sábado, 7 de janeiro de 2012

Carregadores em Angola no seculo XIX e inicio do seculo XX

 
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Fotografia do álbum de Cunha Morais, 1908
 
Esse Desconhecido Carregador de Caravanas
 
Recordarei aqui o que escrevi na dissertação de mestrado “O Comerciante do Mato” sobre essa figura, sem a qual, os companheiros de Diogo Cão, os missionários, os negociadores de escravos, de cera, de diamantes, de ouro, e especialmente as forças expedicionárias da ocupação efectiva de Angola, não poderiam levar a bom porto de destino as suas mercadorias, fossem elas quais fossem.
 
 
Dambu Amburi, fotografia de Veloso e Castro, 1909
 
Refiro-me aos carregadores, eram reunidos em caravanas para assim poderem atravessar o sertão com mais confiança e sem o risco de serem assaltados e roubados pelos homens de guerra de etnias não submetidas ao governo português, cujas terras tinham de atravessar. Transportavam consigo uma esteira, ou um cobertor que o chefe de caravana lhes fornecia, a que por vezes juntavam também uma pele de cabra, a servir-lhes de cama estendida no chão em qualquer parte onde acampavam; uma panela de barro para fazerem o infundi (massa de farinha de mandioca ou de milho) e uma cabaça para a água eram os utensílios indispensáveis para seguirem viagem. As caravanas aproveitavam a manhã para iniciarem a marcha descansando ao pino do sol e reiniciando mais pela tarde.
 
As caravanas das expedições militares eram compostas por mais de mil carregadores, chegavam a atingir os três mil. Os chefes de caravana sabiam que o inimigo dificilmente tentaria atacar uma caravana tão numerosa e, por outro lado, se houvesse casos de deserção ou doença entre os carregadores, facilmente, se redistribuiria a carga.
 
A viagem era sempre muito penosa. A condição física dos carregadores, a fome, as chuvas tropicais e as doenças grassavam, ao longo das semanas entre os componentes das caravanas, não escolhendo a condição de ser carregador ou chefe de caravana; transpunham rios a vau, de muito difícil acesso, subidas e descidas onde os mais fracos sucumbiam, sendo deixados, por vezes, moribundos. Não raro, a escassez de alimentos a isso obrigava. A caravana era completada por exploradores, os célebres pisteiros. Conheciam na perfeição, todos os traços “ocultos” dos caminhos. Dos seus conhecimentos dependia uma grande parte do êxito (compreenda-se o maior rendimento com o menor custo) das caravanas. Foi assim por exemplo na conquista do Oeste, pela mesma altura, nos Estados Unidos da América. Com uma enorme diferença: a razia das diferentes etnias de Índios.
 
Os primeiros militares que formaram os corpos expedicionários no Kuamato em 1906 sob o comando do então major Alves Roçadas, tiveram guias excepcionais como Calipalula[33], conhecedor profundo da região. Orientava Roçadas não só em momentos próprios de paragem da coluna como conhecia as veias de água mais próximas, aconselhando permanentemente o comandante sobre os movimentos do inimigo. Naquele tempo, estes factores eram incontornáveis para o necessário descanso de uma pequena unidade militar, que quase sempre só parava já exaurida.
 
Demoravam em marcha forçada (sem impedimentos de qualquer ordem como por exemplo ataques inimigos ou chuvadas torrenciais), entre quatro a cinco dias, para perfazer entre 50 a 70 quilómetros, com a agravante de terem de levar todo o material às costas. Cabe aqui referir o papel dos carregadores.
 
 
 
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Não eram escolhidos ao acaso. Os portugueses já deambulavam por aquelas paragens há quatro séculos, internando-se cada vez mais pelo perigosíssimo trilho das caravanas comerciais de longo curso, sabiam quais eram os mais resistentes carregadores e a que etnia pertenciam. Deles muito dependia a progressão no terreno de toda a coluna. Na prática, basicamente não se mudou de transporte de energia animal; homens, mulas, bois e até camelos, para os camiões com capacidade para duas toneladas de carga, importados e adaptados, tendo em atenção a época das chuvas com incontornáveis lamaçais, como a estrutura das pontes operacionais.
 
Os carregadores continuaram a ser, durante ainda cerca de duas décadas absolutamente indispensáveis. Pereira d,Eça bem pode avaliar o seu préstimo depois da inovação do serviço de transporte por camiões “A causa do corte de comunicações foi uma única. Os camiões terem, quase na totalidade, condutores civis, que depois de assistirem aos combates dos dias 17 e 18 de Agosto, ficaram aterrados, e logo se viram atacados, não pensaram senão em fugir[34]. Portanto apesar da concorrência dos camiões, continuaram, prestavam grande e eficaz serviço, eram recrutados pelos seus próprios chefes de aldeia, que aproveitavam compelir os homens válidos do povoado, para, não raro, lhes ficarem com as mulheres e o gado. Curiosamente, os novos carregadores solteiros eram estimulados pelo salário a obter e com ele garantiam o dinheiro suficiente para o lobolo (preço da noiva) que de outra maneira não conseguiriam nunca. O peso dos volumes transportados estavam relacionados primordialmente com as etapas a vencer, a forma do terreno, a presença de forças inimigas e a época seca ou das chuvas. Este assunto dá-me oportunidade de recordar um episódio vivido pelo general Pereira d’Eça[35].
 
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Carregadores Angola. Fotografia do álbum de Cunha Morais, 1908
 Ambaquistas

" ...As caravanas de carregadores, no século xix, criaram uma densa rede comercial e de comunicação no interior de África. O mérito próprio dos africanos na exploração da África Central, nomeadamente de Luanda às Lundas, é realçado no livro da antropóloga e historiadora alemã Beatrix Heintze através de uma multiplicidade de perspectivas, com especial relevo para o papel dos chefes das caravanas, intérpretes e carregadores. Nessa altura, os exploradores europeus olhavam os Africanos como seres menores. Eram muito poucos os que os consideravam como «indivíduos por direito próprio». A literatura de viagens do século xix está cheia de preconceitos e da subestimação dos autóctones.

A interligação destes empreendimentos africanos com o desenvolvimento transatlântico e o desenvolvimento interno africano, as condições quotidianas das viagens em caravana, assim como as suas estruturas complexas, são outros aspectos centrais do trabalho de Heintze. O processo que essas caravanas desencadearam ultrapassou a importante dimensão político-económica que tiveram na época. Percorrendo longas distâncias, criaram novos espaços de comunicação: ligando os locais entre si, criaram espaços supra-regionais. Os chamados Ambaquistas, detentores de uma cultura mista luso-africana e predominantemente negros, desempenharam um papel muito importante e em diversos aspectos foram os pioneiros africanos por excelência no Ocidente da África Central.

No livro, traduzido por Ana Paula Tavares com o apoio do Goethe Institut, uma série de documentos preciosos – desenhos e fotos –, ajudam a construir o retrato de tempos em que a mais ousada determinação e a mais completa desumanidade se conjugaram para concretizar as colónias que meia dúzia de potências europeias dividiram entre si, desenhando uns quantos traços num mapa da África. "
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