quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

ANGOLA por Sebastão Coelho



Sebastião Coelho* , jornalista angolano

Como o feitiço que se volta contra o feiticeiro, a língua, a mais importante arma utilizada pelo colonizador para impôr domínio, transformou-se, paradoxalmente, no mais importante meio de descolonização e factor básico de unidade nacional em Angola. Assim, um quarto de século de independência fez mais pela implantação e difusão do português no território do que cinco séculos de colonização.

I . ANÁLISE INTRODUTÓRIA DAS CIRCUNSTÂNCIAS

Este dado que ainda hoje pode surpreender, era quase impossivel de imaginar sequer em 1974, época de exarcerbado nacionalismo e de forte oposição a qualquer resquício de presença portuguesa. Nessa oportunidade preparei um relatório reservado para a direcção do MPLA [1] adiantando esta hipótese e insistindo na necessidade de que o futuro governo nacional angolano desse prioridade absoluta a um plano de alfabetização prevendo a ampla difusão do português como língua veicular, de comunicação social e de unidade nacional.

Declarado “língua oficial” no próprio acto da proclamação da independência em 11 de Novembro de 1975, o português consolidou-se rapidamente e por etapas. Ultrapassada a condição de “língua do colono” passou na prática a “língua veicular” e logo a seguir a “lingua dominante” e estabeleceu-se como instrumento de alfabetização. No alvorecer do terceiro milénio conquistou a posição de “língua materna” para mais de 20% dos angolanos [2].

Tão impressionante trajectória era impensável ao escutarem-se os fortes protestos que se seguiram à sua designação como língua oficial. Foram notórios os assobios e gestos de desconformidade e frustração quando o Presidente Agostinho Neto, durante o mesmíssimo acto da proclamação da República Popular de Angola, anunciou que o Português passava a ser a língua oficial do país. Sem dúivida, a declaração surpreendeu e desagradou profundamente a grande parte dos angolanos presentes naquele acto multitudinário, em Luanda.

O próprio presidente Neto se surpreendeu com o volume da onda de protesto, mas tratou de minimizar a importância do incidente. Contudo o eco da reacção dos primeiros instantes retumbava nos dias posteriores e havia ponderosa razão para esse tipo de manifestações. Era o desabafo, era o resultado da prolongada luta anticolonial. Era, essencialmente, consequência do sentimento anti-português desse momento, exacerbado depois do 25 de Abril, pelas atitudes vacilantes das novas autoridades portuguesas, o caótico êxodo em massa dos colonos, estigmatizando negativamente tudo o que estava relacionado com Portugal. Aos olhos de todos voltava a dura imagem da debandada geral depois do saqueio, confirmando que a colonização tinha sido um roubo material e um engano moral e que atrás não ficava absolutamente nada, nem sequer as palavras, embora “fossem portuguesas”, as palavras com que se expressavam estas idéias. Ninguém parecia ter consciência deste pormenor.

A desolação era geral, havia tristeza e desconformidade ante a consumada proclamação do português como língua oficial. Multiplicavam-se as críticas a propósito da que se comentava tão “incompreensivel como desacertada decisão política do Presidente Neto”. Admitia-se ter sido ele quem cometera o erro de “escolher” a língua portuguesa, mas não se podia acusá-lo de traição. Talvez existisse algum compromisso secreto ou então era, de facto, uma decisão de carácter estritamente pessoal.



Estas criticas são fáceis de entender, se as tomamos como reflexo directo do estado emocional de uma população oprimida durante séculos. Na realidade o presidente Neto não escolheu e não tinha possibilidade de o fazer porque, simplesmente, a opção estava feita há muito e não existiam alternativas. Do que não tenho dúvida é de que, se a eleição da língua oficial tivesse obedecido ao resultado de um plebiscito, o povo, nesse momento, teria votado negativamente. Cego na sua fúria momentânea contra Portugal, por desforra e sem pensar em vantagens ou consequências, teria elegido qualquer outro idioma, o Inglês, o Francês ou o Espanhol, qualquer um e a ninguém importava qual. Podiam ser “todos”, excepto o Português.



Era manifesto o clima de hostilidade reinante, a necessidade colectiva de exorcismo, de querer banir, magicamente, meio milénio de convívio, enfim, de acabar com tudo o que recordava os portugueses, incluindo, naturalmente, a «língua do colono» [3]. Não era possível calcular quanto tempo ia durar o ressentimento, mas tal estado de espírito iria prevalecer enquanto durassem o ódio, a confusão, a insatisfação e o repúdio. Com a passagem do tempo e porque as mentalidades mudam e mais rapidamente do que se pensa, muitas coisas iriam ficando mais claras e poderia vislumbrar-se até um horizonte de entendimento e união entre as nações desavindas, a médio ou longo prazo. Assim aconteceu.



II . ANTECEDENTES

A adoção do português como língua veicular não foi decidida no momento da independência nem começa com o abrandamento das posições anti-lusitanas do pós-independência. O processo inicia-se a partir de 1961, portanto nos alvores da luta armada contra o colonialismo, ponto de articulação da viragem. Até aí o português era apenas a língua do colono, falada exclusivamente pelos colonos e uma reduzida elite de angolanos que também o utilizavam como única língua. Para o diálogo com o povo empregava-se um português básico [4] de palavras de fácil compreensão. Conformava o tipo de comunicação característico das zonas urbanas e as que se situavam em regiões do litoral ou ao longo das principais vias de penetração no território. Eram os lugares onde havia uma colonização mais intensa e, portanto, se acentuava a convivência.

