quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Política: O Ultimato Inglês e o 31 de Janeiro de 1891 por Deniz Ramos em Fevereiro 05,2010


Mapa Cor de Rosa



Por Deniz Ramos em Fevereiro 05,2010

As viagens à África Central de Livingstone (1852-1873) e de Stanley (1874-1877), amplamente divulgadas, chamaram a atenção para o continente africano. Antes, a expedição de Correia Monteiro e Pedroso Gamito, acompanhados de 420 mercadores e carregadores, tinham explorado em 1831-1832 a rota de Tete a Cazembe. Em 1843 e durante três anos, Rodrigues Graça alcançou as nascentes do rio Sena e o Bié, onde procurou impor a soberania portuguesa, e de 1847 até finais da década, Bemardino Brochado explorou o sul de Angola, de Moçâmedes ao Cunene, recolhendo preciosa informação económica, etnográfica e geográfica. Nas décadas de 1840 e 1850, Angola e Moçambique seriam objecto de novas expedições, sempre com o propósito de afirmar a soberania portuguesa e, cumulativamente, reconhecer as realidades físicas e económicas dos territórios com vista a futura ocupação de colonos. Figura lendária desses exploradores sertanejos foi Silva Porto, colono e comerciante. Único branco no centro de Angola, fixou-se no Bié, e daí empreendeu expedições atrás de expedições numa vasta área até à actual Zâmbia, onde se encontraria com o explorador inglês Livingstone. Silva Porto gozou de grande prestígio entre as autoridades gentílicas, contribuindo para reforçar a presença portuguesa em Angola. Viria a suicidar-se quando algumas tribos locais, aliciadas pelos britânicos, se rebelaram contra Portugal.
Seria, porém, entre 1870 e 1890, já com organização da recém-criada Sociedade de Geografia de Lisboa (1875), que se realizaram as grandes expedições de Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens, Serpa Pinto e António Maria Cardoso. Dessas expedições, com fins bem definidos ao nível científico e favorecidas pela melhor preparação dos seus executantes, oficiais da Marinha e do Exército, adveio um conjunto valiosísimo de informações, desde o reconhecimento da natureza dos territórios africanos às suas potencialidades económicas. Os seus relatórios obtiveram larga divulgação: em 1881, Capelo e Ivens publicaram De Benguela às Terras Iacca, Serpa Pinto, que caminhou para sul até à Zâmbia central e ao longo do curso do Zambeze atingiu Pretória e Durban, escreveu em dois volumes, editados em Londres também em 1881, Como eu atravessei a África e em nova viagem, Capelo e Ivens partiram de Moçâmedes e, seguindo o Zambeze até à sua foz, atingiram Quelimane um ano depois. Essa ousada expedição foi relatada em 1986 em De Angola à Contra-Costa.

No país, e Águeda não foi excepção, o êxito dessas viagens de exploração e os seus resultados científicos despertaram viva curiosidade. Em Escola Popular, semanário que em 1870-1871 se envolveu na cruzada da instrução popular, base fecunda da cidadania liberal, José Maria Veloso aproveitou o ensejo para aí publicar diversos textos de divulgação da África Oriental Portuguesa: sobre a Zambézia, Moçambique, Quelimane, Sena, Tete, Zumbo, Manica e Sofala e Bazaruto nos seus números, 33 35, 40 e 52, respectivamente. O propósito era chamar a atenção dos leitores para essa África desconhecida, quase deserta de população branca e sempre negligenciada pelo poder político: “Leiam os nossos trabalhadores, que nós   lhes asseguramos terão vontade de deixar de procurar a escravidão na América para optarem pelo arroteamento e amanho dos campos portugueses de além-mar, capazes, pela sua extensão e feracidade, de fazer a sua fortuna e a dos seus porvindouros; honrando-se, além disso, a si e honrando e engrandecendo a Pátria”.

