosquitos, os cooperantes portugueses marxistas e os diplomatas franceses. No fim de contas, são todos mosquitos, só que de raças diferentes, sendo os últimos apenas um pouco maiores do que os primeiros. Por conseguinte, altivo, examina-os com toda a indulgência condescendente de um entomologista distinto, sobrinho-bisneto de Teixeira Pinto — uma referência na Guiné. Mas, magnânimo, enterrou o machado de guerra e, estando 1913-1915 já muito longe, defende a memória de Amílcar Cabral e é amigo sincero do seu meio-irmão, o presidente Luís Cabral. A abertura de espírito e a benevolência dos funcionários sempre me fasci- naram. Relativamente aos mosquitos e aos marxistas, «intolerantes e incultos», na sua opinião, se não estão satisfeitos, são suficientemente grandes para se defenderem sozinhos. O mesmo se diga da viúva de Agostinho Neto, que declarou (p. 126) «vestir… só do Dior» e de quem ele parece não gostar. Em relação aos diplomatas franceses, fiquei um pouco surpreendido com a aten- ção que lhes dedica, pois consta-me que aqueles que o Quai d’Orsay enviava nesta altura para as colónias portuguesas e, mais tarde, para os PALOP não pareciam particularmente importantes ou ofensivos ao seu ministro. Mas a opinião abalizada de um antigo embaixador junto da Santa Sé e da Ordem Page 14 1118 René Pélissier Soberana e Militar de Malta (1996-2000), não sendo de considerar leviana, foi mais convincente para o historiador que há em mim e, após as informa- ções que consegui obter, é verdade, três embaixadores franceses (um em Dacar e dois em Luanda), desprezados ou postos a ridículo pelo autor, mereciam, efectivamente, ser vítimas da implacável demolição empreendida por este novo duque de Saint-Simon. Resta o caso do quarto representante francês que tinha a dupla deficiência de já ser velho e apenas barão, apesar de encarregado de negócios. O nosso crítico total apressa-se a dizer que era seu «amigo», ainda que pudesse «ter servido de modelo a Monsieur Hulot» (p. 101), e que ele não falava nem português nem crioulo. Foi precisamente tradutor de chinês e de Léopold Senghor para o provençal. Na minha humilde opinião, só por milagre ou por intervenção inesperada da Providência é que este barão, resgatado ao século XVII , se tornou o autor do primeiro estudo publicado em francês sobre a literatura da Guiné-Bissau. Admito que rir do seu «amigo» é, provavelmen- te, um combate diplomático retroactivo leal que faz rir quando se está na reforma. Mas, entretanto, assinalemos a este longínquo discípulo de Bordalo Pinheiro que será duas vezes centenário antes de encontrar no Largo do Rilvas um funcionário capaz de interpretar ou traduzir sozinho turco, tagalo, suaíli, albanês, pelo menos quatro línguas eslavas, três bálticas e não sabe- mos mais quantos idiomas do Médio Oriente e de Madagáscar, sem falar no tétum, todas as línguas germânicas e escandinavas, hebraico e grego moder- nos e, provavelmente, um terço de todas as outras que se ensinam nas Langues O. O Sr. Hulot? Um génio da linguística, segundo me asseguraram. A inocência é, por vezes, a última desculpa quando queremos esquecer uma ferida secreta que remonta a um desses traumatismos ocultos que marcam todos aqueles que são obrigados a participar nas feiras de vaidades. Mas felicitemos o autor, pois, na verdade, dos quatro alvos franceses que escolheu, apontou com precisão e abateu três, o que, bem contado, lhe dá 75% de sucesso, o que o qualifica para as olimpíadas do humor diplomático. Por isso, recomendo vivamente este livro a quem quiser saber como e quanto é possível divertirmo-nos nas embaixadas do mundo inteiro. Se ficarmos nessas posições avançadas «sob ameaça», onde os chefes do mundo sacrificam os seus melhores agentes e os seus maiores peritos em dissimulação, para que resistam aos sorrisos assassinos, ao vinagre e à cirrose do fígado, a fim de refazerem a Conferência de Berlim e conserva- rem ou engrandecerem as suas zonas de influência, encontraremos