quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O assalto ao ‘Santa Maria’

Entre 21 e 22 de Janeiro de 1961, o maior e melhor paquete da Companhia Colonial de Navegação, o ‘Santa Maria’ foi tomado de assalto pelo Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL), chefiado pelo capitão Henrique Galvão e por Jorge de Soutomayor, desencadeando a chamada ‘Operação Dulcineia’. O paquete foi então chamado de ‘Santa Liberdade’.
Em 2011, comemoramos este evento de há 50 anos com as fotografias do paquete e de um dos protagonistas.
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Fotografia do ‘Santa Liberdade’. 1961. Portugal, Torre do Tombo, PIDE, Serviços Centrais, NP 9121.
 
Capitão Henrique Galvão. 1935-07-29. Portugal, Torre do Tombo, Empresa Pública do Jornal O Século, Serviço de Fotografia, Álbuns Gerais, Álbuns Alfabéticos, Álbum nº 036. 
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Abolição do tráfico de escravos


Há 250 anos, em 1761, Portugal foi pioneiro na abolição do tráfico de escravos na metrópole, declarando libertos e forros os escravos que entrassem em Portugal. Foi um primeiro passo para a abolição da escravatura.
Na Université de La Rochelle, entre os dias 27 e 29 de Abril de 2011 decorreu um colóquio internacional subordinado ao tema Les Patrimoines de la Traite Négrière et de L’Esclavage, em que a Torre do Tombo esteve representada com a seguinte comunicação: Le traitement archivistique auprès de l’Arquivo Nacional da Torre do Tombo: Contenus, communication et recherche dans les fonds et documents e a respectiva apresentação.
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  • Alvará determinando que os pretos que forem trazidos da América, África e Ásia, passado o tempo que menciona, sejam considerados livres logo que cheguem aos portos deste reino, sem outra formalidade mais que passarem-lhes nas respectivas alfândegas, a competente certidão de terem nelas entrado. 1761-09-19. Portugal, Torre do Tombo, Leis e ordenações, Leis, mç. 6, n.º 40.
 
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O PENSAMENTO COLONIAL DE MARCELO CAETANO COMO MINISTRO (1944-1947)


Marcelo José das Neves Alves Caetano (1906-1980) foi um proeminente jurista, académico e político português. Licenciou-se em Direito na Universidade de Lisboa em 1927 e aí se doutorou em 1931. Aderiu, desde jovem, às teses conservadoras do Integralismo Lusitano e prestou assessoria jurídica a António de Oliveira Salazar, desde 1929. Nos anos 30 começou a destacar-se pelos seus estudos jurídicos e históricos ( no âmbito da História do Direito e das Instituições, do Direito Administrativo e do Direito Colonial ) e em 1940, com 34 anos, é designado Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa.

De 1944 a 1947 abraça a pasta das Colónias, mas assume um tom crítico em relação à política interna de Salazar. Em 1949 torna-se Presidente da Câmara Corporativa, em 1955 Salazar chama-o para o cargo de Ministro da Presidência e em 1961-1962, já afastado das lides políticas, exerce o cargo de Reitor da Universidade de Lisboa e acaba por se demitir por considerar excessiva a actuação das autoridades policiais face à agitação dos jovens universitários. Em Setembro de 1968, face à debilidade física de Salazar, é nomeado Presidente do Conselho de Ministros e ocupa o lugar até à Revolução do 25 de Abril de 1974. Perante o evento revolucionário, exila-se no Brasil até à sua morte[1].

Ao contrário do que sustenta a moderna historiografia portuguesa, Marcelo Caetano, como Ministro das Colónias de Setembro de 1944 a Fevereiro de 1947, não procurou apenas na sua política implementar os princípios da descentralização administrativa e do desenvolvimento económico das colónias[2]. Na verdade, no discurso que pronunciou no início do seu périplo africano, em Junho de 1945, preconizou a necessidade de construir um sistema federal[3], de que o Almirante Sarmento Rodrigues será um fiel continuador, que possibilitasse a correcta coordenação dos dois pólos governativos coloniais ( o metropolitano e o local ). Daí subscrever que as Conferências de Governadores e a regularidade das viagens ministeriais às colónias eram fundamentais à ajustada coordenação dos pólos decisórios.

O contexto anticolonialista que pairou na Ásia durante e após a segunda guerra mundial, o apoio declarado das superpotências ( EUA e URSS ) ao fenómeno descolonizador e a ideologia da liberdade política e social exaltada pela Carta das Nações Unidas de 1945 foram os factores históricos incitadores da necessidade de mudar a aparência da política colonial portuguesa, tendo este ambiente internacional hostil levado o Ministro Marcelo Caetano a defender a tese federalista para o império português. Foi sob a pressão internacional dos princípios enunciados na Carta da ONU, do dever das potências colonizadoras de fazerem caminhar as colónias para a autonomia administrativa, ou mesmo para a sua independência, e  do dever de serem tomados em conta os interesses das populações nativas, que se constituíram o conjunto de necessidades que influenciaram a alteração estratégica da política colonial portuguesa no fim do conflito mundial.

Porém, Marcelo Caetano argumentou ser inaceitável a independência das colónias portuguesas, no contexto do pós-guerra, devido ao facto do atraso civilizacional das colónias africanas recomendar apenas a equiparação dos interesses dos colonizadores e dos indígenas e do facto das Nações Unidas aconselharem, do seu ponto de vista, o desenvolvimento da autonomia administrativa e da participação das populações autóctones no governo local, mas não recomendar a concessão da independência das colónias no caso de territórios que revelassem ainda imaturidade política, social e económica, o que a seu ver se verificava na maioria das colónias lusas.

Por conseguinte, foi perante esta conjuntura, hostil, anticolonialista que Marcelo Caetano como Ministro das Colónias sustentou retoricamente a tese federalista para o império português, com os objectivos de garantir a continuação da soberania de Portugal sobre a maioria das suas colónias por longo tempo ( dado o atraso civilizacional das mesmas ) e, simultaneamente, de dar resposta aos princípios declarados legais pela comunidade internacional, em sede das Nações Unidas, designadamente os princípios fundamentais da “descentralização administrativa” e da “dignificação dos interesses das populações nativas”[4], mas Salazar resistiu sempre a esta tese política.

Nuno Sotto Mayor Ferrão


[1] Fernando Rosas, “Marcelo José das Neves Alves Caetano”, in Dicionário Enciclopédico da História do Estado Novo, Lisboa, Bertrand Editora, 1996, pp. 110-113.
[2] Vasco Pulido Valente, “Marcelo Caetano”, in Dicionário de História de Portugal, Coord. António Barreto e Maria Filomena Mónica, Lisboa, Ed. Figueirinhas, 1999, vol. VII, p. 202. Defende o autor a interpretação que Marcelo Caetano estava não só preocupado com a simples descentralização administrativa colonial, mas essencialmente centrado em harmonizar um poder governativo das colónias reforçado com  um poder central que em certas matérias deveria ser preponderante, de forma a garantir a uniformização de critérios políticos.
[3] “(...) Disse um dos maiores espíritos do nosso escol de colónias que ‘as colónias se governam nas colónias’. Não me parece o asserto de todo o ponto exacto. Muitas circunstâncias e conveniências da política ultramarina só podem ser devidamente apreciados na capital do Império, lá onde se abarcam os horizontes mais largos do futuro da Nação, se cruzam todas as informações do Mundo e se dispõe dos instrumentos de actuação diplomática e técnica para intervir no devido lugar e a tempo oportuno. A verdade é que as colónias se governam nas colónias e na metrópole, e tanto melhor quanto mais perfeitamente se consiga que sejam as mesmas pessoas a ver nos dois pólos da governação os problemas a resolver. Daí, a instituição das conferências dos governadores, a reatar brevemente, e a regularidade das viagens ministeriais às colónias. (...)”  ( Marcelo Caetano, Alguns discursos e relatórios – viagem ministerial a África em 1945, Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1946, p. 8).
[4] Das seguintes passagens se comprova a veracidade desta inédita interpretação do pensamento colonial de Marcelo Caetano: “(...) Na verdade, as populações nativas ( sic – de África ) entregues a si próprias nunca saberiam sair do estado de barbárie e de carência em que ainda se encontram, e o seu verdadeiro interesse é o de colaborar com o colonizador mesmo quando pareça não resultar para elas dessa colaboração qualquer proveito directo e imediato. ( ...) Ficou pois assente que, segundo o critério das Nações Unidas, se as potências coloniais devem sempre procurar encaminhar os territórios não-metropolitanos para um regime de auto-administração em que sejam ouvidos os desejos de todas as classes da população, não é contudo objectivo necessário da tarefa colonizadora a independência das colónias.(...)” Marcelo Caetano, “As tendências contemporâneas”, in Portugal e o direito colonial, Lisboa, s.e., 1948, pp. 217 e 221.
 VIDEOS:

 Conversas em Familia:
 http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=8tyB2drFZ8c
 http://www.youtube.com/watch?v=sERSNBxVP6o&feature=player_embedded

Massacre de Wiryamu (01 de 07):  

http://www.youtube.com/watch?v=4yJ9pUVV8-o&feature=player_embedded

 



VER TB: http://www.oliveirasalazar.org/download/galeria/pdf___77CA14CB-A9CA-41A6-BE8A-7BC4F0AC1087.pdf

A Guerra no Ultramar: Desabafos de guerra...


                          

Ribombam os canhões na alvorada que desperta
Chora a Pátria a dor dessa ferida exangue aberta
E o toque do clarim que p´ra luta nos atira
Avisa o pelotão que nas armas façam mira
Na cadência da marcha que te arrasta para a guerra
Soldado…Tu estás só!
E a Pátria que te exulta para a luta de ti espera
Que tu, Soldado…De TI não tenhas dó.
No ventre que te gerou, marcam-te a vida,
E como ferro em fogo de insígnia desmedida
Sem dó te marca a sorte e atira ao cadafalso.
Impune e sem sentido fazem de ti um herói falso
Herói sem nome e sem rosto
De quem só sobra desgosto desse ser feito algarismo
Que de si nada deixou para além de um negro abismo
E um vazio de dor no ventre que o pariu
Já que a bravura empenhada naquela luta malvada
Foi por causas que não viu
Buscas agora repouso na sombra de uma bandeira
Que não se deu em mortalha
Mas te guiou na alvorada de alma plena e lavada
Para o ninho da metralha
Sangue da carne a jorrar
Soldado, deves calar a dor que trespassa o ventre
E por bendito ser Deus para te por lá nos céus
Encara a morte de frente
Roubaram-te os sonhos na madrugada
Roubaram-te a vida, deram-te nada,
Deram-te esperanças cretinas e ganas assassinas
Que te trocaram a sorte
E no toque do clarim deram o princípio do fim
Nem te exultaram na morte
Herói sem nome e sem rosto que morreste no teu posto
Deixaste a arma a teu lado
Não te adianta o desgosto de quem te recorda o rosto
Tu foste APENAS SOLDADO


                     Charles Sotam – Setúbal
                    (Cumpriu S.M.O. em Moçambique)


Segunda-feira, 14 de Novembro de 2011


Angola era deles


Guerra do Ultramar: poema A (minha) guerra...


 
A (minha) guerra;
Era a guerra do protocolo,
com desfiles
e charangas estridentes
frente ao Palácio do Governador.
Uma guerra de luvas brancas
cordões entrelaçados
e metais ofuscantes
ao tórrido sol da linha do Equador.
...A minha missão,
tantas vezes incutida
era ser o exemplo
da supremacia caucasiana
em contraste com a símia fealdade
do aborígene povo de cor...
…Serviu-se de mim o regime
como artefacto de propaganda
Para alardear
A superioridade do opressor. 


David Barreira
SMO em São Tomé e Príncipe
 In: Interioridades, Corpos Editora, 2003

Guerra nunca mais...




A Canção do Soldado - GUERRA DO ULTRAMAR 1961-1975

ANGOLA Recordações da Tropa - Cap 1 Vamos para a África!


Quando o meu pai nos deu a notícia de que íamos para a África, a minha irmã e eu ficámos numa excitação dos diabos. Estávamos com sete e nove anos de idade, ela mais velha que eu. Já tínhamos passado duas temporadas de seis meses cada em Tavira, a família já tinha mudado de casa duas ou três vezes, de modo que mais uma mudança não era propriamente novidade.

Só que Tavira estava a dois passos[1], pelo menos estava dentro do universo atingível e conhecido, e a África era um mistério. Era verdadeiramente um outro mundo.

Daí em diante, respirámos África, levámos África para a escola, comemos com ela à mesa, levámo-la para a cama, sonhámos com ela. O que os nossos pais sabiam de Angola, outra palavra mágica que progressivamente foi substituindo África, era muito pouco. Muitas vezes, as nossas perguntas fantasiosas eram complementadas com as fantasias deles. Poucas eram respondidas com informações precisas e muitas outras desencadeavam um rosário de avisos e conselhos: cuidado com os insectos (podem picar), cuidado com as cobras (podem ser víboras, muito venenosas), com os cães, gatos e macacos (podiam ter raiva), com os rios (têm crocodilos e hipopótamos), com os pretos[2] (parece que alguns ainda eram antropófagos)...

