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«Ah, se eu tivesses menos vinte anos! Que faria ? Havia de pôr os brancos contra os brancos em África, e os pretos contra os pretos, e brancos e pretos uns contra os outros e nós haveríamos de sair incólumes no meio de tudo». Frase proferida por Salazar em 1966 de acordo com o que vem exarado no livro de Franco Nogueira “Salazar O ultimo combate 1964-1970” 4ªedição ( 2000) da Companhia Editora do Minho S.A.
Nos Estados Unidos e na Inglaterra é comum usar-se a frase “ fulano tem esqueletos nos armários”. O que significa? É uma metáfora: quando uma pessoa fez no passado acções pouco dignificantes ou tem na família membros que envergonham, de tal maneira que não quer que se saiba, diz-se que “fulano tem esqueletos nos armários”.
Uma explicação para esta frase assenta em uma anedota. A netinha pergunta: avozinha, o que é um amante? Amante, resmunga a avó, lívida, pondo a mão na testa, como que a recordar-se, e disparando em direcção ao sótão com a presteza que os anos lhe permitem. Depois de se arrastar pelas escadas, entra no sótão, vai directa a um grande armário, abre uma das portas e fica petrificada: de dentro, muito hirto, como é óbvio, cai um esqueleto nu.
Em África só houve quatro países onde se registaram colonizações europeias: Argélia,Angola, Moçambique e Zimbabué (ex-Rodésia do Sul). Nestes países podemos afirmar que houve colonialismo e colonização. Nos restantes países africanos apenas houve colonialismo. Este verifica-se quando os metropolitanos não se fixam, apenas desempenham cargos de funcionalismo, sempre com o fito de um regresso. Há colonização quando os metropolitanos se fixam com carácter permanente, onde lhes nascem os filhos e onde procuram o “ultimo refúgio na velhice”. Edificam uma casa com jardim à frente e horta e pomar no quintal. Há que distinguir entre colonialismo e colonização; em Angola é fácil distingui-los.
Angola teria beneficiado imenso se em vez de descolonização tivesse havido um descolonialismo! Este,sim, acabava com o colonialismo, principal causador do atraso cultural, económico e, principalmente, social.
O sótão da história colonial portuguesa tem dois grandes armários: o do colonialismo e o da descolonização. Armários grandes com trinta esqueletos. No primeiro, o do colonialismo, jazem quinze esqueletos, todos começados por C que é a primeira letra de colónia: cidadania, contrato, centralismo, cultura, comunicações, conhecimento científico da colónia, centrifugação do capital, crédito, consumo, castigos corporais, censura, colonatos, cartas de chamada, carências de energia, e compadrios (concessões, comissões, condicionamentos e cunhas).
Erros cabeludos que persistiram até ao início do” Tempo Extra”(1961), e alguns até ao “arriar do glorioso pendão das quinas”. Erros que deixaram os quinze esqueletos que atestam as causas de todas as tragédias que viriam a seguir e que, infelizmente, perdurarão durante umas boas (ou más, se persistir o egoísmo actual dos dirigentes) dezenas de anos.
O “Tempo Extra” refere-se aos 13 anos finais do colonialismo (1961 a 1974) em que o governo metropolitano finalmente acabou com um cipoal obsoleto de leis e proibições e tentou desenvolver a colónia. Muito se fez, mas não foi o suficiente, as partes social e política falharam, estrondosamente.
Façamos, resumidamente, porque eles serão dissecados exaustivamente ao longo destas mucandas, a exumação destes esqueletos. Esta exumação é mais do que legítima, não é que se pretende exumar o esqueleto do D.Afonso Henriques primeiro rei de Portugal (século12)!
1º) Cidadania.- é o principal esqueleto do colonialismo Nunca os governos de Lisboa, até 1961, aceitaram que os africanos tivessem um estatuto de cidadão pleno. No fim do século 19, e princípios do século 20, os luandenses e os benguelenses estiveram perto de uma cidadania plena, especialmente quando a república foi implantada em Portugal em 1910. Talvez por inspiração dos ideais libertários dos maçons (românticos) esteve-se perto da liberdade. Fugaz, infelizmente. A influência da oligarquia colonial, residente em Lisboa-os oligas-, foi superior às boas intenções da maçonaria. Note-se que, nesta altura, ainda não havia colonos. A burguesia angolana era, fundamentalmente, africana ou de raiz africana. As fronteiras de Angola ainda não estavam definidas.
Mas as esperanças esvaneceram-se, definitivamente, com o povoamento maciço de europeus a partir de 1920, e depois, fundamentalmente, com o advento da ditadura em Portugal(1926) cuja base imperial era o Darwinismo Social. Repetimos que em Luanda e Benguela floresceram as únicas burguesias africanas em toda a África, com forte incidência de 1860 até 1920. Uma explicação para o facto de serem cidades que escaparam à senda de destruições que caracterizou a independência.Uma explicação para o facto de os seus naturais terem assumido os destinos do país. Não é sem razão que Benguela é hoje a segunda capital do país; no tempo colonial era Huambo (ex-Nova Lisboa). Uma explicação para o facto de os militares portugueses terem favorecido estas burguesias africanas. Os oligas preferiam esta burguesia "lusitanizada" aos outros africanos. Eles lá sabiam porquê, hoje entendem-se, e protegem-se fraternalmente, dando a ideia de que se odeiam. O Alto-Comissário Rosa Coutinho explica esta preferência porque acha que eles escrevem poesia em português e gostam de bacalhau. Almirantemente resumindo: 500 anos de história acabam numa bacalhoada, seguida de um sarau de poesia.
Os africanos nasciam com o estatuto de indígena. Como indígenas, não podiam viajar pelo território, a menos que fossem portadores de uma “autorização do administrador”. Posteriormente podiam ascender ao estatuto de “assimilado” caso preenchessem várias condições:
saber falar correctamente o português, saber ler e escrever e ter uma vida à europeia, ou seja um casamento monogâmico e uma família organizada.
O processo de assimilação, para os “indígenas”, era complexo, com “mil e um documentos”, todos com “assinatura reconhecida”,tão ao gosto do regime ditatorial que azucrinou os portugueses durante 48 anos. Em 1960, com estas barreiras, pouco mais de 50 000 tinham conseguido adquirir o estatuto de assimilado. O indigenato acabou, abruptamente, em 1961.
É óbvio que a falta de cidadania nunca poderia originar populações politizadas e com consciência para votarem em referendos ou eleições. É óbvio que a falta de cidadania deixou os angolanos numa terrível ignorância em todos os sectores . É óbvio que a falta de cidadania não origina empresários. È óbvio que a falta de cidadania inviabiliza uma sociedade urbana. É óbvio que pessoas sem cidadania são uma presa fácil para propagandas, mentirosas ou oportunistas, que escondem interesses inconfessáveis.
2º) Contrato.- Este esqueleto surgiu a reboque do estatuto de indígena. Como os “indígenas” não eram considerados cidadãos plenos tinham um representante, o curador, com responsabilidades em todos os trâmites do contrato. Em que consistia o regime de contrato ? Os”indígenas”, contra a sua vontade, eram sujeitos ao contrato, e transportados para as pescarias do litoral, para as fazendas do café, para as roças do litoral, e, principalmente até 1953, para S.Tomé.
Durante o contrato recebiam roupas, alimentação e um salário, em muitos casos sob abusos e extorsões que deixaram sequelas difíceis de sarar. Os que iam para S.Tomé, onde iam ganhar menos do que na sua terra, raramente regressavam. Henrique Galvão, deputado por Angola, fartou-se de verberar estas injustiças; nunca foi atendido, pelo contrário, acabou por ser preso.
Em Angola instalou-se o péssimo hábito de os colonos irem pedir aos administrativos para arranjarem pessoal trabalhador. Era um hábito arreigado desde os primórdios e que nunca sofreu alteração, salvo durante os curtos governos de Norton de Matos (1912/1914 e 1920/1923). A maioria dos administrativos abominava esta prática que era imposta pelos “de cima”. Isto acabou em 1961.
Às vezes o número de contratados era desmesurado: eram os célebres “contingentes” solicitados através das, também célebres, “confidenciais”.Como escreveu Adriano Moreira (150) havia um «...condicionamento de mão de obra indígena consagrado pela doutrina universitária racista marcelista sobre o papel do indígena na economia, o trabalho compelido, as culturas obrigatórias, o estatuto de concessionários refreavam ou anulavam a iniciativa competitiva. Além disso havia os impedimentos legais à livre circulação dos portugueses entre as colónias o que matava, na fonte, o aparecimento de uma classe empresarial».
Os indígenas não podiam viajar para fora da sua área de residência sem um autorização do administrador do concelho. O fim deste regime começou com o governo de Venâncio Deslandes em 1961e foi erradicado com Silvério Marques de 1963 a 1966, tendo provocado a fúria de alguns colonos e da oligarquia que beneficiavam com ele.
Na verdade o contrato, assegurado em condições laborais honestas (como sucedeu após 1961), não é infamante, antes pelo contrário, ele assegura trabalho a pessoas que dele necessitem e dignifica-as. Trabalhadores contratados há-os em todo o mundo, nos tempos actuais. O trabalho sazonal na Europa e nos Estados Unidos é feito por milhões de pessoas, sem qualquer constrangimento, embora, lamentavelmente, ainda se verifiquem abusos e violências que nós julgávamos que ficariam erradicados após a emancipação de África.
No período de compensação, ou Tempo Extra (1961 a 1974), praticou-se um regime laboral moderno, mas já era tarde, talvez com mais uns anos e boas ascensões sociais entre os nativos, se olvidassem as injustiças dos contratos e das discriminações sociais. Teriam que decorrer, talvez três gerações, para que as injustiças se esbatessem. Não houve tempo(13 anos) para se esquecerem os procedimentos que caracterizaram os tempos anteriores a 1961. Isto influiu na saída dos colonos após a independência, muitos tinham colaborado com estas injustiças, a maioria ignorava-os.
Em 1942 o Governador Geral Freitas Morna escreveu sobre os abusos e tentou, até, um sistema inovador para suprir as necessidades das fazendas e das pescarias e que consistia em fixarem-se trabalhadores permanentes, vivendo com a família em boas casas e com ensino para os filhos. Com tão boas ideias Freitas Morna só governou 10 meses ! Antes dele Norton de Matos foi demitido, por duas vezes, devido à sua extrema repugnância pelo trabalho compelido.
Os angolanos gostavam de rir, em tudo introduziam ironia. Até meados da década de 50 obtinha-se gasolina comprando latas (20 litros) ou tambores (200 litros), que depois se transportavam nas viagens, uma vez que nos “bicanjos” não havia bombas para abastecimento. Nas povoações do mato havia umas bombas manuais oferecidas pelos produtores de petróleo do Texas. Estas bombas eram constituídas por um carrinho, de duas rodas, que fazia lembrar as quadrigas romanas, só que em vez do Ben Hur (condutor) estava um tambor de 200 litros. A quadriga tinha uma “torre” de 2,5 m de altura que terminava em dois reservatórios de 5 litros, para onde era elevada a gasolina através de uma bomba manual de êmbolo, num sistema de vai-vem. Enquanto se esvaziava um reservatório para o carro, por gravidade, bombeava-se a gasolina para o outro reservatório, e assim sucessivamente, em golfadas de 5 litros. As latas e os tambores vazios eram depois aproveitadas para transporte de água. Uma água que, durante uns tempos, tinha um leve travo a gasolina, isto para não dizer que cheirava e sabia a gasolina.
