segunda-feira, 22 de março de 2010

DESCOLONIZACAO DE ANGOLA: " I -- O VISÍVEL ANTES DA INDEPENDÊNCIA"


..."Perante a "onda de pilhagem" que assolava a capital, o alto-comissário Silva Cardoso chamava a atenção dos responsáveis dos movimentos de libertação com assento na CND(5)para a necessidade de manter a ordem. Mas,nas ruas, as acções dos nacionalistas africanos foram subindo de tom, numa escalada de violência, com assaltos, apedrejamento a automóveis,rusgas a casas particulares, detenção ilegal de cidadãos. Era assim o pós-Alvor.
..."A tropa portuguesa desajudava, sem assumir a responsabilidade histórica que lhe pesava sobre os ombros. Nunca os militares estiveram tão desorganizados como então(6). Era a consequência das palavras de ordem que soavam constantemente nas manifestações de rua de Lisboa: "Nem mais um soldado para as colónias !". Em Angola, também se ouviam desabafos de alguns militares : "Não estamos cá a fazer nada...".
..."Face o panorama, o general Silva Cardoso(7)aprovou uma "acção psicológica" de sensibilização para o corpo de 24 mil homens que o Alvor definira para Angola. Era preciso explicar, neste pós-25 de Abril ainda colonial, a razão de as tropas continuarem no terreno. A directiva Raio Azul tentou fazê-lo. "Descolonizar não é abandonar", dizia a propaganda, pedindo aos soldados portugueses mais respeito, disciplina, patriotismo e lealdade, porque havia de dar segurança a pessoas e bens, e garantir o essencial à vida na colónia"(8).
..."A conduta dos movimentos de libertação não era a única dor de cabeça dos altos responsáveis político-militares em Angola...." (Pgs. 16/17) --
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---- NOTAS : (5) - Acta nº 5 da CND, de 24 de Fevereiro de 1975(A.Belo) -
--- (6) - Entrevista a Altino de Magalhães;cf. Piçarra Mourão, Da Guiné a Angola, Quarteto Editora 2000; declarações do major-general, Heitor Almendra, in Memórias da Revolução.
--- (7) - O general Silva Cardoso conta a sua experiência em Angola,Anatomia de uma Tragédia, Oficina do Livro, 2000 -
--- (8) - Acta nº 2 da CDN, 10 de Fevereiro de 1975(A.Belo). -
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..."A PSP foi extinta em Abril de 1975.
O Corpo da Polícia de Angola (CPA), que a veio substituir. herdou o problema da falta de agentes, suscitando novo apelo,infrutífero, para que o MPLA, a FNLA e a UNITA contribuíssem,agora,com 300 homens cada. Foi curto o destino da CPA. Ficaria praticamente "inoperante"(45),no final de um percurso de queixas sucessivas por desrespeito, prisão dos polícias, invasão das esquadras com roubo de armamento, abandono dos agentes da corporação(46)..."O antigo agente, com 73 anos,não deixa dúvidas sobre o que se passou. "Vim-me embora em Junho de 1975, e há meio ano que me encontrava Mas o MPLA já tinha tomado conta da corporação.Eram eles a mandar. Os agentes portugueses tinham de estar às suas ordens. Tive muito medo ! Os agentes da CPA, na maioria angolanos,tinham a nossa vida na palma das mãos. A maioria dos agentes portugueses morava nos subúrbios, e quando alguns saíam de casa para o serviço eram alvejados pelo caminho. Com a farda da CPA, eles faziam o que queriam. Mandavam eles. Nas 24 horas antes de vir embora, o fogo não parava em Luanda. Tive de fugir de casa e refugiar-me na esquadra,até embarcar(47)."
