ANA PAULA TAVARES
Poetisa e historiadora nascida em Lubango, na província de Huila, em 1952. Obteve o grau de Mestre em Literaturas Africanas pela Universidade de Lisboa.
Poetisa e historiadora nascida em Lubango, na província de Huila, em 1952. Obteve o grau de Mestre em Literaturas Africanas pela Universidade de Lisboa.
Obra poética: Ritos de Passagem, Luanda, União dos Escritores Angolanos; 1985; O Lago da Lua, Lisboa, Editorial Caminho, 1999; Dizes-me coisas amargas como os frutos, Lisboa, Editorial Caminho, 2001.
RAPARIGA
Cresce comigo o boi com que me vão trocar
Amarraram-me às costas, a tábua Eylekessa
Filha de Tembo
organizo o milho
Trago nas pernas as pulseira pesadas
Dos dias que passaram...
Sou do clã do boi —
Dos meus ancestrais ficou-me a paciência
O sono profundo do deserto,
a falta de limite...
Da mistura do boi e da árvore
a efervescência
o desejo
a intranqüilidade
a proximidade
do mar
Filha de Huco
Com a sua primeira esposa
Uma vaca sagrada,
concedeu-me
o favor das suas tetas úberes
Cresce comigo o boi com que me vão trocar
Amarraram-me às costas, a tábua Eylekessa
Filha de Tembo
organizo o milho
Trago nas pernas as pulseira pesadas
Dos dias que passaram...
Sou do clã do boi —
Dos meus ancestrais ficou-me a paciência
O sono profundo do deserto,
a falta de limite...
Da mistura do boi e da árvore
a efervescência
o desejo
a intranqüilidade
a proximidade
do mar
Filha de Huco
Com a sua primeira esposa
Uma vaca sagrada,
concedeu-me
o favor das suas tetas úberes
A MÃE E A IRMÃ
A mãe não trouxe a irmã pela mão
viajou toda a noite sobre os seus próprios passos
toda a noite, esta noite, muitas noites
A mãe vinha sozinha sem o cesto e o peixe fumado
a garrafa de óleo de palma e o vinho fresco das espigas
[vermelhas
A mãe viajou toda a noite esta noite muitas noites
[todas as noites
com os seus pés nus subiu a montanha pelo leste
e só trazia a lua em fase pequena por companhia
e as vozes altas dos mabecos.
A mãe viajou sem as pulseiras e os óleos de proteção
no pano mal amarrado
nas mãos abertas de dor
estava escrito:
meu filho, meu filho único
não toma banho no rio
meu filho único foi sem bois
para as pastagens do céu
que são vastas
mas onde não cresce o capim.
A mãe sentou-se
fez um fogo novo com os paus antigos
preparou uma nova boneca de casamento.
Nem era trabalho dela
mas a mãe não descurou o fogo
enrolou também um fumo comprido para o cachimbo.
As tias do lado do leão choraram duas vezes
e os homens do lado do boi
afiaram as lanças.
A mãe preparou as palavras devagarinho
mas o que saiu da sua boca
não tinha sentido.
A mãe olhou as entranhas com tristeza
espremeu os seios murchos
ficou calada
no meio do dia.
(Dizes-me coisas amargas como os frutos)
O CERCADO
De que cor era o meu cinto de missangas, mãe
feito pelas tuas mãos
e fios do teu cabelo
cortado na lua cheia
guardado do cacimbo
no cesto trançado das coisas da avó
Onde está a panela do provérbio, mãe
a das três pernas
e asa partida
que me deste antes das chuvas grandes
no dia do noivado
De que cor era a minha voz, mãe
quando anunciava a manhã junto à cascata
e descia devagarinho pelos dias
Onde está o tempo prometido p'ra viver, mãe
se tudo se guarda e recolhe no tempo da espera
p'ra lá do cercado
(Dizes-me coisas amargas como os frutos)
BOI À VELA
Os bens nascidos na huíla
são altos, magros
navegáveis
de cedo lhes nascem
cornos
leite
cobertura
os cornos são volantes
indicam o sul
as patas lavram o solo
deixando espaço para
a semente
a palavra
a solidão>
A ABÓBORA MENINA
Tão gentil de distante, tão macia aos olhos
vacuda, gordinha,
de segredos bem escondidos
estende-se à distância
procurando ser terra
quem sabe possa
acontecer o milagre:
folhinhas verdes
flor amarela
ventre redondo
depois é só esperar
nela deságüem todos os rapazes.