Um angariador viajou numa camioneta, apinhada de contratados, durante o cacimbo. Estrada poeirenta e cheia de buraquinhos, buracos, buracões e crateras. O nosso viajante era asmático e, aflito com a poeira, pediu para parar a camioneta. Mal pôs os pés no chão deu uma bombadas para a garganta e ganhou nova vida. E como “parada dá mijada”, toca a aliviar a bexiga. Um contratado, espantado, disse para outro companheiro: “iihhh, este branco para mijar precisa de dar à bomba, é como nas bomba de gasolina...”
3º) Centralismo.- A concentração de todas as decisões em Lisboa foi total, durante o tempo colonial e até durante a descolonização. Tornou-se uma obsessão. Angola nunca teve uma simples autonomia. Em Lisboa sempre imperou uma mentalidade de poder absoluto em relação às colónias. Os povos coloniais eram encarados como crianças que precisavam de ser tuteladas. E que nunca iriam atingir a maioridade, matutavam os oligarcas.
O governo em Lisboa mantinha uma chantagem induzida, em relação aos colonos, apoiada, principalmente, em dois pilares: o primeiro era o de que não havia um exército angolano próprio mas apenas forças militarizadas, comandadas sempre, até ao nível de sargento, por metropolitanos.Ou seja não havia exército próprio capaz de fazer “uma virada”. Esta seria logo esmagada pela tropa metropolitana equipada com material moderno que, intencionalmente, não existia em Angola.
O segundo era a separação, deliberada, entre europeus e africanos, não deixando estes subir na escala social. Com estas duas clivagens o perigo de “um grito do Ipiranga” nunca iria aparecer. A separação propositada entre a duas comunidades, a africana e a europeia, garantia uma desunião que favorecia a Metrópole. Lisboa ciciava aos colonos: «se vocês intentarem a independência nós vamos embora e vocês não aguentam os “pretos”». O que, afinal, se verificou, embora nunca tivesse prevalecido qualquer ideia de um “grito do Ipiranga”. Não havia, ainda, uma base histórica e população que pudessem amparar uma emancipação igual à do Brasil, ou seja, feita pelos colonos. Como já o afirmámos a independência foi exógena, ou seja de fora para dentro.
Os soldados angolanos eram “indígenas” recrutados por toda a província. O recrutamento destes não era compelido como o dos contratos. Até já era de boa tradição, em alguns povos, “fazerem a tropa”. O voluntariado “para a tropa” era já admitido, pelos africanos, como uma boa iniciação para a vida, e atingia números interessantes.Por exemplo nos Cuanhamas e nos Quiocos era tradição, entre eles, o cumprimento do serviço militar. Este dava-lhes a condição de homem completo.
O mal aparelhado exército em Angola, em 1960, ainda usava a táctica militar B referente ao conflito mundial 1914-1918, até porque o material de guerra, existente, era todo daquele tempo. Ou seja, não havia tanques ou carros de assalto, não havia aviação militar, não havia artilharia moderna, nem sequer uma logística actual. As espingardas e as metralhadoras eram daquela guerra. Qualquer sublevação interna disporia de infraestruturas e logística próprias do princípio do século 20, ou seja sem aviação. Esta estava toda em Portugal.
È paradigmática a frase de um angolano, citada por C.A.Domingues (73), «O pior mal que os portugueses nos fizeram é o de nos obrigarem a fazer a luta de libertação a partir do exterior».
Mesmo aqueles metropolitanos capacitados, com provas dadas, mas com muitos anos de trópicos, eram encarados,pelos oligas, como “pirados”. É sintomático o que Marcelo Caetano, quando era Ministro das Colónias (1944/1947) escreveu a Salazar( 16), a propósito de uma licença concedida ao Governador da Guiné: « Teria de ir sem vencimentos. Mas como o homem tem 14 anos de governo tropical e está já na fase de asneiras frequentes...» Quer dizer, segundo a óptica colonialista, quem vivia muito tempo nos trópicos ficava “passado dos carretos”.
É de um paternalismo oco, revelador de uma superioridade própria de um imperialismo ultrapassado, embora querendo aparentar o contrário, a frase de Rosa Coutinho, um desastrado governante durante a descolonização, quando regressou de Lisboa onde se tinha deslocado para receber, à semelhança do que já sucedia há 500 anos, e com frequências desmesuradas, ordens do governo centralista, citado em (42):« Tinha que trazer um rebuçado para esta malta para ver se acalmam; sei que a situação está um pouco quente e estas medidas podem constituir um tónico para a incerteza que naturalmente sentem a respeito do futuro; sabem que vão perder privilégios mas ganham noutros campos».
O conceito daquele governante, sobre os angolanos, “esta malta”, era este: são uns pobres diabos que aceitam qualquer balela, uns “rebuçados”, os cérebros somos nós, as decisões são nossas. É interessante notar que a mentalidade dos dirigentes, que se seguiram ao golpe de estado de 25 de Abril, era igual à dos anteriores governantes. Não é preciso ser-se Sherlock Holmes para se explicar porquê. Eles eram os mesmos, só que com outras roupagens políticas vestidas à pressa, como nos teatros de revista, com todo o respeito por este teatro. Que, afinal, fartou-se de criticar a ditadura, sempre com uma admirável subtileza.
4º) Cultura.- Com o seu principal atributo o ensino, é outro esqueleto, e avantajado, que jaz no armário do colonialismo. O ensino levou, sempre, o governo central a situações beirando o pavor. A 1ª República, que vigorou de 1910 a 1926, inovou, apresentando um certo entusiasmo no ensino.
Talvez sob inspiração maçónica, já mencionada, criaram-se centenas de escolas, por toda a colónia, chegando a haver embriões de escolas técnicas, denominadas escolas-oficinas. O nome da escola de Silva Porto, em 1924, era Pátria Nova- um perfume filantropo-ia ter ensino técnico, aventou-se a hipótese da cultura do bicho da seda, os recreios nos novos edifícios tinham centenas de amoreiras. Posteriormente quase tudo foi abandonado. Em 1919 foi instituído o primeiro liceu em Angola o depois Liceu Nacional Salvador Correia, e em 1929 foi criado o segundo liceu na Huíla, o Liceu Nacional Diogo Cão.
Depois do Liceu da Huíla, em 1929, foi o vazio absoluto, no ensino secundário; só em 1954 seria criado o liceu feminino de Luanda e em 1956 os liceus de Nova Lisboa e Benguela. Todo o ensino secundário, excepto em Luanda e Sá da Bandeira, foi mantido por particulares, sempre sob a pouca vontade dos governos de Lisboa. A vigilância oficial sobre este ensino particular foi sempre apertada. A taxa de reprovações era alta. Houve anos em que ela foi tão alta que o próprio Governador Geral mandou repetir os exames. A oligarquia metropolitana vivia obcecada com a frase “quem transmite o saber, transmite o poder.”
Em 1936 gerou-se em Nova Lisboa um movimento a favor do ensino secundário. As populações até nem exigiam um liceu, pugnavam por uma escola técnica. Era grande o entusiasmo, o próprio Governador do Bié subscreveu a petição. Resultado: zero. Teriam que decorrer mais 20 anos para a petição ser satisfeita.
Mas no ensino primário a situação ainda foi pior. À década de 20, caracterizada pela criação de centenas de escolas, seguiu-se a década de 30 caracterizada pela aniquilação de dezenas de escolas. Motivo: não tinham alunos! Em 1935 o meu pai, que se encontrava no Vouga (povoação a 30 km de Silva Porto, hoje Cunhinga), fartou-se de lutar contra o fecho da escola primária. Mas em vão. A escola foi fechada, mas acabou por reabrir, talvez por um assomo de vergonha, dois anos depois. Como o Vouga fecharam-se, na década de 30, dezenas de escolas mas que nunca mais reabriram. Elas só reabriam quando havia protestos das populações, como foi o caso do Vouga.
O ensino primário, fora das cidades e vilas, estava cometido às missões católicas e protestantes. Em Angola qualquer missão que não fosse católica, era designada de “protestante”. O que não corresponde à verdade, porque havia missões de muitas crenças religiosas. As missões bem que se esforçaram por atenuar uma tarefa que competia, inteiramente, ao governo central. O objectivo das Igrejas é o culto religioso, mas foi-lhes destinada a alfabetização das populações, sem verbas. Sem estas, nem Deus lhes podia valer!
O ensino universitário foi sempre um tabu. O governo central arranjou, sempre, uns esquemas ou evasivas para protelar a sua instalação. Acabou por ser implementado em 1963, mas com graves deficiências: não existiam os cursos de direito, arquitectura, sociologia e economia. Este ultimo acabou por funcionar, graças à “carolice” de um professor, a partir de 1972.
O esqueleto da cultura ainda foi agravado com a falta de bibliotecas. Mais adiante, no livro, descreveremos a saga das bibliotecas que existiam só em decretos e portarias.
A falta ou deficiência de cultura foi uma das principais causas do atraso, em que se encontrava Angola, sob o aspecto humanístico.
5º) Comunicações.- A deficiência de comunicações foi uma das principais causas sob o aspecto tecnológico. Em 1961 as estradas em Angola eram, praticamente, as mesmas do que no tempo de Norton de Matos. Eram milhares de quilómetros, intransitáveis na estação das chuvas, porque o trânsito tinha decuplicado. A única melhoria, desde a década de 20, foi a construção de pontes. Muitas pontes. Algumas de grande porte. Para as pontes não é estranho pensarmos que muito deve ter contribuído o LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil). Era um orgão com prestígio internacional e com bons trabalhos prestados em Angola. E também a figura do eng. Edgar Cardoso, um génio da engenharia de pontes. Talvez o LNEC e o engenheiro forçassem o Governo a fazer grandes projectos.
As pontes rodoviárias constituiram uma marca do colonialismo. As pontes aéreas constituiram uma marca da descolonização. As pontes feriadárias constituem uma marca dos governos ultra-democráticos, em Portugal, que gostam de governar agradando a tudo, a todos e o tempo todo. Quando o tesouro apresentar buracos negros com tendência a agruparem-se em um único grande buraco, toca “a cavar” para a oposição, arvorando-se em vítima..
Em comunicações a principal negação foi a das estradas. O governo centralista equivocou-se quando resolveu construir caminhos de ferro, em uma altura em que o automóvel já se tinha imposto em todo o mundo. Mas pior do que essa falta de perspectiva histórica (se calhar até foi de propósito, pois não interessava que Angola explodisse em progresso) foi a não asfaltagem das estradas. Até 1961, em que se começou a pavimentação, as estradas ficavam intransitáveis durante as chuvas. Entre Luanda e Dondo registou-se um “enterranço” histórico em 1958: uma fila de mais de 50 km de camiões atolados na lama. Era confrangedor o isolamento entre cidades!
Depois da guerra 39-45 apareceram os jipes, viaturas para todo o terreno. Para o desenvolvimento de Angola era lógico que estes jipes, que em parte até substituiriam o cavalo, pois podiam ir a locais inacessíveis às outras viaturas, tivessem estatuto especial, com isenção de impostos, de modo a serem difundidos por toda a colónia. Pelo contrário, a importação dos versáteis jipes estava sob “numerus clausus”(número limitado), era só para uns quantos amigos, ou para endinheirados ou para os serviços oficiais. Bem lá no fundo era o velho temor do garimpo.
