quarta-feira, 19 de maio de 2010

A Língua Portuguesa como instrumento veiculador de identidade nacional em Angola

Parte de um texto por Mónica Hilário


«.... No momento actual, para o governo angolano, a língua portuguesa serve dois propósitos. Primeiro, continua a servir de instrumento linguístico para a coesão administrativa do país. Segundo, fornece a língua para uma comunicação mais vasta (nacional e internacional). Ganhando um novo poder de base e um novo elitismo. Poderíamos, mesmo, afirmar que o português adquiriu um "status" institucionalizado.
O português tem uma vantagem clara, quer ao nível de atitude, quer ao nível linguístico, adquiriu neutralidade num contexto linguístico onde as linguagens nativas, dialectos, e estilos por vezes adquirem conotações políticas indesejáveis. Em tais contextos o poder de neutralização é associado com o português, o português fornece - com ou sem mistura das línguas bantas - um código adicional sem conotações ou desigualdades étnicas evidentes.
Neste ponto, queria salientar que a língua é um elemento essencial na construção da identidade cultural colectiva (1)de um Estado. A identidade cultural colectiva é constituída de elementos supra-étnicos de forma a preservar e proteger a unidade nacional. Consequentemente, a identidade cultural colectiva é uma garantia de sobrevivência do Estado. Os novos Estados africanos, nos quais se inclui Angola, contém dentro de si vários grupos étnicos - que, geralmente, não tem nada em comum exceptuando o facto de pertencerem ao mesmo Estado -, estes constituem identidades culturais que implicam a possibilidade do surgimento de rivalidades étnicas e, até mesmo, o perigo de uma etnia reivindicar, dentro das fronteiras do Estado, um determinado território como exclusivamente seu. Os riscos que estão subjacentes ao problema de os países africanos se encontrarem fragmentados em etnias diferentes, levam-nos a compreender como a criação de elementos supra-étnicos é indispensável, uma vez que é necessária a afirmação de uma identidade colectiva para a existência e sobrevivência política, económica e social destes territórios. E é, deste modo, que a língua portuguesa - como língua oficial e veicular - surge como um elemento supra-étnico extremamente importante em Angola.
Uma aparente contradicção parece surgir quando o Estado angolano toma a língua portuguesa como a língua oficial e, simultaneamente, revaloriza as línguas nacionais. Se a língua portuguesa é fundamental como elemento supra-étnico, na construção da identidade colectiva da nação, então como explicar a revalorização das línguas nacionais quando estas implicam a fragmentação de Angola por áreas linguísticas e são associadas a diversas identidades étnicas, (que aparecem como potenciais impedimentos à formação da identidade colectiva que se tenta construir)? Uma forma mais directa de pôr a questão é: Como explicar a revalorização das línguas nacionais quando estas estão associadas aos grandes medos do "regionalismo" e do "tribalismo", ou seja ao perigo destes poderem desmembrar o estado angolano? Uma possível resposta pode encontrar-se no estudo de Orvar Löfgren (Löfgren, Orvar. 1989.) sobre a nacionalização da cultura, que passo a transcrever,
"Many forms of regionalism may function not as a potential threat to national break-up but rather as a kind of tension which may keep the national project alive and vital.(...) In some ways the province or region has had the role of providing a micro-level model for patriotism. By learning to love your home region - one part of the national whole - you prepared yourself for national feelings on a higher level"(Löfgren, Orvar. 1989. pp.18-19)
A resposta pode, assim, residir na tentativa de o Estado angolano em transformar os potenciais inimigos da nação em potenciais pilares de suporte da nação. Deste modo, a revalorização e o reconhecimento, que se assiste, das diferenças regionais, culturais, étnicas ou linguísticas tem um interesse subjacente. Ou seja, primeiro tenta-se passar a ideia de que constituem partes importantes do todo nacional. Partes que não se repelem na diferença mas sim que se complementam na diferença, de forma a dar um carácter da nação como um todo integrado. Isto é feito com o interesse de que estas actuem a um nível primário como uma preparação ou formação de um sentimento patriótico. Segundo, pretende-se a extensão a partir deste nível inferior, do sentimento de "amor" à parte, para um nível superior, de "amor" ao todo, ou seja à Nação. No caso das línguas nacionais esta revalorização e reconhecimento é comprovada através da iniciativa da Presidência da República na criação do Instituto Nacional de Línguas, em 1978, por decreto lei nº62/78, de 6 de Abril. Este promoveu um estudo sobre as seis línguas nacionais de maior difusão e a criação de um alfabeto único que possibilitasse a expressão escrita das línguas nativas (Kukanda, Vatomene. 1986). A importância de todo este trabalho realizado em torno das línguas nativas enquadra-se na mesma lógica acima descrita. Em Angola existe uma grande percentagem de indivíduos angolanos em situação de analfabetismo. Estes dominam melhor a sua língua nativa - apresentando grandes dificuldades na fala e na compreensão do português. Dado isto, a transcrição das línguas nativas à expressão escrita, seria o primeiro passo que permitiria a estes indivíduos aprenderem a ler e a escrever mais facilmente (pois estariam a reconhecer a sua língua nativa oral na escrita, ao longo da sua alfabetização), o segundo passo seria então a aprendizagem do português. O bilinguismo português-língua nacional, que se pretende, não quer dizer que as duas línguas se encontram ao mesmo nível de importância prática. O português é sempre a língua preferencial no ensino pós-alfabetização, na informação, nos contactos formais ou exteriores. O que implicitamente significa que mesmo na revalorização das línguas nacionais que se proclama, na prática estas continuam, de longe, a ter um valor muito abaixo do da língua portuguesa.
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