Nas zonas do interior profundo, no mato, ponto de concentração da maioria absoluta da população gentílica, poucos compreendiam o português. Os diálogos eram curtos e não sempre plenamente entendíveis. Estas populações sedentárias e estáveis, comunicavam-se entre si na língua e dialectos da região e poucos se animavam a articular palavras ou curtas frases em português que regra geral apenas serviam para a permuta ou para dar simples indicações mas sem diálogo fluido. Os comerciantes e os missionários estabelecidos na zona, conheciam o essencial da língua regional para comunicar-se com a comunidade.



Com o fim da Segunda Guerra Mundial notaram-se sinais de mudança. Houve modificação notória da política colonial salazarista, reflexo da Conferência de Bandung e consequência da libertação de Goa, Damão e Diu, colónias portuguesas encravadas em território da União Indiana. Salazar, abalado nas suas convicções tratou de não passar à história como o liquidador do império e decidiu, a todo o custo, não abdicar das colónias africanas. Eliminou as restrições vigentes à entrada de colonos e em pouco tempo milhares de portugueses afluiram ao território [5], o que teve como resultado nova ampliação do uso do português.

A abertura de Angola à entrada de colonos também coincidiu com a euforia do café, que se aproximava do auge. A maior valia do produto gerou riqueza e repercutiu na actividade económica em geral e modificou o espectro dos falantes de português. Com o estimulo das roças de café ampliaram-se as plantações de sisal, de oleaginosas e de açúcar. Paralelamente desenvolveu-se a indústria pesqueira e por tudo isto intensificou-se o recrutamento de mão de obra através do chamado contrato de trabalho voluntário [6].

O aumento da mão de obra gerou maior concentração de trabalhadores nas roças e outros lugares de actividade. Estes individuos provinham de distintas regiões e sendo difícil a comunicação através do uso da língua regional de cada um, viram-se na necessidade de aprender e intensificar o uso do português, apontando já à sua consolidação como futura língua veicular.



III . O IDIOMA PORTUGUÊS EM ANGOLA



As distintas fases da introdução do português em Angola, o seu debil crescimento inicial face a várias resistências, a sua relação directa com o povo, as reticências e ódios que gerou, a sua relação com as línguas nacionais [7], mais a sua definição como língua oficial e posterior avanço até ser idioma dominante e transformar-se na segunda língua étnica do país, são alguns aspectos que pretendo focalizar neste trabalho.



Português língua de unidade nacional.



Em Angola falam-se uns dez idiomas [8] e cerca de cem dialectos, quase todos da mesma raíz bantu [9]. Cada grupo, na sua região, utiliza basicamete o seu idioma regional e respectivos dialectos. Dadas as características do território e da distribuição das tribus, não existia grande comunicação entre regiões nem a nível nacional, porque não havia nível nacional. Os angolanos em geral e os de origem rural em particular, por terem menos contactos externos, não tinham arreigados os conceitos de pátria, bandeira, hino, fronteira comum nem a ideia de unidade nacional.



Angola, como todos os países africanos, era um todo apenas para a concepção colonial europeia e mais tarde também para os responsáveis políticos nacionalistas. Por isso e perante a consumação das fronteiras aleatórias desenhadas pela conferência de Berlim, a OUA – Organização de Unidade Africana considerou absolutamente necessário estabelecer como regra única que os países membros conservassem o traçado das fronteiras coloniais. Não existia identidade nacional. Cada grupo étnico apenas conhecia a sua pequena pátria, o reino ou sobado e o vizinho era potencialmente um inimigo, ideia permanentemente inculcada pelas autoridades coloniais que estimulavam as diferenças e as divisões como forma de reinar.

O obscurantismo era outra forma da expressão colonial. Não se ensinava adequadamente o português e as línguas nacionais estavam praticamente confinadas ao seu âmbito tribal desde o consulado de Norton de Matos a quem se deve o desmantelamento da nascente burguesia africana. As línguas regionais além de restringidas eram desqualificadas para uso nos meios urbanos de tal forma que a população urbana tinha vergonha de expressar-se na sua própria lingua. Os meios naturais de comunicação estavam restringidos mas a expansão do português era, assim mesmo, muito lenta, devido a não haver programas de alfabetização..



Portanto, no começo da luta armada contra o colonialismo, a unidade nacional era o objectivo primordial dos dirigentes do MPLA e um “slogan”: – um só povo, uma só nação de Cabinda ao Cunene. Este desejo só podia processar-se através duma língua veicular, razão pela qual, por primeira vez, na posição de idoma comunicacional, o português assumiu real importância para os angolanos.



Consequências Directas da Guerra

O uso do português ganha verdadeira expressão durante a segunda metade do Séc. XX, em consequência directa das três guerras que assolaram Angola em forma sucessiva:



o Guerra anti-colonial - (1961-1974).

o Guerra de libertação - (1974-1975)

o Guerra civil - - - (1975-2002)



Estes conflitos que, juntos, resultaram ser a guerra mais longa do Séc. XX em África e em todo o mundo, actuaram, por distintos motivos, como os grandes impulsionadores da difusão da língua portuguesa em Angola. Depois, também cresceu graças aos programas de alfabetização.