Em telefones só algumas cidades possuiam rede local, com telefones do tempo de Graham Bell, apenas Luanda tinha rede automática.. Em 1953 dizia-se que a rede automática era muito moderna. Mas em 1929 os jornais de Lisboa escreviam: “A Companhia dos Telefones de Lisboa vai usar em breve os aparelhos que permitem as ligações pelo simples manejo de uma rodela numerada o que dispensa a intervenção das meninas da central.”
Telefonemas entre cidades não existiam. Silva Porto capital de um distrito, só dispôs de rede telefónica em 1971, mesmo assim recebeu a rede do Lobito, não automática e com mais de 30 anos. Para se falar tinha que ser aos gritos e sob escuta da respectiva telefonista. Um campo aberto para fofocas, facilitando a actuação da censura. Por incrível que pareça, a cidade em 1959 tinha um único telefone que, nem sequer, estava inserido em uma cabine, ao abrigo dos curiosos.
E que dizer da televisão? Nunca percebi a atitude do governo de Lisboa em não permitir a televisão. Poderia admitir-se que fossem problemas financeiros, mas este argumento cai por terra, porque havia empresas interessadas na sua instalação. Os encargos seriam particulares.E, se tivessem que ser oficiais, não havia problemas financeiros: Angola fechava, sempre as suas contas com saldos positivos. Ao contrário de outros países, que eu não cito, por pudor, que estão sempre no “vermelho”, e com taxas de crescimento estonteantes: 0,2%. Ou então com taxas de crescimento negativas! O que é crescimento negativo? Em matemática uma função cresce ou decresce!
Em Setembro de 1974, quando tudo desmoronava, o presidente da Junta Governativa Rosa Coutinho teve uma atitude ousada: entregou ao ministro da Coordenação Interterritorial um projecto de decreto-lei para a instalação da televisão em Angola. No Boletim Oficial (era assim que se denominava o “diário da república” em Angola) de 30 de Novembro de 1974 foi publicado o Decreto 677/74 que autorizava a instalação e exploração em Angola do serviço público da TV. Era uma empresa mista com 51% do capital pertencendo ao governo metropolitano. Vale dizer: tarde piaste. Rosa Coutinho ainda tentou resgatar a vergonha da ausência de TV em Angola.
Já em pleno Tempo Extra constitui-se uma empresa particular de TV, que chegou até a efectuar emissões por cabo (em 1972 dizia-se que era o futuro da TV, o que se confirmou ) mas, ingloriamente, nunca conseguiu o alvará. A versão que corria, sempre de rua porque o governo nunca dava satisfações, explicava que a TV seria montada em breve, com a aparelhagem obsoleta vinda de Lisboa, uma vez que a RTP (Rádio e Televisão Portuguesa) iria entrar na era colorida. E claro, com a aparelhagem obsoleta viriam, também, os programas com um elevado grau de vetustez, cobertos de musgo. E, é óbvio, com programas filtrados.
O engraçado de tudo isto (se quisermos rir com desgraças) é que a África do Sul, indiscutivelmente um país moderno e muito avançado em tecnologia, alinhava com Portugal na relutância em dotar o país de uma TV. Tal como em Portugal, o governo minoritário e segregacionista não tinha interesse na divulgação de notícias e cultura para as massas.
6º) Conhecimento científico da colónia.- É mais um esqueleto deixado pelo colonialismo. Meu pai teve vários desabafos sobre a tremenda falta de curiosidade dos cientistas da Metrópole. O campo de estudo e investigação era, com um pouco de exagero, infinito. Desde o estudo dos rios, das doenças ( que eram estudadas em Lisboa!), dos milongos (remédios nativos que eram desprezados), das plantas medicinais ( que eram encaradas com sobrançaria) da fauna (os crocodilos foram sempre denominados jacarés), da flora (havia centenas de frutas nativas que podiam ser comercializadas), do clima, até ao estudo da orla marítima e do mar, havia um universo para ser investigado. A Carta Fitogeográfica de Angola elaborada por John Gossweilar e Mendonça foi feita em Angola em 1939. Só em 1973 é que saiu uma carta actualizada, graças à carolice do eng.º Grandvaux Barbosa que residia em Angola.
Nunca saíu qualquer carta geológica acessível aos habitantes de Angola, como era, por exemplo, a carta aerofotogramétrica em escala 1/100 000. O conhecimento geológico de Angola (se o havia) estava fechado a sete chaves, só os oligas a ele tinham acesso. Uma campanha bem urdida convenceu os angolanos que, geologicamente, era “tudo areia”. Diamantes só na Lunda. Nos E.U.A. compra-se qualquer folha da carta geológica em uma banca de jornais.
Mas nada! O interesse das universidades metropolitanas era diminuto, ressalve-se alguns cientistas que se arriscaram, quase por conta própria.A única contribuição das universidades portuguesas eram as visitas dos orfeões e das tunas académicas.
O distrito do Bié nunca recebeu a visita de qualquer grupo de alunos ou professores que estivessem interessados em estudar qualquer assunto. Nunca ninguém estagiou no Bié. Só teatros, tunas, orfeons, orquestras de tangos, cantadores de fados, passeios turísticos e discursos patrióticos. Estes sim, eram em cascatas e intermináveis, chegavam a ocupar, nos dias seguintes,em transcrições, duas e mais páginas nos jornais. É óbvio que poucos tinham a pachorra de os ler porque eram longos, chatos e repetitivos.
É certo que havia a Junta de Investigações do Ultramar, com a sede em Lisboa. No cacimbo éramos visitados por uns cientistas que efectuavam estudos que depois eram publicados em livros sobre assuntos meramente académicos. Livros que abordassem assuntos de interesse prático, e aplicação imediata, conheci muito poucos. E os poucos que conheci foram escritos por técnicos que residiam em Angola e que deixaram obras de elevada qualidade científica e excelente aplicação prática. Mas, mesmo estes, foram publicados já no Tempo Extra (1961/1974). Antes, “não havia verba”. Exemplos positivos: o esplêndido livro de Castanheira Diniz, neste livro referido n vezes, Características Mesológicas de Angola publicado em 1973, de circulação restrita (porquê ?), e a carta fitogeográfica de Grandvaux Barbosa, citada acima.
Nunca me esqueço do seguinte: um alfarrabista em S.Paulo (que no Brasil se denomina sebo), ao saber que eu era de Angola, levou-me a um sala onde se encontravam milhares de livros no chão. Eram livros editados pela Junta de Investigações do Ultramar. “Escolha os que quiser”, disse-me ele,” é de graça”. Se quiser pode levá-los todos, só me estão a ocupar espaço, até agora ninguém comprou qualquer livro. A Junta enviava toneladas de livros para o Brasil, onde ninguém tinha interesse em lê-los, e enviava muito poucos para Angola, onde havia, de facto, muitos interessados em lê-los.
Só para dar um exemplo: Uma das publicações da Junta de Investigações do Ultramar tinha por título:”Contribuition à l´étude de la famille du Pa231 par des correlations angulaires de quelques cascades y-y et xy”.
Na década de 40, estudava-se geografia e história de Angola, só na 4ª classe, através de dois livrinhos que se mantiveram no activo até fins de 1960 . Nunca lobriguei qualquer livro sobre história ou geografia, só na década de 70 é que, finalmente apareceram obras úteis feitas por residentes em Angola, como, por exemplo, a obra acima referenciada de Castanheira Diniz. A história e geografia de Angola eram, propositadamente, olvidadas.
O antigo ministro do Ultramar Adriano Moreira confessa que em 1955 assistiu à Conferência Interafricana das Ciências Humanas que se realizou em Bukavu de 23 de Agosto a 3 de Setembro. Escreveu (150): «Foi lá que me dei conta , pela primeira vez com verdadeiro dramatismo, do atraso português nos domínios da investigação e do ensino em todos os campos das ciências humanas que interessavam ao Ultramar, incluindo a problemática política contemporânea».
Esta falta de investigação e actualização das ciências humanas iria ser fatal, vinte anos depois. Enquanto os dirigentes e militantes dos movimentos independentistas estavam muito politizados, em Angola era confrangedora a falta de politização e, até, a falta de informação. Quando os angolanos se deram conta das correntes políticas que apareceram no período da pré-independência ficaram atónitos e desnorteados.
7º) Centrifugação do capital.- O esquema económico que prevaleceu até à década de 60 foi um mercantilismo vazio, apoiado na mais valia do trabalho, preponderantemente indígena. O pouco capital que se conhecia era só obtido através do trabalho mal remunerado. Se sobrasse capital era de imediato transferido para a metrópole, isto é, era centrifugado. Capital através de créditos estrangeiros para investimento, nem vê-lo. Mas subsistiu sempre um paradoxo: os grandes capitais eram centrifugados de imediato mas as pequenas poupanças eram centripetadas ou sejam eram obrigadas a ficar em Angola. Mas, para estas,nem sequer havia remuneração, através de juros compensatórios.
Havia uma forma indirecta da centrifugação de capitais, mas não a menor: a apropriação das divisas angolanas provenientes da exportação de dezenas de géneros. Angola exportava em 1973 mais de 40 artigos, cada um de valor superior a um milhão de dólares , com relevância para café, petróleo (era o início da “cornucópia” então com 147 068 barris diários), diamantes, minério de ferro, farinha de peixe, algodão em rama, sisal, peixe fresco refrigerado ou congelado,banana fresca, madeira em bruto e cimento. Por isso a balança comercial portuguesa tinha um certo desafogo graças às divisas de Angola.
8º) Crédito.- Existia uma flagrante falta de capitais. E não havia onde os obter. Conheci um dentista (em 1956) que chegou a ter no banco, em depósitos à ordem, a quantia de 1 250 contos. Um Vollkswagen custava em 1956 cerca de 50 contos (2 000 dólares na época). De acordo com este “câmbio” seriam hoje 25 carros ou cerca de 450 000 euros ou 90 000 contos. Uma enorme quantia (1 250 contos na época) sem quaisquer juros, um verdadeiro maná para um banco. Uma quantia inerte em um banco, porque o depositante não tinha onde a aplicar. O Banco de Angola não proporcionava crédito a longo prazo, o único que fomenta riqueza firme. E não pagava juros, nem às pequenas poupanças.
Os colonos arranjaram “esquemas” habilidosos, mas éticos, para contornarem o flagrante vazio de moeda. Os comerciantes conseguiam solver os seus compromissos através de letras e sucessivas reformas. Ter-se uma letra protestada (que não foi paga dentro do prazo) era uma enorme vergonha! Os funcionários conseguiam aguentar o dia a dia através dos livros de débitos (a célebre caderneta do “aponte”) e, especialmente, dos vales.
Uma vale consistia no seguinte: em um pequeno papel, quanto mais pequeno melhor para o devedor, pois se perderia com facilidade, ele escrevia: Vale 12 angolares, por exemplo, punha a assinatura a data e pronto, já podia levar a mercadoria. Quanto ao pagamento isso às vezes, ficava para as “calendas gregas”, ou para o dia de S.Nunca.
