sexta-feira, 14 de agosto de 2009

AS RAZÕES DE VICENTE FERREIRA



Nova Lisboa — Capital de Angola
por:
Leonel Cosme
Quem viveu muitos anos nas ex-colónias portuguesas não estranha que o contacto com as terras e os povos tenha produzido, mesmo em altos fun-cionários do Estado que cumpriam efémeras comissões de serviço (normal-mente de dois anos), uma consciência da realidade que, em muitos casos, conflituava com os estereótipos formados pela visão das colónias como feitorias, não exigindo grandes empenhamentos nem dispêndios: até houve quem propusesse a sua venda ao estrangeiro...
O exemplo mais construtivo das “correcções” à política colonial foi seguramente o de Norton de Matos, que conseguiu, no seu segundo mandato, em 1921-1923, já com o título de Alto Comissário, ampliar os poderes que eram atribuídos aos governadores-gerais, a cujas “ousadias” o Governo Cen-tral fazia orelhas moucas. É o caso das “pretensões” sobre o desenvolvi-mento do ensino público formuladas por “africanistas” como Custódio Borja, Alves Roçadas, Jaime de Morais, João de Almeida ou Massano de Amorim, na linha aliás preconizada anteriormente pelo ministro do Ultramar Rebelo da Silva. Neste contexto, o mais “rebelde”, Filomeno da Câmara, ousou mesmo criar, em 1919, à revelia do Poder Central, o Liceu de Luanda e duas Escolas Primárias Superiores, em Sá da Bandeira e Moçâmedes, que seriam regulamentadas, três anos depois, por Norton de Matos.
A última “ousadia” foi a do governador Venâncio Deslandes, ao criar, em 1962, os Estudos Gerais Universitários, que Salazar se viu “compelido” a ra-tificar no ano seguinte (já sopravam os “ventos da mudança”), mas em con-sequência do que foram demitidos o Governador-Geral de Angola e o Minis-tro do Ultramar, Adriano Moreira...
No seu primeiro mandato (1912-1915), depois de ter passado pela Índia, Norton “aprendeu” que Angola não podia continuar a ser encarada como “feitoria” ou “colónia penal” para onde a Metrópole escoava condenados e aventureiros, mas um espaço onde teriam lugar os portugueses ambiciosos e empreendedores que, não “cabendo” já no Brasil independente, seriam os agentes do projecto “avançado” (mercantilista) que ele tinha para o Ultramar. De imediato, reconhecendo que era imperioso dilatar as vistas da Angola histórica, litorânea, para o interior inexplorado, começou por fundar, logo em 1912, o burgo do Huambo, que a partir de 1928, no governo do Alto Co-missário Vicente Ferreira, se chamou Nova Lisboa.
A Metrópole ouviu Norton de Matos, pelo menos durante o ano em que, saído de Angola, foi Ministro das Colónias, donde transitou para o Minis-tério da Guerra. Quando António Vicente Ferreira, em 1923, sucedeu a Nor-ton no Ministério das Colónias e em 1926-1928 no governo de Angola, já a semente deixada por Norton estava em plena germinação: ainda em 1928, Vicente Ferreira defende que a capital de Angola deveria ser transferida para Nova Lisboa, ideia que, no distante Terreiro do Paço, teria soado como uma fantasia de africanista enfeitiçado pela magia dos trópicos... Mas em 1933, já na vigência do Governo de Salazar, ainda reitera:
(...) Todas as considerações de ordem climatérica, sanitária, adminis-trativa, política e económica, que tornam imprópria a cidade de Luanda, para servir de capital da moderna Angola, colónia agrícola e de povoa-mento, recomendam a Nova Lisboa para esse efeito. E porque, em maté-ria de colonização moderna — talvez mais do que em outras obras huma-nas, as oportunidades mal surgem para logo desaparecerem, supomos que acertadamente andariam os homens de governo, se, aproveitando a razão favorável, lançassem com energia os fundamentos da grande obra de colonização de Angola: o povoamento —, com o seu corolário neces-sário: — a transferência da capital. E deste asserto diremos os porquês.
E primeiro porque é asado o momento.
Temos nós, como todo o mundo, actualmente, a nossa legião dos sem-trabalho, todos os dias acrescida pelo contingente dos que são repelidos, pela crise do Brasil e doutros países de imigração. Muitos cuidados e despesa custa a assistência que só a pequeno número se presta, na Me-trópole, com trabalhos públicos e municipais adrêde inventados, e por isso nem sempre dos mais justificados pela utilidade pública. Suportam assalariados e patrões o peso do impôsto a esse fim destinado, e sendo este encargo já modesto para a maioria dos que o pagam, ele teria de ser muito maior, se a todos os sem-trabalho, como de justiça, se acudisse; e porque nem é possível agravar este impôsto, nem fácil multiplicar inde-finidamente o número de obras públicas e municipais, forçoso é lançar mão daqueles recursos extraordinários, que a necessidade sugere, a ra-zão aconselha, e a previdência dos homens de Estado sabe reconhecer e aplicar.
(...) É Angola o natural destino daquele excedente de população, que as difíceis condições do mundo, na época presente, acumulou no terri-tório da Metrópole, onde não encontra trabalho adequado nem meios de subsistência. E porque as características do mal, com as suas reper-cussões sociais, que se antevêem perigosas, e a perspectiva do seu agra-vamento futuro, exigem que o remédio não tarde; e porque outras cir-cunstâncias de ordem externa, parecem aconselhar diligências no que toca a Angola, diremos que o momento é asado. (...)
Como é sabido, Salazar não afinava pelo mesmo diapasão: aos portu-gueses que quisessem emigrar para as colónias de África era exigida uma “carta de chamada”; e para o estrangeiro, só a salto... E quanto a pensar que transferindo a sede do poder político-administrativo de Luanda para o Pla-nalto Central se criaria ali um grande pólo de desenvolvimento do interior, ninguém, que saibamos, se deixou impressionar pela “ousadia” de Juscelino Kubitschek de Oliveira, ao transferir, em 1960, a capital federal do Rio de Janeiro para o Planalto Central do Brasil...
Leonel Cosme

1 comentário:

José Sousa e Silva disse...

Mais um excelente Post.

Gosto deste Blog.