1ª Expressão - O início da guerra armada (1961) implicou o natural engajamento conjunto de angolanos de distintas etnias e provenientes de todas as regiões do país. Não era fácil a comunicação utilizando diferentes línguas ou dialectos e uma das condições politicas de base era a eliminação de todo o resquício de tribalismo. Portanto não se podia escolher uma língua nacional para a comunicação, porque seria criar uma hegemonia dialectal [10]. A necessidade de intercomunicação impunha o uso do português, idioma neutro em relação às línguas nacionais e garantia a unidade com um só idioma para todos.

Portanto, nas escolas da guerrilha, em plena mata, deu-se início ao ensino do português. Desde essa época o seu uso foi crescendo nas matas e no interior do país como parte de uma nova subjectividade.



2ª Expressão – Em determinada altura o exército colonizador passou a incorporar nas suas fileiras jovens angolanos. Este pessoal ou já sabia português ou, necessariamente, devia aprendê-lo. Portanto e paralelamente à acção alfabetizadora da guerrilha, surgia assim uma nova camada de falantes que ampliava a base de utilizadores e melhorava as condições para uma futura unidade nacional.



3ª Expressão – Ao terminar a guerra anti-colonial, desencadeou-se de imediato a guerra civil e com ela a violência contra civis e os massacres que provocaram o êxodo das populações rurais [11]. Milhões de pessoas abandonaram os seus lugares de residência, os cultivos, os costumes quotidianos e consuetudinários, realojando-se em precários campos de refugiados junto às cidades, por razões de segurança e abastecimento. Nestes campos não era possível manter os hábitos tribais, guardar os mínimos aspectos da cultura ancestral e impôs-se a necessidade de comunicação com outros deslocados procedentes de lugares diferentes e falando distinta língua. Passou a utilizar-se sistematicamente a língua veicular, já reconhecida como língua oficial.


Participação dos Meios Electrónicos



A par da maior escolarização promovida pelo crescimento económico, este também determinou o aparecimento e intensificação do uso dos meios de difusão electrónicos entre a população de menores recursos. A rádio abriu novas perspectivas e o povo teve acesso à informação independentemente de quem sabia ler e escrever. Para isso teve de adaptar o ouvido a uma nova linguagem, pois todas as emissões eram em português e dirigidas expressamente aos colonos, jamais incluindo música africana. O panorama mudou completamente em 1961 quando surgiu no Huambo a primeira emissão de rádio com música angolana e locução em português e umbundu, o programa “Cruzeiro do Sul” [12].



Não abordo pormenorizadamente a imprensa escrita porque o nível de alfabetização era tão baixo que os números são inexpressivos. Os jornais de pequena tiragem circulavam apenas nas cidades com especial incidência em Luanda, mas sem acesso das massas. Por incapacidade de leitura e impossibilidade económica de comprar jornais.



O Português que se falava em Angola no tempo colonial



No ano da Independência de Angola (1975) existiam no país dois grandes grupos falantes. A sua composição é importante para se analisar o comportamento de cada um nos períodos imediatamente anterior e posterior à independência.

Grupo 1 – Individuos que falavam português - (Abrange todos, desde os que só falavam português aos que apenas falavam português).



Grupo 2 – Indivíduos que não falavam português – (Constituiam a maioria da população, eram os indígenas [13] de acordo com a Lei do Indiginato).

Entre os individuos que falavam o português (Grupo 1), a situação reinante era caracterizada pelos seguintes aspectos:



a) - Angolanos de cultura média ou superior que utilizavam correcta, sistemática e fluidamente a língua portuguesa. Quase todos desconheciam línguas nacionais e se sabiam falar alguma, coibiam-se de o fazer..



b) - Angolanos alfabetizados ou não, falando bem o português. Conheciam uma ou mais línguas nacionais. Os que sabiam ler e escrever português podiam ascender à categoria de assimilados [14].



c) – Angolanos não analfabetizados e utilizando prefentemente línguas nacionais para expressar-se. Conhecedores primários do português, utilizavam vocabulário reduzido. Mesmo assim, neste grupo detectavam-se dois níveis de domínio e uso do idioma português.



1º Nível: - Indivíduos de origem rural - Por hábito, ou por falta de termos, ou porque lhes resultava mais fácil expressar-se desse modo, era normal que no discurso do camponês em língua portuguesa, se insinuassem bastantes termos autóctones, puros ou aportuguesados, para sustentar a fluidez das frases.



2º Nível : - Indivíduos de origem urbana. Expressavam-se em português com certa dificuldade, mas, curiosamente, animavam-se, na prática, a inesperada fluidez no discurso, devido a um contacto mais directo e prolongado com o colono. Utilizavam um léxico mínimo, mas diferente do tipo rural. Na construção da frase notava-se o emprego sistemático de calão, pelo que era fácil diferençá-lo do camponês. Ao contrario dos indivíduos procedentes de meio rural, os de condição urbana, quando tratavam de expressar-se numa língua nacional, tinham necessidade de recorrer a palavras portuguesas para sustentar um discurso fluído.



O Português de Angola na Pós Independência.



A partir da independência houve fortes deslocações de populações rurais por diversas razões. Inicialmente, gente que sentia a atracção da cidade e que podia deslocar-se livremente pelo território, liberta de burocracias [15] Foi um pequeno período. Logo a seguir desencadearam-se outras guerras que determinariam os grandes êxodos. Devido a estas migrações pressionadas pela violência e pela fome começaram a notar-se importantes modificações no panorama linguístico, com uso mais frequente e sistematizado do português. Para melhor entendimento das mudanças, vou utilizar os mesmos esquemas anteriores de análise a dois níveis, realçando que os dados que se seguem se referem ao período pós- independência, portanto diferente do anterior.