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..."As Forças Militares Mistas também viriam a falhar. Desmantelava-se a "entidade abstracta" que devia ter sido a força no terreno de apoio ao Comando Operacional de Luanda(50). Ainda desenvolveram algumas acções, mas eram "inexequíveis"(51)..."Elementos da UNITA integrados nas FMM afirmaram abandonar as viaturas daquela força, pois tinham ordens do seu comandante para o fazer seo tiroteio recomeçasse", dava conta um relatório militar sobre o comportamento das FALA, as forças armadas de Jonas Savimbi.(52)...(Pgs. 22/23) --
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..."Houve excepções, mas o ambiente entre os três movimentos transpirava ódio mútuo, sobretudo entre o MPLA e a FNLA, talvez por pertencerem a etnias distintas."...Da Polícia Militar portuguesa, outra força presente nesse jogo de poder, há muito poucos documentos. Era a única força, em Luanda, que entrava nos muceques, onde se verificaram muitos incidentes. Fazia um pouco de tudo. Incluindo, segundo testemunhos, missões importantes para o MPLA, nomeadamente na detenção de civis portugueses, que o movimento de Agostinho Neto implantara em Luanda(57). O comandante da Polícia Militar na altura, Moreira Dias, nega, contudo, que elementos da corporação tenham contribuído para encher as prisões do MPLA. "Nem pouco mais ou menos", afirmou-me, em entrevista, o coronel de 67 anos, que em 1975 foi um operacional em Luanda, e protagonista de acontecimentos relevantes. Que me confirma o esvaziamento da autoridade, e a ausência progressiva de informação."...(Pgs. 24)--
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..."O problema é que não tínhamos pessoal para as guarnecer. A PM mantém-se até ao fim,mas cada vez com menos elementos. De 500 homens,ficaram 150. Então tive de desmembrar uma companhia para guarnecer os Dragões, que foram fundamentais.E porquê ? Porque depois do 25 de Abril de 1974 os movimentos não tinham efectivos, e fizeram uma corrida à incorporação. Os primeiros elementos disponíveis foram os bandidos. E eu senti isso em Luanda. Verifiquei que os assaltantes do passado recente continuavam, mas agora assaltavam armados. Todos os movimentos os incorporaram nas suas fileiras, mas com mais incidência o MPLA. Passámos com isso por problemas gravíssimos, em várias cidades." O MPLA teve de admitir que muitos elementos das FAPLA eram provenientes do lumpenproletariat(59)."... (Pg. 25). --
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..."O centro nevrálgico português funcionava no Palácio do Governo, em Luanda, um imponente edifício do século XVIII, onde chegavam, constantemente, mensagens e pontos da situação. No final deste primeiro trimestre de 1975 as informações caíam em catadupa. O ELNA, braço armado da FNLA, tinha ocupado campo de São Nicolau e raptado mulheres; o MPLA impedia que colunas militares portuguesas se deslocassem para Luanda; registavam-se incidentes em Maquela do Zombo, Ambrizete, Nova Lisboa; de Cabinda veio o susto, visível na mensagem secreta que o alto-comissário enviou para Belém, a comunicar a presença no local de dois mil homens armados da FLEC e outros cinco mil na base do então Zaire, país que partilha quase três mil quilómetros de fronteira com Angola(60).
..."A situação era grave no Luso. O major Luís Sousa Vicente transmitiu o que presenciou nos distritos da Lunda, Bié, Cuando Cubango, Moxico e Cunene, onde os movimentos se posicionavam, e ocupavam qualquer tipo de instalação, fosse casas do Estado, escolas, etc.(61). "...(Pgs. 25/26) --
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..."Dias antes do 11 de Novembro de 1975, alguns repórteres começaram a ser expulsos de Luanda, ou presos. Os jornalistas sul-africanos tinham sido os primeiros , permanecendo encarcerados várias semanas. A equipa do segundo canal francês ficou detida apenas seis horas.
..."A dois dias da independência, continuavam três hipóteses em aberto sobre a posição que Portugal devia assumir : reconhecer o MPLA e entregar-lhe o poder; reconhecer um governo de unidade nacional com entidades não ligadas aos movimentos; entregar a soberania ao povo angolano.
..."Ouvidos o Conselho de Ministros e a Comissão Nacional de Descolonização, decidiu-se que a soberania de Angola devia ser simbolicamente entregue ao seu povo, continuando Portugal a reconhecer os três movimentos de libertação. Leonel Cardoso só soube que assim seria horas antes do seu último discurso (189)."
..."Ao meio-dia da manhã do dia 11 de Novembro, o alto comissário proclamou a independência de Angola no Salão Nobre do Palácio do Governo. Estavam presentes os jornalistas convidados, mas não se viu qualquer representante do movimento de Agostinho Neto. Junto a uma tapeçaria evocativa dos Descobrimentos, Leonel Cardoso, disse algumas palavras em nome do presidente da República Portuguesa, de onde convém destacar :... "Portugal parte, sem sentimento de culpa ou de vergonha"...
