Este blog visa apenas dar visibilidade a textos de autores considerados de interesse para a compreensão da História Colonial de Angola. Por abarcar os mais diversas abordagens, é um blog dedicado aos de espirito aberto, que gostam de avaliar assuntos, levantar questões e tirar por si próprios suas conclusões. É natural que alguns assuntos venham a causar desagrado, e até reacções da parte daqueles cujas perspectivas estejam firmemente cristalizadas.
sábado, 31 de janeiro de 2009
LIBERTAÇÃO E QUESTÃO RACIAL
Mais um precioso post do WR, agora sobre os problemas raciais nos movimentos de libertação africanos (no caso, portas dentro do MPLA), pode ler-se aqui e a que se promete dar continuação.
O post do WR, numa leitura imediata, induz (pelo menos, isso aconteceu-me) uma leitura taxativa de que o problema racial era um problema em si. Pela minha parte, penso que, se existia um problema racial de facto (que mais não fosse como reflexo de resposta a uma sociedade colonialista, assente ela própria no racismo, segregando um racismo preto em resposta ressentida e imediatista ao insuportável racismo branco), a sua dimensão e motivação mais preocupantes, se assim se pode dizer, extravasavam as barreiras raciais e apontava para outras fracturas e níveis de ressentimento (funcionando mais como pretexto que como causa). O facto é que a maioria das elites dos movimentos de libertação (MPLA, Frelimo, PAIGC) foram politizadas no seu contacto com o marxismo-leninismo aprendido (e, na maior parte das vezes, treinado e praticado) na Europa (por exemplo, na Casa de Estudantes do Império, em Lisboa). E, por razões de estatuto sócio-económico-cultural, uma grande parte dessa elite era constituída por africanos brancos ou mestiços (Marcelino dos Santos, Lúcio Lara, Mário Andrade, Amílcar Cabral) porque eram os brancos e os mestiços que mais hipóteses tinham de frequentar a Universidade em Portugal. Para além de que, paradoxalmente, eram os melhor aceites na aprendizagem de luta nos movimentos estudantis e no antifascismo metropolitanos. Naturalmente, para os africanos negros (e a grande massa de combatentes só podia ser de negros), havia uma espécie de percepção de fatalidade – passar do domínio dos colonialistas brancos para o mando de uma nova camada dirigente independentista onde grande parte dos lugares de destaque estava ocupada por mestiços e até alguns brancos. Ao mínimo problema de divisão ou de agudização das dificuldades, impostas muitas vezes pelas próprias agruras da luta armada, como não cair na tentação de simplificar os problemas de clivagens vendo nesses mestiços e nesses brancos a “continuação da supremacia colonial”?
Já no terreno da luta armada, essas elites iam disputar a repartição de lugares no quadro dos movimentos. Enquanto os movimentos de marca mais primária nos seus objectivos de transformação das realidades (FNLA, UNITA) tinham assumido uma dicotomia preto-branco e o facto de os brancos independentistas e mestiços estarem no MPLA levou a que não só a propaganda usasse este facto para diminuir a penetração do MPLA, apontando-o como um “movimento de mestiços”, como acabou por contaminar o interior do próprio MPLA com a questão racial. E a tal ponto que, por iniciativa de Viriato Cruz (um mestiço não escolarizado nem politizado em Portugal), os brancos e mestiços dirigentes do MPLA se auto-excluiram da direcção política (casos de Viriato Cruz, Lúcio Lara, Mário Andrade e mais alguns quadros de pele branca) para não darem “pretextos de propaganda” à FNLA e UNITA. Esta “cedência”, mais tarde rectificada, teve a importância de introduzir, de forma irreversível, a questão racial dentro do MPLA. Mas se olharmos o que se passou em Moçambique e Guiné, onde as questões raciais não têm a mesma história nem sequer pretexto idêntico, mas existiram e foram agudos (porque é que Marcelino dos Santos e Jacinto Veloso nunca passaram além de “eminências pardas” do regime frelimista?) (porque é que a imensa autoridade e prestígio de Amílcar Cabral nunca conseguiram solucionar a contradição guinéus-caboverdianos e pagou essa incapacidade com a própria vida?), não é caso para se confirmar que, na luta pelo poder, no quadro de estruturas de matriz marxista-leninista, qualquer pretexto serve (por via do próprio afunilamento de supremacia na pirâmide do “centralismo democrático”) para separar dirigidos e dirigentes, criando fracções e bases programáticas tantas vezes improvisadas e a disfarçar razões mais primárias de luta pelo poder. E movimentos construídos para libertarem povos e países de domínio colonialista e racista com séculos de poder absoluto e brutal poderiam libertar-se da ganga da contaminação dos problemas a resolver?
Estas algumas achegas para alimentar o debate em boa hora lançado pelo WR. Suponho que, num próximo post, ele vá abordar o fenómeno nitista do 27 de Maio (que também bebeu no pretexto racista, não só mas também). Espero que ele dê a sua interpretação porque é que a suposta grande alma da insurreição (Sita Valles, uma não negra de origem indiana) representava, na aparência ou de facto, a figura de eminência parda da Fracção MPLA-ML, enquanto as figuras de líderes expostos eram dois negros puros (Nito Alves e José Van Dunen), sendo certo que um numeroso lote de brancos e mestiços do MPLA engrossaram as hostes da ala negra nitista. E se neste último tipo de adesão, não contribuiu o conhecido fenómeno da atracção pelo radicalismo por parte de apressados em redimirem-se de pecados de cor de pele, em que uma grande parte de brancos e mestiços que se colocaram contra o colonialismo se assumiram (ou ainda se assumem, os que ainda não fizeram a via do desencanto) como os radicais entre os radicais, os mais apressados na fase da pressa e antes que o cansaço ocupe o lugar do frenesim.
publicado por João Tunes
In blog Agualisa
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