outro livro de memórias diplomáticas. Estórias de Angola 22 é um texto optimista, sem maldade nem pretensão, redigido pelo adido cultural (1996-2001) em Luanda, cidade donde é natural. De regresso ao país natal, aí vive como peixe na água. As suas observações sentimentais e humorísticas versam, essencialmente, sobre a vida quotidiana Page 15 1119 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos na capital, mas também em Sumbe e no Lubango. Ele dá conta da corrupção da polícia, das tensões entre alguns representantes diplomáticos, das debili- dades dos meios financeiros portugueses, da desorganização e da falta de seriedade das «elites» angolanas, bem como da insegurança que se vive. O glossário tem mais de 220 termos do linguajar local. E encontramos ainda um embaixador de Espanha alcoólico. O seu homólogo polaco era, igualmen- te, um grande amante de vodka — o que reforça a minha convicção sobre os perigos da vida diplomática e me permite saltar até Maputo, onde vamos encontrar outros polacos, estes acima de qualquer suspeita, já que se trata de um arcebispo polaco enviado do papa João Paulo II a Moçambique e que nos faz a descrição 23 da construção da nunciatura apostólica, concebida por uma arquitecta, também polaca, que não deve ser confundida com um fan- toche de embaixada. O que mais impressiona é o sentido artístico deste eclesiástico, que de 2000 a 2002 orientou e supervisionou a edificação e a decoração deste símbolo da influência da Igreja Católica, durante a presidên- cia de Chissano. Uma verdadeira obra-prima de originalidade, de modernismo e de bom gosto. Texto trilingue em inglês, italiano e português. Eis-nos, portanto, instalados em Moçambique e, sem a bênção diplomá- tica, refiramos um pequeno texto 24 que é uma novidade enternecedora dedicada às jovens meninas sul-africanas «arco-íris» e que tem como per- sonagens um trio de adolescentes tricolor em férias multirraciais em Maputo. A novela tem como público-alvo as teenagers da moda, uma nova juventude dourada (ainda que mestiça e negra-africana) que copia os comportamentos dos turistas brancos. Nesta produção, que se quer paradigmática das boas relações inter-raciais e internacionais na África austral, vamos encontrar todos os tiques da imprensa feminina. Bastante mais denso e complexo, um romance 25 palpitante, que arrasta o leitor para uma cavalgada ofegante entre épocas e países? Parte da história tem lugar em Moçambique entre 1969(?) e 1984(?). Não percebi tudo, mas o autor baralha a cronologia, não gosta muito da FRELIMO na sua fase marxista e ainda menos das gentes da RENAMO. Simon Ings parece ter conhecido o interior de Moçambique durante a guerra civil ou, pelo menos, os aventureiros anglófonos que percorreram o país durante esses tempos conturbados. Provavelmente, cooperantes e activistas da causa. Ele muda a toponímia, os nomes das personagens históricas, mas, muito provavelmente, a sua descrição da confusão que reinou entre 1980 e 1994 na fronteira do Malawi baseia-se na sua própria experiência. O atentado contra Mondlane e os acontecimentos nas fileiras da FRELIMO no exílio na Tanzânia são-lhe familiares. Uma história difícil de seguir, mas a descobrir. Voltemos a temas menos controversos com um autor dos Países Baixos que se transformou em detective do passado para nos oferecer uma ex- traordinária biografia de um explorador alemão que foi o primeiro europeu Page 16 1120 René Pélissier «conhecido» a atingir o lago Niassa/Malawi a partir da costa da África oriental. Personagem das mais misteriosas, que não deixou qualquer livro ou artigo fundamental sobre esta viagem épica, a estada do Dr. Roscher 26 em África só pode ser reconstituída graças às cartas que enviou para a Alema- nha. Em Moçambique vamos encontrá-lo por breves instantes na ilha-capital, onde fez escala em 1858, e no interior, onde permaneceu mais longamente, quando atravessou o Rovuma (Outubro de 1859), vindo de Zanzibar, e chegou ao lago Niassa, em