Por piada contava-se que um comerciante não conseguia eliminar os ratos no armazém. Pôs ratoeiras com pão, carne,todos com veneno de rato e nada. Parece que os ratos eram metropolitanos recém chegados à colónia (estávamos na década de 40). Seriam, segundo a terminologia oficial, colonos ratos. Eram espertos e muito vorazes, logo que chegaram começaram “a explorar as riquezas do país”.Por fim alguém lhe sugeriu a colocação de um pedaço de queijo na ratoeira, afinal eram ratos europeus de fino paladar, não resistiriam a uma iguaria europeia. Era a década de 40, ainda se não fabricavam queijos industriais em Angola. O comerciante, seguindo as praxes da economia angolana, e como não tinha queijo, pôs um pedaço de papel na ratoeira onde estava escrito: Vale 1 pedaço de queijo. No dia seguinte, perplexidade: a ratoeira tinha disparado, mas em lugar de um rato estava outro bilhete onde estava escrito: Vale 1 rato. Os vales funcionavam, mesmo, em qualquer situação!.
Os colonos, por não disporem de um mercado moderno, por estarem inseridos em um contexto de salários baixíssimos, quase o mercantilismo do século 19, e de não disporem de poupanças remuneradas, podiam esperar uma velhice de miséria, a menos que tivessem filhos com “o liceu” ou seja funcionários públicos. O governo de Lisboa inteirou-se disto e criou, em Silva Porto, a Mansão dos Velhos Colonos, um abrigo de 3ª idade. Basta folhear os jornais da década de 40 para se ler, com grande frequência, a morte de “um velho colono, praticamente na miséria”. O hospital de Silva Porto mudou-se em 1951 para um dos edifícios da Mansão dos Colonos e por lá ficou até 1962, ocupando as instalações destinadas à terceira idade
Antes da criação da Mansão muitos colonos, principalmente aqueles que não tinham filhos, morriam na miséria. O caso mais pungente foi o do médico João Pessoa. Vivia em Cantanhede onde tinha bens de raiz. Entusiasmado foi para Angola como avençado do Caminho de Ferro de Benguela. Vendeu tudo o que tinha em Portugal e estabeleceu-se em Nova Sintra (actual Catabola, no Bié). Tudo deu errado. Ele tinha pena das pessoas e não cobrava honorários. Morreu quase na miséria em Nova Lisboa perante a indiferença dos governos coloniais. Este caso, por ser paradigmático, já foi referido anteriormente.
As poupanças não remuneradas podem agregar-se ao esqueleto do crédito. Em Portugal havia os certificados de aforro, bem remunerados e com boas taxas de permanência, que garantiam, e estimulavam, as pequenas poupanças. Em Angola, quem tivesse dinheiro (um caso raro) teria que o pôr de baixo do colchão (duríssimo,de palha de milho ou de chipipa, como é óbvio, para quem é pobre!). Refira-se que não havia inflação ostensiva.
A única remuneração das poupanças era na Caixa Económica Postal onde eram contempladas, com juros de 2% ao ano, sobre um valor máximo de 24 contos ( 1 000 dólares). Mesmo assim, esta microscópica remuneração do capitais só foi instituída em 7 de Dezembro de 1949. Era flagrante: no Banco de Angola havia milhões de contos, provenientes de “depósitos obrigatórios”, um capital escandalosamente inerte!
Em 1969 foi criado o Instituto de Crédito de Angola destinado a operações de crédito a longo prazo, o tal que fomenta a agricultura, a pecuária, a pesca, a florestação, a energia e o turismo, tudo RR (recursos renováveis). Com que dinheiro? Será que os banqueiros metropolitanos acordaram do sono hipnótico de mais de meio século? Será que o governo de Lisboa foi magnânimo? Pois bem, o dinheiro veio dos tais “depósitos obrigatórios”.
Costa Oliveira em 1972 (163) exara que«O Instituto de Crédito está concebido por forma a transformar-se numa instituição financeira poderosa, capaz de fornecer contribuição relevante para o desenvolvimento económico da província». Este Instituto alimentou-se com os “depósitos obrigatórios”.
Na realidade os “depósitos obrigatórios” existiam desde o aparecimento do primeiro banco emissor o Banco Nacional Ultramarino em 1865. Durante 100 anos os “depósitos obrigatórios”, que depois foram transferidos em 1926 para o Banco de Angola, foram recebendo dinheiros oficiais e judiciais das diversas pendências, concursos, cauções e testamentos em litígio. Embora houvesse alguns levantamentos posteriores(cerca de 30%), havia, sempre, um grande volume de dinheiro inerte e sem vencer juros. Era um dinheiro morto, em uma terra sedenta por capitais. Como foi isto possível? Como é possível que uma pré-nação, ávida de capitais e a quem os bancos metropolitanos tratavam com desprezo, detenha uma tão grande quantia, na época seriam 2,5 milhões de contos, completamente parados, durante cem anos? Esta verba de 2,5 milhões de contos equivale hoje, talvez, a mais de 750 milhões de euros.
Não admira que Angola apresentasse uma deflação (vazio monetário) crónica. Não havia bancos de crédito, não havia poupança, não havia investimentos, não havia macro desenvolvimento económico.
Não conheci um angolano milionário, um ricaço que vivesse permanentemente na colónia, que habitasse em uma mansão. Só havia um único banco, o Banco de Angola, que, como é óbvio, era o emissor da colónia. Mas que tinha a sede em Lisboa. A moeda até 1953 era o angolar, que depois passou a denominar-se escudo angolano, um dinheiro que nada valia, apesar de nele constar a efígie do Presidente da República de Portugal. Não tinha valor facial como depois ficou cruelmente provado quando se deu a debandada geral. Após a descolonização o dinheiro colonial servia para forrar paredes. Se fosse hoje dava para snifar, se fossem notas novas. E, no entanto, as notas tinham a efígie do Presidente da República Portuguesa.
Em princípios da década de 50 o governo central recriou um novo banco, pomposamente denominado Banco do Fomento Nacional. Entrou em “funcionamento”, com grande estardalhaço, no dia 5 de Janeiro de 1960. “Funcionou” no edifício do Banco de Angola em Luanda em duas salas, tinha um director geral, que era engenheiro civil e mais três funcionários. Nunca fomentou nada. Não fomentou nem sequer esperança, nem azedume conseguiu fomentar, porque ninguém dava pela sua presença. No Lobito, onde o edifício do Banco de Angola já era exíguo para o expediente corrente, levou o jornal “O Lobito” a fazer a seguinte pergunta: «Como se vão mexer os clientes?».
Mas a história destes “bancos de fomento” era antiga. Em 1930 foi criado o Banco de Fomento Colonial, ainda sob a aceleração nortoniana. Nunca funcionou, o país já estava a entrar no marasmo financeiro. Em 1946 o Ministro das Colónias Marcelo Caetano, ainda embevecido com a recepção dos colonos, após ter regressado de uma viagem a Angola e Moçambique, criou o Crédito de Fomento Agrícola que depois originou o Banco de Fomento sempre agregado ao Banco de Angola. Não funcionou.
O Banco de Fomento, um simulacro de banco, emprestava dinheiro para a indústria, a agricultura e a pecuária com prazos “alucinantes”: 4 e 12 meses. É elementar que a agro-pecuária só pode trabalhar com empréstimos a longo prazo. O milho, para citar o exemplo mais simples, necessita de, pelo menos,2 anos até se obter o retorno do capital. O gado necessita de mais de 7 anos. Uma pequena obra hidráulica precisa de 25 anos de amortizações.
E, vergonha das vergonhas, o Banco de Fomento Nacional, instituído em 1930, mas que nunca funcionou por falta de fundos, recebeu um empréstimo do Estado de 30 000 contos (164) em 1960,«...emquanto o mesmo não receber os recursos financeiros de que necessita para dar continuidade à sua política de crédito». Apenas uma pergunta: que política de crédito se o Banco de Fomento Nacional, parturejado em 1930, nunca funcionou ou sequer deu sinal da sua presença? Ele vivia aboletado no Banco de Angola. Na realidade o empréstimo destinou-se, apenas, para pagar aos funcionários.
O novo Instituto de Crédito, que começou a funcionar em 1972 apoiado nos Depósitos Obrigatórios recebeu, também, todo o património da Caixa Económica Postal, unico estabelecimento de crédito para habitação que remunerava as pequenas poupanças, mas só até 24 contos. Uma autêntica cornucópia de dinheiros públicos que , no caso dos depósitos obrigatórios, até já estavam com “reumático”!
Em 1936 o Standard Bank da África do Sul chegou a ter uma casa alugada no Lobito, e um gerente, com o fito de abrir uma filial. Depois de muitas evasivas do governo de Lisboa, não foi autorizada a abertura. Em 1956 finalmente apareceu um banco comercial que ficou muito espartilhado, porque não podia trabalhar com câmbios ( ou seja não tinha centrifugadora), e a concessão de créditos era limitada pelo governo. A autorização para este banco (Banco Comercial de Angola) actuar foi-lhe concedida em 1950. Só começou a funcionar 6 anos depois! Como sempre, a velha lentidão colonialista!
Crédito nunca existiu durante os anos de letargia, quem financiava os parcos negócios eram os agiotas que emprestavam dinheiro com juros escorchantes. O meu pai que o diga, esteve sempre amarrado aos zânganos. A partir de 1930 o duo Salazar/Armindo Monteiro (Ministro das Colónias) tudo fez para aniquilar todo o macro-capital de raiz angolana. O pouco que existia, proveniente da década de 20, volatilizou-se em falências provocadas pelo governo e só o grande capital exterior metropolitano passou a prevalecer. A falta de grandes capitais, ou elevados patrimónios, em Angola, foi uma das causas da debandada geral em 1975. Toda a gente pensou: “o que eu tenho, facilmente recomponho em qualquer lado, sem necessidade de passar vexames”! O que se confirmou, decorridos mais de trinta anos. Os “retornados” deixaram para trás os seus haveres, meros pertences de qualquer pessoa de classe média, em qualquer país que faça parte do lote dos economicamente desenvolvidos. São pertences que se obtêm, facilmente, com qualquer crediário, em países ocidentalizados.
Não hesito em afirmá-lo, até que apareça uma estatística corajosa que prove o contrário: quase todos os que abandonaram Angola, onde possuiam apenas uma casa e respectivas mobílias e um carro geralmente afogado em letras, estão hoje melhor do que no tempo antes do êxodo. Pelo menos têm acesso a qualquer leitura, podem discutir qualquer assunto, os filhos e netos podem estudar até ao doutoramento, podem viajar com facilidade!
Em Angola existiam firmas de raiz angolanas que nós, os desinformados e com conhecimentos nulos sobre o resto do mundo, achávamos que eram grandes empresas. Pura ilusão. Eram apenas fracções de macro-capitalismo, esmolas que a Metrópole achou que eram necessárias. E eram. Elas davam milhares de empregos estáveis (uma raridade actualmente), contribuindo, assim, para a tão propalada paz colonial, o tal oásis de paz. Oásis em cujas areias jaziam toneladas de explosivos!
Com um micro-capitalismo, cujos excedentes mal davam para as despesas correntes e que não recebiam juros de poupança, e com o grande capital ausente, como esperar por crédito, vital para o desenvolvimento que se vislumbrava por toda a parte ? Como podia haver dinheiro se o pouco que aparecia, proveniente do trabalho e da produção, era imediatamente centrifugado para a Metrópole? O Huambo pediu, anos a fio, uma Caixa de Crédito, um espécie de banco de financiamento de pequenos empreendimentos. Só viria a ser autorizada em 1961 como consequência dos sangrentos acontecimentos que então eclodiram. E que dizer da abertura do Instituto de Crédito de Angola, acima referido, com orgânica semelhante à Caixa Geral de Depósitos de Portugal, destinada a empréstimos a curto e longo prazo, para agro-pecuária e indústria, em...1970 ?