Na minha imaginação, íamos viver para uma terra com árvores imensas, donde pendiam lianas, cada uma delas com um imponente macacão na ponta. As casas eram palhotas construídas à beira rio onde deslizavam lentos troncos de árvore, dentre os quais eu tentava descortinar os inevitáveis crocodilos.

Dos pretos tinha uma ideia confusa (cafres seminus espreitando das moitas, de lança em riste, osso atravessado na trunfa e grandes argolas pendentes das orelhas) que acabou por se fixar em duas personagens imaginadas, com idades semelhantes às nossas, e destinadas a voltar connosco para a Metrópole (outra palavra nova, rapidamente integrada no nosso vocabulário): o Mapuço e a Xilau.

Os preparativos da praxe incluíram o encaixotamento da mobília (camas, mesa, etc) pois não se sabia o que nos esperava por lá, muito menos por quanto tempo lá ficaríamos. De facto, nesses tempos pacíficos e sonolentos, era habitual os militares deixarem-se ficar décadas pelas colónias, onde os vencimentos eram superiores e a vida era mais barata que na metrópole.

Isto, para sargentos, como o meu pai, podia fazer a diferença entre uma vida no limiar da pobreza, e um relativo desafogo. Na metrópole, os filhos teriam que, desde cedo, aprender um ofício que lhes permitisse contribuir para as despesas da casa. Na melhor das hipóteses, poderiam ir para o seminário donde sairiam padres ou, ao menos, com alguns estudos. Em África teriam possibilidades de estudar (sem terem que vestir as saias de seminarista) e (quem sabe?) até poderiam chegar um dia à Universidade, onde se produziam (em regime de exclusividade) os canudos, objectos raros e muito eficazes naqueles tempos.

Para os oficiais, as comissões serviam de trampolim para cargos políticos, muitas vezes na administração colonial, para uma mais rápida ascensão na carreira militar ou simplesmente para satisfação do espírito de aventura em caçadas e safaris.

Muitos desses militares por lá ficaram, nem todos enriqueceram. Alguns, minados pelo paludismo, pela bilharziose, pelas biliosas, pela doença do sono, pela sífilis, tiveram um fim de vida muito diferente do que imaginaram quando rumaram a África.

Pensando numa estadia prolongada, um dos produtos que fazia sentido levar era o azeite, latas e mais latas de azeite, não na moderna embalagem de supermercado mas em lata de vinte litros, tipo embalagem hospitalar. Na altura estranhei imenso que em Angola não houvesse azeite (nem vinho), quando as informações que íamos recolhendo[3] eram unânimes em afirmar que a terra era muito fértil, “espeta-se um pau de vassoura na terra, e dias depois já tem raízes e folhas”. Ainda mais estranhei quando me explicaram que a vinha e a oliveira se davam perfeitamente no sul de Angola, mas o Salazar não as deixava plantar. O vinho dava de comer a um milhão de portugueses[4] e era preciso evitar a concorrência; com o azeite, a lógica seria a mesma.

E assim, um belo dia partimos para Lisboa, com armas e bagagens, onde embarcámos no Quanza, venerável banheira prestes a fazer trinta anos, mas que ainda faria mais uma década inteirinha antes de passar à reforma[5].

Depois dos enjôos habituais no início da viagem, escalámos Las Palmas e Ponta Negra antes de tocar os portos angolanos de Luanda e Lobito, para finalmente sairmos em Moçâmedes, nosso porto de destino. Lembro-me de ter estranhado ver tão poucos brancos em Ponta Negra (no então Congo Francês, futuro Congo Brazzaville, depois República Popular do Congo), em contraste com as cidades angolanas que escalámos, onde se viam quase tantos brancos como pretos, e nem todos aqueles aparentavam um desafogo por aí além.

Aliás, nos porões do Quanza, em beliches empilhados na periferia interior dos porões, na chamada 3ª classe suplementar, viajou uma malta barulhenta e de “garrafão em punho”, que se destinava a um colonato qualquer (creio que era a Cela, mas não estou certo). Como mais tarde viria a confirmar, o colono típico pouco se distinguia do nativo[6], excepto na cor da pele. Não é de estranhar, pois, que esta característica assumisse por vezes uma importância decisiva nas relações do colono, branco, com o nativo, preto...

Em Moçâmedes estivemos poucos dias, durante os quais pouco mais fizemos que passear e matar o tempo, mas que me proporcionou o primeiro contacto com o deserto. Não tivemos que ir longe, pois a periferia da cidade era um imenso areal que se afastava do mar, ao contrário dos areais a que estávamos habituados.

Finalmente chegou o dia de S. Comboio, e lá fomos, serpenteando serra da Chela acima, até Sá da Bandeira, sede do distrito da Huíla, onde iríamos residir durante os próximos tempos, pouco mais de dois anos.

A linha do Caminho de Ferro de Moçâmedes tinha sido poucos anos antes alargada para a bitola africana (1,067 m), pelo que a viagem não teve o toque de aventura dos tempos antigos. Até 1954, a linha tinha bitola reduzida (60 cm), e os combóios eram pouco mais que brinquedos. Nas subidas mais íngremes os passageiros tinham que descer das carruagens e subir a encosta a pé, enquanto o comboiozinho, mais aliviado, resfolegava serra acima. Quando se chegava a um troço mais plano, os passageiros voltavam a ocupar os seus lugares e a viagem prosseguia normalmente.

Parte do material circulante de bitola reduzida ficou em Sá da Bandeira, com o objectivo de recolher a um museu que, entretanto, seria criado. Até lá, ficou num descampado, não muito distante do Liceu, onde fui visitar as locomotivas e carruagens, pouco maiores que as que circulam no Jardim Zoológico de Lisboa.


. . . . . . . . .

NOTAS:

[1] Naquele tempo, 1957, ir de Lagos a Tavira era uma viagem e tanto, que não se fazia por dá cá aquela palha...
[2] Deixo desde já assente que não me referirei às pessoas de raça negra como negros, nem como pessoas de cor, indígenas, autóctones, nativos, melanodérmicos, ou outro qualquer eufemismo. Referir-me-ei a eles, na maioria dos casos, simplesmente como pretos, por contraposição a brancos. Estou consciente de que esse termo, nos dias de hoje, tem uma carga pejorativa considerável. Não é minha intenção ofender ninguém, mas também não é minha intenção usar outra qualquer designação (como, por exemplo, o idiota pessoa de cor), cuja correcção política mudará, certamente, com a próxima moda que vier dos States...

[3] Como colonos em perspectiva, naturalmente começámos a contactar com pessoas conhecidas (ou conhecidas de conhecidos nossos) que tinham estado em África ou que tinham lá parentes.
[4] Este condicionalismo protegia, naturalmente, os portugueses de Portugal (ou de primeira) da concorrência dos portugueses das colónias (de segunda, os brancos lá nascidos; de terceira os “de cor” assimilados).


[5] O Quanza tem uma história peculiar: foi o único navio que Portugal recebeu a título de reparações de guerra, por conta de algumas unidades afundadas pela marinha alemã no final da Grande Guerra. Foi lançado à água em Hamburgo no 1º de Junho de 1929, e foi-lhe dado o nome de Portugal. Pouco depois descobriu-se que já havia um Portugal nos registos náuticos do país, de modo que foi preciso arranjar-lhe à pressa outro nome. E assim, quando o navio foi entregue à Companhia Nacional de Navegação, em 5 de Setembro de 1929 já não era Portugal, mas Quanza, nome que manteve até ser abatido, e vendido a um sucateiro de Bilbau, em 1968.
[6] Nesta fase da minha vida, as palavras novas surgiam em catadupas, primeiro as portuguesas, a seguir as aportuguesadas do mumuila e depois as pertencentes a este dialecto.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