O Mapa Cor-de-Rosa
e o últimato Inglês de 1890

Na década de 1870 estava na forja o plano britânico de Cecil Rhodes de dominar do Cairo ao Cabo e a resposta de franceses e alemães não tardou. Investido em árbitro das pendências africanas, Leopoldo II da Bélgica convocou em 1876 para Bruxelas as principais nações europeias. Aí foi decidido constituir uma associação internacional africana destinada a promover a África Central e a travar expansionismos perturbadores do equilíbrio na região. Portugal não foi convidado a participar, o que desde logo indiciava os objectivos dessa filantropia em relação às possessões africanas portuguesas. Seria, porém, por ocasião da Conferência de Berlim, da iniciativa de Bismarck (1884-1885), que o golpe decisivo se desferiu contra Portugal. Nesse conclave, apesar da resistência dos representantes portugueses, estabeleceu-se um novo direito público colonial: a posse de colónias africanas deixava de poder legitimar-se apenas por direito histórico e só a ocupação efectiva a justificaria. Ou seja, os direitos históricos sobre um determinado território deveriam ser corroborados pela “existência de uma autoridade suficiente para fazer respeitar os direitos adquiridos e a liberdade do comércio e do trânsito”. A intenção era óbvia. A crise de 1890 abatera-se sobre a Europa e atingira mais duramente a frágil economia portuguesa, agravada ainda pela turbulência político-partidária. Em tão curto prazo de tempo e sem meios financeiros compatíveis seria impossível a Portugal deslocar tropas e funcionários administrativos para todos os territórios a fim de garantir a sua soberania, que ninguém até então havia contestado. Assim, a África portuguesa, onde não existisse um mínimo de ocupação militar e organização administrativa, seria, pois, presa fácil para a espoliação das mais poderosas potências europeias.

Antes da Conferência de Berlim, a presença portuguesa nas colónias oriental e ocidental limitava-se à administração e ocupação de áreas estratégicas ao longo da costa e de pouca profundidade para o interior. Apesar de alguns estadistas liberais terem chamado a atenção para não se descurar os nossos interesses em África, a situação deficitária e política não permitiu dispensar os meios para uma mais larga colonização efectiva, em particular da vasta área entre Angola e Moçambique que havia sido objecto apenas de viagens de exploração. Antes da independência, o Brasil concitara o empenho da burguesia comercial e nem depois da independência se lograra inverter a desatenção colectiva em relação ao ultramar africano. Amputado o império, a burguesia saída da Revolução de 1822 continuou a tirar proveito dos negócios brasileiros e viraram-se as costas a África. Repare-se que no Brasil, à altura do grito independentista, viviam aí cerca de 900 mil brancos e mais de um milhão de mestiços europeizados. Em Angola e Moçambique, por sua vez, a população branca não ultrapassaria 25 mil pessoas. É certo que, entre 1885 e 1890, governos regeneradores e progressistas irão empreender esforços para satisfazer as exigências de Berlim, tímidos, realmente, pois a conjuntura a mais não permitia. Deu-se continuidade a algumas das medidas anteriores, administrativas e de fomento: a Companhia Nacional de Navegação, criada em 1880, passara a ligar Lisboa e Luanda em serviço regular e também nessa década todas as colónias ficaram ligadas a Lisboa por cabo submarino. Cumulativamente, abriram-se estradas para o interior e lançaram-se vias-férreas (o caminho-de-ferro de Lourenço Marques ao Transval, iniciado em 1870, já atingia a fronteira de Ressano Garcia em 1889-1890 e em 1887 iniciou-se a construção da via ferroviária da Beira para a antiga Rodésia e de Luanda para o interior). Por outro lado, intensificaram-se com fins geográficos e de soberania as expedições de Paiva Andrade, Serpa Pinto, António Maria Cardoso, Vítor Gordon e Paiva Couceiro e tentou-se proceder à ocupação, mínima evidentemente, do território entre as duas costas, alvo da cobiça inglesa. Em 1887, Barros Gomes, ministro dos Negócios Estrangeiros progressista, viria a apresentar o projecto da África Meridional Portuguesa. Elaborado no ano anterior, o mapa incluía a região compreendida entre Angola e Moçambique, ou seja, a África Meridional Portuguesa ia da costa atlântica à do Indico. Pela cor com que esse território foi cartografado, o mapa ficaria conhecido como Mapa Cor-de-Rosa.
Barros Gomes, conhecedor da oposição dos ingleses, procurou apoios junto da França e da Alemanha, com quem celebrou convénios em 1886 embora à custa de algumas cedências territoriais.