1º Nível : - Indivíduos de origem rural – Atraídos pela cidade ou forçados a refugiar-se na zona urbana, os indivíduos procedentes do interior do país tiveram necessidade de comunicar-se fora da sua área dialectal com indivíduos de outras origens. Deixou de existir o clã e era vital aprender e agilizar o português, para poder comunicar-se e sobreviver, inserindo-se na mistura cosmopolita da cidade.

Os deslocados mais velhos encontraram dificuldade para adaptar-se aos costumes da cidade e à linguagem, mas o mesmo não aconteceu com as crianças. Necessitadas de sobreviver a qualquer preço, instalaram-se na rua. Abandonaram as famílias, prostituíram-se, esqueceram as tradições e até a língua original. Comunicaram-se em português e inventaram um patuá próprio. Mas algumas concorreram à escola e de algum modo o processo de alfabetização [16], ainda que precário, explica outra mais razão para o rápido crescimento do uso do português.



2º Nível - - Indivíduos habitantes da cidade – Perderam o convívio assíduo com o colono mas tiveram de dar maior uso à língua comum ou veicular e em grande parte abandonaram a língua regional de origem.

Assim, tanto os indivíduos de origem rural como os da cidade aumentaram substancialmente o uso quotidiano do português, com pequenas variantes em relação à maior ou menor percentagem de utilização e mistura de termos dialectais que passaram a ser mais frequentes. As palavras oriundas de qualquer língua nacional universalizaram-se na cidade e passaram a ser utilizados na linguagem mista e quotidiana dos dois grupos, apontando ao nascimento de um novo crioulo de raiz portuguesa. Até agora não existe um crioulo de Angola, mas começa a conformar-se um modo específico de falação, especialmente em Luanda.



Logo depois da independência o fenómeno de acrioulação incursionou rapidamente pelos jornais, rádio e televisão, consequência do êxodo de jornalistas imediatamente anterior à independência. Numa primeira etapa alguns meios foram tomados de assalto por oportunistas confusionistas, na maior parte indivíduos não angolanos que se lançaram numa falsa campanha de africanização do português, deformando propositadamente com “kk” todos os vocábulos, com objectivos que ainda hoje não tenho claros.



Na segunda etapa já participaram os primeiros jornalistas da nova camada de angolanos de boa vontade, formados à pressa para vencer as dificuldades do sector. Apesar das deficiências de expressão com que abordaram a profissão, souberam crescer e são muitos dos que hoje ocupam lugares destacados no jornalismo. O português deles, a par da linguagem dos escritores da moderna literatura, apareceu impregnado de termos autóctones e expressões populares importadas das línguas nacionais, vocábulos que, nitidamente, facilitam a comunicação local. Estes termos aplicados à agilização da linguagem quotidiana, iniciaram o processo de africanização do “português”, dando vigência permanente a vocábulos como «bué», «kínguila», «maka», «mujimbo», etc. e que mais tarde ou mais cedo vão impor mudanças no léxico geral.

IV. O PORTUGUÊS E AS LÍNGUAS NACIONAIS



1. Línguas Nacionais no esquema colonial



As Línguas Nacionais foram sufocadas quando, sistemática e injustamente, os programas de ensino oficial ignoraram a sua existência, para além de outras sanções coibitórias do seu uso e expansão. Mas isso, por doloroso que seja, tem de compreender-se, fazia parte do esquema colonial. O constante estado de abandono a que estiveram votadas as línguas locais nos centros urbanos provocou o esquecimento gradual de termos do vocabulário próprio, por falta de uso. A perda do hábito da linguagem reflecte-se especialmente nas cidades onde se desvanece [17] facilmente, o peso dos costumes ancestrais não praticados e com eles, a tradição familiar.



O uso de línguas africanas sempre foi subestimado a nível de cidade. Classificadas, depreciativamente, como «língua de cão», poucos colonos [18] excepto alguns comerciantes do mato aprendiam ou fechavam os olhos para que os filhos aprendessem ou se exercitassem livremente na prática das línguas e dialectos locais. Devido a esta posição negativa, as camadas mais instruídas (por aculturadas) da população angolana, urbana, copiavam a atitude de despeito dos portugueses e jamais utilizavam as línguas nacionais que muitos nem aprendiam..



As autoridades coloniais, obcessionadas por imporem o seu próprio padrão cultural europeu, nunca consideraram as línguas locais como um bem para preservar e adicionar ao património lusitano. Pelo contrário, jamais instigaram o seu estudo nos programas oficiais de ensino. Esta atitude não era compartilhadapelas Igrejas, que pretendiam melhorar a sua comunicação com os fiéis e sabiam que a língua materna era o caminho mais directo para chegar ao coração. Por isso, desde sempre, os missionários se esforçaram por dominar os idiomas africanos, dando-lhe, inclusivamente, forma escrita.