Nussewa (19 de Novembro de 1859). Encontran- do-se muito doente, regressou ao Rovuma. No total, terá estado cerca de quatro ou cinco meses no Niassa «moçambicano», onde o chefe da aldeia de Kisanguni o assassina em Março de 1860. O seu diário e os seus papéis foram roubados. O assassino apanhado será executado em Zanzibar. Este episódio da história da exploração moçambicana levou o autor a fornecer um impressio- nante volume de pormenores sobre as relações dos europeus com Zanzibar e o interior do país. Sobre os portugueses, ausentes da região nesta época, diz pouca coisa, mas descobrimos um pioneiro quase esquecido e ficamos a saber qual era a dimensão do comércio de Zanzibar no Niassa muito antes do surgimento de uma presença europeia estável. Um bom trabalho. E, já que estamos nas biografias «transfronteiriças», onde não se aven- turaram os historiadores de profissão, passemos a Angola a partir da Namíbia actual. Quem é que em Portugal, no século XXI , já ouviu falar de Axel Wilhelm Eriksson 27 ? Trata-se de uma figura esquecida, tal como, mar- ginalmente, na Suécia, mas não em Angola, onde deixou o seu nome a um vau no Cunene, e não é mesmo certo que com a africanização de toda a toponímia este tenha chegado a ser desbaptizado. O que evocaria o bóer! Ora trata-se de um sueco que, antes dos alemães, foi um dos grandes comerciantes e pioneiros europeus na Namíbia. As suas relações com os portugueses de Humbe, da Huíla e de Moçâmedes são mencionadas e mes- mo, por vezes, descritas no texto do casal Rudner, que, ao longo dos anos, traduziu e anotou os principais livros de viagens dos suecos que chegaram, depois de Charles John Andersson, ao país. Esta ressurreição de Eriksson interessa a Angola por diversas razões. Em Agosto de 1880 está no Evale e começa a importar mercadorias via Moçâmedes em 1881. Trata-se de um homem de negócios e de um caçador que foi bem acolhido pelo governador e regressou a Angola por diversas vezes. Em 1890 encontramo-lo no Cubango e no Cuanhama, onde comprou os direitos de exploração do mi- nério ao soba local (chefe, rei). Regressou em 1894, 1895 e 1897 (encontra- -se com a expedição portuguesa encarregada de vacinar os bois do Humbe). Em 1899 acompanhou o capitão alemão Franke ao Cuanhama e ao Humbe. Enriquecido com o comércio de armas, álcool, cavalos, bois, marfim, etc., a sua generosidade vai levá-lo à pobreza na sua morte. Amigo dos sobas ovambo e dos portugueses, passou diversos anos a traficar e a caçar de Page 17 1121 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos Moçâmedes ao Cuanhama e até ao Cubango. O seu único erro foi não ter deixado algum livro escrito para a posteridade. A sua vida foi, por isso, reconstruída a partir das cartas que enviou à família para a Suécia. Um dos seus filhos, mestiço, instalou-se no Sul de Angola, participando em várias campanhas portuguesas e vivendo como um patriarca nas décadas de 20 e 30 do século XX (e talvez depois disso). A obra é aconselhada aos que se interessam pela história do Sul de Angola, para «arejar» concepções dema- siado lusocentristas, introduzindo nas bibliotecas uma biografia muito bem escrita e que ultrapassa o Sul da fronteira. O mesmo se pode dizer, mas com sentido inverso, para os namibianos. Desejos pios? Há outra biografia «transfronteiriça» que merece ser referida, pois diz respeito a um «proto-angolano». Trata-se da história 28 da ascensão social de um africano nascido em 1887 perto de Naulila (de triste memória para os portugueses) e que era criado de um bóer de Humpata, o qual ajudou os alemães a vencerem Roçadas em Naulila em 1914. Em virtude deste facto, não podendo regressar a Angola, entre 1921 e 1955 transformou-se no indispensável intermediário entre a administração sul-africana e os emigrantes angolanos que chegavam, em busca de trabalho, ao Sul da fronteira. Poli- glota (falava sete línguas africanas, português, afrikaans, alemão e inglês), este polícia-interprete, instalado no posto