A inclusão dessa região na África Meridional Portuguesa feria os propósitos expansionistas ingleses e o plano de Cecil Rhodes, lesando os interesses da industrialização inglesa, que necessitava de novos mercados e de matérias-primas e a Conferência de Berlim acabara por fomecer-lhe os meios legais para o conseguir. Por isso, a reacção britânica não se fez esperar. Em Novembro de 1887, aproveitando os incidentes ocorridos no Chire entre as forças de Serpa Pinto e os Macololos e Machonas, que se diziam sob a sua protecção, a Inglaterra fez queixa formal ao governo português. Lisboa apenas respondeu à nota inglesa em Dezembro de 1889 e Lord Salisbury apresentou a 11 de Janeiro de 1890 um ultimatum ao governo português, exigindo a retirada imediata de todas as forças portuguesas do Chire e dos países dos Macololos e Machonas. A ameaça de corte de relações diplomáticas era clara e provável o cenário de guerra: “O Governo de S. M. entende que sem isto as seguranças dadas pelo Governo Português são ilusórias. Mr. Pitrè ver-se-á obrigado, à vista das suas instruções, a deixar imediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação, se uma resposta satisfatória à presente intimação não for por ele recebida esta tarde; e o navio de S. M. Enchantress está em Vigo esperando as suas ordens”.
D. Carlos e o governo progressista acabaram por ceder ao ultimatum no prazo que fora imposto: “Na presença duma ruptura iminente de relações com a Grã-Bretanha e de todas as consequências que dela poderiam talvez derivar, o Governo de S. M. resolveu ceder às exigências formuladas nos dois memorandos, a que alude, e, ressalvando por todas as formas os direitos da Coroa de Portugal às regiões africanas de que se trata; e bem assim, pelo direito que lhe confere o artº. 12º. do Acto Geral de Berlim, de ver resolvido o assunto em litígio por uma mediação ou por uma arbitragem, o Governo de S. M. vai expedir para o Govemador-Geral de Moçambique as ordens exigidas pela Grã-Bretanha”.
Apesar das tentativas diplomáticas para que o litígio fosse resolvido por arbitragem
internacional, a Inglaterra sempre se opôs e nem a França, nem a Alemanha se decidiram a intervir. Perante a violenta reacção da opinião pública, que sentiu na pele a humilhação da intimação inglesa, o ministério progressista de José Luciano de Castro caiu, sendo substituído pelo governo regenerador de Serpa Pimentel. Entretanto, ocorreram negociações entre os dois países para clarificar a situação pós-ultimato. O tratado assinado em Agosto, que concedia a Portugal uma estreita faixa a ligar Angola a Moçambique, seria rejeitado e alvo de repúdio na opinião pública, o que levou à demissão dos regeneradores. Em Maio de 1891, já com um novo ministério extra-partidário, foi negociado outro tratado, onde já se não incluía essa faixa entre as duas colónias. Em troca da região a que se convencionou chamar mapa cor-de-rosa, em que, aliás, Portugal nunca teve qualquer ocupação efectiva de colonos ou militares (era uma utopia a África Meridional Portuguesa como a concebia Barros Gomes), foi reconhecida pelos ingleses a soberania portuguesa sobre as colónias de Angola e Moçambique, acrescidas de regiões que Portugal jamais havia reivindicado como pertença histórica. A cedência às exigências britânicas foi embalada pela anglofobia embora o acto intimidatório do ultimatum fosse um escândalo ignóbil. Que Portugal nada terá perdido do que, na verdade, detinha em África é hoje um dado adquirido na recente historiografia.