INTEGRAÇÃO DE RAÇAS AUTÓCTONES E DE CULTURA DIFERENTES DA EUROPEIA NA COMUNIDADE LUSO-TROPICAL

Gilberto Freyre no Deserto do Namibe



Aspectos Gerais de um Processo



Agradeço à Comissão Organizadora das Comemorações Henriquinas em Portugal, presidida pelo erudito Professor Caeiro da Matta, o convite extremamente honroso que me faz participar, com esta conferência de carácter universitário, nas mesmas comemorações. Agradeco a S. Ex.a o Embaixador do Brasil sua presença ilustre nesta reunião. Vejo com particular agrado, entre os presentes, homens públicos e intelectuais tão modernos nas suas idéias quanto fiéis nos seus sentimentos às melhores tradições henriquinas. Também aqui se acham homens de estudo vindos de outros países: figuras notáveis pelo saber, que estão em Lisboa para prestar homenagem à memória daquele que soube ser, em Sagres, amigo de sábios de várias procedências. Meus agradecimentos se estendem a todo o selecto público que aqui se reúne hoje para ouvir a palavra de um conferencista nada eloquente sobre um tema que, sendo principalmente técnico, não se prestaria, aliás, à retórica das orações congratulatórias. Nem sou orador nem estimo tal espécie de eloquência. Meu empenho de homem de estudo, de tal modo desejoso de independência que nem aos compromissos permanentes de cátedra ou às responsabilidades intelectuais de professor universitário se tem deixado prender - donde não ostentar titulos ou graus acadêmicos,embora não os repudie nos momentos justos, nem buscar condecorações oficiais - vem sendo, em face dos valores ibéricos, em geral, e portugueses, em particular (dos quais venho há anos me ocupando), antes o de procurar reabilitá-los contra exageros negativistas que o de exaltá-los, além da análise ou da intepretação crítica, com o fervor dos apologistas apenas líricos quando não sómente detirâmbicos.
Compreende-se assim que não agrade nem a uns nem a outros desses extremistas; e que a maior receptividade intelectual às minhas idéias e aos meus trabalhos sobre tais assuntos venha sendo antes dos meios não-ibéricos-ainda há pouco das universidades alemãs-que de alguns dos ibéricos. Meu afã tem sido-desculpai esta introdução deselegantemente autobiográfica - e continua a ser o de procurar analisar, interpretar e situar, através de uma antropologia ou sociologia que há dois meses, em Paris, o pensador Jean-Paul Sartre, ao comentar generosamente, antes de partir para o Brasil, um dos meus trabalhos, considerava existencial, valores por muito tempo julgados apenas abstractamente por uns ou sómente emocionalmente por outros; e negados ou exaltados conforme a exclusividade ou a predominância exagerada de um desses critérios. é um afã crítico, um ânimo análitico, um esforço de compreensão a que não tem faltado, admito, amor. Algum amor. Talvez, muito amor. Menos, porém - espero -, o amor que cega que o amor que concorre para esclarecer.
Uma advertência: a de que emprego o adjectivo luso-tropical para designar a comunidade de língua portuguesa, por considerar que, nessa comunidade, as predominâncias são hoje luso-tropicais. 0 próprio Portugal europeu é considerado, sob esse critério sociológico de predominâncias, um trecho da Europa tocado em seu físico pelo Trópico e colorido consideravelmente, em sua estrutura social e em sua configuração cultural, por influências absorvidas de civilizações ou culturas tropicais.
Integração de racas autóctones e de culturas diferentes da europeia na Comunidade Luso-Tropical: aspectos gerais de um processo
Integração significa, em moderna linguagem especificamente sociológica, aquele processo social que tende a harmonizar e unificar unidades diversas ou em conflito, sejam essas unidades elementos de personalidade desgarrados ou desintegrados-assunto mais psiquiátrico que sociológico-, indivíduos com relação a outros indivíduos ou a grupos, grupos com relação a outros grupos. Integrar quer dizer, na mesma linguagem especificamente sociológica, unir entidades seperadas num todo coeso, um tanto diferente da pura soma das suas partes, como se verifica quando tribos ou estados e até nações diferentes passam a fazer de tal modo parte de um conjunto, seja nacional ou transnacional, que dessa participação resulta uma cultura senão homogénea, com tendência a homogénea, formada por traços mùltuamente adaptados-ou adaptáveis-uns aos outros. Assim compreendida, a integração contrasta com a subjugação de uma minoria por uma maioria; ou-pode-se acrescentar-de uma maioria por uma minoria, contrastando também com a própria assimilação.
Sirvo-me, em grande parte, nestas considerações iniciais sobre um processo hoje tão em foco - com a crise franco-africana, principalmente - de definições, já clássicas, de Watson e de Coyle, consagradas pelo Professor Henry -Pratt Fairchild no seu Dictionary of Sociology. Em grande parte, porque, ao apresentá-las, apresento-as acrescentando-lhes palavras em que se reflectem, sendo conclusões, sugestões derivadas de um já longo estudo pessoal dos mesmos processos, no qual a matéria principal de observação vem sendo, em relação a grupos não-europeus e a culturas não-europeias, a hispânica e, dentro dessa particularização, especialmente a portuguesa em relação com os mesmos povos e com as mesmas culturas.
Assim qualificadas as expressões <>, <>, <>, vê-se que, no sistema de relações do Português com grupos não-europeus e com culturas não-europeias, embora se tenha verificado por vezes, na. história dessas relações, subjugação da mais crua de não-europeus por portugueses - que o diga o exemplo do<> - e, outras tantas vezes, assimilação da mais intencionalmente absorvente - do que é exemplo, ainda hoje, a quase glorificação, no direito ultramarino de Portugal, da figura do <> -, a tendência mais característica do mesmo sistema vem sendo no sentido da <>. Integração perturbada, quer no Oriente, quer noutras áreas de contacto do Português com não-europeus, por essas duas tendências, sem que, entretanto, em nenhuma área das mais importantes ou em nenhuma fase das mais expressivas da expansão lusitana em espaços não-europeus, essa perturbação tenha ido ao extremo de tornar o método de subjugação violenta de povos estranhos ou de sistemática assimilação de culturas exóticas a constante no sistema das relações do Português com esses povos ou com essas culturas.
É comum referirem-se historiadores, antropólogos e sociólogos ao contacto de europeus com não-europeus como expressão de um especialíssimo processo que, não chegando a ser nem de subjugação nem de assimilação, menos ainda de integração, poderia ser caracterizado como sendo, ou tendo sido, de europeização. A tendência para a europeização raramente deixou de assinalar as relações dos Portugueses com não-europeus, embora a alguns de nós pareça que o empenho da gente lusitana, ao tomar contacto com esses povos, tenha sido, quase sempre, mais o de socialmente cristianizá-las que o de culturalmente europeizá-las. 0 que talvez se deva antes a um retardamento que a um adiantamento na cultura dos Portugueses, que, a partir do século XVI ou desde esse século, vem sofrendo a competição, que em algumas áreas se tornou vitoriosa, da parte de outros europeus. Mesmo assim, criaram, no Oriente, uma Índia mais cristocêntrica que etnocêntricamente portuguesa, em Macau, uma pequena ilha socialmente cristã ou para-cristã e étnica e culturalmente sino-lusitana, no Brasil e nas Áricas, sociedades cristocêntricas em suas predominâncias de comportamento, embora de modo algum de todo portuguesas na composição étnica de suas populações ou sequer de suas élites ou na consubstanciação das suas culturas, de formas iniciais on básicas abertas a substâncias diferentes das europeias.
Que espécie de retardamento de cultura-retardamento com relação a povos europeus seus vizinhos e, desde o século XVI e principalmente desde o XVII, seus rivais, nas aventuras de expansão em espaços não-europeus - terá caracterizado o português colonizador, desde então, de tantas áreas tropicais, em suas relações com essas mesmas áreas, e Ihe favorecido, nessas e noutras áreas, uma política social de integração de raças autóctones e de culturas diferentes das europeias num todo inicialmente europeu, além de cristão, em suas próprias predominâncias de cultura, mas com tendências a homogéneo sob a forma de um terceiro tipo de cultura ou de civilização: nem o europeu nem o das populações incorporadas desde o início na comunidade luso-cristã ? Terá realmente havido tal retardamento ? Terá sido ele favorável a uma política social com relação a não-europeus e às suas culturas que nenhum outro povo europeu conseguiu, até hoje, seguir com o mesmo êxito alcançado pelo Português sob a forma de uma política de integração ?
Sou dos que admitem ter havido tal retardamento; e, por minha conta, vou além: aventuro-me a sugerir ter sido um retardamento, esse - se é que realmente houve - antes vantajoso que desvantajoso para as relações do Português com não-europeuse para a política de integração que, mais do que qualquer outra, vem caracterizando essas relações. Mais do que as violências de subjugação. Mais do que as tendências à pura ou sistemática assimilação do exótico ao castiço.
De que modo se teria retardado Portugal com relação ao adiantamento alcancado pelo Norte da Europa, ao definir-se a fase mais activa de expansão dessa Europa e da ibérica em espaços não-europeus? Ter-se-ia retardado principalmente no tocante à chamada Revolução Industrial que, quase de súbito, alterou profundamente - todos o sabemos-, naquela Europa - a do Norte -, as relações entre classes e entre indivíduos. Relações que, entretanto, continuaram na Europa ibérica, sendo as mesmas da fase mais caracteristicamente pré-industrial e pré-burguesa, outrora comum a toda a Europa cristã, mais semelhantes às daquela fase que parecidas com as da nova: nova e renovadora. Renovadora, sobretudo, das sociedades norte-europeias tornadas, pelo Industrialismo e pelo Protestantismo, além de bíblicas, isto é, partidárias da leitura e interpretação da Biblia pelo indivíduo médio e apenas alfabetizado, adeptas de uma intensa valorização não só do indivíduo, em geral, como desse individuo médio, em particular, de repente investido, por essas novas circunstâncias e por essa nova filosofia social, de responsabilidades até então desempenhadas por entidades especializadas em dirigir ou orientar o conjunto social, enquanto a gente média como que se sentia, quase toda, socialmente segura e psicamente satisfeita na sua situação de gente dirigida ou orientada.
Com as novas responsabilidades de que se viu investida, a gente média parece ter-se sentido, pelo menos durante um período considerável de tempo social, insegura; e com esse sentimento de insegurança a respeito do seu próprio valor e da sua capacidade de dirigir-se a si mesma é que teria passado a ser o principal elemento representativo não só da Europa como do Cristianismo junto a não-europeus. Sua superioridade com relação a todos esses não-europeus ostensivamente se manifestaria em suas novas técnicas de produção e industrial; e em suas noções de mensuração de tempo – no tempo cronométrico; e com relação a muitos dos mesmos não-europeus, serem, como cristãos reformados, indivíduos biblíco, alfabetizados e até literários, no sentido antropólogico da palavra; capazes, portanto, de um saber de que os analfabetizados eram incapazes. A tal superioridade corresponderia o facto biólogico de serem brancos: outra ostensiva insígnia de superioridade a distingui-los dos não-europeus rústicos, anlfabetos, pré-literários.
Seriam, porém, superioridades todas essas que precisariam de ser afirmadas, entre inferiores, por superiores não de todo de ser afirmadas, entre inferiores, por superiores não de todo seguros de ser superiores a tais inferiores. O burguês norte-europe, por vezes pedantemente bíblico no seu cristianismo reformado e enfáticamente neo-industrialna técnica de produção económica - - uma gente média -, parece ter precisado de reagir contra o sentimento de insegutança, característico, aliás, de todo indivíduo ou de todo grupo novo no poder, na cultura e na riqueza, exagerando-se nas manifestações ostensivas de sua superioridade. Uma das evidências de superioredade teria sido, para aquele norte-europeu, desde o século XVI e principalmente desde o XVII, desgarrado entre não-europeus, a que estaria a olhos vistos na sua brancura de pele e nos seus característicos de raça.
Essas especulações sobre dois passados europeus, contraditórios em cários pontos e que se manifestamram em dois comportamentos, também em vários pontos contraditórios, de colonizadores europeus em face de populações e de culturas não-europeias de espaços não-europeus, são especulações de carácter, senão sociológico, para-sociológico, que se baseiam em factos irrecusáveis, característicos dos mesmos dois passados e dos mesmos dois comportamentos e que nos permitem sugerir – ficando a sugestão a depender, para a sua maior validade como chave de interpretação sicial, de minucioso estudo histórico do assunto – Ter sido um desses comportamentos, em seus começos, característicamente pré-burguês, o outro, também em seus começos, característicamente neo-burguês. O pré-burguês – pré-burguês nas suas predominâncias e não de todo, como não eram de todo neo-burguêses dos séculos XVI ao XIX os Norte-Europeus, tendo havido entre eles até no século XIX sobrevivências de cultura pré-burguesa – ter-se-ia manifestado num sentimento generalizado de segurança do Europeu cristão em face de povos não-cristãos, reforçado em muitos portugueses e espanhóis pelo seu já consolidado triunfo de povos pré-burgueses, cavalheirescos, sobre os Mouros. Esse sentimento de segurança teria favorecido o contacto íntimo de portugueses, como europeus, com povos não-europeus e com suas culturas: contacto também favoracido pela circunstância de grande parte dos Portugueses e dos Espanhóis que começaram a se espalhar, desde o século XVI, por espaços não-europeus erem sido homens analfabetos, cristãos orais e folclóricos e não bíblicos; e, por conseguinte, em situação de muitos mais fraterna e fàcilmente se entenderem com povos não-europeus, quer dos chamados primitivos, quer dos denominados civilizados (entre os quais pouco eram os grupos sociològicamente literários), do que os homens médios da Europa do Norte: cristãos hirtamente bíblicos e inseguramente neo-burguês – além de europeus e de brancos condicionados também por essas duas situações, então novas para eles: a de cristãos bíblicos e a de burgueses – nas predominâncias das suas atitudes e do seu comportamento.
Acresce que, como povo ainda, em grande parte, predominantemente pré-burguês e pré-industrial nas suas atitudes, o Português que, a partir principalmente do século XVI, se tornou coloizador de espaços não-europeus adoptou, nesses espaços, quando neles fundou grandes plantações de cana-de-açúcar, um tipo de escravidão também predominantemente pré-burguês e pré-industrial em seus característicos; e em nítido contraste com o tipo de escravidão predominantemente industrial e burguês que seria, quase sempre, o adoptado por outros europeus nos mesmos espaços. Desse pré-burguesismo, assim como de outros factores que não interessa aqui considerar, resultou, evidentemente, um sistema especialíssimo de relações de senhores com escravos nos espaços não-europeus marcados pela presença portuguêsa; e à sombra do qual foi possível a tendência para a subjulgação de não-europeus por dominadores europeus e o próprio pendor para a assimilação de não-europeus num tipo inflexìvelmente europeus de civilização. Tais tendências, porém, se adoçaram frequentes vezes, numa outra tendência para a integração de dominadores e de dominados, de brancos e povos de cor, de europeus e não-europeus num novo tipo de sociedade e num novo tipo de civilização, caracterizado pela presença, nessa terceira sociedade e nessa terceira cultura, dos povos de cor e das culturas não-europeias. Não só presença: participação.
Já procurámos considerar o caso particularmente brasileiro de interpretação da tradição henriquina de seguro social dos cativos, dando-se oportunidade de ascensão a muitos deles. Consideremos, agora, o assunto em alguns dos seus aspectos gerais, sem nos afastarmos, entretanto, desse expressivo exemplo.
A preocupação com a segurança social dos cativos, dos trabalhadores, dos neo-cristãos, vindos de culturas onde civilizações tropicais, diferentes das europeias, caracterizou, nos seus dias por assim dizer castiços, o sistema tanto português, em geral, como brasileiro, em particular, de escravidão antes patriarcal do que industrial: a utilizada por portugueses e, independente o Brasil do Estado mas não da comunidade ou da cultura predominantemente portuguesa, por brasileiros, na colonização agrária de regiões tropicais. Sistema que, com todas as suas falhas, contribuiu para a integração não só do Português no Trópico, como do nativo do Trópico nos estilos de vida levados da Europa a regiões tropicais pelo Português, em particular, e pelo Hispano, em geral.
Note-se que, no Brasil, até o fim do século XIX se conservou, com a relativa protecção do escravo pelo senhor patriarcal, de modo afectivo e familiar -e com o compadrio a ligar até senhores e escravos -, um sistema de seguridade social condicionado pelo tipo patriarcal, doméstico, persistentemente árabe, renitentemente pré-industrial e pré-burguês, de escravidão. 0 tipo de escravidão que o Português adoptara do Mouro para, sobre essa técnica de trabalho e, principalmente, sobre esse sistema de relações entre europeus e grande parte de não-europeus - os cristianizados -, desenvolver sua expansão nos Trópicos.
Na África e no Oriente, a extinção como que prematura do regímen patriarcal de escravidão não permitiu que se processassem do mesmo modo que no Brasil nem a integração do não-Europeu pelo Europeu em ambiente familiar, patriarcal doméstico, nem a protecção do trabalhador não-europeu pelo senhor europeu ou cristão. 0 facto de se ter o regímen de trabalho escravo, de feitio patriarcal e adoçado por uma inspiração cristã vinda do Infante, prolongado no Brasil até o fim do século XIX parece a alguns de nós, investigadores do assunto, ter representado evidente vantagem para a consolidação, no Brasil, de um tipo luso-tropical de civilização, quase sempre caracterizado, quer pela protecção do escravo pelo senhor, quer pela oportunidade concedida ao escravo de concorrer para um novo tipo de convivência, com valores e técnicas especificamente tropicais.
Pode-se afirmar do método de integração de não-cristãos em sistema luso-cristão de convivência, através da escravidão de tipo patriarcal, com a condição de escravo modificada ou adoçada pela de afilhado do senhor, que, tendo sido um método de assimilação cultural e de protecção social inaugurado pelo Infante D. Henrique no século XV, se prolongou no Brasil, ainda mais do que na África e no meio de deformações e de deficiências consideráveis, até o século XIX. A despeito de todas essas deformações e de todas essas deficiências, foi graças principalmente a esse método que, dentro do sistema brasileiro de organização patriarcal de economia, de sociedade e de cultura, se processou a integração do Africano, escravo ou descendente imediato de escravo, num tipo de comunidade ou de sociedade e num estilo geral de cultura - comunidade e estilo predominantemente euro-cristãos - de que ele, de ordinário, o mesmo africano passou a sentir-se participante.
A instituição do afilhado, a do dote, o compadrio agiram poderosamente, no Brasil e noutras áreas de formação portuguesa, no sentido de tornar possíveis relações de tal modo afectivas, de tal maneira complexas - subtilmente psico-sociais até - entre senhores e escravos e entre descendentes de senhores e descendentes de escravos e, também, a favor da ascensão dos indivíduos e subgrupos socialmente mais fracos, favorecidos, nessa ascensão, pelo socialmente mais forte, que a fórmula <>, proposta por alguns para o esclarecimento ou a interpretação do desenvolvimento social brasileiro, resulta mecânica, simplista e inadequada. A interpretação do mesmo desenvolvimento social brasileiro pelo complexo Casa -Grande & Senzala - preferida por outros analistas desse desenvolvimento - está longe de ser apenas uma nova expressão verbal ou simbólica dessa fórmula. é mais compreensiva do que ela pela importância que atribui a um conjunto de relações criadas não apenas pela subordinação de escravos a senhores no plano da actividade económica e da hierarquia social, mas por uma vasta e subtil interpenetração de atitudes, valores, motivos de vida, estilos de cultura - os senhoris e os servis, os europeus e os não-europeus - condicionados por um tipo patriarcal de convivência, particularmente favorável a tal interpenetração.
Desse tipo patriarcal de convivência é que se pode afirmar ter nascido com a política social de integração de não-europeus em sistema luso-cristão e, dentro desse sistema de protecção a neo-cristãos, inaugurada no século XV pelo Infante D. Henrique, ao procurar dar sentido amplamente cristão às primeiras relações entre cristãos e não-cristãos, entre europeus e não-europeus - e não apenas entre senhores e escravos - na África ocupada pelos Portugueses e entre os portugueses que acolheram em suas casas patriarcais os primeiros cativos vindos da África. Desenvolveu-se o sistema no Brasil; mas a sua origem parece a alguns de nós inconfundível: a política inaugurada pelo Infante no remoto século XV.
Venho sugerindo neste ensaio, já demasiado longo para os seus modestos objectivos, que as normas de segurança do trabalhador cativo e de integração desse cativo ou desse trabalhador, quando exótico ou de origem exótica, no sistema português patriarcal e cristão de família e de sociedade, traçado pelo Infante D. Henrique, informaram, em grande parte, o desenvolvimento dos métodos escravocráticos de protecção do escravo pelo senhor e de incorporação do mesmo escravo à família patriarcal do mesmo senhor seguidos pela gente lusitana na sua consolidação sócio-económica em áreas tropicais. Principalmente no Brasil.
Que esses métodos, de possível origem maometana mas cristianizados de todo pelo Infante, distinguiram o sistema escravocrático luso-tropical dos demais sistemas de escravidão euro-tropicais, parece-me evidente. São muitos os depoimentos de estrangeiros idóneos que assinalam tal diferença, em face de uma maior benignidade - destacada por esses estrangeiros da parte de portugueses e de brasileiros estabelecidos patriarcalmente em áreas tropicais com fazendas e engenhos, com relação a seus escravos, vários dos quais tornados pelos patriarcas de casas-grandes, pessoas de casa, tratados pela gente senhoril como membros da família e feitos participantes integrais, senão das crenças católicas, dos ritos católicos, de baptizados, de crisma, de casamento, de morte, da liturgia da Igreja e das principais normas cristãs de comportamento e de convivência.
A não poucos desses escravos no Brasil, quer colonial, quer imperial, foram dadas, dentro da tradição henriquina, oportunidades de ascensão social pelo casamento e pela instrução, iguais ou quase iguais, às que se concediam aos filhos brancos das famílias a que pertenciam sociològicamente os cativos.
Não são poucos os depoimentos idóneos que registam tais facilidades, mercê das quais numerosos filhos de escravos, de indivíduos nascidos escravos, se tornaram, na sociedade brasileira, rivais de brancos senhoris, ou de origern senhoril, nas funções que Ihes foi dado desempenho e no prestígio que alcançaram através do desempenho de tais funções.
Em trabalho universitário de mocidade, escrito e publicado em língua inglesa, procurei salientar alguns dos aspectos que parecem ter diferenciado o sistema escravocrático brasileiro e não só é a caracterização válida para o sistema que se possa denominar brasileiro, em particular, como para o português, em geral - dos demais sistemas escravocráticos seus contemporâneos, através de uma maior beniguidade da parte dos senhores nas relações com os escravos. Sugeri mais que essa benignidade se afirmava na comparação do tratamento do escravo tipico das áreas de formação portuguesa - típico porque vários foram os escravos, não só no Brasil, como em Angola e em Moçambique, vítimas de maus senhores - pelo senhor brasileiro ou português típico e a cuja família o mesmo escravo sociològicamente pertencia - com o tratamento recebido de industriais pelos operários, nas fábricas europeias - principalmente inglesas - dos primeiros decénios do século XIX. A tese, na sua primeira parte, foi, senão impugnada, posta em dúvida por um generoso intérprete do que se pode considerar a filosofia de história que meus trabalhos sugerem: o Professor Lewis Hanke, neste particular seguido recentemente pelo também professor James Duffy.
Não me parece, porém, que os eruditos de Harvard tenham apresentado um só argumento que de facto comprometesse aquela tese. Sua atitude é a de quem, sem conhecimento especializado do assunto, reluta em aceitar uma <> difícil, com efeito, de ser compreendida sem um estudo das particularidades que a explicam histórica e sociològicamente.
É essa benignidade que me parece, hoje, dever ser associada às normas de segurança do trabalhador e de integração do cativo exótico ou de origem exótica num sistema luso-cristão de sociedade ou de comunidade traçadas pelo Infante D. Henrique. 0 exemplo maometano de escravidão doméstica, familiar e patriarcal, não Ihe teria sido estranho. Mas ele soube traçar, de modo nítido e inconfundível, uma política caracterìsticamente cristã e portuguesa de relações de cativos com senhores, de africanos com europeus, de que evidentemente se impregnou grande parte do sistema de colonização portuguesa em sua tendência para se tornar a despeito do regime de trabalho escravo que por tanto tempo vigorou nas áreas sob seu domínio, um sistema integrativo. Embora tenhamos de admitir graves desvios do espirito henriquino no desenvolvimento desse sistema - Afonso de Albuquerque chegou a ser, neste particular, na Índia, uma espécie de anti-Henrique - a verdade é que as normas henriquinas se estenderam da Europa vizinha da África negra aos trópicos mais distantes, marcados pela presença portuguesa. Principalmente ao Brasil.
Ainda há pouco, lendo o livro, publicado em Londres em 1878, em que os ingleses C. Barnington Brow e William Lidstone registam suas observações do Brasil que conheceram já no fim da era escravocrática, deparo, à página 26 de Fifteen thousand miles on the Amazon and its tributaries, com este depoimento - mais um depoimento a ser acrescentado aos vários que já se conhecem sobre o assunto - a respeito de uma típica fazenda patriarcal por eles visitada no Norte do então Império: <> but spoke of them always as belonging to his household.>> 0 método henriquino em pleno vigor no Brasil escravocrático da segunda metade do século XIX.
Assim se explica - pela sobrevivência, pela persistência, pela permanência na sociedade, escravocrática é certo, mas, ao mesmo tempo, patriarcal do Brasil do século XIX, de normas de tratamento de escravos por senhores vindas de D. Henrique - o facto de ter havido, com efeito, no Brasil, um regímen de escravidão que de ordinário ou em parte foi uma escravidão antes doméstica que agrária ou agrário-industrial; uma função de organização familiar que condicionava a actividade económica, base sòmente material de sua existência e não apenas expressão dessa actividade económica independente daquela organização: uma organização rocada de sugestões cristãs, influenciada pelo apreço, da parte dos seus dirigentes, por valores dos chamados espirituais; conservadora de normas de contacto de brancos com pretos inauguradas pelo Infante.
Não se nega ter o puro afã de dominação política ou de exploração económica tomado por vezes exagerado relevo no jogo de relações de portugueses da Europa com não-europeus. Em certas fases ou circunstâncias tem chegado esse afã a comprometer aquelas constantes de política social. Não digo, nem nunca ousei dizer, do Português europeu que vem sendo um povo perfeito em sua política social com não-europeus. 0 que é digno de atenção nessa política é a sua constância - a constância da sua relativa benignidade - a despeito das imperfeições.
Mais do que nunca saberá de certo o Português conservar-se fiel às inspirações henriquinas, em vez de procurar, já agora arcaicamente, seguir, naquelas relações, normas de povos estritamente europeus - e o Português, sobretudo depois de D. Henrique, não é povo estritamente europeu - com não-europeus. Seria um desvio perigoso de tradições vindas dos dias daquele príncipe e desenvolvidas principalmente no Brasil: uni Brasil tão henriquino no seu desenvolvimento em democracia étnica e em democracia social.


