sexta-feira, 16 de março de 2012

Os nossos irmãos Bailundos por Alfredo Baeta Garcia

Cabeças de bailundos


Um pormenor relevante mas quase ignorado da guerra em Angola

Uma das vitimas esquecidas ou ignoradas da guerra em Angola, antes e logo após a independência, como se nunca tivesse existido, foram os largos milhares de trabalhadores contratados provenientes do planalto central, conhecidos por bailundos,  qualquer que fosse a sua origem do centro e sul de Angola. Eles constituíam, então, a totalidade da mão de obra não especializada das fazendas de café a norte do Cuanza e foram abandonados pela força das circunstâncias, por aqueles que já não tinham qualquer capacidade para os proteger, os seus patrões. Destes, os que lá ficaram até pouco antes da independência, pode dizer-se que estavam na mesma situação, menos na possibilidade de se irem escapando de avião para Luanda e daí para Lisboa.


Os Bailundos não podiam fazê-lo, apesar de estarem mais perto das suas terras de origem, pois todas as vias de comunicação que levavam para Sul até ao Cuanza ficaram cortadas a partir dos primeiros meses de 1975.
Os europeus e alguns seus acompanhantes que teimaram em ficar, tiveram mais tarde de fugir rumo a Kinshasa, única saída com os caminhos ainda abertos, mas pouco seguros, e que também não servia os Bailundos por os afastar mais das suas origens, correndo os mesmos riscos dos caminhos do Sul. Assim, o último destes grupos que saiu do Quitexe com aquele destino só o conseguiu alcançar fazendo a pé as últimas etapas, pois as viaturas em que seguiam foram ficando pelo caminho avariadas, nenhuma chegando ao seu destino.

Os pobres Bailundos, agora ex-contratados, lá ficaram entregues à sua sorte, não se sabendo exactamente como terminaram. Alguns, que tentaram fazer a viagem de regresso a pé, foram quase sempre apanhados pelos Movimentos que cedo passaram a guerrear-se, transformando-os, depois, em seus carregadores, o menos que lhes podia acontecer.

Se bem que todos tenham sofrido os horrores da guerra, estes segregados no seu país, por força das diferenças étnicas, vivendo, por essa razão num ambiente que lhes era hostil, agravado por nunca terem apoiado qualquer um dos dois movimentos implantados na região a que eram completamente estranhos e, ainda menos, se terem envolvido nas lutas sangrentas que travaram entre si, estes sofreram por razões que lhe eram alheias.

Para compreender esta situação é necessário ter em consideração a base de formação dos Movimentos de Libertação que funcionavam cada um à volta de determinada etnia, não sendo por isso, nenhum deles de âmbito nacional, nem podiam sê-lo, dada a constituição fragmentada da população, como se viu depois.

Por esse seu comportamento, já nos momentos de aflição de 1961, quando era fácil trair-nos e nunca o fizeram, foram, também eles, vítimas fáceis da ira assassina da UPA. Por isso, durante os dois primeiros anos, que foram os mais difíceis de toda a guerra, passaram a chamar-lhes no único jornal que então se publicava no Uíge, o Jornal do Congo, “Os nossos irmãos Bailundos”.

Os Brancos e os Bailundos, como não faziam parte de grupos étnicos autócnes do local onde vivíam, foram irresponsavelmente esquecidos, abandonados, enxovalhados e espoliados, vítimas da descolonização. Só que, dos Bailundos, parece que intencionalmente encalhados nos recessos escusos da indiferença, nada reza a seu respeito a história já feita. É pena, pois ficará para sempre desconhecido um dos factores mais importante dessa guerra, especialmente no Norte de Angola, região onde os seus efeitos foram mais perversos. Pode dizer-se, sem exagerar, que os Bailundos representaram numa altura critica um papel decisivo, a par de outros factores, na estabilização que se conseguiu nos anos seguintes a 61, o que representa uma injustiça e adulteração da nossa história desse período em Angola.

Como os Movimentos de Libertação, pela voz dos seus responsáveis chamavam e ainda chamam traidores e vendidos uns aos outros, é possível que os Bailundos não escapem a uma qualquer categoria neste tipo de classificações.

Este período da história de Angola quando for  estudado com isenção , já liberto pelo tempo das paixões sectárias e do poder, estará em condições de dizer os que se venderam, a quem e como foram pagos. Hoje já é possível adiantar alguns factos incontroversos desse mercado.

Actualmente são muito poucas as testemunhas válidas que passaram efectivamente a guerra nas zonas do café no Norte de Angola, que possam estar em condições de avaliar este facto na sua real dimensão. Os outros, quase todos já emigraram para onde não se pode voltar a ser retornado, deixando um vazio na nossa memória colectiva.


publicado por Quimbanze

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