A reacção ao ultimatum em Soberania do Povo

Vejamos como Soberania do Povo, o único semanário que à época se publicava em Agueda e, por sinal, afecto aos progressistas, reagiu à afronta inglesa perante a qual capituIara um governo do seu próprio partido. O texto é da sua edição de 13 de Fevereiro.
“A ocasião não é propriamente para chorarmos as nossas desventuras, nem para discussões estéreis e inúteis. No momento em que esta gloriosa nação atravessa uma crise assustadora, acerquemo-nos todos da bandeira portuguesa para a defendermos corajosamente das brutalidades do aristocrático marquês de Salisbury, que só pensa em nos roubar, confiado na superioridade das forças britânicas e na indiferença das outras nações do mundo. Esqueçamos por um instante as divergências políticas e unam--se todos os partidos em derredor da mesma bandeira, que é a da Pátria, aquela que outrora tremulou desassombrada nas cinco partes do mundo e que Serpa Pinto ainda hoje empunha briosamente nos pontos mais arriscados do continente africano. O momento não é azado para retaliações, nem para a propaganda revolucionária dos republicanos. Não nos descuidemos porque amanhã pode ser tarde. Abatam-se as bandeiras partidárias para se içar bem alto a bandeira nacional. O governo deve ser o primeiro a ensarilhar as armas. Inspirando confiança aos adversários, eles não recearão seguir-lhe o exemplo. (...) A intimação do governo de S. James melindrou-nos nos nossos sentimentos patrióticos porque não estávamos acostumados a humilhações; e Salisbury atreveu-se a tanto porque dormíamos há 70 anos e não estávamos precavidos. Ouvimos ornear o aristocrático marquês e tivemos a imprudência de adormecer novamente sem nos munirmos de um vergalho.
Suportámos por isso os couces do sendeiro quando outrora não temíamos os rompantes do leão que tantas vezes se rojou humilde a nossos pés. Oxalá que a lição nos aproveite e que o desforço se não faça esperar. A guerra que promovemos às mercadorias da Grã-Bretanha, e que, infelizmente, ainda não é geral, merece o
apoio de todos e é a única que lhe poderíamos fazer com vantagem nas circunstâncias actuais. Portugal, porém, necessita de se desforçar energicamente logo que se lhe ofereça ensejo. (...) Armemo-nos também até que venham melhores dias; e sem perda de tempo, corramos a pontapés os que se embebedam com o nosso vinho e vão depois vomitar no Times as infâmias mais grosseiras. Vamos! Não percamos um momento.
Acerquemo-nos da bandeira nacional e icemo-la bem alto onde não cheguem as afrontas brutais do marquês de Salisbury e da cáfila de bandoleiros que o aplaude nas suas aventuras atrevidas e desonestas (...)”.
Em outras edições posteriores, Soberania do Povo censurou veementemente o acordo anglo-saxónico negociado pelo governo regenerador e Albano de Melo, que dirigia o semanário e ao tempo era deputado, escrevia a bem informada Carta de Lisboa onde comentava, semana a semana, exaustiva e minuciosamente, os conflitos de rua em Lisboa e no Porto e as reacções parlamentares e da imprensa ao ignóbil comportamento inglês em África antes e no decurso das negociações com vista à assinatura do acordo. Ao fim e ao cabo, retomava-se na velha gazeta a revelha rivalidade no seio dos partidos rotatívistas monárquicos.

