terça-feira, 26 de julho de 2011

LEMBRANÇAS DE UM MOMENTO HISTÓRICO AUTOR: Beatriz Bissio


Lembranças de um momento histórico . Autor: Beatriz Bissio (*) Completam-se 35 ano do fim do último grande império colonial, que fora iniciado no século XV quando os navegantes portugueses dominavam os mares. Um império derrotado no século XX em território angolano, num dos mais dolorosos episódios do processo de emancipação do continente africano. A América Latina esteve presente nesse processo através de dois protagonistas com papeis diferentes, porém igualmente determinantes: um no plano diplomático e o outro no terreno militar, Brasil e Cuba.Uma data que suscita uma reflexão sobre o custo em vidas humanas e em sacrifíciosque alicerçou o caminho para a Angola do século XXI.

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"...Romperam a linha do Kifangondo", diziam, ou então, “É questão de horas a toma deLuanda”, “Já há batalha nos subúrbios"...O fato era que Luanda permanecia sitiada, pelo norte e pelo sul. Derrotados nabatalha de Luanda e expulsos da cidade, o FNLA e a UNITA tinham iniciado uma duplaofensiva, rumo à capital. Na verdade, sob o nome de FNLA, forças regulares do exército doZaire penetravam em território angolano a partir da fronteira Norte. E, pelo Sul, avançava,através da Namíbia (na altura anexada, de facto, pela África do Sul), sob a bandeira daUNITA, o exército do regime de minoria branca sul-africano. Apesar do desafio de umaeventual intervenção militar internacional, o povo angolano continuava tocando a vida,embora vigilante e atento.No entanto, inegavelmente o dia-a-dia da cidade estava profundamente afetado peloquadro militar. Entre outras dificuldades, havia racionamento de comida. A luz sofriafreqüentes blecautes, a água escasseava e a situação militar ia se tornando crítica já que afrente de guerra estava muito próxima da capital, em Caxito e Kifangondo, onde está arepresa que abastece de água a Luanda. (Hoje essa área está a sofrer uma grandetransformação com a construção de uma estrada, por parte de uma grande empreiterabrasileira...)

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"...O dia 10 de novembro foi inesquecível. Pela manhã, muito cedo ainda, a bandeiraportuguesa foi hasteada pela última vez no mastro da imponente fortaleza que domina abaía de Luanda; observando-a, a população se dirigia a seus postos de trabalho. Pouco apouco, a cidade portuguesa que havíamos deixado da última vez que lá estivéramos, ummês antes, havia-se transformado em uma urbe completamente africana, com o êxodo maciço da população branca e a afluência à zona asfaltada da população negra.O complicado trânsito de Luanda fluía bem melhor do que antes, já que o númerode automóveis em circulação tinha diminuído sensivelmente. Os que ficaram abandonados,agora geralmente sem pneus, remetiam à fuga apressada do dono; podia também se tratar de um terceiro carro de algum endinheirado colonizador que, depois de ter enviado para oexterior outros dois, não tinha encontrado maneira de burlar a legislação para enviar um terceiro para Lisboa. Alguns Mercedes chegaram a ser trocados por maços de cigarros, jáque o valor deles, para quem partia e não podia carregá-los, equivalia ao poder de troca dequem ficasse...As antigas estátuas portuguesas foram arrancadas de seus lugares pelo povo e osausteros pedestais tinham sido pintados com as cores do MPLA, combinadas comcriatividade. Surgira, assim, uma decoração nova, sem dúvida muito mais acorde com asensibilidade e o estado de espírito da população angolana do que a fria fisionomia de um navegador do século XV ou de um colonizador.

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Os nomes das ruas também tinham começado a mudar. Os heróis do impériolusitano progressivamente foram substituídos pelos comandantes do MPLA mortos duranteos anos de luta pela libertação. Assim como no aeroporto da «ponte aérea» só ficou arecordação de algumas canalizações arrebentadas, na cidade as vitrinas vazias das lojas,antes cheias de artigos portugueses e importados, falavam, com muita expressividade, doprocesso de remoção de um passado secular.
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"...No aeroporto era visível a diferença com a situação que havíamos deixado emLuanda. Os milhares de portugueses que lá acamparam durante semanas a fio, na longaespera pela ponte aérea que os levaria para Lisboa tinha dado lugar a um aeroporto limpo,organizado e coberto de cartazes, entre eles um, enorme, de Agostinho Neto, e estavaenfeitado de bandeiras do MPLA. Na sala «VIP», repleta de delegações estrangeiras,membros do Comitê Central do Partido recebiam os convidados e mostravam o controle do aeroporto - até então, sob a direção portuguesa – por parte das forças populares. Fora doaeroporto, a mesma sensação de mudanças, acentuada pela presença da recém criadaPolícia Militar angolana, com elegantes uniformes caqui e azul.
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