Fonte: FREYRE, Gilberto. Integração das raças autóctones e de culturas diferentes da européia na comunidade luso-tropical: aspectos gerais de um processo. Lisboa: Congresso Internacional de História dos Descobrimentos, 1961. 15p.

ORIGEM DO TEXTO

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Salazar e o Estado Novo. O golpe militar do 25 de Abril de 1974



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SALAZAR_NÃO DISCUTIMOS

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A guerra em ANGOLA. ANGOLA: CONFLITOS POLÍTICOS E SISTEMA SOCIAL (1928-30)1Adelino Torres2








Os primeiros militares a partir para Angola ao som da canção “Angola é nossa” embarcaram, por via aérea a 18 de Abril e a 21 do mesmo mês por via marítima.

A 4 de Fevereiro de 1961 iniciou-se, em Angola, a “Guerra Colonial portuguesa” desencadeada pelos movimentos de libertação que pretendiam a independência dos seus territórios à semelhança do que vinha acontecendo desde o final da 2ª Guerra Mundial. Esta guerra pela libertação só viria a terminar com o “25 de Abril de 1974”.

A Historia de Angola tem vindo ao longo dos seculos abordada  no quadro de uma dicotomia radical quase maniqueísta,  inclusive hoje por africanos, que tem ignorado toda uma realidade muito mais complexa que envolve aspectos interessantes e surpreendentes que mereceriam um olhar crítico dos aspectos negativos e positivos de um processo histórico muito mais complexo do que por vezes se pensa. Urge, pois, uma nova leitura e interpretação integrada da Historia de Angola, desligada de ideologia e efectuada com o distanciamento que seria exigivel na busca da verdade historica.

O texto que segue vem precisamente nessa linha: Clicar  aqui:
ANGOLA: CONFLITOS POLÍTICOS E SISTEMA SOCIAL (1928-30)1Adelino Torres2






domingo, 25 de dezembro de 2011

O dinheiro à grande e à portuguesa [Inteiro]



Nao tem a ver com o assunto central deste blog, porem como se trata de algo que toca a todos nesta economia global, resolovemos colocar aqui  o primeiro episódio do Documentário Aurora, focando-se na realidade portuguesa do colapso financeiro e o colapso do Euro.

Totalmente em português para mostrar a toda a sua família neste natal. Sua família, com certeza, vai adorar saber destas coisas…! 
http://www.provafinal.net/2011/12/o-dinheiro-a-grande-e-a-portuguesa-inteiro/
Torrent para download: http://www.mediafire.com/?x014t52lm6b6xgy


Nao perca! Compreenda o mundo em que esta a viver. Veja ate ao fim e compreenda a crise provocada por este sistema arruinador ladrao e desumano, com base na usura , no lucro e na ganancia que gera uma politica de sujeicao dos Estados e dos povos, em beneficio de uma elite de poderosos lobbies mundiais...Portugal e vitima da economia monetaria. Esclareca-se e defenda-se!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

ANGOLA in Converss de Café por Carlos Mário Alexandrino da Silva

 
Antes de responder objectivamente, permitam que decalque a seguinte definição de História, da autoria do Dr. John Henrik Clarke:

" A História é um relógio que as pessoas usam para saber o seu registo de tempo - político e cultural. Quem são e o que são. Acima de tudo, a história indica às pessoas para onde elas têm de ir e o que devem ser. Existe entre as pessoas e a história uma relação idêntica à que se verifica entre mãe e filho."

Será que alguém em Angola já ponderou, com conhecimento de causa, a história dos seus povos ? Tudo indica que não...A meu ver, Angola é e enquanto tiver tal topônimo sê-lo-à ainda por muitas dezenas de anos, talvez mesmo ao longo de todo este século, uma ficção...geopolítica, uma criação de conveniência, improvisada, artificiosa, de raiz ambundo, adaptada às pressas pelo ex- (será mesmo ex?- SERÁ QUE SAÍU...DEVERAS? MESMO... MESMO?!!!)... colonizador para denominar uma área do ecúmeno que, ao tempo da Conferência de Berlim de 1884/85, nem sequer estava delimitada topograficamente. Como escreveu um dos mais renomados historiadores angolanos da actualidade, o Dr.Carlos Pacheco, "os políticos, em geral, falam muito da guerra em Angola, todavia escapa-lhes sempre o essencial: escapa-lhes a história que, mesmo sem a conhecerem em profundidade, os incomoda e, por isso, preferem ignorá-la" (in OPINIÃO, no EXPRESSO, 31/07/99, sob o título "MPLA e UNITA: não se entendem, porquê?"). Noutro passo do seu importante artigo, Pacheco destaca: "O conflito vem de longe, é secular e radica na própria geografia social, étnica e cultural de Angola."