O 31 de Janeiro de 1891 visto pela progressista Soberania do Povo

Se o país explodiu face à afronta inglesa e à pusilaminidade do rei e do ministério progressista e trouxe para a rua sentimentos anti-britânicos a clamar por represálias, ou se os jornais caíram numa violência inaudita e em verso, no também virulento Finis Patrioe, Guerra Junqueiro vituperou a cínica Inglaterra, a bêbada impudente, todos esses sentimentos ofendidos viriam em proveito dos republicanos, que já no tri-centenário de Camões em 1880 haviam arrecadado um capital de esperança ao simbolizar na evocação do Poeta o despertar da pátria aviltada por um regime anémico. Na opinião de Joel Serrão, embora outros mais recentes historiadores dela discordem, o 31 de Janeiro “se, por um lado, foi o remate da profunda emoção suscitada pelo ultimato inglês de 1890, por outro, assumiu papel de grande relevo na história da conquista do Poder pelo republicanismo, que culminou com a revolução de 5 de Outubro de 1910”. Basflio Teles, um dos vencidos da sublevação, dirá que foi o prólogo e que o epílogo viria logo a seguir.
No Congresso do Partido Republicano realizado em Lisboa no início de Janeiro, os
que apostavam pela acção imediata divergiram dos moderados. A direcção, que veio a ser substituída, no seu relatório assegurava que o ultimato de 11 de Janeiro de 1890 significava que o partido havia terminado a sua propaganda doutrinária e que urgia seguir agora a acção decisiva, que não era outra coisa senão a revolução. E assim aconteceu no Porto, às três horas da madrugada nevoenta de 31 de Janeiro. A revolta, mais que anunciada pois a população e jornalistas concentraram-se nos locais públicos para acompanhar mais de perto, saiu dos quartéis apenas com sargentos e três oficiais. Hasteou na Câmara Municipal a bandeira republicana e da varanda proclamou a República e anunciou os nomes dos que constituiriam o Governo Provisório. Depois, engrossados de multidão e com a Banda a tocar a Portuguesa, as poucas centenas de militares subiram a rua de Santo António. A Guarda Municipal abriu fogo e após nutrido tiroteio os revoltosos retrocederam para a Câmara. A artilharia leal atingiu o edifício e deu-se a debandada, com numerosos civis mortos e feridos. Seguiram-se prisões, julgamentos e deportações dos cabecilhas.

Acompanhemos a reacção de um jornal monárquico progressista ao pronunciamento militar que, no Porto, durante curtas três horas manteve ao alto a bandeira republicana.
Na edição de l de Fevereiro de 1891, Soberania do Povo dedicou a 2ª. página e parte da 3ª. ao relato circunstanciado dos acontecimentos. A descrição, feita em cima da hora, não difere muito da versão oficial posterior.
“Rebentou ontem, às 3 horas da madrugada, na cidade do Porto, uma insurreição militar combinada com alguns elementos populares. A revolta estava preparada há tempo, mas a prisão do sr. João Chagas, condenado por abuso de liberdade de imprensa, apressou talvez o movimento. Às 3 da madrugada saíram para as ruas os regimentos de infantaria 10 e cavalaria 9 e um pelotão de 18 e dirigiram-se à Praça de D. Pedro. Tomaram a casa da Câmara e foi proclamada a república pelo sr. Alves da Veiga, que hasteou a bandeira vermelha do Centro Democrático Federal 15 de Novembro. Foi aclamado um directório composto pelos srs. Carvalho, general reformado, Joaquim Bernardo Soares,juiz da Relação, Rodrigues de Freitas, Licínio Pinto Leite e Alves da Veiga. Aos insurgentos aderiram alguns soldados da guarda fiscal.
Não se associaram à revolução os oficiais superiores da guarnição. O coronel do 18, Cabanellas, pôs-se à frente do seu regimento e marchou para a Praça D. Pedro. A guarda municipal também foi contra os soldados sublevados. A artilharia da Serra do Pilar foi mandada para o largo e fez fogo sobre a casa da câmara, onde as tropas se tinham acolhido, e que foi cercada. Houve um vivo tiroteio. A fusilaria era constante. O combate durou desde as 6 horas da manhã até às 3 da tarde. Houve numerosos mortos e feridos, talvez 150. Os hospitais estão cheios deferidos.
A revolta foi sufocada, fazendo os revoltosos a sua submissão. Muitos fugiram pelas traseiras da casa da câmara. Comandava a insurreição o Capitão Leitão e o alferes Malheiro. De Lisboa e outros pontos foram mandados diferentes regimentos a ocupar o Porto. Alguns navios de guerra devem entrar hoje a barra do Douro. Os revoltosos fizeram todos os esforços para ocupar a praça da Batalha, o telégrafo e o governo civil, mas não o conseguiram. Compreende-se bem o seu plano. Senhores do telégrafo, do governo civil e da casa da câmara, dariam notícias para todos os pontos do país, com quem estavam de inteligência, e a república seria facilmente proclamada em terras importantes. Vê-se que o plano falhou, porque aguarda municipal defendeu a todo o custo a praça da Batalha. Não temos até agora outros pormenores”.
No semanário incluiu-se também informação retirada da imprensa portuense, chegada a Águeda no correio da tarde, que não reproduzimos por não diferir da acima
transcrita. Apenas um parágrafo nos chamou a atenção. Soberania do Povo referiu que corriam já na cidade notícias sobre os tristes factos que cobrem de luto muitas famílias, que não salvaram a liberdade nem deram mais prestígio ao princípio republicano.