2. Missionários, Línguas Étnicas e um Calcanhar de Aquiles


Os estudos básicos, a recolha de informação, a adaptação e a difusão das formas escritas das Línguas Nacionais, devem-se, quase sempre, ao trabalho e curiosidade individual de missionários religiosos. A eles se deve, também, a compilação dos primeiros dicionários. O esforço destes investigadores de origem europeia ou norte-americana era individual, disperso e isolado. Para a tradução, registo e transcrição gráfica dos fonemas, cada um tomava como base a sua respectiva língua materna, com o que, a par do seu louvável esforço, se introduziu em África um complicado e perdurável problema. Ao escrever de maneira distinta as mesmas palavras e os mesmos sons, não se facilita a escrita, a leitura, nem o uso, entendimento e difusão das línguas nacionais.



Situação tão caótica resultou da falta de um plano coordenador geral, cuja inexistência permitiu que cada estudioso recolhesse e desse à transcrição dos fonemas um tratamento nitidamente pessoal, baseado, exclusivamente, nas suas convicções, no seu estilo próprio e critérios adaptados da respectiva língua materna. Esta é a razão fundamental que determina tantas discrepâncias na forma escrita das línguas nacionais que, para bem delas, conviria rever quanto antes.


REFLEXÕES SOBRE LÍNGUAS E DIALECTOS



A dolorosa verdade foi difundida há bem pouco pela Unesco. No relatório publicado em Fevereiro deste ano, a Unesco alerta para o perigo que correm as línguas minoritárias [19] de desaparecerem sob pressão das línguas dominantes ou por políticas repressivas. Segundo esse documento, a língua de uma comunidade está em perigo quando 30% das suas crianças não a aprendem. Isso acontece, entre outras razões, pela deslocação forçada da comunidade, o contacto com uma cultura mais agressiva ou acções destruidoras dos membros de uma cultura dominante.



O relatório indica várias regiões em perigo, identifica como “zonas de crise” a ilha de Twaian onde os idiomas locais cedem ante a pressão do chinês mandarim e a Nova Caledónia, cujas línguas nativas perdem terreno frente ao francês. Na Europa há várias línguas ameaçadas – por exemplo o leonês e o galego, na Espanha. Há situações similares na América Central e do Sul onde “os governos foram indiferentes e hostis para as línguas indígenas dos seus países até 1970”. Aborda problemas nos Estados Unidos e no México. Os autores do relatório também recordam o efeito catastrófico causado no último milénio pela invasão dos aztecas e mais tarde pela conquista espanhola.



Mas, não existe nenhuma referência à África, região onde alguma vez teriam sido censados uns 800 idiomas e mais de sete mil dialectos. O continente africano, em grande parte dos seus países e invariavelmente para os seus contactos exteriores, expressa-se hoje, na prática, apenas quatro idiomas e nenhum é africano: árabe, francês, inglês e português. E em Angola que acontece?



Angola perfila-se de algum modo, pelo menos nas intenções de alguns organismos nacionais como um pais multilingue, que se há- de articular no futuro em diferentes zonas, cada uma com o uso mais intensivo do seu idioma regional próprio, a par da língua oficial como instrumento de união e de universalismo. Sem dúvida que este esquema, se for vertido à realidade, vai trazer muitos benefícios à preservação da cultura, das tradições diversificadas e que são base fundamental do progresso e da angolanidade sem perda de identidade.



Esta identidade tem muito que ver com condições próprias que procedem da oralidade e que só o uso constante das línguas regionais permitirá continuar a desfrutar e salvar para a posteridade [20]. Como as línguas locais, também a literatura oral está em franco declínio. E só a literatura impressa e não sujeita a tradução, (portanto no idioma correspondente a cada lugar), como fonte mais próxima ao original, poderá conservar a tradição com certa fidelidade. A partir daí, desse original tão genuíno quanto possível, sim, poderão fazer-se copias traduzidas a outros idiomas para a sua difusão e universalização .



Por agora a literatura impressa em línguas nacionais vive de excepções, escassíssimas excepções quase sempre constituídas por traduções ou variantes experimentais que ajudam a confirmar a regra geral – não existem edições em línguas que não se aprendem na escola e os números difundidos pela Unesco são terroríficos quando explicam que a língua de uma comunidade está em perigo quando 30% das suas crianças não a aprendem.



De qualquer modo creio que a revitalização das línguas nacionais não passa unicamente pela alfabetização. Passa pelo seu uso sistemático, a importância que lhes dêem os meios de comunicação social e consolida-se através da existência de uma literatura própria. É um sonho complicado porque nunca, pelo menos nos tempos mais próximos, esse tipo de literatura parece utópico porque não existe universo que a sustente. Por outro lado a língua nacional é o factor básico da unidade de um país em busca de ser uma nação e que não pode distrair-se desse objectivo para não ser pulverizado. Portanto, escrever em línguas nacionais é por agora, penso, um cometimento quase suicida se pensado em termos de difusão quando a língua oficial é a que garante realmente a universalidade a que podem almejar os angolanos perante uma realidade de mais de 200 milhões de potenciais leitores.

VI. ALGUMAS PROPOSTAS



1. Padronização das Línguas Nacionais



Parece que é tempo dos lexicógrafos angolanos se porem de acordo, abandonarem trincheiras e encararem soluções no sentido de se unificar a ortografia, medida tendente a facilitar o indispensável ensino e a leitura das línguas nacionais. O tema não é de fácil abordagem porque, com o tempo, se criaram «escolas» que se degladiam entre si em busca de supremacia. Cada uma delas defende, dogmaticamente, a sua posição. Ninguém quer abdicar de princípios que não são tal, porque reflectem apenas o resultado artificial de circunstâncias de trabalho, acidentais e ultrapassadas.