que estava frente ao Cuangar, era igualmente um pilar da Igreja luterana e polígamo. Após a transferência para oriente da administração, torna-se chefe de um clã no país que não o viu nascer. Apesar de pedófilo, mandou construir uma escola e é recordado como um grande homem na sua «pátria» adoptiva. A passagem por este minúsculo posto de 3212 angolanos em busca de trabalho no Sul de 1925 a 1931 (p. 93) é, evidentemente, a ponta de um enorme icebergue constituído pela situação salarial em Angola e, chamemos as coisas pelo seu nome, pelo trabalho forçado que, sob formas diversas, ali reinava bem antes e muito depois de ter florescido igualmente noutras ex- periências coloniais em África. Mesmo o mais sectário dos defensores do lusotropicalismo e da «brandura dos nossos costumes» acaba por admitir que nem tudo era irrepreensível, neste domínio, no balanço da colonização portuguesa. Vamos encontrar exemplos disso numa excelente obra 29 que reúne as contribuições apresentadas no Porto em 2005 e que foram publicadas com uma rapidez a que não estamos acostumados em Portugal. É mesmo uma excepção à qual não será, provavelmente, alheio o facto de o encontro ter tido lugar no Porto… Para mim não se trata de dar, em poucas linhas, uma visão, mesmo que superficial, da extrema riqueza e utilidade deste livro. A sua primeira qualidade parecer ser, contudo, o seu carácter comparativo. Mesmo se eliminarmos os cinco artigos sobre a es- cravatura no Brasil, continua a sobrar suficiente matéria para tranquilizar o especialista sobre a pertinência do adjectivo «comparadas» que encontramos Page 18 1122 René Pélissier no título. Em que outro livro encontraremos em Portugal estudos sobre a cultura forçada do algodão no Norte dos Camarões, ou sobre o trabalho forçado no Quénia, sem falar do trabalho escravo no forte dinamarquês de Christiansborg, ou sobre a «república negra» de Annobom? Nenhum dos PALOP foi esquecido, a liberdade de tom dos autores é total, mesmo que alguns puxem um pouco mais pela polémica. «The British civilising mission was tantamount to that of Nazi Germany» (p. 464) afirma um queniano acerca da repressão dos mau mau. Não vou discutir a qualidade (ou não) deste ou daquele autor, mas, na minha opinião, este texto é, simplesmente, e acho que é uma pena que assim seja, absolutamente necessário ao grande público por- tuguês ou mesmo brasileiro, quer por ignorar estes assuntos, quer por não querer ouvir falar neles, por serem aborrecidos. Não se trata de um problema de arrependimento forçado imposto a uma população que não é, em nada, responsável pelo que fizeram os seus antepassados. Trata-se de um problema de informação. A este respeito, bem gostaria de ler os livros de história utilizados actualmente nas escolas primárias e secundárias portuguesas para saber se se continuam a inculcar nos alunos os mesmos mitos herdados de séculos de cegueira voluntária sempre que as palavras «descobrimentos», «expansão» ou «colonização» eram pronunciadas. O que pensam os diploma- tas e os seus amigos, os gorilas, sobre isto? Redigido em Maio de 2007. NOTAS 1 António Lopes Pires Nunes, Aspectos da actividade operacional. Resenha histórico- -militar das campanhas de África (1961-1974), 6.º vol., t. I , Angola, Estado-Maior do Exército, Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), Lisboa, livro 1, 1998, 629 páginas, com fotografias a preto e branco e um mapa desdobrável a cores, livro 2, 2006, 733 páginas, com fotografias a preto e branco e dois mapas desdobráveis a cores. 2 Maximino Cardoso Chaves, Andanças, tribulações e reflexões em tempo de guerra. Memórias de uma comissão de serviço em Moçambique (1968 a 1971), Coimbra, MinervaCoimbra, 2005, 170 páginas. 3 António dos Santos Frias, Do céu em pára-quedas. Histórias vadias, s. l., ed. de autor, 2006, 80 páginas. 4 Manuel Pedro Dias, Aquartelamentos de Moçambique. Cabo Delgado, 1964-1974, Odivelas, ed. de autor, 2006, 138 páginas, com muitas fotografias a preto e branco e a cores. 