terça-feira, 8 de abril de 2008

O Grande Erro dos Negrista





Há nacionalistas (…) que pensam que o objectivo da nossa luta deveria ser a de instalar um poder negro em vez de um poder branco, nomear ou eleger africanos para os diferentes postos políticos, administrativos, económicos e outros que hoje são ocupados por brancos (…).
Para estes nacionalistas (…) o objectivo final da luta seria na realidade o de «africanizar» a exploração
”.


SAMORA MACHEL


Vamos, na reflexão de hoje, analisar a essência e as consequências do negrismo, que julgo ser uma das formas de racismo que mais contribuiu para a ruína do promissor projecto angolano. Denominamos negrismo a doutrina independetista que preconizava a idoneidade moral, intelectual, económica e cultural dos afros regerem o seu próprio destino socio-político e reivindicava o poder total, exclusivo e absoluto dos negros.

Trata-se de uma doutrina de extrema hostilidade contra os brancos nascidos na «Colónia de Angola» e que teve as suas origens históricas nas humilhantes políticas discriminatórias do sistema colonial. O negrismo, que não foi mais do que o racismo dos colonizados induzido pelo racismo dos colonizadores, esteve, assim, na origem da retirada inglória de milhares de brancos que não conheciam outra terra se não a que os viu nascer, facto que, duramente, empobreceu a riqueza humana nacional e marcou, tragicamente, o destino de Angola.

A origem do trágico fenómeno residiu no facto dos negristas terem desvirtuado e racializado o ideal autonomista que, fundado no princípio da autodeterminação dos povos, preconizava a aptidão dos naturais da «Colónia de Angola» regerem o seu próprio destino. Mas quem eram os naturais da «Colónia de Angola»?

Eram naturais da «Colónia de Angola» os negros que originariamente habitavam o território colonial português delineado pela Conferência de Berlim; os brancos nascidos nesse território, já que, e como tinha observado Agostinho Neto, «a nossa sociedade, desde há séculos, contém dentro de si os elementos brancos chegados como ocupantes, como conquistadores, mas que tiveram tempo de se enraizar, de se multiplicar e existir por gerações e gerações sobre o território angolano»; e os mestiços, gerados nos cruzamentos de brancos com negros.

Por força deste contexto, apregoar que os milhares de brancos nascidos na Angola colonial não podiam ser angolanos por causa da sua cor da pele constituía uma vergonhosa falsificação da nossa história. Porque os antepassados de muitos negros que se dizem «genuínos» e «donos da terra» ocuparam os territórios que actualmente compõem Angola, pouco antes, e, às vezes, pouco depois de os portugueses terem chegado e, muitas vezes, ao mesmo tempo que os colonizadores. Os únicos angolanos genuínos são, curiosamente, os mais marginalizados dos nativos: os Khoisans (bosquímanes e hotentotes) que se fixaram em Angola há mais de 11 mil anos e os Vátuas que habitaram a sua região situada nos desertos do Namibe há mais de 3 mil anos. Todos os outros povos fixaram-se em Angola a partir dos grandes movimentos migratórios da população banto, que se foram miscigenado e cruzando entre si.

É verdade que o radicalismo dos negristas tinha uma fundada razão de ser, dado que foi uma natural e esperada reacção às humilhantes políticas discriminatórias do sistema colonial. É um inegável facto histórico que a «comunidade branca» constituía uma minoria forte e amplamente favorecida pelo sistema colonial, era ela quem detinha o poder político, controlava a economia e todo o funcionalismo. É um facto incontestável que houve brancos (colonos e angolanos) que, por puro preconceito pessoal ou ao serviço do sistema colonial, escravizaram, humilharam, chacinaram os nativos. É verdade que os afros foram sempre tratados pelos colonos racistas como desprezíveis forasteiros, seres inferiores e, em todos os escalões do sistema colonial, enfrentavam duros e inumanos obstáculos de ordem económica, social e administrativa.