As línguas africanas não se sujeitavam a parâmetros europeus de escrita. Portanto, sendo desconhecida a leitura ou interpretação da grafia dos fonemas, não existia o problema de saber quais eram os símbolos ou letras que conjunta ou isoladamente, melhor representava este ou aquele som ou conjunto de sons. A padronização pode ser um factor importantíssimo para revivificar as línguas nacionais e facilitar o seu uso intensivo e em especial no importante processo de alfabetização.



Nenhuma língua nacional tem condições, pelo menos por agora, para impor a sua hegemonia no país e se assim acontecesse, o problema seria para outros grupos étnicos o mesmo que ocorre com o uso exclusivo do português no processo de alfabetização. Mas abordar este tema já é entrar noutra questão alheia ao meu propósito.

2. Modificações na escritura



O português expandiu-se pelo mundo. Dados estatísticos da Unesco publicados em 1970, revelavam que era a língua que apresentava então maior índice de expansão em todo o mundo. A mesma tendência de crescimento continuou confirmando-se e de acordo com o estudo de projecção publicado pela União Latina em 1998, será a terceira língua europeia mais popular do mundo no ano 2010, logo depois do Inglês e do Espanhol [21] .

São oito os países de língua oficial portuguesa. São diferentes mas não são incompatíveis. Estudiosos de todos estes países têm de contemplar o grande crescimento que se anuncia, estabelecendo regras claras de utilização, dicionários compatíveis com a realidade e eliminando muitas complicações ortográficas que se enfrentam inclusive com certas limitações da técnica informática. E é possível perguntar porque razão perdoravel se usam o “S” e o “Ç”, se ambas letras têm o mesmo som. Por que temos de complicar-nos a vida com o aberrante Ç.? E com o “S” a servir de “Z” de vez em quando? E se o “G” é mesmo Guê porque o confundimos com J? Se K é forte porque não escrevemos Ke em vez de QUE? E para quê tanto acento inútil. Que importa que seja vídeo em vez de video, se igual se fala de filmes ? Vou tentar um pequeno exercício:



Ja sei, muitos vao dizer ke so kero complicar as coizas, que a tradisao peza muito e ke ha regras ke nao se podem mudar. Dizem iso porke nao kerem dijerir o meu discurso. Bue de jente vai reclamar contra mim mas eu insisto em ke temos de fasilitar a nosa maneira de escrever. Vai custar a mudar? Seguramente. Mas os abitos mudam-se. Ou nao mudou o portuguez desde o tempo de Camoes ate agora? Podemos experimentar ?

VII. BREVES CONCLUSÕES

o As línguas nacionais são o tesouro cultural mais importante de Angola. Guardam as tradições e a sabedoria dos “mais velhos”. Devem preservar-se. As Universidades têm um papel fundamental a desempenhar na conservação e difusão das línguas nacionais, na recolha das tradições culturais dos povos..

o A Língua Portuguesa não é incompatível com as outras línguas, nem com independência do país, nem com a liberdade dos povos que a utilizam, antes pelo contrario é um factor de consolidação dos valores próprios.

o O português é o sustentáculo principal da unidade nacional mas não pode ser usado como elemento de submissão. É um bem comum e tem de aceitar-se que os tempos exigem plasticidade e mudanças corajosas. Assim como preconizo a padronização das línguas nacionais, também sugiro que, corajosamente, se encarem transformações fundamentais na língua portuguesa, a sua repadronização. Os dicionários têm de acolher os novos vocábulos de origem africana. Sem exageros de um lado ou do outro, mas com espírito de entendimento e respeito pela diversidade. Só desse modo o pais angolano poderá sentir que participa plenamente da vantagem de pertencer de facto a uma grande comunidade.

o As Universidades têm um papel fundamental a desempenhar na aproximação, coordenação e entrosamento das diferentes vertentes da língua portuguesa, o português europeu, o português brasileiro e o português africano, o galego e o timorense, irmãos do mesmo ventre que não podem ser relegados como o foram no seu tempo as línguas tradicionais angolanas.



A paz que agora se instala em Angola pode significar em breve futuro a entrega de importantes recursos para a alfabetização, a cultura e o crescimento cientifico do país. Mas não basta a existência de recursos económicos. É indispensável que o conjunto das universidades de língua portuguesa apoiem as transformações pelas que anseia o povo angolano.

* Jornalista, professor e investigador

VIII. ANEXO

LÍNGUAS QUE SE FALAM EM ANGOLA

Não existe consenso acerca do número de idiomas que se falam em Angola nem estatísticas actualizadas que permitam ter ideia da importância de cada uma das línguas nacionais ou regionais de acordo com o número de falantes. Os elementos que utilizo provém dos estudos do etnólogo José Redinha e foram publicados no Boletim do antigo Instituto de Investigação Científica de Angola, Mapa (1962). São classificados dez grandes grupos étnicos de origem Bantu e três de origem não Bantu e 107 dialectos.

Para completar e actualizar este quadro de línguas nacionais de Angola é necessário considerar e incluir na lista de línguas nacionais e para além da sua condição de língua oficial e veicular, o português. Em Angola o português, língua de origem não africana, é falado por um grupo específico de angolanos de origem europeia ou descendentes de europeus ou de pais euro-africanos ou pais de origem africana, sendo o idioma dominante, pela quantidade de falantes.