A Caixa Económica Postal, honra lhe seja feita, tinha uma linha de crédito para a construção de habitações. Era pequena, insuficiente para o desenvolvimento da colónia. Por isso formaram-se cooperativas de habitação, com suporte financeiro das pequenas poupanças, que ajudaram bastante a atenuar a deficiência habitacional. Eram os únicos nichos onde se obtinham créditos para habitações.
9º) Consumo.- Se não há crédito também não há consumo, é um axioma da economia. A maioria da população era constituída pelos chamados indígenas cujos baixíssimoa salários não vitalizavam uma economia. No Bié o consumo atingiu níveis de rarefacção inconcebíveis e é fácil explicar porquê. Foi dos distritos mais sacrificados nos anos de estagnação ou tempo de A Grande Soneca (1930 a 1961). Nesses anos era para o Bié que convergiam os olhos gulosos do governo geral, quando lhe pediam trabalhadores. De 1940 a 1961 quase todos os governadores do Bié limitaram-se a apadrinhar as caravanas de contratados que saíram às catadupas. O Bié enxameava de angariadores. Em duas décadas (1940 a 1960) o Bié apresentou diminuição demográfica. O meu pai fartou-de de enviar exposições (era assim que se denominavam as petições) para o governo geral (e até para Lisboa) apontando a vergonha que se passava no Bié. Chegou a falar com Marcelo Caetano quando este era Ministro das Colónias em 1945. Tempo perdido. Só terminou o contrato, não por filantropia do governo mas porque eclodiram revoltas que poderiam ter sido evitadas. E, também, quando a vergonha passou além dos limites e o escândalo do contrato era comentado em todo o mundo.
10º) Castigos corporais.- Conhecidos no folclore angolano como palmatoadas, deixaram um rasto de humilhações e injustiças que, talvez, mais tenham contribuído para a inviabilidade da presença dos europeus em Angola. Mas não faltaram portugueses que, desde sempre, verberaram aquele procedimento. O costume das palmatoadas, maneira antiga, mas bizarra, de se tentar fazer justiça, era justificado com as desculpas esfarrapadas de que “eles são crianças...” ou escorregando para a anedota “eles até gostam de levar porrada...” ou “porrada também se dá nas escolas”, ou “eu levei muitas palmatoadas, por não saber a tabuada”.
11º) Censura.- Foi outro monstrozinho que atenazou a vida dos angolanos. Sub-repticiamente o poder central estava em todas. Tudo era espiolhado, as verdades eram sistematicamente ocultadas, muitos e muitos factos nunca chegaram ao conhecimento das populações de Angola. As revistas ou jornais de fora,manifestamente imparciais, nunca nos chegavam às mãos. A Time e a Newsweek só entraram em Angola a partir de 1969. Os órgãos da imprensa brasileira, muito apreciados em Angola, apareciam com meses de atraso, passavam pelo crivo de Lisboa. A censura tinha dois filhotes: os cortes a as confidenciais. Quando apareciam vazios nos jornais ou estrofes dos Lusíadas todos ficávamos a saber “que houve censura.
Fig - Cidade de Santa Comba sede do colonato da Cela.Foi traçada em estirador pela engenharia metropolitana. Fundada na década de 50 com o nome da terra de Salazar. Gastaram-se rios de dinheiro dos orçamentos da época: segundo se dizia, algumas pedras, para a igreja, vieram de Santa Comba Dão. Apesar disso Salazar nunca cogitou em visitar Angola, ficou sempre recebendo notícias de um “grupo de pequenos sabichões africanistas”. Este colonato e outro no sul, na Matala, absorveram quase todas as verbas proporcionadas pelo café e sisal principalmente. Por isso nunca se asfaltou um simples km de estradas, elas só receberiam pavimentação depois da eclosão das guerras para a independência, talvez uma imposição do exército português para melhor dominar a guerrilha.
É
sintomático que o povo de Angola não tenha sido elucidado sobre o
inevitável colapso que se seguiu ao fim da ditadura. Em plena liberdade
de imprensa, após o 25 de Abril, a população de Angola continuou a não
ter direito à informação. A proibição ainda hoje lá continua, mesmo
depois de independente. Parece que é mau olhado, porque Angola nunca
usufruiu de uma imprensa livre! Nunca a verdade foi cultivada em Angola!
Infelizmente até hoje!
Durante a década de 50 foram implementados uns planos de fomento dos quais sairam poucos benefícios para a colónia. Construiram-se muitas pontes, construiu-se o porto de Moçâmedes, inauguraram-se 3 barragens (de pouca potência, sub- dimensionadas) compraram-se 3 aviões para as linhas internas, mas nada de estradas asfaltadas fundamentais para o desenvolvimento de um território. As estradas pavimentadas eram a maior prioridade para a economia, o ensino era a maior prioridade social. Ambas foram esquecidas Fizeram-se caminhos de ferro obsoletos. Exemplo a linha de Sá da Bandeira ao Chianje ( 135 km de via reduzida), inaugurada em 1949, desactivada em 1962. Mas então para onde foi o dinheiro dos planos de fomento? A resposta é concisa: para os colonatos.
12º) Colonatos.- Foram o maior sorvedouro de dinheiro, deles não se retirou qualquer benefício para o tesouro público, foi um capital delapidado sem qualquer retorno. No livro iremos estudar este esqueleto com muito detalhe. O governo central, não sei se por caturrice, por onirismo, por onanismo patriótico ou por burrice mesmo, insistiu, até à exaustão, nos colonatos sempre segundo um esquema do século 19. Sempre incidindo nos mesmos erros: indução sem a necessária experimentação. Neles consumiu verbas astronómicas, os resultados resumem-se numa única palavra, com quatro letras apenas, em inglês, porque acho que é ilustrativa: flop (fracasso).
No Tempo Extra conseguiu-se atenuar o fiasco da Cela com a criação de gado leiteiro. Foi um sucesso, em poucos anos Angola produzia milhares de litros de leite, além de manteigas e queijos. Café, contratos e colonatos era o tripé económico da Angola das décadas de 40 e 50.
13º) Cartas de chamada.- Um outro esqueleto refere-se às cartas de chamada. Ninguém podia entrar em Angola se não tivesse um visto de entrada. E não tentasse entrar “no salto”,como na França e Alemanha, porque seria fisgado logo no desembarque.
O regime colonial mantinha, perante a estupefacção dos estrangeiros, e até dos portugueses,as célebres “cartas de chamada”. Nenhum português, e muito menos estrangeiro, podia fixar residência em Angola se não fosse possuidor de uma carta de chamada. Esta dava garantia de que o intruso não estava desamparado e havia alguém que se responsabilizava pelo seu regresso. Isto tranquilizava o governo central.
Aliás as cartas de chamada foram instituídas porque a necessidade foi mais forte. Houve um tempo muito curto, no início do “boom” do café em fins da década de 40, que começaram a afluir a Angola muitos imigrantes portugueses desejosos de começarem um vida nova. Não eram necessárias cartas de chamada. Só que as condições económicas de Angola não eram, nem de longe, semelhantes às de qualquer país formado, caso do Brasil, França ou Alemanha, em que existiam milhares de empregos directos, secundários e terciários, em milhares de actividades e para onde afluíam milhares de portugueses. O governo de Lisboa tinha alimentado a ilusão de que Angola era um novo Brasil, mas logo viu que era uma cruel desilusão. Os únicos empregos imediatos, e mesmo assim com uma carência de pelo menos um ano, que é o tempo mínimo para uma cultura e respectiva colheita, eram os da agricultura por conta própria. Que eram muito problemáticos devido à pouca fertilidade dos solos, que necessitavam de tecnologia, ao desconhecimento de agricultura tropical, e à falta de crédito bonificado a longo prazo.
O pessoal que chegava da Metrópole, sem qualquer capital, queria empregos de assalariados, em actividades terciárias,inexistentes na colónia pelos motivos atrás expostos. O pessoal que chegava não podia dedicar-se à agricultura ou pecuária, não por falta de terras ou água , que as havia e muito, mas por falta de conhecimentos, de tecnologia e de capital. As condições edáficas e climáticas de Angola eram totalmente diferentes das de Portugal. Para cultivar em termos europeus, ou seja com máquinas e fertilizantes,era necessário muito capital. Que não existia porque não havia bancos de crédito. Era vital possuir-se tecnologia, que não a havia também, infelizmente. E, somando a estas deficiências, mais uma e grande: não havia consumo interno que pudesse transformar, rapidamente, a produção em dinheiro. Como cúmulo, não havia ensino tecnológico ou agro-pecuário acessível ,nem sequer existia qualquer promessa de ensino superior. E, como já foi dito, não havia estradas minimamente transitáveis no tempo da chuva.De imediato estes imigrantes não conseguiam emprego, ficaram a vaguear por Luanda dando motivo para reparos na imprensa local e, até, na estrangeira, especialmente porque viviam nos muceques (bairros de lata), ao abrigo da tradicional solidariedade africana.O pessoal que imigrava queria trabalhar para um patrão, porque não tinha meios próprios para um empreendorismo para usar este neologismo tão do agrado dos actuais economistas.
A carta de chamada foi a solução encontrada para restringir o acesso a imigrantes que não tivessem emprego garantido. Foi instituída em 1950. Foi um travão à miséria que se adivinhava, acabou por, ironicamente, ser benéfica sob o ponto de vista social, quanto mais não seja porque freou um processo de proliferação de pedintes. E, especialmente, trouxe a certeza, para os oligas, de que a letargia podia continuar porque a carta de chamada era um factor limitante à imigração e, portanto, ao progresso.
As cartas de chamada acabaram por criar um sistema de protecção familiar. Era vulgar, numa determinada empresa, ser de uma única região de Portugal a maior parte do pessoal. Até no funcionalismo público isso era normal. Um director geral tomava posse e, de imediato, a repartição enchia-se de conterrâneos. Sucedia, também, com alguns governadores gerais. Um deles colocou tantos afilhados que se dizia, por piada, que ia vagar o cargo de arcebispo e que ele teria sugerido: “bem, aguentem a vaga,tenho um primo seminarista lá na santa terrinha que está quase padre...”
Dizia-se, no anedotário, que no porto do Lobito um funcionário de nome Rato começou, sub-repticiamente, a colocar pessoas da família. Ao fim de três Ratos admitidos, o director do porto acabou por despachar: “chega de tantos ratos, temos que admitir um gato para dar conta desta rataria”.
14º) Carências de electricidade.- Foi outro triste esqueleto deixado pelo colonialismo. Mesmo no Tempo Extra, em que muitas actividades sofreram um enorme incremento, a electricidade nunca conseguiu satisfazer as necessidades mínimas de Angola. Todas as cidades de Angola estiveram, sempre, sob a ameaça de apagões. Um caso sintomático foi o de Malanje: em 1947 esteve sem electricidade. As barragens construidas nunca atingiram um alvo desenvolvimentista a longo prazo, estavam todas imbuídas de imediatismo.
Talvez porque a energia electrica caíu, a partir do ínicio década de 60, sob a mira gulosa dos oligas africanistas, a colónia nunca teve energia electrica suficiente para se desencadear um surto de progresso. Apesar de possuir um dos maiores potenciais hidroelectricos do mundo!