Com a devida vénia ao autor e ao EXPRESSO, ousamos transcrever desse inédito escrito a seguinte passagem que, em poucas palavras, explicita tudo sobre a etiologia do trágico fenômeno da guerra, já endêmica, a que se vem assistindo naquele pedaço significativo (1.246.700 km2 se... Cabinda fosse realmente Angola mas não o é senão por vil traição dos revolucionários da JSN e pseudo-socialistas portugueses ao Tratado de Simulambuco!) da primeva placa tectônica, a que geólogos e geógrafos chamam de Gonduana, fragmento do Pangéa, geratriz de vários continentes e subcontinentes (Austrália, Península Hindustânica, Antártida, América do Sul):

"No século passado, e mesmo antes, foram permanentes os conflitos, de natureza militar, entre o litoral e o que se convencionou chamar "os povos do vasto sertão" salienta o referido pesquisador, que acrescenta: " A Coroa portuguesa em vão tentou, até à Conferência de Berlim, em 1885, subjugar e avassalar todos esses povos e só alguns, próximos da raia litorânea, se submeteram.". E como não poucas vezes a HISTÓRIA fatìdicamente se repete, assistimos no último quarto de século ao que adiante reproduzo, escrito por Carlos Pacheco, onde relata, em ordem a esse passado, uma situação também vigente em nossos dias, depois da proclamada... "libertação", a qual, na verdade, não foi derrota de ninguém como se propala, com ufania despida de veracidade, pois o que houve, tanto em Angola como em Moçambique, foi uma intencional entrega espúria e desonesta de testemunho em bandeja dourada, do "desistente" ao menos apto dos três opositores, porque já desmantelado e dividido - o MPLA - mas a quem foi passada a programação elaborada pela camarilha criptocomunista do MFA e pelos patrões do Kremlin de Moscovo, ao tempo da URSS; isto quando era indiscutível já uma vitória real, total do ponto de vista militar mas também psicológica e socioeconómica, indesmentível, do colonizador (vidé "SALAZAR, O ULTRAMAR e o 25 de ABRIL", do general Silvino Silvério Marques, editora NOVA ARRANCADA, Abril 2001, Largo do Carmo, Lisboa, Portugal, páginas 92 e 93):
"Nessas acções militares contra o interior - prossegue o precitado historiador -, houve um produto da sociedade híbrida que se plasmou no litoral, resultante do contacto de europeus e indígenas e cujas peculiaridades, do ponto de vista etnocultural, se podem observar ainda hoje em muitos comportamentos, hábitos e atitudes mentais. Esse segmento, constituído por filhos do país, angolanos, em suma - brancos, negros e mulatos -, desde sempre se polarizou no papel de classe intermédia no contacto dos portugueses com o sertão. Foram eles que, praticamente, em regime de monopólio exploraram os caminhos de entrada e saída do sertão, e concentraram nas suas mãos, pelo menos até meados do século XIX, uma parcela significativa do comércio atlântico com o interior, sendo famosas algumas empresas suas cujo tráfico se fazia privilegiadamente com o Brasil, Montevidéu, Argentina e América Setentrional.".

Repare, prezado internauta que está acompanhando esta conversa no Café Luso, no trecho a seguir focalizado:
"Mas esses crioulos não controlavam unicamente as redes de comércio. A sua influência e poder nos escalões superiores da administração pública era indiscutível; como o era também nas forças militares de 1ª e 2ª linhas, onde o seu ascendente numérico foi uma constante até ao 4º decênio de oitocentos. Eram eles que, maioritariamente, governavam os presídios do interior. Porém, os abusos de autoridade e extorsões praticados contra as populações foram tantos, que um ou outro governador mais consciencioso não deixou de os denunciar para Lisboa."

Em particular é bastante elucidativa a passagem seguinte. Nela, o preclaro pesquisador angolano, que foi militante do MPLA... antigo, observa que, na falta de tropa européia "foram esses crioulos - no comando sobretudo dos corpos de infantaria - que levaram a guerra ao interior contra os "gentios", com vista a pacificá-los." E, noutro passo, o autor sublinha que tanto a UNITA como a FNLA, entre outros agrupamentos menos expressivos, "nasceram ou tiveram suporte sociológico e cultural em espaços situados fora da influência tradicional da colonização portuguesa". Um atestado da autenticidade, da "Africanidade", este, que diríamos, se aceitável face ao paradoxo de sua origem etimológica não autóctone porém, isto sim, alienígena, a favor dos dois rivais daquele que é, desde 11 de Novembro de 1975, traído que foi por Portugal, ou melhor, por inescrupulosos militares e políticos socialistas (ou antes... sucialistas) portugueses, o Acordo de Alvor, o DONO DO PODER... e que era o derrotado, o esfrangalhado já muito antes do 25 de Abril de 1974: o MPLA... versão 2 ( a do Neto/Lara...). Um privilegiado "clone"..."quod erat demonstrandum" que até aos nossos dias continua sendo apadrinhado por uma estranha "troika" visivelmente imbuída de paternalismo cìnicamente... neocolonialista. Mas mais significativa ainda, é a afirmação de que o MPLA constitui, na verdade, o corolário cultural resultante da prolongada inserção dos portugueses "na geografia litorânea de Angola", na medida em que, tanto os seus fundadores (todos já desaparecidos e de que não fazia parte o poeta-médico militante do Partido Comunista Português Agostinho Neto... que entrou tardiamente pela porta dos fundos, convidado de conveniência por ter a epiderme mais tisnada pela pigmentação, o que poderia conferir ao incipiente movimento, que não a estava conseguindo em 61/62, maior aceitação entre as massas de pura etnia banto tanto dos muceques lunadenses como de Bengulea, Lobito e demais regiões a sul do rio Kuanza , do norte Bakongo e do Leste, já não falando em Cabinda majoritariamente indiferente até hoje) como os dirigentes civis e militares mais destacados, transportam consigo a chancela inapagável da colonização "quais filhos dilectos da lusitanidade"... Ou seja: clones do colonizador!!!. Pacheco, corajosa e honestamente, ressalta: "Vezes sem conta, ouvi figuras da "nomenklatura" do MPLA citar os adversários como gentios, dizendo arrogantemente: "NÃO TÊM ALTERNATIVA; QUER QUEIRAM QUER NÃO ESTÃO CONDENADOS A SER GOVERNADOS POR NÓS." ...

Silvino Silvério Marques na obra já citada, a páginas 93, escreve:
"É talvez, a mesma característica de guerra civil (e não a de traição) que explica que, em fins de 1973, num gabinete do Ministério do Ultramar, onde se encontravam três Inspectores Superiores do Ultramar que, depois de 1961, haviam ocupado altos cargos governativos em Angola, e um jornalista de Angola, todos felizmente vivos, tivéssemos, pessoalmente, sido solicitados por um delegado do MPLA, vindo do estrangeiro, e que a todos contou a situação catastrófica em que o MPLA se encontrava, para o conduzirmos junto dos responsáveis militares portugueses a fim de lhes propor, em nome do MPLA, a junção do que restava das forças deste movimento às nossas Forças Armadas. Desejavam que, em conjunto, se combatesse o inimigo comum... Tratava-se de um delegado que estava em contacto com um elemento da Polícia Internacional que era, segundo ele, a pessoa que melhor conhecia o MPLA por dentro... Infelizmente o livro do Gen. Spínola e os acontecimentos posteriores obstaram ao seguimento do assunto.(1)"
(1) Cf. J. da Luz Cunha, Kaúlza de Arriaga, Bethencourt Rodrigues e S. Silvério Marques, ÁFRICA.A VITÓRIA TRAÍDA, editora Intervenção, Lisboa, 1977, pág. 255.
Para bom entendedor... Afinal, quem é que estava traindo... os "angolanos"? A UNITA?! A FNLA?!. E ali mais pode ser lido a respeito dessas tentativas de capitulação negociada a que Iko Carreira não ficou alheio, pelo contrário... Que pena o Daniel Chipenda ter falecido, já resignado, sem deixar "testamento político"e Américo Boavida, estranhamente morto (e não pelos "tugas"...) na Frente Leste, não poder ressuscitar como Cristo para contar o muito que sabia...

Questionam-me se valeu a pena a... "independência".!!! Boa piada! Mas...mas... "independência" de quem? Dos povos daqueles quase retângulos geográficos, o pequenino, Cabinda, dos cabindas e iombés, e o grande, a que chamam Angola, que vai do rio Zaire ou Congo até ao rio Kunene e faixa do Caprivi e do litoral Atlántico à divisa Leste com a Zâmbia e a R.D. do Congo? Não de nenhum desses coitados, enganados, espoliados, violentados, aterrorizados por bombardeamentos aéreos da moderna força áerea angolana e dos lançadores múltiplos de projecteis de fragmentação sistemática que matam e mutilam , não desses deslocados em número de milhões dentro e para fora do território, que sofrem privações sem fim, que passam fome, que estão cheios de moléstias tropicais que o colonialista há muito havia erradicado e agora padecem de uma novidade mortífera - a SIDA que já atinge 2 milhões de almas entre 12 milhões que, sem censo confiável, dizem ser a provável popukação das ... "angolas" !!! Posto isto, acham que valeu a pena essa falsa ilusão de "independência", face à situação calamitosa a que estamos assistindo num estado de criação "fantoche" e denominação de fantasia da inspiração do ex-... colonizador, e cujo supremo magistrado, de "jus solis" ao que parece são-tomense (sendo ele, portanto, se essa acusação for vera,um "angolar" e não um "angolano"!!!... tal como o era Hugo Azancout de Meneses, outro são-tomense, que, ao contrário do judeu russo que tem agora o monopólio do comércio internacional dos diamantes angolanos, não pôde ser aceite !!!) é hoje, apesar de, nos idos de 60, ter sido um paupérrimo jovem de família humilde, impreparado, residente num bidonville, num muceque,sem dotes de inteligência privilegiados nem diplomas de Doutorado feito por ele mesmo que o contemplem com um elevado Q.I. o homem mais rico do continente dito "africano". Essa denominação África é aberrante para nós, porque ela também, criação colonialista, de inspiração romana, do latim afirika ou afirigah, pois pêga do latim foi atribuída à nova província criada na actual Tunísia após a destruição de Cartago, e mais tarde pacificamente alargada pelos europeus a todo o continente em tempos recentes e ingenuamente aceite pelos resignados colonizados). Sim, Angola é uma colônia de exploração, ou melhor um grande latifúndio que pertence há 26 anos a um partideco outrora em processo necrótico cujo cacique enfileira hoje entre os plutocratas mais abonados do Orbe sem ter herdado nada de algum Cresus ou beneficiado de um vencimento que a tanto consinta ! Como foi isso? Pois, pois, a troika que pesquise e nos dê a resposta mais convincente que puder bolar... Todavia, parece que a capacidade de aforro do personagem é tão espantosa que pôde adquirir por um preço fabuloso a maior propriedade rural murada , com 700 hectares, existente em Portugal, segundo o jornal O DIABO, vendida não pelo Duque de Bragança, como referiu o autor da reportagem daquele periódico lisboeta, mas pelo Duque de Cadaval. Por seu turno, além de propriedades urbanas que possui em Portugal, nos Estados Unidos, na França e no Brasil, ao que consta, a sua actual esposa teria adquirido mais uma luxuosa mansão em região de lazer sem paralelo... perante a indioferença dos políticos do seu partido e da Assembléia Nacional "angolana"...