..."Pelas 15,30, na fortaleza quinhentista de São Miguel, o estandarte português foi descido com guarda de honra e sob vigilância aérea, preparada para abrir fogo. "Fomos com uma companhia, um pelotão de para-quedistas, um de fuzileiros e outro pelotão de cavalaria, clarins e aquela coisa toda. E e o alto-comissário com a farda número um, ele de branco e eu de azul..."
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..."Foi uma cerimónia estritamente militar, sem civis nem jornalistas, para testemunhar o momento histórico. Oficiais portugueses garantiram imagens e fotografias. Nenhum representante do VI Governo Provisório do primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo se deslocou para estar presente na cerimónia. Em Lisboa, a instabilidade era muita. O governo tinha sido sequestrado dias antes no Parlamento, e assistia-se ao medir de forças entre socialistas e comunistas."
..."Com a bandeira guardada,os últimos militares dirigiram-se pelas 16 horas para a base naval da Ilha de Luanda, onde embarcaram em lanchas que os levaram aos navios Niassa e Uige, estacionados na baía. Até à noite foi entrando armamento. Depois, fizeram tempo até levantar a âncora. O momento da partida estaca cronometrado...."Largámos ao minuto um do dia 11 de Novembro, recordou-me o comandante António Mateus, cuja última imagem de Angola foi a de ..."uma criança de uns cinco anos a dizer adeus , com toda a inocência"...(192)."
..."Mal os primeiros segundos do dia 11 de Novembro de 1975 despontaram, as armas do MPLA ensurdeceram Luanda. Festejava-se o nascimento unilateral de um país. Os militares das FAP ainda assistiram aos céus tracejados com pontos luminosos, explosões e foguetes, ao retiram da cidade fundada em 1576 pelos portugueses. Os navios chegaram a Lisboa a 23 de Novembro de 1975. Os militares portugueses tinham regressado. Mas em Angola foram deixados portugueses, à sua própria revelia, que se tornaram alvos de toda a espécie de sevícias, em território já estrangeiro.
..."Esta é parte da história visível da descolonização em Angola vista de Luanda ao longo de 1975. Mas nos subterrâneos daquele quotidiano fervilhava, havia muito,outra realidade, que alguns dos protagonistas nos desvendam a seguir, na primeira pessoa"... (Pg. 64). --
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---"NOTAS - (45) -- Em 1975 (A.Belo) - -- (46) - Reunião da CND de 16 de Junho de 1975 (AHM) -- (47)- Entrevista telefónica a José Lopes Basílio em 2 de Dezembro de
2008 -- (48) - Reunião da CND de 14 de Abril de 1975 (AHM). -- (49) - Memorando confidencial do Comando Territorial de Luanda de 8 de Abril de 1975 (A.Belo) -- (50) - Julho(?)de 1975(A.Belo) -- (51) - Estudo secreto da CCPA para o Conselho da Revolução de 19 de Abril de 1975 (A.Belo) -- (52) - Violações da UNITA aos acordos,no dia 28 de Junho de 1975, segundo o relatório militar do Comando Territorial de Luanda (AHM)-- (53) - Acta da CND de 6 de Junho de 1975 (A.Belo) -- (54) - Reunião da CND de 21 de Abril de 1975 (AHM) -- (55) 31 de Agosto de 1975 (AHM) -- (56) - Os três movimentos de libertação representam influências de etnias diferentes. O MPLA mais perto do povo Ambundo(fala Quimbundo); a FNLA do povo Bacongo(fala Quicongo); e UNITA do povo Ovimbundo(fala Umbundo). -- (57) -- (60) - Mensagem secreta para o PR de 18 de Março de 1975(A.Belo) -- (61) - Relatório do Gabinete Militar do AC de 25 de Março de 1975(A.Belo) -- (189)-- Relação cronológica do CCPA, 10 de Novembro de 1975(A.Belo); Gonçalves Ribeiro, A Vertigem da Descolonização" - - (192) - Entrevista ao comandante António Mateus"...--- Ver depoimentos mais adiante de Amílcar Barreira e José Paulo Seara"...(Pg. 272) --
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---- Extraído de : "FICHEIROS SECRETOS DA DESCOLONIZAÇÃO DE ANGOLA" - de LEONOR FIGUEIREDO - - Agosto 2009 ---- ALETHEIA EDITORES --- 



DO BLOG DE ROBERTO CORREA

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