15º) Compadrios.- O decimo quinto esqueleto é o dos compadrios. Que engloba as concessões, as comissões, os condicionamentos industriais e as cunhas. Qualquer actividade rendosa era rateada entre os compadres de Lisboa, os oligas. Um boato sobre um sector promissor ou aliciante e, imediatamente,
Fig - Barragem das Mabubas. Começou a ser construida em 1951, foi inaugurada em 1954 pelo presidente Craveiro Lopes. Localizada próximo da foz do rio Bengo, a fio de água, ficou sub-dimensionada. Não aproveitou o potencial energético do rio, gerando, apenas, 17 MW, uma potência insuficiente para a demanda de Luanda.. No dia da inauguração o presidente Craveiro Lopes começou, assim, o discurso: «... que, segundo acabara do o informar o senhor Ministro do Ultramar, tinha a grande satisfação em anunciar que estavam em rápida realização as ultimas providências para a breve instalação de dois grupos turbo-geradores que virão completar o integral aproveitamento da barragem das Mabubas». O próprio Presidente confessava que, logo na inauguração, já a barragem estava ultrapassada. Exceptuando a barragem do Gove ,todos os aproveitamentos hidroelectricos não satisfizeram as necessidades básicas de electricidade, uma enorme barreira ao desenvolvimento.Todas as cidades tiveram carências enormes de electricidade, todas recorreram ao”detestáveis motores a gasóleo”.Muitos projectos industriais foram abandonados devido às carências de energias , uma das formas encontradas para procrastinar o desenvolvimento. .Não obstante ,quase todas as cidades tinham enormes potenciais hidroelectricos muito próximos.
Durante a década de 50 foram implementados uns planos de fomento dos quais sairam poucos benefícios para a colónia. Construiram-se muitas pontes, construiu-se o porto de Moçâmedes, inauguraram-se 3 barragens (de pouca potência, sub- dimensionadas) compraram-se 3 aviões para as linhas internas, mas nada de estradas asfaltadas fundamentais para o desenvolvimento de um território. As estradas pavimentadas eram a maior prioridade para a economia, o ensino era a maior prioridade social. Ambas foram esquecidas Fizeram-se caminhos de ferro obsoletos. Exemplo a linha de Sá da Bandeira ao Chianje ( 135 km de via reduzida), inaugurada em 1949, desactivada em 1962. Mas então para onde foi o dinheiro dos planos de fomento? A resposta é concisa: para os colonatos.
12º) Colonatos.- Foram o maior sorvedouro de dinheiro, deles não se retirou qualquer benefício para o tesouro público, foi um capital delapidado sem qualquer retorno. No livro iremos estudar este esqueleto com muito detalhe. O governo central, não sei se por caturrice, por onirismo, por onanismo patriótico ou por burrice mesmo, insistiu, até à exaustão, nos colonatos sempre segundo um esquema do século 19. Sempre incidindo nos mesmos erros: indução sem a necessária experimentação. Neles consumiu verbas astronómicas, os resultados resumem-se numa única palavra, com quatro letras apenas, em inglês, porque acho que é ilustrativa: flop (fracasso).
No Tempo Extra conseguiu-se atenuar o fiasco da Cela com a criação de gado leiteiro. Foi um sucesso, em poucos anos Angola produzia milhares de litros de leite, além de manteigas e queijos. Café, contratos e colonatos era o tripé económico da Angola das décadas de 40 e 50.
13º) Cartas de chamada.- Um outro esqueleto refere-se às cartas de chamada. Ninguém podia entrar em Angola se não tivesse um visto de entrada. E não tentasse entrar “no salto”,como na França e Alemanha, porque seria fisgado logo no desembarque.
O regime colonial mantinha, perante a estupefacção dos estrangeiros, e até dos portugueses,as célebres “cartas de chamada”. Nenhum português, e muito menos estrangeiro, podia fixar residência em Angola se não fosse possuidor de uma carta de chamada. Esta dava garantia de que o intruso não estava desamparado e havia alguém que se responsabilizava pelo seu regresso. Isto tranquilizava o governo central.
Aliás as cartas de chamada foram instituídas porque a necessidade foi mais forte. Houve um tempo muito curto, no início do “boom” do café em fins da década de 40, que começaram a afluir a Angola muitos imigrantes portugueses desejosos de começarem um vida nova. Não eram necessárias cartas de chamada. Só que as condições económicas de Angola não eram, nem de longe, semelhantes às de qualquer país formado, caso do Brasil, França ou Alemanha, em que existiam milhares de empregos directos, secundários e terciários, em milhares de actividades e para onde afluíam milhares de portugueses. O governo de Lisboa tinha alimentado a ilusão de que Angola era um novo Brasil, mas logo viu que era uma cruel desilusão. Os únicos empregos imediatos, e mesmo assim com uma carência de pelo menos um ano, que é o tempo mínimo para uma cultura e respectiva colheita, eram os da agricultura por conta própria. Que eram muito problemáticos devido à pouca fertilidade dos solos, que necessitavam de tecnologia, ao desconhecimento de agricultura tropical, e à falta de crédito bonificado a longo prazo.
O pessoal que chegava da Metrópole, sem qualquer capital, queria empregos de assalariados, em actividades terciárias,inexistentes na colónia pelos motivos atrás expostos. O pessoal que chegava não podia dedicar-se à agricultura ou pecuária, não por falta de terras ou água , que as havia e muito, mas por falta de conhecimentos, de tecnologia e de capital. As condições edáficas e climáticas de Angola eram totalmente diferentes das de Portugal. Para cultivar em termos europeus, ou seja com máquinas e fertilizantes,era necessário muito capital. Que não existia porque não havia bancos de crédito. Era vital possuir-se tecnologia, que não a havia também, infelizmente. E, somando a estas deficiências, mais uma e grande: não havia consumo interno que pudesse transformar, rapidamente, a produção em dinheiro. Como cúmulo, não havia ensino tecnológico ou agro-pecuário acessível ,nem sequer existia qualquer promessa de ensino superior. E, como já foi dito, não havia estradas minimamente transitáveis no tempo da chuva.De imediato estes imigrantes não conseguiam emprego, ficaram a vaguear por Luanda dando motivo para reparos na imprensa local e, até, na estrangeira, especialmente porque viviam nos muceques (bairros de lata), ao abrigo da tradicional solidariedade africana.O pessoal que imigrava queria trabalhar para um patrão, porque não tinha meios próprios para um empreendorismo para usar este neologismo tão do agrado dos actuais economistas.
A carta de chamada foi a solução encontrada para restringir o acesso a imigrantes que não tivessem emprego garantido. Foi instituída em 1950. Foi um travão à miséria que se adivinhava, acabou por, ironicamente, ser benéfica sob o ponto de vista social, quanto mais não seja porque freou um processo de proliferação de pedintes. E, especialmente, trouxe a certeza, para os oligas, de que a letargia podia continuar porque a carta de chamada era um factor limitante à imigração e, portanto, ao progresso.
As cartas de chamada acabaram por criar um sistema de protecção familiar. Era vulgar, numa determinada empresa, ser de uma única região de Portugal a maior parte do pessoal. Até no funcionalismo público isso era normal. Um director geral tomava posse e, de imediato, a repartição enchia-se de conterrâneos. Sucedia, também, com alguns governadores gerais. Um deles colocou tantos afilhados que se dizia, por piada, que ia vagar o cargo de arcebispo e que ele teria sugerido: “bem, aguentem a vaga,tenho um primo seminarista lá na santa terrinha que está quase padre...”
Dizia-se, no anedotário, que no porto do Lobito um funcionário de nome Rato começou, sub-repticiamente, a colocar pessoas da família. Ao fim de três Ratos admitidos, o director do porto acabou por despachar: “chega de tantos ratos, temos que admitir um gato para dar conta desta rataria”.
14º) Carências de electricidade.- Foi outro triste esqueleto deixado pelo colonialismo. Mesmo no Tempo Extra, em que muitas actividades sofreram um enorme incremento, a electricidade nunca conseguiu satisfazer as necessidades mínimas de Angola. Todas as cidades de Angola estiveram, sempre, sob a ameaça de apagões. Um caso sintomático foi o de Malanje: em 1947 esteve sem electricidade. As barragens construidas nunca atingiram um alvo desenvolvimentista a longo prazo, estavam todas imbuídas de imediatismo.
Talvez porque a energia electrica caíu, a partir do ínicio década de 60, sob a mira gulosa dos oligas africanistas, a colónia nunca teve energia electrica suficiente para se desencadear um surto de progresso. Apesar de possuir um dos maiores potenciais hidroelectricos do mundo!
15º) Compadrios.- O decimo quinto esqueleto é o dos compadrios. Que engloba as concessões, as comissões, os condicionamentos industriais e as cunhas. Qualquer actividade rendosa era rateada entre os compadres de Lisboa, os oligas. Um boato sobre um sector promissor ou aliciante e, imediatamente,
Fig - Barragem das Mabubas. Começou a ser construida em 1951, foi inaugurada em 1954 pelo presidente Craveiro Lopes. Localizada próximo da foz do rio Bengo, a fio de água, ficou sub-dimensionada. Não aproveitou o potencial energético do rio, gerando, apenas, 17 MW, uma potência insuficiente para a demanda de Luanda.. No dia da inauguração o presidente Craveiro Lopes começou, assim, o discurso: «... que, segundo acabara do o informar o senhor Ministro do Ultramar, tinha a grande satisfação em anunciar que estavam em rápida realização as ultimas providências para a breve instalação de dois grupos turbo-geradores que virão completar o integral aproveitamento da barragem das Mabubas». O próprio Presidente confessava que, logo na inauguração, já a barragem estava ultrapassada. Exceptuando a barragem do Gove ,todos os aproveitamentos hidroelectricos não satisfizeram as necessidades básicas de electricidade, uma enorme barreira ao desenvolvimento.Todas as cidades tiveram carências enormes de electricidade, todas recorreram ao”detestáveis motores a gasóleo”.Muitos projectos industriais foram abandonados devido às carências de energias , uma das formas encontradas para procrastinar o desenvolvimento. .Não obstante ,quase todas as cidades tinham enormes potenciais hidroelectricos muito próximos.
apareciam
as concessões oriundas de Lisboa. Sucedeu assim com o algodão. Logo que
se mostrou ser viável a sua produção, de imediato sairam em Lisboa as
inevitáveis concessões. Para a Cotonang, para Lagos & Irmão, etc.
Sobre as concessões para os compadres, Vicente Ferreira, Alto-Comissário em Angola de 1926 a1928 escreveu( 91):«A relativa facilidade, com que nas colónias se obtêm concessões e até a propriedade perfeita de boas terras, dá aos seus detentores a ilusão de posssuirem um avultado capital próprio, esquecendo-se de que a mesma facilidade da aquisição é um sinal do fraco valor vendável da terra».
Brito Camacho, um Alto Comissário em Moçambique em 1922, deixou escrito:«Concessões de muitos milhares de hectares,de milhões de metros quadrados, eram obtidas com o dispêndio de meia folha de papel selado, algumas vendidas depois, sem que nelas se fizesse o menor trabalho, a nacionais e estrangeiros, sem que desse comércio resultasse o menor proveito para o Estado ou para a Província! Pois se até o Marquês de Alvito obtivera uma concessão em Marracuene!»
É antológico o que sucedeu com o célebre ricinodendron, mais conhecido por vielo, voudzela mungongo ou mangongo uma oleaginosa muito abundante no Cuando-Cubango e em estado natural.Quando se descobriu que era uma oleaginosa, logo apareceu uma concessionária em Lisboa, mesmo antes de se ter estudado a viabilidade económica desta acção inovadora. Em Lisboa nem se sabia o que era o mangongo. Tudo não saíu da “meia folha de papel selado” para usar a frase de Brito Camacho.
Quando o rícino começou a ser usado como óleo lubrificante para os aviões a jacto e como carburante para os carros de corridas, e portanto valorizado no mercado mundial, apareceu, de imediato, uma companhia concessionária do rícino no Bié, Malanje e Cuando Cubango. Propunha-se comprar todo o rícino produzido, que era muito, porque estava a ser bem pago pelos comerciantes. A produção, toda para exportação, acabou porque os preços, à velha maneira colonialista, começaram a ficar aviltados, devido às leis de Lisboa, e os comerciantes foram proibidos de transacionarem o rícino. Tal como com o algodão, só a empresa concessionária é que a podia comprar, por preços fixados por ela. E os camponeses desinteressaram-se desta cultura que tinha sido um dos pilares da economia da colónia nos recuados anos vinte. Os próprios administrativos abominaram esta concessão, uma nova “Baixa de Cassanje”, só que em vez de algodão era o rícino!
A instalação da TV em Angola também sofreu com as concessões. Ainda não havia TV em Portugal e já a oligarquia estava abrigada sob a capa de uma lei monopolista. Em Outubro de 1955, antes de haver TV em Portugal, foi publicado o Decreto 40341 que protegia uma companhia, que iria ser criada, dando-lhe o monopólio da televisão. O Decreto abrangia as colónias. Prazo da concessão: vinte anos prorrogáveis de dez em dez anos. A futura companhia estava isenta de todos os impostos e de direitos para as mercadorias importadas. O estado deteria 51 % das acções. Os restantes 49% seriam postos à venda para particulares, leia-se amigalhaços e compadres. A mesmice nacional, sempre os mesmos. O presidente da Junta Governativa em 1974, num gesto corajoso, como já aqui foi afirmado, acabou com esta concessão. Vinte anos depois, e quando tudo desmoronava! Um gesto corajoso, quando a nau estava a afundar.
Em 1969 o norte americano Armstrong desembarcou na lua, pronunciando a célebre frase «É um pequeno passo para o Homem e um grande passo para a Humanidade» e o seguinte comentário: «devemos ser as únicas pessoas que não estão acompanhando, através da televisão, a nossa chegada à Lua». Armstrong, se soubesse, podia ter acrescentado: devemos ser as únicas pessoas, além dos angolanos, que não estão acompanhando a nossa chegada à Lua.
Mas onde as concessões mais abundavam era com terrenos. Bastava registar-se um pouco de progresso e logo apareciam aramados. Em 1974 um jornal de Luanda apresentava como título: “ Em todo o planalto central há arame a mais e aproveitamento a menos”.
Sempre que alguém, em Lisboa, tinha dificuldades financeiras ou projectos de aumentar o património, comprando casa na Metrópole, por exemplo, nada melhor do que uma comissão em Angola. Deslocavam-se por meses com ajudas de custo ou por anos com direito a casa do estado e a um subsídio. Henrique Galvão, um terrível e activo oponente de Salazar, chamou-lhes Inspectores do Cacimbo.As colónias proporcionavam milhares de nichos para os apadrinhados. . Os tachos para os “afilhados”, as taxas para os colonos.
Nos concursos públicos os primeiros lugares eram para os afilhados. Chegou a haver alguns concursos em que, nas condições para admissão, só faltou pôr o nome do apadrinhado. Os condicionamentos consistiam num proteccionismo descarado às indústrias metropolitanas. Em Angola não se podiam instalar indústrias ou actividades que colidissem com os interesses da metrópole: era o condicionamento industrial. Era antigo, mas foi aperfeiçoado em 1936 através do decreto 26 509. Para piorar, a Metrópole tinha indústrias primárias, precisamente iguais às que se podiam montar em Angola, com menores custos de instalação e funcionamento:cimentos, tecidos, fósforos, vidro,sapatos, conservas de peixe, tubagens, pequena metalurgia etc.
Sobre as concessões para os compadres, Vicente Ferreira, Alto-Comissário em Angola de 1926 a1928 escreveu( 91):«A relativa facilidade, com que nas colónias se obtêm concessões e até a propriedade perfeita de boas terras, dá aos seus detentores a ilusão de posssuirem um avultado capital próprio, esquecendo-se de que a mesma facilidade da aquisição é um sinal do fraco valor vendável da terra».
Brito Camacho, um Alto Comissário em Moçambique em 1922, deixou escrito:«Concessões de muitos milhares de hectares,de milhões de metros quadrados, eram obtidas com o dispêndio de meia folha de papel selado, algumas vendidas depois, sem que nelas se fizesse o menor trabalho, a nacionais e estrangeiros, sem que desse comércio resultasse o menor proveito para o Estado ou para a Província! Pois se até o Marquês de Alvito obtivera uma concessão em Marracuene!»
É antológico o que sucedeu com o célebre ricinodendron, mais conhecido por vielo, voudzela mungongo ou mangongo uma oleaginosa muito abundante no Cuando-Cubango e em estado natural.Quando se descobriu que era uma oleaginosa, logo apareceu uma concessionária em Lisboa, mesmo antes de se ter estudado a viabilidade económica desta acção inovadora. Em Lisboa nem se sabia o que era o mangongo. Tudo não saíu da “meia folha de papel selado” para usar a frase de Brito Camacho.
Quando o rícino começou a ser usado como óleo lubrificante para os aviões a jacto e como carburante para os carros de corridas, e portanto valorizado no mercado mundial, apareceu, de imediato, uma companhia concessionária do rícino no Bié, Malanje e Cuando Cubango. Propunha-se comprar todo o rícino produzido, que era muito, porque estava a ser bem pago pelos comerciantes. A produção, toda para exportação, acabou porque os preços, à velha maneira colonialista, começaram a ficar aviltados, devido às leis de Lisboa, e os comerciantes foram proibidos de transacionarem o rícino. Tal como com o algodão, só a empresa concessionária é que a podia comprar, por preços fixados por ela. E os camponeses desinteressaram-se desta cultura que tinha sido um dos pilares da economia da colónia nos recuados anos vinte. Os próprios administrativos abominaram esta concessão, uma nova “Baixa de Cassanje”, só que em vez de algodão era o rícino!
A instalação da TV em Angola também sofreu com as concessões. Ainda não havia TV em Portugal e já a oligarquia estava abrigada sob a capa de uma lei monopolista. Em Outubro de 1955, antes de haver TV em Portugal, foi publicado o Decreto 40341 que protegia uma companhia, que iria ser criada, dando-lhe o monopólio da televisão. O Decreto abrangia as colónias. Prazo da concessão: vinte anos prorrogáveis de dez em dez anos. A futura companhia estava isenta de todos os impostos e de direitos para as mercadorias importadas. O estado deteria 51 % das acções. Os restantes 49% seriam postos à venda para particulares, leia-se amigalhaços e compadres. A mesmice nacional, sempre os mesmos. O presidente da Junta Governativa em 1974, num gesto corajoso, como já aqui foi afirmado, acabou com esta concessão. Vinte anos depois, e quando tudo desmoronava! Um gesto corajoso, quando a nau estava a afundar.
Em 1969 o norte americano Armstrong desembarcou na lua, pronunciando a célebre frase «É um pequeno passo para o Homem e um grande passo para a Humanidade» e o seguinte comentário: «devemos ser as únicas pessoas que não estão acompanhando, através da televisão, a nossa chegada à Lua». Armstrong, se soubesse, podia ter acrescentado: devemos ser as únicas pessoas, além dos angolanos, que não estão acompanhando a nossa chegada à Lua.
Mas onde as concessões mais abundavam era com terrenos. Bastava registar-se um pouco de progresso e logo apareciam aramados. Em 1974 um jornal de Luanda apresentava como título: “ Em todo o planalto central há arame a mais e aproveitamento a menos”.
Sempre que alguém, em Lisboa, tinha dificuldades financeiras ou projectos de aumentar o património, comprando casa na Metrópole, por exemplo, nada melhor do que uma comissão em Angola. Deslocavam-se por meses com ajudas de custo ou por anos com direito a casa do estado e a um subsídio. Henrique Galvão, um terrível e activo oponente de Salazar, chamou-lhes Inspectores do Cacimbo.As colónias proporcionavam milhares de nichos para os apadrinhados. . Os tachos para os “afilhados”, as taxas para os colonos.
Nos concursos públicos os primeiros lugares eram para os afilhados. Chegou a haver alguns concursos em que, nas condições para admissão, só faltou pôr o nome do apadrinhado. Os condicionamentos consistiam num proteccionismo descarado às indústrias metropolitanas. Em Angola não se podiam instalar indústrias ou actividades que colidissem com os interesses da metrópole: era o condicionamento industrial. Era antigo, mas foi aperfeiçoado em 1936 através do decreto 26 509. Para piorar, a Metrópole tinha indústrias primárias, precisamente iguais às que se podiam montar em Angola, com menores custos de instalação e funcionamento:cimentos, tecidos, fósforos, vidro,sapatos, conservas de peixe, tubagens, pequena metalurgia etc.
Fig
- Um pequeno e triste exemplo de condicionamento industrial. Em 1938 o
governador geral Lopes Mateus autorizou a instalação de uma fábrica de
moagem de cereais e descasque de arroz em Silva Porto-Gare (Cuito).
Tinha capitais angolanos e metropolitanos, mas a sede, como era normal e
de lei, ficou em Lisboa, na rua dos Arameiros (em cima, porta de
entrada em verde escuro ). A EFA (Empresa Fabril de Angola) só na década
de 60 é que pôde ampliar a fábrica. Refira-se que Lopes Mateus
(1935/1939) foi o ultimo governador a ter capacidade de conceder
autorização para empreendimentos industriais. O governador geral que se
lhe seguiu (Marques Mano) ficou com muito poucas prerrogativas de
autorizar, e satisfazer, quaisquer veleidades desenvolvimentistas dos
colonos.
O condicionamento vinha de muito longe, no tempo. Nos primórdios da colonização, em fins do século 19, os europeus obtinham muitos lucros com o fabrico de aguardente. Foi ela a origem de grandes fortunas. Depois, com a proibição do fabrico de bebidas alcoólicas, acordada em Bruxelas pelos países colonialistas, mui amigos dos africanos, os europeus em Angola perderam este grande suporte. O alcool passou a vir da Europa. É que o alcool europeu não é tão deletério, basta ver a lista de acidentes, provocados pelo abuso de alcool, nas estradas de Portugal.
O fabrico de aguardente, a partir da cana de açucar, foi a principal origem das fortunas de Angola. Ela era o suporte do dia a dia dos comerciantes, ela aguentava os novos empreendimentos deles, especialmente dirigidos para a criação de gado. Trocavam-se bois por garrafões de aguardente.