Esse enorme espaço geopolítico a que chamam ANGOLA (Mobutu e alguns mais não acolheram o baptismo dado pelo ex-colonizador e rebaptizaram a denominação do estado nacional - Zaire, Zâmbia, Zimbabué, Namíbia, Burkina Fasso, Ambazonia, Tanzânia, etc...) de conteúdo humano multicultural e multilingue, tão diversificado, onde se produz diariamente 1 milhão de barris de petróleo (e não 750 mil como anuncia o governo do MPLA...), ouro negro da mais alta octanagem e não de qualidade média como é o brasileiro ( o Brasil pouo mais produz diariamente), extraido e vendido a baixo preço, dilapidado o seu valor em mobilização de tropas, compra de engenhos de destruição e em proveito de corruptos... "NGOLANOS" (ALTAMENTE COLOCADOS) internacionalmente já identificados por suas escandalosas parcerias com certo aventureiro amigo de Putin, o tal Leviev, judeu russo, israelense, francês, brasileiro.., angolano por concessão especial de seu amigo especial JES e outros estrangeiros (entre os quais Monsieur... Afrique e Mitterrand Filho) que lavam seus ilícitos rendimentos graças a Fundações como a Eduardo Santos e seu patrocinador carioca ODEBRECHT) e de empresas transnacionais...
Esse espaço geográfico 14 vezes maior do que o minúsculo Portugal mas com uma população quase idêntica, poderia, se bem desenvolvido, alimentar fartamente 100 milhões de habitantes e ainda exportar bens essenciais (café, de que Angola já foi, na época colonial, o 4º produtor mundial - e hoje???-, produtos agropecuários, algodão, óleos vegetais, madeiras nobres, açúcar, pescado da rica corrente fria de Benguela que se estende ao longo de todo o seu litoral, por oposição à paupérima corrente quente Brasileira que, como tal, não beneficia a pesca do país-irmão, mármores namibenses idênticos aos mais valiosos que são exportados por Carrara, na Itália, e minérios ricos, inclusive diamantes, ouro, urânio, e os pelets de Kassinga que contêm, em cada tonelada, tanto ouro que só com ele os japoneses (de origem afro, conforme nos explicou o falecido presidente senegalense Dr. Leopold Sedar Senghor referindo-se aos primeiros habitantes do arquipélago do DAÍ-NIPON), realizavam, depois de feita a depuração, o valor do minério importado); esse território, tem agora, repetimos, se tanto 12 milhões de habitantes (menos do que a população da cidade brasileira de São Paulo) a maior parte dos quais, deserdada, ali campeando a morte por todos os lados, sendo, dentre esses, dois milhões e 600 mil deslocados, e cerca de 440 mil refugiados na diáspora vizinha. Nada menos do que 1 milhão são alimentados somente graças a ajudas externas, havendo centenas de milhar de mutilados ( em sua maior parte civis vitimados por minas anti-pessoal, bombardeamentos aéreos ( a UNITA não tem aviação...) e terrestres que destruíram totalmente as mais belas cidades interioranas, indústrias, hospitais, pontes, bairros residenciais, infra-estruturas em geral, actos esses de terrorismo oficial praticados por modernos aviões de bombardeamento e reconheciimento de fabricação brasileira, fornecidos pela EMBRAER e pilotados por mercenários ( até miltares portugueses continuam cooperando com as forças armadas do ... MPLA) ou por estilhaços de projécteis de mortíferos lançadores ASTROS II produzidos pela Avibras de São José dos Campos, Brasil, ou por órgãos de Staline de origem russa... E a dívida externa angolana à Rússia do "czar" kagebista Vladimir Putin, parece que já galgou os 13 bilhões de dólares só com aquisições de armamentos e engenhos diversos destinados a destruir e não a construir nada, em nome dos interesses dos privilegiados clones instalados ao que tudo indica a título vitalício no PODER, em Luanda. Usam processos autoritários, de repressaão policial e da desprezo absoluto pela liberdade de informação carcaterizando-se a sua administraçãode por práticas corruptas que nem na época colonial se registravam com tamanho descaramento e impunidade. O que está em Luanda é um Governo de modelo colonialistal... mas mal copiado dos desistentes quanto a metodologia e ritmo de trabalho produtivo, somente prevalecendo vistosos trajos europeus, inclusive os uniformes militares, as instituições, sistema democrático aparente, etc. não esquecendo certos maus costumes de rapacidade "empresarial". E não faltam, no meio da populaça de Luanda que se alimenta de manjares catados no lixo dos ricos membros do apparatchik do Partido do... TRABALHO (boa piada!!!), nesses mais de 2 milhões de famintos devoradodres de ratos numa cidade que mal comportava meio milhão de habitantes, os que abrem alas para passarem os sumptuosos Mercedes de luxo, privilégio modesto dos Donos do Poder.
Que pena!. Afinal, para quê descolonizar? Teria sido melhor fazer como Salazar - o judeu Elazar que nunca quis ser presidente da república nem enriquecer...- planejava: dar tempo ao tempo, ir autonomizando por etapas, paulatinamente, e preparando negros, brancos e pardos, para essa independência com quadros preparados, de paz e progresso, não de retrocesso, depredação e destruição de patrimonios e direitos... das pessoas.

-Salazar afirmou uma vez :"Ainda não existe uma elite em Angola capaz de administrar o pais independente. Nem na comunidade branca nem na comunidade negra". Terá sido uma afirmação profética ?
Indubitavelmente. O ex-clérigo-ditador, o judeu da família ELAZAR (que, por corruptela deu Salazar, como ele próprio disse a um embaixador de Israel a quem chamou ao seu gabinete numa altura em que Tel-Aviv estava fornecendo armas aos movimentos ditos de "libertação" das colônias portuguesas, manifestando sua decepção porque também ele era de origem judaica... como demonstrou) era um político muito astuto, super-inteligente, mas a meu ver nada simpático (conclusão que sempre extraí das duas ocasiões em que, em condições normais, tive acesso a ele, pois da terceira vez o "todo poderoso ditador" via-se que estava completamente imbecilizado, conquanto na véspera tivessem aparecido no Diário de Notícias, A Voz, Diário da Manhã, etc, transcrições de uma sua muito recente "entrevista" -impossivel!- a um jornal francês de direita, cristão, nem sequer deu mostras de entender o que lhe diziam integrantes de um grupo de deputados puxa-sacos madeirenses, açoreanos e goeses, a que me associei por curiosidade a fim de verificar se ele estava de facto se recuperando milagrosamente como diziam. A D. Maria, sua... "governanta", autorizara a que o víssemos por meia hora (depois de ter recomendado que em hipótese alguma aludíssemos à sua substituição pelo prof. Marcelo Caetano, já efectivada há meses, pois que ele não fôra - e será que entenderia se lho dissessem?!...- informado a esse respeito!!!...). Ocorreu a terceira e última visita na modesta casa que ele habitava e que tinha sido, segundo nos disseram, a do jardineiro e porteiro da assembléia nacional, portanto bem diferente da mansão do Futungo de Belas ... Quando no primeiro semestre de 1966, integrando um grupo de 7 políticos angolanos, após posse em Luanda, fomos recebidos por Salazar no Forte do Estoril, ele nos surpreendeu ao perguntar o que pensaríamos a respeito de uma independência de Angola (vidé www.portugal-linha.pt, Ecmnésia Histórica Colonial), questão a que respondeu o vice- presidente da União Nacional em Angola, deputado Dr. Fernando Sá Viana Rebelo, CONSIDERANDO-A INEVITÁVEL mas a longo prazo e após preparação de quadros e de realizadas condições que a viabilizassem sem conseqüências desastrosas como as do ex-Congo Belga... Eu e o engº Humberto Bessa Victor, que veio a ser director-geral da Aeronáutica Civil de Angola do governo de Agostinho Neto, fomos os únicos que demos respaldo áquele digno e distinto colega que, injustiçado e perseguido, ele que tanto fez pelos angolanos, faleceu em São Paulo, como modesto servidor (supervisor de perecíveis porque era médico veterinário) do Grupo Pão de Açúcar há uma dezena de anos. Salazar desenvolveu o tema, sem oposição, tecendo considerações, na verdade judiciosas como o tempo veio demonstrar, considerações essas que, por não terem sido observadas pelos tecelões abrilistas de independências coloniais "aceleradas" e entrega da soberania a aventureiros imprepoarados e inescrupulosos (leucodermes de, passe o paradoxo, de epiderme tisnada de cor ébano) deram os trágicos resultados que estão à vista... Ele parecia estar cônscio de que o sistema europeu de estado-nação, que afinal foi imposto à África, nada tinha a ver com a realidade humana, econômica, institucional, cultural e psicológica, ali existente.
Impunha-se um período preparatório, de certo modo prolongado, uma espécie de incubação assistida... Mas sem capacetes azuis que, afinal, para nada servem (como aliás também a ONU ... e a ora em extinção OUA que foi feita para cuidar de estados-membros institucional e geograficamente demarcados pelos ex-colonizadores sem nenhum respeito pelos valores tradicionais e culturais e pela verdadeira história dos povos do continente). O sistema Vestfaliano, nascido do tratado de Westphalia em 1648, deu origem pela primeira vez ao estado-nação na Europa. É coisa de data relativamente "fresca"... Os estados Africanos são, na verdade, repito, criações artificiais, improvisações precipitadas pois como Salazar bem sabia, certos estados Europeus são fruto de um crescimento lentamente processado, amadurecido ao longo de centenas de anos... A independência da ex-colônia belga do Congo devia ter servido de "amostragem" para o que poderia acontecer se houvesse em Angola e Moçambique, como ali aconteceu nos fins da década de 60, um processo precipitado de "abandono"... como infelizmente aconteceu.
Por outro lado, vejam bem: Portugal é minúsculo, mal cabem nele os 10,5 milhões de habitantes que possui, Angola tem hoje quase a mesma população e pode, como nos disse o professor de Geografia do Desenvolvimento da Universidade da Florida, Doutor Niddrie, em 1963, no Grande Hotel do Uije, em Carmona (hoje cidade do Uije), alimentar 100 milhões de habitantes (e o Brasil 800 milhões) se souberem aproveitar sua vocação natural de produtor de matérias primas essenciais e de alimentos. Podendo além disso ser um dos raros grandes celeiros do mundo!!! Por que razão há ser só para pessoas de "pele negra" se seus primitivos autóctones eram os boschimanes, que não são negros nem bantos, e sim khoi-sán, de tipo mongol [oide e pele amarelo-terrosa, sim os khoi-sán que os banto recalcaram para sul cometendo já então, há centenas de anos, impiedoso e inumano genocídio, eles que foram como os portugueses porém em escala maior e pior, invasores vindos do Leste africano?
Certa feita eu perguntei ao chefe do gabinete do governadoir-geral Cor. Rebocho Vaz, por que não tinha ido àvante o projecto do governador geral (1961/62) general da Força Aérea Venâncio Deslandes de povoar Angola com imigrantes de outras proveniências extra-africanas, como chineses da Formosa, para o que ali se deslocara o então Director do CITA, coronel ( mais tarde general) Cardoso (mas não o major Carlos Alves Cardoso, que só assumiu, para desgraça do CITA; mais tarde, em 64/65), búlgaros (para o que em 1966 se deslocara a Angola o actual primeiro ministro da Bulgária e ex-rei daquele país Simeão II, ao tempo do governador geral Silvério Marques) e ainda um plano que chegara a ser proposto de colonização do Kuamza Norte e Kuanza Sul por italianos vindos da antiga Somália italiana, e de Malanje por ex-colonos britânicos do Quênia e da Zâmbia (antiga Rodésia do Norte). O dito chefe de gabinete era o tenente-coronel de infantaria Álvaro de Moura Koch Fritz que lestamente me respondeu: "Isso seria desnacionalizante, senhor inspector provincial. Desnacionlizante!" Perplexo e insatisfeito com essa resposta, a meu ver incoerente e colonialista, INQUIRI-O: "SENHOR CORONEL, MAS SEU SOBRENOME PATERNO É ALEMÃO - KOCH FRITZ (SERÁ QUE A TRADUÇÃO SERIA MESMO "COZINHEIRO FRANCISCO?)!. Ele respondeu-me: MEU PAI ERA ALEMÃO. E então eu retorqui-lhe: O Senhor, afinal, está me dando razão. Fala alemão? Resposta pronta: NÃO, NÃO FALO. De novo o interpelei: Acha que é menos português do que os seus camaradas? Resposta: NÃO, EU SOU PORTUGUÊS. Paradoxal, não acham?

Pois os Estados Unidos, a Austrália, a Nova Zelândia, o Brasil, o Canadá, já foram "angolas" subpovoadas e subdesenvolvidas e hoje são grandes e pujantes estados-nações pluriculturais mas em parte a-raciais (sem etnocentrismos muito sensíveis) desenvolviodos e de populações em que , salvo os índios no Brasil que nele querem constituir um estado independente na região central e com reconhecimento da ONU, segundo entrevista recente publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, de diveferentes origens geográficas, étnicas e culturais, falando todos a mesma língua por aculturação livremente aceite. A África como um todo, nos seus 30,5 milhões de km2 é um continente enorme, em grande parte potencialmente muito rico e subpovoado, onde o progresso não entra porque, com pouco mais de meia centena de estados mal formados, de que na região subsaariana apenas uns 7 ou 8 talvez possam ser viáveis, na opinião do próprio secretário geral da OUA, tanto administrativa como economicamente - é um desastre global, nela campeando a incompetência, a preguiça, a corrupção, o nepotismo e os sistemas autocráticos militarizados... Uma imensidão perdida para o mundo, enquanto no nordeste brasileiro há quem morra de fome porque não há água para irrigar culturas e a migração para as cidades do Sul produz tremendos fenômenos sóciopatológicos resultantes de inchaços urbanos. Por que não a transferência espacial nestes casos? Não há decassegues (brasileiros descendentes de nipónicos) no Japão em número superior a 200 mil? Por que motivo a África não há-de ser aberta à imigração de qualquer parte do Globo, num planeta que tende para a globalização total como única solução econômica e social e caminha mesmo na direção do governo mundial? Eu desejaria ser "de jure" cidaddão do Mundo e não de A, B. C, D, etc..

