quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Construindo A História Angolana: As Fontes e a Sua Interpretação Escrito por Rosa Cruz e Silva

O NACIONALISMO ANGOLANO, UM PROJECTO EM CONSTRUÇÃO NO SEC. XIX? 
 
 
Através de três periódicos da época: O Pharol do Povo, Tomate e o Desastre.
"(...) Dentro de um espírito antropológico proponho, então, a seguinte definição para nação: ela é uma comunidade política imaginada - e imaginada como implicitamente limitada e soberana. Ela é imaginada porque nem mesmo os membros das menores nações jamais conhecerão a maioria de seus compatriotas, nem os encontrarão, nem sequer ouvirão falar deles, embora na mente de cada um esteja viva a imagem de sua comunhão." (ANDERSON, Benedict, 1989 p.14).

I . INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas de Oitocentos, enquanto Portugal se batia de armas na mão para a consolidação da conquista de Angola, paralelamente, uma onda de contestação contra o poder instituído ganhava corpo, precisamente junto de alguns sectores da elite africana que mercê das novas medidas legislativas que impunham os imperativos do Terreiro do Paço em Lisboa, estavam por essa altura bastante penalizados. Em oposição ao esforço de colonização, crescia o gérmen da "consciência nacional" que brotava dos espíritos de um grupo de intelectuais africanos, os filhos do país, assim o provam os textos que compunham o seu discurso político, pontuado na imprensa dita livre da época. O início de tal manifestação como nos indica Jill Dias é muito antiga, foi enunciada na década de 1820, e foi-se fixando nos círculos dos protestatários tanto na capital, como nos concelhos do Hinterland de Luanda, ou ainda em Benguela e na então Mossamedes.

Conf. Jill Dias, 1998, p. 540. Num artigo extenso do Pharol do Povo n.º 36 de 27 de Outubro de 1883, intitulado "A republica a crear raízes em Angola" José Fontes Pereira dá notícia de uma acção política protagonizada pelos moradores de Benguela logo após os acontecimentos da Proclamação da Independência do Brasil. Dizia, " Benguella abraçou com grande entusiasmo aquella ideia, e quando se proclamou a independência do Brazil, o grande povo d'aquella cidade secundou aquelle estado de coisas, tendo hasteado a bandeira do café e tabaco na fortaleza de S. Filipe. Dirigiu este movimento o tenente coronel Francisco Pereira Diniz, homem preto, natural de Benguella que comandava as companhias de linha d'aquela capitania". Passados mais de 60 anos da data do acontecimento, Fontes Pereira dá notícia do exemplo do Brasil, um primeiro grito de independência ecoa em Benguela e entre os seus promotores está um oficial do exército, um " filho do país."

Entre os estudos que abordaram já esta problemática, para citar alguns, e que de alguma forma se ativeram às questões da emancipação política dos africanos no período em referência, quanto a nós, embora reconheçam o evoluir do processo que conduz a enunciação da proposta da independência do país, avançam conclusões em nosso entender um tanto ou quanto redutoras, por se revelar insuficiente a exploração das fontes disponíveis sobre esta problemática, ou dificultado o acesso às mesmas. Provam as nossas fontes que essa evolução culmina com propostas que advogam a ruptura de facto com o regime, o que se explica não só pela perda dos privilégios que no contexto geral da sociedade usufruíam os principais autores da proposta emancipadora, mas sobretudo, porque o próprio fenómeno colonial transporta consigo o gérmen da conflitualidade que opõe colonizadores e colonizados, e esta por todos os exemplos que nos dá a História não se resolveu sem a reacção mais ou menos violenta dos marginalizados do sistema. Enquanto os indígenas letrados que se encontravam nos espaços da colónia, e influenciados por todo o aparato ideológico inerente ao sistema político vigente, onde os paradigmas culturais ocidentais têm efectivamente peso na formação da sua identidade, assumem-se comprometidos com o regime, embora o critiquem nomeadamente pelos variadíssimos exemplos de má governação e sobretudo pelos procedimentos discriminatórios de que foram vítimas aos mais variados níveis, por outro lado, dentre eles destacam-se os intitulados, filhos do país, que se vão tornar nos principais opositores do mesmo regime, colocando-se na barricada contrária, a partir da qual engendram com os meios possíveis ao seu alcance uma campanha política que visava em última instância a conquista da independência Até alcançar a etapa em que se propõem resolver o conflito, já não através das propostas conciliadoras como a formação de uma união luso-africana para a instauração de um regime que se lhes afigurasse mais justo, porque se dão conta que já não é possível a coabitação em seu próprio território com aqueles que impõem leis e não as cumprem, que defendem teoricamente princípios e os violam sistematicamente, a coberto de uma hegemonia que lhes confere o poder instituído pela força das armas, há uma longa caminhada em que inicialmente se confundem os alvos, os adversários, não se identificam convenientemente os aliados. Porém a própria corrente da máquina administrativa e militar do sistema colonial, contribui para que o nível político dos intelectuais africanos, atinja um grau de maturidade tal, em que não se permitem mais titubear nas suas decisões sobre os destinos do país, e deixam escapar o afã libertador, até que se expõe o seu pensamento nítido, audaz e profético. Deste modo foram moldando o sentimento nacionalista que se propunha alcançar o espaço não só restrito à colónia, pois nas suas propostas, juntaram à sua voz reivindicativa e protestatária, os esforços empreendidos pelos povos ainda não subjugados e que se batiam a todo custo para a manutenção dos seus domínios. Anunciaram a vontade e querer, país livre de qualquer domínio. Porém os autores dessa aventura tiveram que percorrer os caminhos da clandestinidade para tentar iludir os postuladores da lei da metrópole e fazer passar a sua mensagem. Tentaremos evidenciar os jogos políticos exercitados pelos filhos do país conducente à libertação do jugo colonial. Tais ideias foram pensadas, forjadas e anunciadas sobretudo nas três últimas décadas do Século XIX, na dita imprensa livre, e a partir da década de 80, nas colunas da imprensa africana, pois nessa altura estão já capazes de expor claramente o sonho independentista,

Veja-se: Douglas L. Wheeler, Na Early Angolan Protest: The Radical Journalism of Joseé de Fontes Pereira (1823-1891), in Protest and Power in Clack Africa, Ed. Por Robert I. Rotberg et al, A Mazuri, Nova Iorque, Oxford University Press, 1970,pp.854-874; Jill Dias, Uma questão de identidade: Respostas intelectuais às transformações económicas no seio da elite crioula da Angola portuguesa entre 1870 e 1930, in Revista Internacional de Estudos Africanos, N.º1 Janeiro/Junho, 1984; O Império Africano 1825-1890, in Nova História da Expansão Portuguesa, Lisboa, 1998, Os Periódicos como Fonte de Pesquisa Histórica. A Imprensa Escrita de Angola do Sec. XIX, pp 17-31; ANDRADE, Mário, Origens do Nacionalismo Africano, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997;
visualizando inclusivamente um projecto que os conduziria a tal objectivo, tendo-se registado propostas que previam o desencadear de acções mais firmes contra o sistema, exemplificadas entre outras, numa encenação de um golpe de estado militar, em 1891, numa versão muito aparentada aos tempos actuais em se que anunciava a independência de Angola.

CONTINUA...

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