Mas também é absolutamente verdade que houve muitos negros que, por simples complexo pessoal ou ao serviço do poderoso sistema colonial, humilharam e mataram os outros negros. E nem mesmo os mais radicais dos negristas seriam capazes de negar que muitos brancos nascidos em Angola não eram «colonos racistas», nem opressores e muitos deles foram humilhados e punidos por acreditarem que o valor de uma pessoa ia muito além das fronteiras da cor da pele, rigidamente, delineadas pela sociedade racista. Os colonos racistas chamavam aos brancos que lidavam com os afros de «amigos dos pretos», «companheiros dos turras» e aos brancos africanizados de «cafrealizados» e «aselvajados».

Porém, como muitos colonos racistas e opressores eram brancos, os negristas, grávidos de ódios e de rancores, frutos de longos anos de exploração e humilhação coloniais, transformaram aquilo que devia ser uma luta contra o sistema colonial num combate hostil e violento contra todos os brancos. E mesmo depois da independência os mais radicais não suportavam ver angolanos brancos e mestiços nos postos de responsabilidade, mesmo que fossem os mais idóneos para o cargo.

O que confundiu e perturbou os negristas foi o facto de, no fértil campo do nacionalismo, o sistema colonial e os brancos angolanos terem germinado como o joio e o trigo. E na ânsia desenfreada de banir o vil colonialismo, eles não souberam esperar até à «ceifa» e nem tiveram a necessária maturidade de separar o trigo do joio, colocando na mesma mira de alvos a abater o sistema colonial e os brancos angolanos. Assim, na pressa de apanharem o joio, arrancaram também o precioso trigo que seria proveitoso para o novo país. E, com este imprudente acto, acabaram por beneficiar o joio, dado que os influentes membros do opressor sistema e os colonos racistas saíram tranquila e impunemente de Angola.

A esmagadora maioria dos nacionalistas que militavam nos três movimentos de libertação (MPLA, UNITA e FNLA) não tem sido capaz de reconhecer as terríveis consequências do negrismo. O general Iko Carreira foi um dos poucos altos responsáveis de então a assumir este irreparável erro histórico. Numa entrevista publicada na edição de 19 de Outubro de 1996 do semanário português Expresso, confessou: «Foi mau! Muito mau: Angola perdeu num mês todos os seus quadros. Eu próprio fui a Moscovo pedir aviões da Aeroflot, para que os portugueses pudessem partir mais depressa. Depois arrependi-me. Um país não se pode construir sem gente capaz. Tem sido muito difícil para angola formar os seus quadros, e vai levar muito tempo».

Portanto, o grande e irreparável erro dos negristas residiu no facto de, durante a chamada «Luta de Libertação Nacional», terem demostrado, por todos os meios possíveis, que a independência significava pura e simplesmente correr com os brancos, ficar com os seus bens e gozar das benesses e regalias que desfrutavam. Assim, dissimulando os seus obscuros projectos nos nobres ideais de liberdade, acabaram por mobilizar a maioria oprimida para uma luta inglória. E, ao terem privado Angola do potencial humano e económico que a comunidade branca representava, a independência revelou-se, para a esmagadora maioria dos angolanos, uma autêntica vitória pírrica e um grande fiasco.

E por mais que muitos se orgulhem de terem «libertado» a nossa amada Pátria, o certo é que a tão propalada «Angola independente e africana», não existe. Aquilo a que vulgou-se chamar «República de Angola» não passa de grandiosas ruínas do projecto arquitectado e edificado pela e para a comunidade branca da Angola colonial. O tão esperado projecto político e socio-económico arquitectado de forma eficiente e próspera por angolanos e para angolanos, não existe. Aquele lindo e promissor projecto por que muitos se bateram e deram os melhores anos das suas vidas, hoje não passa de uma miragem juridico-política, uma ficção geográfica e uma falência sócio-económica. A suposta «nação negra» livre, dignificada, instruída, educada e capaz de ter uma vida longa e saudável, não existe. Os afros continuam a ser tratados como um aglomerado amorfo de indivíduos indignos de uma valorização integral.

José Maria Huambo
Do blog: Interrogações sobre Angola

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