quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O 25 de Abril e a política internacional Carlos Gaspar .


Carlos Gaspar
 

In Jornal Sol, 18 | Abril | 2009
As consequências internacionais do golpe de Estado militar de 25 de Abril de 1974 são um tema relativamente pouco tratado.
As análises correntes sobre a queda do regime autoritário português sublinham, frequentemente, a incapacidade da diplomacia norte-americana para antecipar o golpe militar. Aparentemente, as grandes potências foram apanhadas de surpresa, ou desvalorizaram a importância da viragem política em Portugal. Mas é perfeitamente natural que não tenham dado uma excessiva importância à deposição de um regime arcaico num pequeno Estado da Europa Ocidental, membro da Aliança Atlântica, cuja evolução política e económica apontava no sentido da transição democrática e da adesão à Comunidade Europeia, uma vez resolvida a questão colonial. Porém, as circunstâncias fizeram com que cada um desses passos normais – a democratização e a descolonização – tivesse consequências imprevisíveis e desproporcionadas na política internacional.
Com efeito, o golpe de Estado deu origem a uma revolução, cujo resultado democrático foi comemorado por André Malraux com uma frase célebre: pela primeira vez, os menchéviks tinham ganho aos bolchéviks. Samuel Huntington explicou que a improvável vitória da democracia liberal na transição portuguesa marcava o inicio de uma “terceira vaga” de democratização, que só parou com a queda dos regimes comunistas da Europa de Leste e da União Soviética, que assegurou a vitória ocidental na Guerra Fria. E, no entanto, visto de Angola, o resultado da descolonização portuguesa apontava no sentido oposto: a improvável vitória do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) na guerra da independência, apoiada pela intervenção soviética e cubana, anunciava o início de uma ofensiva geral em que a vantagem da União Soviética parecia óbvia.
A descolonização angolana começou no pior momento possível para o MPLA, cujas divisões internas não só o diminuíam perante os outros dois partidos armados – a FNLA e a UNITA – como prejudicavam os seus apoios externos. No entanto, até aos acordos do Alvor, em Janeiro de 1975, o Presidente Agostinho Neto teve o tempo necessário para impor a sua linha no MPLA, garantir o reconhecimento do único partido angolano que tinha um projecto nacional e restaurar as alianças internacionais.
Esse momento coincide com uma crise da détente, à qual a direcção soviética vai responder com uma estratégia em que procura, paralelamente, consolidar a estabilidade bipolar e tirar partido das vulnerabilidades dos Estados Unidos, paralisado desde a demissão do Presidente Richard Nixon. Tanto no Vietnam, como em Angola, a União Soviética vai apoiar os seus aliados locais até à vitória. O caso angolano é o mais interessante, na medida em que essa decisão vai obrigar a inventar uma fórmula inédita, em que os soviéticos não só fazem o enquadramento estratégico, como asseguram o essencial da logística operacional da intervenção militar cubana, indispensável para apoiar o MPLA contra a pressão conjugada da FNLA e do Zaire e da UNITA e da África do Sul, preparados para conquistar Luanda nas vésperas da declaração de independência. Em Quifadongo e em Ebo, as vitórias das forças cubanas e do MPLA impõem o reconhecimento geral da República Popular de Angola. Os aliados locais dos Estados Unidos (e da China) foram derrotados pelos aliados da União Soviética, que quer demonstrar como a détente não é incompatível com a projecção internacional do seu poder nas paragens mais remotas.
Esse sucesso extraordinário vai garantir a repetição da fórmula e marcar o inicio de um terceiro ciclo de expansão da União Soviética, centrado nas periferias, incluindo a Etiópia, a Nicarágua e o Afeganistão, onde, pela primeira vez, são as próprias forças soviéticas a intervir directamente para tentar assegurar a sobrevivência dos seus aliados em Kabul. Naturalmente, a détente bipolar não resistiu às sucessivas ofensivas soviéticas, e Raymond Aron, na sequência da invasão do Afeganistão, chegou mesmo a anunciar o “ano I” da era soviética.
Retrospectivamente, todos reconhecem que o ciclo de expansão periférica excedeu as capacidades da União Soviética e forçou o início do recuo estratégico decidido por Mikhail Gorbachev, primeiro para retirar as forças soviéticas do vespeiro afegão, depois para definir os termos da saída cubana de Angola. A retirada prevista, limitada e controlada, acabou por se transformar na rápida desagregação do império soviético, quando as eleições polacas mostraram a ausência de legitimidade democrática do regime comunista e o centro soviético obrigou os seus aliados a abandonar o poder.
No fim, a ilusão de uma vitória brilhante, mas sem relevância efectiva para a balança do poder central, acelerou o declínio final da União Soviética, que terminou quando as consequências da “terceira vaga” de democratização convergiram com as consequências do terceiro ciclo da sua expansão imperial.

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