Sim, infelizmente, o que eu e alguns outros representantes de Angola ouvimos da boca do velho ex-clérigo... ditador, está batendo certo. Esse estadista, que não encontra paralelo em nenhum outro do finado século, era um estupor, sim, mas um judeu sagaz, experiente, tarimbado e foi realmente profético... Seu único erro foi não ter deixado o Poder após a Segunda Guerra Mundial da qual ele preservou o seu ingrato povo e os das colônias... (duzentos mil africano, negros, morreram na segunda guerra mundial combatendo omo soldados da França e da África do Sul e colônias de Sua Majestade Britãnica). Se houvesse deixado o Poder então, hoje teria uma estátua destacada numa praça pública de Lisboa, em vez de lhe terem decapitado a cabeça na estátua que lhe erigiram em Santa Comba Dão, onde nascera. Os seus opositores, auto-rotulados de "socialistas", "liberais" ou "sociais-democratas", quase todos eles burgueses emergentes sem nenhuma experiência administrativa nem cultura histórica ultramarina, a par de falta de conhecimento feito na vivência colonial, julgando-se "libertadores" e arautos da defsa dos direitos dos povos à autodeterminação e independência queriam ser glorificados e imortalizados nas páginas da sua História Pátria como "heróis da Democracia"e sem nenhum senso de dignidade responsável comportaram-se de forma zoila, irracional, precipitada e leviana, abrindo assim o espinhoso caminho do caos, desde Cabo Verde (cuja inviabilidade econômica, tal como São Tomé e Príncipe, de há muito estava demonstrada) e como Mário Soares já admite, até à longínqua princesinha da Oceania - Timor-Leste onde o próprio Prémio Nobel da Paz Bispo Ximenes Belo, um verdadeiro "timorense" e não um "half-cast" como os que ali estão sendo alcandorados a Donos do Poder, foi de opinião que a independência deveria ser adiada por 10 anos ficando o novo estado ligado a Portugal no quadro de uma união... de estados! Gato escaldado até da água fria tem medo...

- As causas dos erros em Angola. O que é que correu mal em Angola ?

Os erros já vinham de longa data... Mas inegavelmente, a partir de 1961 a política do colonizador foi orientada para um rumo progressivamente autonômico que culminaria com a concessão de independencia algum dia... E Marcello Caetano preparava-a secretamente para 15 de Agosto de 1974, no que concerne a Angola, e para 1975 em relação a Moçambique. Tudo indica que não seria uma independência do tipo "iansmithista"... Seu plano foi traído por um criptocomunista que era um dos seus homens de confiança e que a Moscovo levou a notícia em 73, a tempo de preparar a farsa do "25 de Abril", manipulando ignorantes e usando o narcisismo e a ambição spinolista...

Mas os erros maiores já vinham detrás... Sobretudo desde que a terceira dinastia começou a governar (ou desgovernar?) Portugal em 1º de Dezembro de 1640... A primeira descolonização vergonhosa operou-se em Mazagão, norte de África, no século XVIII. Nem com a implantação da República, em 5 de Outubro de 1910, os socialistas, já os daquele tempo, souberam construir comunidades solidárias, interligadas num grande complexo multi-cultural e unionista, globalizante e cooperante, a-racial ( e não estupidamente voltado para um soi-disant plurracialismo que em si mesmo, como conceito, já contém o vírus do preconceito etnico e etnocultural). Salazar, um judeu lusocentrista ou portugocentrista, apesar da sua indiscutível vocação para administrar, somente pensava nos interesses do seu quintal portucalense, às custas do sacrifício e exploração dos povos colonizados e dos descendentes dos colonos em proveito dos empresários, dos banqueiros e do proletariado têxtil do seu País... Jamais quis visitar os territórios coloniais. Seu Império Colonial era um conjunto de áreas geoeconômicas para exploração e abastecimento de matérias primas a bon-marchée e aquisição de vinho e têxteis, à Metrópole.
Depois das guerras da reconquista e a partir da expansão ultramarina iniciada pela gesta dos continuadores em Portugal da obra dos Monges-Cavaleiros Templários (de que nos primeiros anos do século XIV, 500 foram imolados pelo fogo em Paris, em acto da Inquisição, com a benção do Papa francês a quem o desonesto Rei Filipe O BELO prestava obediência e exercia influência nefasta), pela mão do Rei D.Diniz transformados em Cavaleiros da Ordem Militar dos Cavaleiros de Cristo, por ele criada, sempre os portugueses se revelaram acima de tudo mercadores com entrepostos ao longo do litoral africano, refugiados na doutrina Cristã que os cobria de indulgências, através delas plasmando a sua insaciável ganância e justificando a sua crueldade... Quando a Inquisição se implantou com vigor em Portugal, nos fins do século XV, não hesitaram em arrancar aos pais, judeus, marranos, 2000 crianças numa leva de escravos destinada a povoar, sobretudo com meninas, as desertas ilhas de S. Tomé e Príncipe. Ao fim de um ano 1.400 não haviam resitido à inclemência do clima equatorial. Foram outros desses infelizes obrigados a, juntamente com condenados e vadios, irem povoar ilhas dos arquipélagos de Cabo Verde, onde a Brava se destaca. Dos enviados como escravos para S.Tomé e Príncipe, os sobreviventes miscigenarm-se com negros, escravos, idos do norte do que hoje se chama ANGOLA (antepassados dos angolares). Esses povoadores judeus escravizados pelo Santo Ofício, ou melhor por D. João II, cujo tio-avô D. Afonso, Duque de Bragança, era também um judeu, filho bastardo de D.João I e da sua relação extra-conjugal com a bela judia Inês Pereira, filha de um sapateiro (profissão considerada, pela sua arte, importante nesse tempo, deram origem ao que poderia ser considerado como a primeira nação israelense fora da Palestina, antes mesmo de existir Israel... Azancout de Meneses delas descendia. No século XVII o governo de S. Tomé esteve confiado aos chamados cônegos pardos, "mulatos" (perdoem-me o termo) do Reino do Congo que realizaram uma notável obra de administração.

Na segunda dinastia, no entanto, não pode dizer-se que houvesse a preocupação de impor o dialecto galaico-português de que nasceu a "língua" dita "portuguesa", mas logo a religião cristã, que, a par de obras sãs, tantas crueldades e genocídeos haveria de disseminar, iniciou a sua expansão trucidando, numa acção de inaceitável colonialismo místico, as crenças autóctones, a tal ponto que hoje, em Angola e em Cabinda, os sincretismos como o Tocoísmo (que em 1974 já tinha 100 000 membros em Angola, devidamente enquadradois e organizados, e aos quais o antigo presidente da UN , o caboverdiano Ten..Cor. Piloto Aviador Henrique Medina dera grande apóio que lhe valeu caír em desgraça), o Lassismo e o Kimbanguismo que já tiveram sua época áurea nos anos entre 40 e 70 do século XX, são hoje praticamente inexpressivos... ou inexistentes. Não mais tivemos notícias dos nossos amigos do Grande Conselho dos Anciãos (17 ) da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo em Àfrica de Simão Gonçalves Toco. Poderiam, se Almeida Santos os houvesse recebido quando foi a Angola como ministro em 1974, ter evitado muitos massacres e violências contra europeus em Luanda e noutras cidades de Angola. Mas não foram ouvidos porque um sujeito do MPLA, um tal Álvaro da Silva Franco, mulato de Benguela, chefe de gabinete do Almirante Vermelho R.C., a isso se opôs. Eles só queriam cooperar, mas não foram aceites... Voltando à monarquia Bragantina:
Na terceira dinastia, avolumaram-se os erros da administração colonial seguindo o sistema dito assimilador que não logrou vencer as culturas e línguas autóctones. ANGOLA é um país multi-étnico, multi-cultural, multi-religioso e por isso as elites dirigentes necessitam, para agradar ao eurocentrismo dos "brancos" que lhes contamina as maneiras de pensar e de agir, forjar um sistema que tome em devida conta o que o ex-colonizador não quis nunca acolher com sinceridade apesar de, a todo o momento, proclamar o seu respeito pelos usos e costumes dos vizinhos das "regedorias tradicionais"... Depois das independências na África subsaariana adotaram os diferentes paises, demarcados geograficamente segundo limites de autoria européia e cindindo grupos e subgrupos etnoculturais, como línguia oficial, a do ex-colonizador. A Tanzânia constitui, todavia, a mais interessante excepção pois ali foi adoptada como língua nacional o KISWAHILI. Mobutu, por seu turno, no ora rebaptizado Congo, então Zaire, encorajou o LINGALA.. que não vingou como língua nacional..

Bem, respondendo à sua questão, eu acho que teria sido preferível esperar estes mesmos 26 anos sem nada ter sido selvaticamente destruído; educando, preparando quadros, cuidando da saúde, da habitação, do saneamento básico, da alimentação e do bem-estar geral da população, desenvolvendo o país, entregando o seu, ou os seus (pois Cabinda não é Angola e há outras diversidades regionais a estudar e a contemplar num quadro federativo) governos, aos mais aptos num sistema sem conotações eurocentristas, conforme à cultura, às tradições e à vontade dos povos..._

A descolonização como todos sabem foi um desastre com vergonhosa repercussão internacional. O meu ilustre Amigo sr. General Silvino Silvério Marques, ex-governador geral de Angola antes e depois de 25 de Abril de 1974, recentemente teve que tecer reparos a propósito de uma programa da TV2 que abordou equivocadamente aspectos históricos da antecãmara dessa descolonização de ANGOLA. COM SUA PERMISSÃO, PARA DIFUSÃO EM CONVERSA NO CAFÉ LUSO, DOU A CONHECER O TEXTO QUE AQUELE ILUSTRE OFICIAL GENERAL ME ENVIOU EM MENSAGEM ELETRONICA E QUE É O SEGUINTE:

REPAROS A UM PROGRAMA DATV2

Pessoas amigas chamaram a minha atenção para o programa da TV2 intitulado "Independência Já" que, em 4 episódios de "Africanidade", foi exibido às 23h00 de sexta-feira, entre 21/9 e 12/10. Não fui entrevistado para o programa e a minha intervenção no 1º episódio, que perdi, foi obtida por Joaquim Furtado numa entrevista que me fez, no fim da qual me pediu resposta a umas perguntas, resposta para ser cedida ao autor do programa referido. O programa tem interesse histórico, especialmente quanto a algumas revelações chocantes e tristíssimas , e manteve, segundo me pareceu, relativa isenção. Merecem-me reparos duas afirmações e duas informações, aquelas de políticos de prestígio e estas do programador.

O Dr.Almeida Santos tem a preocupação de esclarecer que divergia do Gen. Spínola quanto à ideia de consultar a população acerca do destino da Província .Tenho de admitir tratar-se de uma evolução sofrida pelo espírito do Ministro da Coordenação Interterritorial, talvez por acção do prec, uma vez que há declarações suas nas quais defende, com o brilho habitual, essa consulta, tal como o Gen. Spínola igualmente fez.. E sobretudo porque me deu como orientação prepará-la, como referi nas palavras que preferi em Luanda, ao assumir o Governo. Não creio que me tenha dado uma orientação em que então não acreditasse.

Grande confusão deve ter levado o Eng. Cardoso e Cunha a declarar, perante as câmaras, que não aceitara o convite para Secretário de Estado da Economia ( por lapso o eng. disse Ministro) do meu Governo e, talvez para justificar a recusa, a dar uma opinião arrasadora quanto à composição do Governo. Foi deselegante e, quanto a mim, injusto. Não só não o convidei, como, cumprimentado no Gabinete, por seu sogro, conhecido empresário de Angola, foi-me sugerido, durante a conversa, que convidasse seu genro para o lugar referido da Economia Informando que se tratava de uma das pessoas que me havia sido recomendada pelas suas qualidades, esclareci que tal não era possível, uma vez que o lugar já se encontrava preenchido. O sogro do Eng. Cardoso e Cunha revelava com essa diligência ter uma opinião diferente quanto à composição do Governo. Este fora constituído por pessoas conhecedoras de Angola e das suas gentes, prestigiadas pelos serviços anteriormente ali prestados, e certamente preparadas para a evolução pacífica que uma consulta às populações viesse a determinar. Acrescento que quem preencheu o lugar que o Eng. disse ter recusado, foi um economista distinto, posteriormente membro de um dos Governos do País.

Quando muito mais tarde encontrei, pela primeira vez, o Eng. Cardoso e Cunha no Congresso dos Quadros Angolanos, falámos e manifestei-lhe a minha consideração pelo seu desempenho na complexa tarefa de organizar a Expo 98. No desenvolvimento da nossa conversa revelei-lhe que o seu era um dos nomes recomendados para Secretário de Estado de Economia que constava de uma relação trazida de Lisboa e que, após troca de impressões, em Angola, com os meus colaboradores, havia optado por outra pessoa, incluída na mesma relação e que também não conhecia. E contei-lhe a diligência que seu parente havia feito.

O programador entendeu referir a criação de 40 "partidos" em Angola e pareceu deixar insinuado que isso aconteceu no meu tempo e evidenciar "descontrole". Trata-se, penso, de reprodução de uma afirmação feita em "O Jornal" de12 de Março de 1976 que dizia: (cit) "Silvino Silvério Marques e o governo por ele formado vinha favorecendo, então, grandemente, o aparecimento de "partidos políticos"... Na vigência do governo de Silvério Marques tinham aparecido, à luz do dia, em Angola, mais de 30 partidos inexistentes antes do 25 de Abril..."(fcit)
Respondi em "O Tempo" de 15 de Abril (e publiquei em "Portugal, E Agora?" Ed. do Templo, 1978, pág. 166) o seguinte: (cit) "A verdade é totalmente diferente. Não ajudei, não apadrinhei, a formação de nenhuma associação política ou partido. Mas não persegui nenhum dos que encontrei. Creio que nos escassos dias do meu governo ( de 15 de Junho a 19 de Julho) nenhum partido novo apareceu em Angola. Sem tempo para consultar os jornais de então da Província, socorro-me da "Revolução das Flores", "dossier" (dirigido e coordenado por Barrilaro Ruas) editado pela Ed. Aster. No 2º. Vol., a pág. 185, em citação de "O Século", informa-se que a 12 de Junho (ainda eu não tinha chegado a Angola) e criados, naturalmente, a partir do 25 de Abril, havia só na capital angolana, mais de 40 partidos..." (fcit)

Não é referida no programa a origem da informação de terem ocorrido 400* mortos nos tristíssimos e graves incidentes que tiveram lugar em Luanda durante a última semana do meu 2º Governo de Angola, incidentes provocados pelo assassinato de um taxista europeu. Na horrível chacina que se lhe seguiu, foram mortos 7 africanos e 1 europeu. Na altura foi propalado que os mortos haviam sido 70, o que me levou a anuir, correndo sérios riscos, ao pedido que me foi feito para que o funeral das vítimas fosse organizado colectivamente em cortejo de pesar público. Tinha-se empolado então o número de vítimas em dez vezes. Sucederam-se tumultos nos muceques com perseguições aos modestos cantineiros, muitos cabo-verdianos, e roubos e destruições de cantinas, o que se admitiu ser preparação para o saque dos estabelecimentos da baixa, como ocorria em outros lugares de África.