5 Nogueira Baptista, Contagem decrescente, Cacém (Portugal), VoxGo, 2.ª ed., 2006, 317 páginas. 6 António Graça de Abreu, Diário da Guiné. Lama, sangue e água pura, Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2007, 220 páginas, com fotografias a preto e branco. 7 J. Loufar, A mola real do combatente, é a mulher, Leiria, Diário de Leiria, 2003, 163 páginas. 8 J. Loufar, Triângulo nublado, Leiria, ed. de autor e Diário de Leiria, 2004, 322 páginas. 9 Alberto Ribeiro Soares (coord.), Bodas de ouro dos cursos entrados na Escola do Exército em 1956. 50 anos 1956-2006, Lisboa, Academia militar, 2006, 224 páginas, com fotografias a preto e branco. Page 19 1123 Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos 10 João Carlos Sarabando, As hienas também choram, Porto, Papiro Editora, 2006, 451 páginas. 11 Chris Bennett, Three Frigates (President Class Frigates bring the SA Navy to maturity), Durban, Just Done Productions Publishing, 2006, xx-270 páginas, com fotografias a preto e branco. 12 Willem Steenkamp, Borderstrike! South Africa into Angola 1975-1980, Durban, Just Done Productions Publishing, 2006, revisto e actualizado (3.ª ed.), XIV -328 páginas, com fotografias a preto e branco. 13 Magnus Malan, My life with the SA Defence Force, Pretória, Protea Book House, 2006, 509 páginas, com fotografias a preto e branco. 14 José Mattoso, A dignidade. Konis Santana e a resistência timorense, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005, 323 páginas, com fotografias a preto e branco e a cores. 15 Edward Paice, Tip and Run. The untold tragedy of the Great War in Africa, Londres, Weidenfeld & Nicolson, 2007, XXXIX -488 páginas, estampas fotográficas a preto e branco. 16 Assis Malaquias, Rebels and Robbers. Violence in Post-Colonial Angola, Uppsala, Nordiska Afrikainstitutet, 2007, 263 páginas. 17 Tamar Golan e Tamar Ron, Gorilot ye-diplomatyah: mifgeshe adam ye-teva be- -Angolah, Telavive, Am Oved Publishers, 2006, 257 páginas, estampas a preto e branco e a cores. 18 Gisela Guevara, As relações entre Portugal e a Alemanha em torno da África. Finais do Século XIX e Inícios do Século XX, Lisboa, Instituto Diplomático (Ministério dos Negócios Estrangeiros), 2006, 507 páginas. 19 Armando Marques Guedes e Nuno Canas Mendes (eds.), Ensaios sobre nacionalismos em Timor-Leste, Lisboa, Instituto Diplomático (Ministério dos Negócios Estrangeiros), 2005, 431 páginas. 20 Luís Elias, A formação das polícias nos estados pós-conflito. O caso de Timor-Leste, Lisboa, Instituto Diplomático (Ministério dos Negócios Estrangeiros), 2006, 529 páginas. 21 António Pinto da França, Em tempos de inocência. Um diário da Guiné-Bissau, Lisboa, Prefácio, 2006, 192 páginas. 22 Luís Mascarenhas, Estórias de Angola, Lisboa, Prefácio, 2006, 137 páginas. 23 Juliusz Janusz, Apostolic Nunciature in Mozambique, Cracóvia, Rzecz Piekna, s. d. [c. 2002-2003], 84 páginas, com muitas ilustrações a cores. 24 Nokuthula Mazibuko, A Mozambican Summer, Claremont (África do Sul), New Africa Books, 2005, 84 páginas. 25 Simon Ings, The Weight of Numbers, Nova Iorque, Black Cat/Grove/Atlantic, 2006, 420 páginas. 26 J. W. Heldring, The Killing of Dr. Albrecht Roscher. The Story of a Young German Explorer in East Africa 1858-1860, Leicestershire, Upfront Publishing (?), 2003, 393 páginas, com fotografias e mapas a preto e branco. 27 Rudner, Ione e Jalmar, Axel Wilhelm Eriksson of Hereroland (1846-1901). His Life and Letters, Windhoek, Gamsberg Macmillan, 2006, XVII -19-302 páginas, com fotografias a preto e branco e mapas. 28 Hans Martin Milk, «For the power and glory». Die Lebensgeschichte des Makaranga Kavango/Namibia, Colónia, Rüdiger Köppe Verlag, 2004, 201 páginas, com fotografias a preto e branco. 29 Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (coord.), Trabalho forçado africano — Experiências coloniais comparadas, Porto, Campo das Letras, 2006, 575 páginas
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