terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A Sociedade de Geografia e a política colonial de Angola desde o último quartel do século XIX ao princípio do século XX,

 
«...A observação das sociedades em presença leva‑nos a defender que o motor do advento dos portugueses, como minoria dominante da história do Kongo ao Kunene desde o último quartel do século XIX ao princípio do último quartel do século XX, foi caracterizado por desníveis de tecnologia, em especial pela invenção e operacionalidade da mais mortífera arma de guerra de então: a metralhadora3. Acrescente‑se ainda o sistema de comunicação morse, que abalou profundamente a supremacia e eficácia da comunicação Kongo (em geral pelo tambor e estafetas) e a fotografia, enquanto nova fonte de informação militar.
No início do século XX, a Sociedade de Geografia de Lisboa pretendia inculcar, na política colonial portuguesa, uma maior racionalidade e até cientificidade que pudesse assegurar e salvaguardar os interesses nacionais nas colónias, tal como Ângela Guimarães (1984: 226) afirma:
“Uma administração cientificamente organizada, dirigida por funcionários de elevado nível cultural e participada pela adesão de determi­nadas camadas da população africana chamadas a um nível superior. Os restantes elementos das populações dominadas, depois de afeiçoados à propriedade e ao trabalho livre deveriam tornar‑se competentes produtores e consumidores prevendo‑se uma estratificação com uma elevada média de técnicos auxiliares e uma vasta população de trabalhadores braçais. Uma exploração económica de tipo moderno, tendo por base a realização de infra‑estruturas necessárias […] Defendia intransigentemente a integridade de todo o território nacional e o controlo pelo Estado de todas as grandes empresas e empreendimentos.”
De um lado, estavam os colonizadores imigrantes, mais ou menos integrados na civilização da técnica e da ciência aplicada, dominados pela economia monetária e largamente dependentes dos investimentos exteriores. Estes tentavam mobilizar os recursos locais para a construção de infra‑estruturas inexistentes e para colectar ou produzir não só os produtos para exportação, mas também aqueles destinados ao incipiente mercado interno. Do outro lado, estavam os kongo, divididos em subgrupos com estruturas políticas de tipo tradicional e organizados predominantemente para a auto‑suficiência. Os seus membros utilizavam técnicas agro‑pecuárias meramente empíricas, baseadas sobretudo no esforço físico humano. A colecta e a produção destinavam‑se, na sua quase totalidade, ao consumo, num tipo de economia classificada de ‘subsistência’.
A organização social dos kongo não favorecia a diferenciação, já que o lugar e a função que o indivíduo ocupava na comunidade eram geralmente determinados pelo nascimento e pela tradição4. O desenvolvimento geral das comunidades tradicionais enfrentava obstáculos não só de cariz económico, social e político, mas também mágico‑religiosos. Graças à magia e aos rituais, fórmulas, amuletos e talismãs procurava levar‑se as forças sobrenaturais a agir em determinado sentido. Isto verificava‑se, sobretudo, no caso da guerra. O facto do indivíduo se habituar a tudo e de esperar pela eficácia da prece, da súplica, do objecto mágico ou do capricho dos espíritos dos antepassados adormecia o seu sentido crítico e constituía causa de estagnação intelectual.
 
Antes da remodelação radical introduzida nos métodos de ocupação do Congo e iniciada em 1911‑1912, a tolerância relativamente à intromissão portuguesa nos negócios da região era conquistada através de presentes, de aguardente e de transigências de toda a espécie face à real autoridade exercida pelos potentados locais. Contudo, e face à nova situação introduzida por essa mesma remodelação dos métodos de ocupação, a colonização portuguesa em Angola vinha agora opor‑se à tolerância do indígena para com a autoridade portuguesa. Porém, a carência de efectivos humanos para exercer essa mesma autoridade e para concretizar a ocupação efectiva é assim apreciada por António Jorge Dias (1957: 71):
“Infelizmente a falta de gente mantinha‑se, porque a emigração para o Brasil continuava e continua ainda hoje a levar‑nos uma grande parte dos nossos excedentes demográficos metropolitanos. Só casos excepcionais, como a colonização de Moçamedes feita por elementos portugueses repatriados de Pernambuco contrariam a regra. A nossa ocupação em África pode dizer‑se que era só costeira, pois as explorações levadas a cabo por alguns exploradores não tiveram repercussão nenhuma. A supressão das ordens religiosas, que se seguiu à revolução de 1820, impediu que as missões continuassem a exercer a sua acção civilizadora […] Pode dizer‑se que a exploração sistemática dos territórios africanos do interior, sob o ponto de vista agrícola e comercial, só começou a fazer‑se a partir do fim da 1ª Grande Guerra. […] Em Angola, a ocupação tem‑se feito aos arrancos segundo a iniciativa dos governos. Algumas dessas tentativas falharam em parte, por falta de estudo, como foi a fixação dos madeirenses agricultores na Huíla, sem terem mercados que lhes comprassem a produção. Esta população acabou por se degradar social e economicamente e hoje ocupa um status social semelhante ao do indígena. Outras foram bem sucedidas e serviram de estímulo a novas tentativas.”
Este conjunto de situações adversas aos intentos da administração colonial portuguesa justificava‑se por uma conjuntura, especialmente de ordem geopolítica internacional, nomeadamente a questão do Mapa Cor‑de‑Rosa e da “Batalha do Congo” (a luta entre as grandes potências pela ocupação da Bacia Convencional do rio Zaire ou Kongo)5. Para além do mais, toda a situação nos remete para o principal acontecimento político do primeiro quartel do século XX: a Primeira Guerra Mundial. Nesta altura, Portugal, um país pequeno e essencialmente agrícola, foi confrontado, nas suas colónias, com uma situação profundamente adversa a que não eram alheias mudanças constantes de ministros do ultramar (mais de cinquenta ministros foram entretanto nomeados). Armando Cortesão dirigia a Agência Geral das Colónias, quando pronunciou, na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1925 o discurso O Problema Colonial Português, do qual Pierre Daye (1929:60) destaca “(…) cette interrogation effarante: «Comment peut‑on admettre qu’un pays de l’importance coloniale du nôtre ait vu se succéder, en quatorze ans, cinquante et un ministres des colonies?»”. Não nos admiremos pois da constante mudança de Governadores‑gerais em Angola.
É neste oceano nebuloso que a nova administração colonial tenta navegar. Os seus denodados esforços esbarravam com profundos entraves, nomeadamente as mudanças ministeriais que implicavam a política das colónias e obrigavam a uma constante rotação de Governadores‑Gerais. Citamos, de seguida, alguns dos factos enumerados por Roberto Correia (2000 e 2001) relacionados com os kongo e que, naturalmente, afectavam os zombo.
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