Também agora se faz o mesmo empolamento no número total de mortos citado no programa. Na verdade, consultado o 3º. Vol. de "A Revolução das Flores", entre páginas 199 e 215, verifica-se que "O Século" de 18 de Julho de 1974 refere que (cit) "segundo as informações dos hospitais e do Governo o número de pessoas mortas instantaneamente ou em consequência de ferimentos recebidos na semana passada totaliza 40".(fcit) Parece significar isto que é a mesma a origem dos números 70 e 400 e que foi a essa que o programador recorreu. Dir-se-ia que o horror de 7 e 40 vítimas não era considerado suficiente para o efeito que se pretendia obter...

Assinale-se que, poucos dias antes de chegarmos a Luanda, o Posto Administrativo de S. Nicolau havia sido encerrado e os presos comuns haviam sido postos em liberdade, situação que teria facilitado o desencadeamento dos tumultos. O Comando-Chefe a cuja dependência o Gen. Costa Gomes tinha passado todas as Forças militarizadas (Polícia de Segurança Pública e Organização de Voluntários), antes da minha chegada e sem que me fosse dado conhecimento, e que dispunha, conforme o Programa das Forças Armadas, da Polícia Internacional como Polícia de Informação, "controlou" o melhor que lhe foi possível os incidentes, coordenadas algumas medidas com o Governo-Geral.
Refira-se que os dirigentes do MFA local se encontravam sediados no Comando-Chefe. Somente esporadicamente tive contactos com alguns oficiais do MFA. Nomeado Governador-Geral, após consulta efectuada em Luanda pelo Ministro Almeida Santos, era do Ministro que dependia.

Com altos e baixos, os incidentes continuaram até desembocarem, na triste situação actual. Após, o terrorismo de 15 de Março com as suas estimadas (e tão omitidas!) 5 a 6 mil** horrorosas vítimas (número da ordem das vítimas do também brutal acto terrorista de Manhattan) que sucedeu ao sequestro do Sta. Maria e à chacina do 4 de Fevereiro, a paz em Luanda fora mantida até Abril de 1974. Entre nós, foi finalmente entendido por responsáveis pós Abril, em afirmações recentes do Ministro dos Estrangeiros e agora do Comissário na União Europeia, que o terrorismo (por sequestro ou por chacina) não pode servir de meio para obter fins políticos. Tudo, obviamente, de acordo com oportuna (e felizmente moralizadora) política ocidental. Para o Portugal-todo foi pena ser já tão tarde!...

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* Por lapso, referi este número que no Programa era o dos feridos, estes indicados em o "Século" de 18 de Julho como "elevando-se a mais de 160". O número de mortos que o Programa refere é de 186, cerca de cinco, e não de dez vezes, empolado em relação aos 40 de o "Século". Lamentei, em "o Diabo" de 30 de Outubro, o juizo injusto que, com base no meu lapso, havia feito sobre o programador e considerei tal juizo retirado do texto.

** Franco Nogueira, Salazar Vol V A Resistência, Ed.Civilização, 1984, pag. 218

Como se verifica pela leitura do texto acima, a desorientação da cúpula política da Revolução era tal que gerou distorções de informação e incidentes graves, com efeitos calamitosos, e que não foram da responsabilidade do governador geral Silvino Silvério Marques

- Mais recentemente,uma organização não governamental britânica , a Oxfam, chegou à conclusão de que a população angolana só é pobre porque os recursos do pais são mal administrados. O relatório desta organização secundariza a guerra como factor de pobreza extrema em Angola.

A Oxfam - e não só - foi autêntica e sincera e isso está às vistas de todos nós.

As civilizações nunca foram construídas pela força das armas. A veiculação das idéias, das técnicas é sempre o resultado de uma troca, de um acto de consenso. O militar, o soldado olha o outro, o desconhecido, o diferente, como inimigo a abater. O mercador, o comerciante, olha-o, naturalmente, como potencial cliente. Nos meios rurais, é muito forte a permanência de hábitos culturais, ao contrário do ambiente portuário e urbano onde a veiculação de novas idéias desenvolveu um inevitável cosmopolitismo, em Angola dominado pelos circuitos urbanos europeistas; é mister que os que governam entendam que a época colonial não deve prevalecer como síndrome, impõe-se adotar uma nova ordem que respeite os interioranos que são a maioria e ausculte os seus anseios. Mas, aos membros da "troika" (EUA+Rússia+Portugal... sucialista), louvaminhadora de um "ditador- presidente" que continua ilicitamente à frente do Poder Executivo, à revelia da própria Constituição, e com menosprezo por um Parlamento que há muito expirou o seu mandato, interessa a manutenção desse escandaloso "status quo ante" para poderem se locupletar com as riquezas do(s) território(s) de Angola e de Cabinda. E encontram o respaldo de certos sectores econômicos e políticos do Brasil já fortemente implantados em Angola (em 25 de Abril de 1974 havia no País somente 25 brasileiros, hoje devem ser uns largos milhares... Até padres!). Interessa às transnacionais que essa má (aliás, péssima e corrupta...) administração continue e que agências de "marketing político", brasileiras, como a PROPEG e a ORION, a primeira das quais recebeu de JES, em 1992, 100 milhões de dólares US (tão necessários às tarefas de paz que apenas contam com a ajuda dos Médicos Sem Fronteiras e outras ONG´s) pelo seu sujo trabalho de propaganda eleitoral descaradamente apregoado por esses brasileiros até em Portugal, publicamente, em busca de novos clientes entre os partidos políticos portugueses, depois de distorcido o resultado eleitoral [embora devesse ter havido uma segunda volta que nunca se realizou porque terroristas "ninjas" do MPLA assassinaram, impunemente, em Luanda, o vice-presidente e as mais destacadas personalidades da cúpula da UNITA], prossigam - e aí estão de novo, agora com reforço das Organizações Globo, do macróbio Roberto Irineu Marinho, junto da TV Pública de Angola - a sua nefanda acção psicológica, robotizando o cérebro e a vontade das populações urbanas das cidades-chave, já que aos meios rurais, praticamente despovoados, essa media não chega, nem valeria a pena levá-la ao "deserto"... aonde as urnas não chegam. Só essa atitude do JES no Brasil poderia valer-lhe uma comissão parlamentar de inquérito e uma manifestação de "caras pintadas", universiários, a exigirem seu "impeachment" como aconteceu ao Collor de Melo também eleito com a "ajuda" desses dispendiosos "meios de wash-brain"! É espantoso como agora, o novo embaixador norte-americano, mr.William Dell, quiçá bem relacionado com os lobbies afectos à texana Chevron e à Gulf Oil International, etc..., etc.., se entregou a descobrir afinidades entre o governo que representa e o "governo-desgoverno" ilícito de Angola que gasta milhares de milhões de dólares em tanques, aviões, artilharia, treinamentos de Batalhões de Caçadores especiais por... INSTRUTORES COMUNISTAS NORTE-COREANOS que certamente mataram, no passado, muitos soldados americanos naquela terrível guerra lá para as bandas do paralelo 38°, entre as duas Coréias... Para esse embaixador que em Luanda se sente em casa... parece que, quem estiver contra o usurpador do Poder e usuário das mais tenebrosas armas de destruição, morte e desolação, é terrorista; ao contrário do que pensava Papai George Bush quando era Presidente dos StatesI It´s amazing!!!... Seria interessante se ele oferecesse, lá na sua embaixada, um "Pôr-do-sol" à boa maneira "neocolonialista" convidando, para o mesmo, o general cubano que está, como atento conselheiro e comandante da segurança presidencial máxima, no palácio de verão do Futungo de Belas, sempre à ilharga do seu "Bem-Amado" pagante "angolano", que afinal vai dcerto ceder o seu ... "trono" a um "amigo do peito" - da mamadeira do MPLA que não é... o verdadeiro MPLA de Viriato Cruz e dos demais fundadores na década de 50 - e os oficiais norte-coreanos que estão fazendo o treinamento especial dos tais Batalhões de Caçadores de 1.500 homens cada, especiais. Quem teria apresentado esses terroristas norte-coreanos aos altos comandos das FAA? E quem está pagando a conta?

- Tem havido algumas correntes que defendem para Cabinda um estatuto como o da região autônoma da Madeira em relação a Portugal ao invés da autodeterminação que poderia abrir uma outra frente de conflito com os Congos vizinhos.

Na minha opinião, também os arquipélagos de Madeira e Porto Santo e dos Açores, hoje regiões autônomas que já tiveram abos esboços de movimentos de "libertação" que feneceram, deviam ser estados federados. Mummmar Al-Qathafi sempre defendeu o princípio de que o primeiro dos referidos arquipélagos, tal como as Ilhas Canária, fazem parte da África Setentrional e Ocidental, pela sua localização geográfica e tipo de povoamento, e como ele agora é o grande mentor e impulsionador da União Africana, que a partir do próximo ano vai substituir a ineficaz e falida OUA, não se admirem que qualquer dia venha a retomar essa "luta" geoestratégica e ideológica... Por outro lado, a FLA teve nos Açores alguma expressão, conquanto efêmera, talvez amparada pela sua proximidade geográfica com os Estados Unidos, afinidades devido à grande emigração que sempre deu para aquele País e importãncia estratégica de uma base aérea e de uma base naval que foram essenciais tanto na IIª Guerra Mundial como a primeira no socorro a Israel no passado.

O governo de Luanda diz que Cabinda já goza de um estatuto autônomo, mas todos sabem que é um estatuto para "matumbo" ouvir falar e não entender do que se trata... Cruz Gomes denunciou essa farsa num dos seu primorosos e objectivos artigos a respeito de Cabinda Penso que a solução preconizada pelo Arcebispo do Lubango se choca com a opinião do Bispo de Cabinda... Popr quê Timor e por que não Cabinda?!.

Qualquer dia, dentro da mesma linha de pensamento, um qualquer governo de Espanha acaba por jogar na lata do lixo todos os tratados e acordos celebrados com Portugal e exigir a reintegração desse minúsculo retângulo, afinal também um enclave, semelhante ao de Cabinda, no seu espaço nacional, pois fisicamente está ligado ao grande irmão Ibérico, o que não acontece - sublinha Cruz Gomes - com Cabinda e Angola. Cuide-se, senhor Guterres, cuide-se...

- O Governo quer realizar eleições no próximo ano mesmo sem alcançar a paz..

Sem Paz entendo que não existem as mínimas condições para se realizarem eleições e creio bem que esta é também a opinião do Presidente Bush e do Secretário de Estado General Collin Powel. Por outro lado, afigura-se-me que esse processo será moroso e delicado, o controle da eleição terá de ser efectivo e isento, será uma eleição ao sabor do... MPLA. Nada feito. Que a sociedade civil e a Igreja, a par das entidades internacionais que terão de secundar e fiscalizar esse processo, se manifestem sem cair em armadilhas.. A sociedade civil e os movimentos religiosos devem ser ouvidos e exigida a retirada de Angola de agências de marketing político como a PROPEG brasileira que em 1992 para ali fazer "wasbrain" em proveito de dos Santos e do MPLA que temiam o resultado do pleito, recebeu 100 milhões de dólares US... E lá está ela novamente em ação... no território e na mídia oficial angolana.
Rafael Marques tem razão. A fiscalização terá que excluir da troika Portugal e a Rússia para haver credibilidade... e isenção, bem como... o Brasil que tem interesses demais quer pela Braspetro-Petrobras, quer pela EMBRAER vendendo aviões de guerra, quer pela AVIBRAS vendendo engenhos mortíferos, quer pela ODEBRECHT com seus interesses em vários negócios algo sombrios...
Mas sem paz e sossego não deve haver eleições. Confiemos no bom senso do Presidente Bush e do General Powell, únicos de quem se pode ainda esperar uma solução aceitável e merecedora de crédito... Quanto ao sr. Kofi Annam parece que nem vale a pena falar mais nele. Já se sabe para onde pende, com NOBEL e tudo mais... mas o Nobel está tão avacalhado que nem merece qualquer respeito neste século em que entramos. É velharia sucialista lá do Norte do continente europeu.

Carlos Mário Alexandrino da Silva