O condicionamento vinha de muito longe, no tempo. Nos primórdios da colonização, em fins do século 19, os europeus obtinham muitos lucros com o fabrico de aguardente. Foi ela a origem de grandes fortunas. Depois, com a proibição do fabrico de bebidas alcoólicas, acordada em Bruxelas pelos países colonialistas, mui amigos dos africanos, os europeus em Angola perderam este grande suporte. O alcool passou a vir da Europa. É que o alcool europeu não é tão deletério, basta ver a lista de acidentes, provocados pelo abuso de alcool, nas estradas de Portugal.
O fabrico de aguardente, a partir da cana de açucar, foi a principal origem das fortunas de Angola. Ela era o suporte do dia a dia dos comerciantes, ela aguentava os novos empreendimentos deles, especialmente dirigidos para a criação de gado. Trocavam-se bois por garrafões de aguardente.
Fig
Nota de cinco angolares. Angola esteve sempre com deflação monetária
(falta de capitais e de dinheiro em espécie), talvez porque Salazar
tinha pavor de “muito dinheiro” um trauma originado pelo célebre caso
Alves dos Reis(ver mais adiante). Isto notava-se no dia a dia dos
africanos trajando miseravelmente e com pouco poder de compra.
Refira-se, no entanto, que a comida era abundante e barata, uma das
“medalhas de ouro” da colonização portuguesa. Além de pouco, o dinheiro
chegava a desfazer-se. Mau papel, ausência de moedas (só existiam até 5
tostões -meio angolar-). Uma das grandes âncoras dos colonos e dos
africanos eram os vales e os livros dos débitos. “Debitar ou apontar” ou
“passar um vale” eram as unicas saídas para os “encalacrados”. Apesar
de tudo os comerciantes acabavam por reaver grande parte dos débitos,
havia etica no dia a dia. Ter uma letra protestada era uma vergonha! Só
por manifesta falta de dinheiro é que se não resgatavam os vales.
Fig
Frente e verso de uma das célebres”ritas” emitidas por Norton de Matos
durante o seu segundo consulado de 1921 a 1923. Norton de Matos queria
desenvolver, rapidamente,a colónia de Angola. Mas a resistência em
Lisboa era tenaz. Os bancos metropolitanos não queriam( ou não podiam?)
abrir agências em Angola; o recurso a bancos estrangeiros, especialmente
da União Sul-Africano (actual África do Sul) estava liminarmente
vedado,e esteve sempre, durante o período colonial.Desesperado, com a
faculdade de ser Alto-Comissário, resolveu emitir moeda mandando
imprimir notas de valor baixo, pensando no consumo dos “indígenas”:
nasciam as célebres “ritas”, uma alusão popular e depreciativa ao nome
da filha de Norton de Matos. Um empregado do meu pai, no Chinguar, foi à
estação do caminho de ferro buscar dois caixotes pesadíssimos. Ele
julgava que eram alfaias agrícolas. Depois de abertos ficou estupefacto:
traziam milhares de “ritas”. Este “ersatz”(simulacro de dinheiro)
deflagrou uma inflação que se prolongou até 1933, ano em que Salazar
impôs medidas austeras sobre a moeda. Os governos posteriores a Norton
de Matos agravaram a situação de tal maneira que em 1930 Angola
caminhava para a bancarrota. A voz comum, em jeito de piada, dizia que
em Angola não haveria bancarrota porque já estava instalada uma
bancarrita, uma alusão às célebres cédulas de Norton de Matos.
Fig
Nota de 500 escudos com a efígie de Vasco da Gama, mais conhecidas por
“camarão”. Esta nota foi o produto da maior burla de dinheiro, mesmo à
escala mundial, devida ao seu ineditismo.
Alves dos Reis, segundo as teorias modernas, seria possuidor de um elevado QI (quociente de inteligência). Ele nasceu em Lisboa em 1896. Com 20 anos foi para Angola, como engenheiro, com um diploma falsificado passado por um hipotético Instituto Politécnico de Oxford.Duas falsificações! Este nome mágico (Oxford) abriu todas as portas e eliminou todas as dúvidas. Uma actuação fulgurante e teatral alcandorou-o a um alto escalão em Angola:dirigiu uma locomotiva, (sem nunca ter”pilotado”uma máquina a vapor) sobre uma ponte metálica, que ele comprou na Inglaterra, que suscitava dúvidas sobre a sua segurança. Com este feito foi ungido como director das Obras Públicas em Angola. Em 1921 regressou a Portugal. A seguir falsificou cartas do Banco de Portugal em que este pedia aos fabricantes de notas na Inglaterra para fazerem uma emissão repetida das notas de 500 escudos. Motivo: destinavam-se a Angola, em Lisboa iriam receber um carimbo com a palavra Angola.Os “ingénuos” ingleses acreditaram. Alves dos Reis, logo que recebeu parte desta emissão, começou a branquear o dinheiro, rapidamente, de modo a assenhorear-se do Banco de Portugal para poder apagar todas as pistas.Para isso fundou um banco-Banco Angola e Metrópole-, que o povo,ironicamente, apelidava de “Banco Engole a Metrópole”. Um tesoureiro de um banco no norte de Portugal, com aquela argúcia conseguida com muitos anos de prática, descobriu duas notas com o mesmo número. Rebentava o escândalo. O julgamento demorou 6 anos; foi condenado a uns anos de prisão. Nesta burla não houve falsificação mas apenas clonagem. Foi a primeira clonagem monetária no mundo, uma proeza digna do Guiness.Diga-se,a título de comparação, que esta burla não lesou ninguém, a não ser o próprio Banco de Portugal.
O episódio das “ritas” e esta clonagem devem ter provocado em Salazar a aversão que ele tinha por grandes circulações fiduciárias, origem de quase todas as inflações. O vazio monetário em Angola pode filiar-se nesta aversão, tanto mais que os governantes em Lisboa perfilhavam a ideia de que em terras africanas “se fica pirado ao fim de 10 anos de trópicos” Não convinha que houvesse muito dinheiro na mão dos colonos e, muito menos, na mão dos africanos. Marcelo Caetano deixou expresso em uma conferência, realizada no Porto em 1953:« A experiência demonstra que os salários muito altos dos produtos da lavra indígena podem ter consequências desastrosas para a população nativa».
Estes foram os esqueletos, deixados pelo colonialismo, alguns bem ossudos como os da cidadania, do contrato, da cultura e do centralismo psicótico. Mas a descolonização, que durou apenas um ano e meio, deixou quinze esqueletos, todos começados por I: ignorância, irresponsabilidade, intolerância, ideologia, imposição, ingenuidade, indisciplina, insensibilidade, imprudência, imediatismo,intrujice , imolação, impunidade, inferno e inveja.
A abertura do armário da descolonização, em que os esqueletos serão exumados, será o tema de uma próxima abordagem.
Luiz Chinguar
Janeiro 2009
Esta matéria é extraída do livro “Mucandas de Tempo do Caparandanda (Cartas do Tempo do Antigamente)" em fase de pré-prelo.
O livro tem a seguinte estrutura:
-Prólogo
-1ª Mucanda: Os Esqueletos nos Armários
-2ªMucanda: O País e os Seus Povos
-3ª Mucanda: 1890-1920 A Formação e Unificação do País
-4ª Mucanda:1921-1930 O Grande Salto
-5ª Mucanda: 1931-1960 A Grande Soneca
-6ª Mucanda 1961-1974 O Tempo Extra
-7ª Mucanda: 1974-1975 A Virada
-8ª Mucanda: 1975-2005 No Tempo de Hêtali (No Tempo de Hoje)
-9ª Mucanda: Para além de 2005: No Tempo de Hênah (No Futuro)
Alves dos Reis, segundo as teorias modernas, seria possuidor de um elevado QI (quociente de inteligência). Ele nasceu em Lisboa em 1896. Com 20 anos foi para Angola, como engenheiro, com um diploma falsificado passado por um hipotético Instituto Politécnico de Oxford.Duas falsificações! Este nome mágico (Oxford) abriu todas as portas e eliminou todas as dúvidas. Uma actuação fulgurante e teatral alcandorou-o a um alto escalão em Angola:dirigiu uma locomotiva, (sem nunca ter”pilotado”uma máquina a vapor) sobre uma ponte metálica, que ele comprou na Inglaterra, que suscitava dúvidas sobre a sua segurança. Com este feito foi ungido como director das Obras Públicas em Angola. Em 1921 regressou a Portugal. A seguir falsificou cartas do Banco de Portugal em que este pedia aos fabricantes de notas na Inglaterra para fazerem uma emissão repetida das notas de 500 escudos. Motivo: destinavam-se a Angola, em Lisboa iriam receber um carimbo com a palavra Angola.Os “ingénuos” ingleses acreditaram. Alves dos Reis, logo que recebeu parte desta emissão, começou a branquear o dinheiro, rapidamente, de modo a assenhorear-se do Banco de Portugal para poder apagar todas as pistas.Para isso fundou um banco-Banco Angola e Metrópole-, que o povo,ironicamente, apelidava de “Banco Engole a Metrópole”. Um tesoureiro de um banco no norte de Portugal, com aquela argúcia conseguida com muitos anos de prática, descobriu duas notas com o mesmo número. Rebentava o escândalo. O julgamento demorou 6 anos; foi condenado a uns anos de prisão. Nesta burla não houve falsificação mas apenas clonagem. Foi a primeira clonagem monetária no mundo, uma proeza digna do Guiness.Diga-se,a título de comparação, que esta burla não lesou ninguém, a não ser o próprio Banco de Portugal.
O episódio das “ritas” e esta clonagem devem ter provocado em Salazar a aversão que ele tinha por grandes circulações fiduciárias, origem de quase todas as inflações. O vazio monetário em Angola pode filiar-se nesta aversão, tanto mais que os governantes em Lisboa perfilhavam a ideia de que em terras africanas “se fica pirado ao fim de 10 anos de trópicos” Não convinha que houvesse muito dinheiro na mão dos colonos e, muito menos, na mão dos africanos. Marcelo Caetano deixou expresso em uma conferência, realizada no Porto em 1953:« A experiência demonstra que os salários muito altos dos produtos da lavra indígena podem ter consequências desastrosas para a população nativa».
Estes foram os esqueletos, deixados pelo colonialismo, alguns bem ossudos como os da cidadania, do contrato, da cultura e do centralismo psicótico. Mas a descolonização, que durou apenas um ano e meio, deixou quinze esqueletos, todos começados por I: ignorância, irresponsabilidade, intolerância, ideologia, imposição, ingenuidade, indisciplina, insensibilidade, imprudência, imediatismo,intrujice , imolação, impunidade, inferno e inveja.
A abertura do armário da descolonização, em que os esqueletos serão exumados, será o tema de uma próxima abordagem.
Luiz Chinguar
Janeiro 2009
Esta matéria é extraída do livro “Mucandas de Tempo do Caparandanda (Cartas do Tempo do Antigamente)" em fase de pré-prelo.
O livro tem a seguinte estrutura:
-Prólogo
-1ª Mucanda: Os Esqueletos nos Armários
-2ªMucanda: O País e os Seus Povos
-3ª Mucanda: 1890-1920 A Formação e Unificação do País
-4ª Mucanda:1921-1930 O Grande Salto
-5ª Mucanda: 1931-1960 A Grande Soneca
-6ª Mucanda 1961-1974 O Tempo Extra
-7ª Mucanda: 1974-1975 A Virada
-8ª Mucanda: 1975-2005 No Tempo de Hêtali (No Tempo de Hoje)
-9ª Mucanda: Para além de 2005: No Tempo de Hênah (No Futuro)
-Epílogo
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