domingo, 8 de fevereiro de 2009

Em África (De Castro Alves a Hannah Arendt)

Em África


(De Castro Alves a Hannah Arendt)



Aqui ficam registrados alguns dos momentos vivenciados em Angola. As sensações, aprendizado e, principalmente, a vivência com o povo e o que apreendo desse convívio. Porei sempre o olhar aguçado do repórter sobre o que vejo, para melhor compreender esse país e transmitir aos visitantes desse blog as minhas impressões.


Utilizarei nas narrativas informações sobre sua história, cultura, economia, política, meio ambiente, etc. E enfocarei sempre que possível os reflexos da atividade humana sobre esses aspectos e a influência desses no comportamento social. Confiando neste meu olhar e numa muito genérica e decantada "cultura de almanaque". Mas prometo que procurarei não abusar muito da paciência de vocês.


Recorro sempre à poesia romântica e ao mesmo tempo libertária do maior poeta brasileiro para ter uma dimensão do que foi o maior movimento organizado de deportação da história: a escravidão seguida da diáspora, que determinaram a sorte deste continente. Com seu espírito condoreiro, como que sobrevoando os mares, o poeta baiano avista do alto um navio a conduzir escravos. De sua lira extrai um dos mais candentes poemas da língua portuguêsa.




Eis um trecho :

Senhor Deus dos desgraçados
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Com a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!


(In Navio Negreiro)


Castro Alves (1847-1871) declamando

Mas quem se detiver à procura de conhecimentos menos poéticos e mais filosóficos, enfim mais complexos, que expliquem o sub-desenvolvimento crônico do continente mais pobre do planeta sugiro que não deixe de pousar os olhos e a mente na obra de Hannah Arendt, filósofa (embora ela preferisse se intitular apenas uma teórica) judia alemã, perseguida pelo nazismo.

Hannah Arendt (1906-1975)



Após cobrir como jornalista o julgamento do carrasco Adolf Eichmann, em Israel (1961), ela analisou todos os demais crimes do nazismo. Achou-o com aparência de um homem normal, que "cumpria ordens", embora tivessse cometido atrocidades, e apontou para a complexidade da natureza humana alertando para o que chamou de uma certa banalidade do mal, "que surge quando somos condescendentes com o sofrimento, a tortura e a própria prática do mal". Daí conclui que é fundamental guardar uma permanente vigilância para garantir a defesa dos direitos humanos e a preservação da liberdade. Dela, extraio esse aforismo que cabe perfeitamente em qualquer análise sobre a África e, logicamente, outras regiões:


"O sub-desenvolvimento não é apenas uma realidade , mas sim uma ideologia !"

Até porque não sendo um fenômeno, alguém tem culpa pela sua existência. A África é o que fizeram dela, ao longo da história, inclusive suas próprias "elites". A sua partilha entre as potências mundiais, o saque de suas riquezas, a degradação, escravização de sua gente e a colonização "coincidem" justamente com a fase inicial da formação do capitalismo e lhe foram determinantes.


Compartilhem comigo do meu olhar sobre Angola, meus kambas (camaradas, parceiros em kimbundu, uma das línguas nativas). Afinal, para quem está deslocado de seus habituais portos de abrigo, nada melhor do que uma companhia solidária com quem possa dividir as impressões sobre o que o olhar capta em outras terras e outras gentes.
Deixem registradas, por favor, as sugestões, comentários, críticas (principalmente), dúvidas e o que mais lhes convier a respeito desse blog e de Angola. Na medida do possível, responderei a todos.



Jorginho Ramos

09 fevereiro 2007
in jorginhoemangola

Sem comentários: