domingo, 25 de maio de 2008

2.2 O INDÍGENA E A SUA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Com excepção de um pequeno período de tempo durante a Primeira República, a política educativa referente aos povos das colónias esteve sempre ligada à actividade missionária. Esta situação trazia consigo uma dupla contradição da política colonial portuguesa. Esta atribuía aos sucessivos governos a função de civilizar e, por consequência, educar, função que, por seu lado, era rejeitada pelos governos e entregue aos missionários.
Mais grave ainda era a política anti-clerical do Estado, que impedia o desenvolvimento da actividade missionária. É conhecida a extinção das ordens religiosas por Joaquim António de Aguiar, o "Mata-Frades", em 1834, que deixou a maior parte das missões sem pastor e encerrou as casas de formação que preparavam e mandavam os missionários para as colónias. A partir de 1848, algumas ordens regressaram, sem que, no entanto, os governos da altura se empenhassem em fazê-las progredir.
Durante os últimos anos da monarquia a situação voltou a agravar-se. A luta contra a Igreja revestia agora dois aspectos. A Igreja na Metrópole era atacada por todos os meios enquanto que os próprios mentores desta luta reconheciam caber às Missões um papel fundamental na relação colonial293, sobretudo se fossem Missões Nacionais.
Os colonialistas, mesmo os anti-clericais, constatavam que nas colónias as missões estrangeiras progrediam "assustadoramente". Com efeito, na conferência de Berlin, Portugal tinha aceite a obrigação de não impedir, e proteger a instalação de missões estrangeiras nas colónias, razão pela qual ao mesmo tempo que estas se desenvolviam, a presença missionária portuguesa em África era extremamente reduzida.
O problema não era o de as missões estrangeiras não ensinarem a mesma religião. A questão residia no facto de permanecerem nas colónias cidadãos
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estrangeiros, falando línguas que não o português e exercendo uma autoridade que não tinha um carácter nacional. Dizia António Enes: "E eu próprio não me lembraria de indagar a nacionalidade de missionários que só lidassem na salvação de almas; mas o Estado é que exige algum serviço, além da lida espiritual, àqueles a quem subvenciona. Exige-lhes que quando ensinam a adorar a cruz ensinem também a reverenciar a bandeira portuguesa, que com a sua autoridade moral fortaleçam e auxiliem a autoridade política, que acostumem os indígenas a orarem a Deus na língua do Rei, e não se pode esperar tanta dedicação de estrangeiros, só devotados a interesses religiosos. Não me consta que os padres não portugueses, que têm missionado na África oriental, alguma vez desrespeitassem a soberania portuguesa, mas tão injusto seria tratá-los como inimigos e conspiradores, como seria imprudente contar com eles como se fossem súbditos.
Não os considero perigosos; todavia, propagam nos sertões idiomas europeus que não são o nosso, predispõem os povos para acatarem brancos que não somos nós"294.
A opinião sobre tais missões não tinha variado em 1926 quando se podia ter no preâmbulo do Estatuto Orgânico das Missões Católicas Portuguesas da África e Timor (Dec. N° 12.485 de 13 de Out. 1926), da autoria do então Ministro Colonial João Belo. "Promovidas e estabelecidas fora de todo o espírito das nossas tradições nacionais e religiosas e de todas as relações com o povo, o Governo e a economia de Portugal, estão infinitamente longe de ser, por si mesmas, padrões do nosso domínio, centros de radiação da nossa língua, das nossas ideias, dos nossos usos e costumes e pontos de apoio aos nossos emigrantes e colonos. Não têm a alma portuguesa e chegam a ser em muitos casos outra aposta a ela e ao amor de Portugal e ao seu prestígio"295. O que era, de facto, preciso era que se orassem a Deus, o fizessem na língua do Rei. Em 1962 ainda se escrevia "só podemos considerar verdadeiramente integrados no corpo social da Nação Portuguesa, os nativos que, ao mesmo tempo, falem habitualmente e com correcção o Português e professem convictamente a Religião Católica"296. Tanto mais que a conversão dos nativos era mais do que problemática. A angústia suprema para um missionário era ver o novo convertido "regressar”ao passado. "Dir-se-à que o cristianismo só pode viver em África como as plantas mimosas fora da área natural da sua habitabilidade, em estufas. Estufas são as missões; os cristãos que se criam na sua atmosfera artificial degeneram ao ar livre, ou, pelo menos não se reproduzem. À força de desvelos conseguem os missionários reunir e disciplinar um punhado de fiéis, o que não pode ser celebrado como milagre da religião, porque o negro é dócil,
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a tudo se sujeita, tudo se lhe ensina; aprende a rezar e a entoar cantochão como a exercer um oficio, e tanto se amolda a uma disciplina moral como à disciplina doméstica ou militar. Mas se recebe as impressões com a brandura da cera, repele-as com a elasticidade da borracha. Em regra, o educando das missões, tão depressa deixa de sentir a pressão educativa que lhe deu exterioridades de santo, regressa às crenças supersticiosas, aos costumes embrutecidos, às paixões desenfreadas da sua raça e a barbarie, sendo essa regressão ajudada pelos fenómenos biológicos, - não sei se já estudados, - que paralisam o desenvolvimento intelectual do negro ao sair da infância"2976.
Continua ...

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