NOVEMBER WITHOUT WATER
Olha-me p´ra estas crianças de vidro
cheias de água até às lágrimas
enchendo a cidade de estilhaços
procurando a vida
nos caixotes de lixo.
Olha-me estas crianças
transporte
animais de cargas sobre os dias
percorrendo a cidade até os bordos
carregam a morte sobre os ombros
despejam-se sobre o espaço
enchendo a cidade de estilhaços.
*
Os bens nascidos na huíla
são altos, magros
navegáveis
de cedo lhes nascem
cornos
leite
cobertura
os cornos são volantes
indicam o sul
as patas lavram o solo
deixando espaço para
a semente
a palavra
a solidão>
A ABÓBORA MENINA
Tão gentil de distante, tão macia aos olhos
vacuda, gordinha,
de segredos bem escondidos
estende-se à distância
procurando ser terra
quem sabe possa
acontecer o milagre:
folhinhas verdes
flor amarela
ventre redondo
depois é só esperar
nela deságüem todos os rapazes.
NOVEMBER WITHOUT WATER
Olha-me p´ra estas crianças de vidro
cheias de água até às lágrimas
enchendo a cidade de estilhaços
procurando a vida
nos caixotes de lixo.
Olha-me estas crianças
transporte
animais de cargas sobre os dias
percorrendo a cidade até os bordos
carregam a morte sobre os ombros
despejam-se sobre o espaço
enchendo a cidade de estilhaços.
*
Chegas
eu digo sede as mãos
fico
bebendo do ar que respiras
a brevidade
assim as águas
a espera
o cansaço.
eu digo sede as mãos
fico
bebendo do ar que respiras
a brevidade
assim as águas
a espera
o cansaço.
-
TAVARES, Paula. Amargos como os frutos. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Pallas, 2011. 281 p. ilus. col. Inclui 6 livros anteriores de Ana Paula Tavares: Ritos de Passagem (1885), O Lago da lua (1999), Dizes-me coisas amargas como os frutos (2001), Ex-votos (2003), Manual para amantes desesperados (2007) e Como velas finas na terra (2010). Isbn 978-85-347-0466-3
Inexplicavelmente, escolheram o nome Paula Tavares para a edição brasileira de sua obra reunida, quando a poeta é mais conhecida por Ana Paula Tavares, e vamos usar ambos nomes na identificação para facilitar a vida dos internautas. Ana Paula ou Paula, sua poesia é sempre excelente. Em boa hora é publicada no Brasil!
EX-VOTO
O tempo pode medir-se
No corpo
As palavras de volta tecem cadeias de sombra
Tombando sobre os ombros
A cera derrete
No altar do corpo
Depois de perdida, podem tirar-se
Os relevos
O tempo pode medir-se
No corpo
As palavras de volta tecem cadeias de sombra
Tombando sobre os ombros
A cera derrete
No altar do corpo
Depois de perdida, podem tirar-se
Os relevos
ADORNO
Toda a noite chorei na casa velha
Provei, da terra, as veias finas,
Um nome um nome a causa das coisas
Eu terra eu árvore eu sinto
todas as veias da terra
em mim e
o doce silêncio da noite.
Toda a noite chorei na casa velha
Provei, da terra, as veias finas,
Um nome um nome a causa das coisas
Eu terra eu árvore eu sinto
todas as veias da terra
em mim e
o doce silêncio da noite.
CIRCUM-NAVEGAÇÃO
Em volta da flor fez
a abelha
a primeira viagem
circum-navegando
a esfera
Achado o perímetro
suicidou-se, LÚCIDA
no rio de pólen
descoberto.
Em volta da flor fez
a abelha
a primeira viagem
circum-navegando
a esfera
Achado o perímetro
suicidou-se, LÚCIDA
no rio de pólen
descoberto.
Página publicada em novembro de 2008; ampliada em setembro de 2009. ampliada e republicada em dezembro de 2011.
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/angola/ana_paula_tavares.html
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/angola/ana_paula_tavares.html
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