domingo, 15 de março de 2009

Preâmbulo do Decreto que abolia o Tráfico da Escravatura da autoria do Marquês de Sá da Bandeira.

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Preâmbulo do Decreto que abolia o Tráfico da Escravatura1
“Senhora!
“A civilização da África tem sido nestes últimos tempos o pensamento querido dos Sábios e dos Filantropos, e não menos o deslevado cuidado dos principaes Governos, que no antigo e no novo Continente, marcham à testa do progresso, e promovem o melhoramento da especie humana; enquanto Portugal, que durante seculos havia trabalhado nesta grande obra, hoje em vez de a promover, lhe põe obstaculos.
O primeiro título que os nossos Grandes Reis, Augustos Avós de Vossa Magestade, acrescentaram ao Rei de Portugal, foi o de além mar em África e o de Senhores da Guiné. Empunhadas pelas mãos de nossos navegadores, dirigidas pela atrevida sciencia de nossos Astronomos, as Quinas Portuguezas, desta extremidade da Europa sahiram para conquistar e civilisar, primeiro foram mostrar-se nos mares de Ceuta, logo, passado o tremendo Cabo Bojador, não tardaram a ganhar as férteis regiões que rega o Senegal, o Gambia, e o Zaire; donde, descendo e dobrando o Cabo Tormentorio, passaram a descobrir a Costa Oriental da immensa peninsula Africana, em cujo litoral fundaram Feitorias, construíram Fortes, e conquistaram Povos.
Sobre varios feitos de África, como em tantos outros, os Portuguezes tem sido calumniados por historiadores modernos, que representaram nossos Guerreiros e Navegadores traficando com a espada na mão dos haveres e das vidas das Nações descobertas. E todavia, não há um só documento em toda a primeira época de nossos descobrimentos, que não prove que o principal, e quasi único intuito do Governo Portuguez era civilização dos Povos pelo meio do Evangelho. O Commercio foi secundário, posto que meio civilizador também; e a denominação foi uma necessidade consecutiva, não um objecto.
Os erros de doutrina religiosa, e o vicio das medidas politicas, eram do Seculo, não dos homens.
A Índia primeiro, depois o Brazil fez-nos deixar a África nosso mais natural de trabalhos. Mas a colonisação do Brazil, e a exploração de suas minas; e bem depressa o interesse de todas as outras Potencias que houveram o seu quinhão da America, foram os maiores inimigos da civilisação da África, que nós sós, e com tanto sacrifício de vida e fazendas haviamos começado.
O infame trafico dos negros, é certamente uma nódoa indelével na historia das Nações modernas; mas não fomos nós os principaes nem os únicos, nem os peores réos. Cumplices, que depois nos arguiram tanto, pecaram mais, e mais feiamente. Emendar pois o mal feito, impedir que mais se não faça, é dever da honra Portugueza, e é do interesse da Corôa de Vossa Magestade, porque os Dominios que possuimos naquella parte do Mundo, são ainda os mais vastos importantes, e valiosos que nenhuma Nação Europea possue na África Austral.
Para os avaliarmos não devemos só considerar o que actualmente são mas o de que são susceptiveis. O estado em que se acham é devido não só ao mau Governo que tem tido a Metropole, mas a este ter prestado a sua atenção quasi exclusivamente ao Brazil.
Os naturais de Africa foram aprisionados, e transportados além do Atlantico, para tornarem rico um immenso, paiz, cujos habitantes se recusavam à civilisação. Lê‑se numa memoria antiga, que houve tempo em que na Ilha de S. Tomé existiram dezesete engenhos de assucar, que o Governo de Portugal mandou destruir, para não prejudicarem a cultura da cana, que naquelle tempo promovia no Brazil!
Em nossas Provincias Africanas existem ricas minas de ouro, cobre, ferro e pedras preciosas; alli podemos cultivar tudo quanto se cultiva na America: possuimos terras da maior fertilidade nas Ilhas de Cabo Verde, em Guiné, Angola e Moçambique; grandes rios navegaveis fertilisam algumas das nossas Provincias e facilitam o seu commercio;
Naquelles territórios poderemos cultivar em grande a cana do assucar, o arroz, anil, algodão, caffé e cacáu; n’uma palavra, todos os generos chamados coloniaes, e todas as plantas das Molucas e de Ceilão, que produzem as especiarias em tal abundancia, que não sómente bastem ao consumo de Portugal, mas que possam ser exportados em muitos grandes quantidades para os outros mercados da Europa, e por menores preços que os da America, visto que o cultivador Africano não será obrigado a buscar, a comprar trabalhadores, transportados da outra banda do Atlantico, como acontece ao cultivador Brazileiro, que paga por alto preço, aumentado ainda pelo risco do contrabando, os escravos que emprega.
Promovâmos na Africa a colonisação dos Europeos, o desenvolvimento da sua Industria, o emprego de seus capitaes; e n’uma curta serie de annos, tiraremos os grandes resultados que outr’ora obtivemos nas nossas Colonias.
Mas para isto é necessário que reformemos inteiramente as nossas Leis Coloniaes.
Se pelo resultado se pôde julgar o systema d’uma Legislação, nenhuma poderá ser peior de que a das nossas Possessões: seculos tem decorrido depois que se acham no dominio Portuguez, e pouco diferentes estão em civilisação do que eram no tempo da conquista, em quanto, como contraste, a visinha Colonia do Cabo de Boa Esperança, em muito menos tempo, crescido rapidamente em população branca, e em riqueza.
A gloria de continuar a grandeza começada pelo Senhor D. João II estava reservada a Vossa Magestade. A civilização d’Africa de que tantas Nações poderosas tem desesperado, é mais possível à Rainha de Portugal, que em Suas Mãos tem as chaves das principaes portas por onde ella póde entrar, e cuja authoridade é obedecida em varios pontos do Interior daquelle vasto Continente, que se acham situados a mais de duzentas légoas do mar. E assim como foi possivel aos Soberanos de Portugal abrir estradas para a civilisação, que nenhum outro Principe ousou fazer commetter, ser-lhes-há também possivel aclimatisar, e fazer prosperar naquellas regiões esta planta benefica.
Como preliminar indispensavel de todas as providencias, que para este grande fim, de acordo com as Côrtes Geraes da Nação, Vossa Magestade não deixará de Dat em Sua Alta Sabedoria, Religião, e Humanidade, os Seus Secretários d’Estado tem hoje a honra de propôr a Vossa Magestade, no seguinte projecto de Decreto a inteira e completa abolição do Trafico da Escravatura nos Dominios Portuguezes.
Secretario d’Estado dos Negocios Estrangeiros, em 10 de Dezembro de 1836. = (Assígnados) Visconde de Sá da Bandeira. = Antonio Manuel Lopes Vieira de Castro. = Manoel da Silva Passos.”
1 Da autoria do Marquês de Sá da Bandeira.

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