Línguas usadas

em Angola





LÍNGUA OFICIAL:

Português





LINGUAS

NACIONAIS





POVOS DE ORIGEM BANTU


POVOS NÃO BANTOS

Ambó


KHOISAN:

Ambundu




Ganguela


Bochimanes
Grupo Conguês


Cuepes

Herrero


Cuísis

Luba




Lunda-Quioco




Nhaneca-Humbe

NÃO AFRICANOS

Ovimbundu




Xindonga


Português



Nota: A Rádio Nacional Angola (estatal), o meio de comunicação mais importante do país, difunde o seu programa N’GOLA YETU em 10 línguas étnicas que designa como “nacionais”, com tempo iguais de emissão. Por seu turno a Televisão Pública de Angola (estatal), difunde notícias em 7 línguas que designa como “regionais”, também com tempos iguais de emissão. Ambas radiodifusoras apresentam programas em Kwanyama (Cuanhama) mas a Rádio Nacional designa-a como língua Oshiwambo.

A importância do português como língua oficial e língua nacional justifica que a maior parte das emissões de ambas radiodifusoras é difundida em língua portuguesa.

RADIO NACIONAL DE ANGOLA


TELEVISAO PUBLICA DE ANGOLA

Emissões em línguas NACIONAIS


Emissões em línguas REGIONAIS






Cockwe


Cockwe - tchokwé

Fiote [*]


Fiote


Kwanyama

Kikongo


Kikongo

Kimbundo


Kimbundo

Lunda Ndembo




Luvale




Nganguela


Nganguela

Oshiwambo




Songo




Umbundo


Umbundu




[1] - Nessa altura corria o grande risco de não ser compreendido e de ser acusado de traidor à causa do nacionalismo. Esse documento, juntamente com outros que produzi na mesma altura, foi posteriormente publicado em forma de livro. Sebastião Coelho - “Informação de Angola” - Edição do Autor – Litotipo, Lda – Luanda, 1977 (esgotado). Pgs. 22/32.

[2] - Dados do Ministério da Educação de Angola indicam que nos finais dos anos oitenta, o português teria passado a ser língua materna de cerca de 11% do total da população. Segundo a mesma fonte, em estudos ulteriores, no ano 2000 esse número aumentou para mais de 21%, transformando-se assim na lingua dominante e ao mesmo tempo em principal língua étnica do país.

[3] - Não tanto a palavra «português»mas sim os termos «luso», «lusitano», «lusófono»e variantes, arrastavam ( ainda arrastam) nesses tempos iniciais de justificada euforia nacionalista, importantes cargas de tipo emocional e político, que obstaculizavam a sua utilização nas ex-colónias. Por isso, este tema, aparentemente sem importância se revestiu de espinhos no momento de se pensar na constituição do grupo finalmente designado Países Africanos de Lingua Oficial Portuguesa – PALOP.

[4] - Era a característica linguagem dita “pretoguês”.

[5] - Entre 1900 e 1940 a população branca aumentou de 9.000 para 44.000 indivíduos. O censo de 1960 já registou a presença de 172 brancos.

[6] - O contrato era um eufemismo para ocultar a existência e o tráfico interno de escravos. Os trabalhadores eram coagidos, por vários meios, a aceitarem contratos “voluntarios” anuais e mandados para as roças e pescarias. Recrutavam-se através de cambuladores, angariadores e das autoridades administrativas. (S. Coelho – Angola – “História e Estórias da Informação” – Executive Center – Luanda – 1999 – Pgs. 33/42).

[7] - Esta designação que se dá em Angola às línguas étnicas tem origem na época da independência como forma de hierarquizá-las, redimindo-as do constante desprestígio a que tinham sido sujeitas durante séculos, pelas autoridades coloniais.

[8] - Não existe acordo acerca do número exacto dos idiomas nacionais, porque não existem estatísticas válidas e porque se evita qualquer classificação de idiomas ou sub-idiomas que poderia agudizar susceptibilidades por inadequadas ou irritantes hegemonias. Ver quadro no final deste ensaio.

[9] - Apenas os descendentes de europeus e o reduzido grupo Khoisan, não são de origem bantu.

[10] - O facto da maior parte dos membros do MPLA proceder, inicialmente, da zona do Kimbundu levantou problemas especialmente com os elementos de fala Kikongo, por razões antigas da relação entre os dois povos. Também havia atritos em relação ao Umbundu. Este problema era tão delicado que nunca o presidente Neto, presidente de todos os angolanos, utilizou uma língua nacional para expressar-se, facto que lhe gerou algumas criticas e incompreensão.

[11] - A guerra civil terminou oficialmente em 4 de Abril de 2002 com a assinatura dos acordos de Paz em Luanda. As estimativas mais conservadoras sobre o conflito indicam para população de 12 milhões de habitantes, meio milhão de mortes e mais de quatro milhões de refugiados ou seja a terceira parte do total da população. Deixou também um saldo muito elevado de diminuidos fisicos por acidente, particularmente a explosão de minas.

[12] - Foi o pioneiro dos programas de rádio em línguas nacionais. Até então nunca se haviam realizado emissões que incluissem música africana e locutores falando em língua nacional. Com a emissão do Cruzeiro do Sul (programa biligue português-umbundo) nasceu uma nova rádio em Angola . Dois anos mais tarde surgiu em Luanda o programa “Tondoya Mukina O Kizomba”, falado em português e kimbundo e música africana. Deu início à massificação da música popular angolana. (S. Coelho - “Angola – História e Estórias da Informação” - ·Edição Executive Center – Luanda – 1999 – pg 194).

[13] - “O estatuto do Indígena Português é pessoal, devendo ser respeitado em qualquer parte do território português onde se ache o indivíduo que goze dele” – (Artº 1º do Estatuto) – NA - Não podiam obter Bilhete de Identidade, não eram cidadãos, pagavam imposto indígena, usavam caderneta como documento de identidade e podiam ser presos e levados para o contrato. Não podiam conduzir automóveis, não podiam viajar livremente pelo território, necessitando para isso de uma guia de marcha passada pelas autoridades administrativas.

[14] - Designava-se por assimilado o individuo identificado com a cultura do colonizador. O termo utilizava-se no tempo colonial para diferençar quem já era “quase cidadão” ou “meio‑cidadão”, meio termo entre “selvagem ou indígena” e “cidadão comum”, mas não de pleno direito. Deixava de pagar imposto indígena, podia requerer substituição da caderneta indígena pelo BI (Bilhete de Identidade) e podia requerer (prova de saber ler e escrever) e obter carta para conduzir automóveis. (S Coelho – “Osfalação di Angola” – Inédito). O assimilado estava sujeito a muitas desconfianças: <... depois, depressa, desatou a fazer perguntas, parecia queria-lhe mesmo atrapalhar: onde trabalhou; o que é que fazia; quanto ganhava; se estava casado; qual era a família; se era “assimilado”; se tinha carta de bom comportamento dos outros patrões; muitas coisas mais...> - (Luandino Vieira – “Luuanda” – pg. 24).

[15] - No tempo colonial e especialmente durante a ditadura havia grandes restrições ao movimento do pessoal. Cada indivíduo necessitava obter previamente na Administração do Concelho ou no Posto Administrativo, uma guia de marcha que o autorizava a deslocar-se de um ponto a outro. Para obter esta guia necessitava possuir caderneta indígena e ter o imposto anual pago. Se não apresentava estes documentos podia sofrer castigos corporais e ser compelido ao contrato.

[16] - O português foi, na prática, a única língua que se utilizou na alfabetização. A par da acção das missões , a partir de 1960 e devido ao crescimento económico que se começou a registar no país, mais crianças foram às escolas públicas. Angola chegou à independência com cerca de 90% de analfabetos. Luanda registava cerca de 50% do total de alfabetizados, o que dá ideia da trágica situação herdada da ditadura salazarista. (S. Coelho – “Informação de Angola” – Luanda 1977 - Edição do Autor – Pgs. 49/50).

[17] - Os governos angolanos têm feito alguns esforços, não muitos, no sentido de elevar as línguas nacionais a nível de ensino e educação, mas o fantasma da desculturalização continua vigente. <...a língua Kimbundu está a morrer...> - ( Cf. Boubacar Diarra - Perito da UNESCO e do Instituto de Línguas Nacionais - Luanda - in “Seminário de Aperfeiçoamento das Línguas Nacionais” cit. p/ «Jornal de Angola» - Luanda).

[18] - Missionários e alguns comerciantes do interior, em tempos idos, aprendiam as línguas nacionais como factor de valorização das suas actividades, a expansão da Fé ou a expansão dos negócios, mas isso não acontecia nas cidades.

[19] - Milhares de idiomas minoritários e dialectos do planeta têm os dias contados. Das seis mil línguas que se falam no mundo, metade poderia desaparecer sob a pressão de idiomas mais dominantes ou de políticas repressivas dos governos. – “Atlas dos idiomas do mundo em perigo de desaparecer” – (UNESCO – informe datado de 21 de Fevereiro de 2002 – Dia Internacional da Língua Materna).

[20] - Recolha e Preservação da Tradição Oral – . (S. Coelho - “Angola – História e Estórias da Informação” - ·Edição Executive Center – Luanda – 1999 – pg 89-90).

[21] - O relatório da União Latina publicado em Lisboa em Abril de 1998 indica que no ano 2010, haverá 219.590 milhões de indivíduos em todo o mundo que utilizarão a língua portuguesa. Nesse mesmo ano, o Inglês, será falado por 796.670 milhões e o espanhol, falado por 458.750 milhões, sendo as línguas mais populares do universo. As línguas iberófonas (português - espanhol), em conjunto, serão faladas por 675.345 milhões de indivíduos.



[*] Fiote – Não existe a língua fiote. O termo é corrupt. do Port. filhote. Apesar de carinhoso, este vocábulo era desagradável para os cabindas “mais velhos” que se sentiam diminuídos. Os colonos chamavam assim aos cabindeses para os distinguirem pelas suas qualidades , tratando-os como filhos adoptivos. Fiote era para eles uma palavrota. A verdadeira lingua de Cabinda é o Ngoyo ou Woyo, variante do Kikongo. (S.Coelho – “Osfalação diAngola” – Inédito).



Este trabalho foi apresentado por Sebastião Coelho em Maio de 2002 , no Encontro Anual da Associação das Universidades de Língua Portuguesa (www.aulp.org/), em Luanda,Angola.

Leia mais sobre o saudoso Sebastião Coelho:

Crónicas escritas nos últimos anos da sua vida na Argentina, adaptando excertos do seu livro inédito "Manamafuika" no endereço - horta.0catch.com/huambo/cronicas%20kandimba.htm
A Mulemba da Maldição no endereço horta.0catch.com/huambo/MULEMBA.PDF

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