O número da semana seguinte dedicou ao 31 de Janeiro, além de um editorial, duas
páginas na íntegra. A quantidade da informação diz bem das preocupações que o movimento revolucionário provocou no seio do regime. Merece, porém, referência a postura do semanário monárquico perante a situação trágica que ocorreu no Porto. Escreveu-se:
“Nesta ocasião nós somos também contra a revolução de 31 de Janeiro. Mas, deplorando os factos, não requeremos vingança, nem aconselhamos o governo a que se meta no caminho das perseguições miguelistas.
Isso não está nos nossos hábitos e demais a experiência diz-nos que a reacção dos oprimidos está na razão directa da violência dos opressores. (...) E assim como os revoltosos estão a estas horas nas mãos da monarquia, podíamos nós todos estar nas da república. Sejamos complacentes e justos, se porventura a justiça se pode combinar com a benevolência. Um criminoso político não é um envenenadar, um bandido. Correu sangue, dizem; é preciso que nos vinguemos: fuzilem-se os sargentos, guilhotinem-se os conspiradores! Sejamos coerentes, meus senhores. (...) Isto não quer dizer que apoiamos a insurreição, Reprovamo-la até e não queremos a impunidade dos insurreicionados. Mas entendemos também que o crime tem grandes atenuantes que devem fazer época nos espíritos liberais e muito principalmente no do poder moderador que nos últimos anos tem sido generoso e magnânimo”.
O editorial vai no mesmo sentido: justiça e benevolência, a par da censura pela inoportunidade do pronunciamento militar republicano: “ É nesta hora cheia de receios e de perigos que um punhado de soldados se insurge e se levanta por uma bandeira, que pode atrair os espíritos juvenis e prender os ideais de muitas almas generosas, mas que neste momento não é a altiva e santa bandeira da Pátria. Não estamos ao lado dos revoltosos. Não chegou ainda o dia solene da implantação da república portuguesa “.

Lemos e pasmamos. Também para a monárquica Soberania ao Povo, como o foi para Basflio Teles, um dos vencidos que teve de se refugiar no Brasil, o 31 de Janeiro de 1891 seria o princípio do fim? Acreditamos. O mais fecundo trabalho de casa preparatório da revolução que em 5 de Outubro pôs termo à Monarquia foi feito realmente dentro da família dos Braganças. Por outras palavras disse-o Eduardo Schwaibach aos seus leitores brasileiros: Ao cabo de longos e porfiados esforços, os monárquicos acabam de implantar a República em Portugal”.

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