sábado, 1 de maio de 2010

Fronteiras de Angola e a evolução histórica



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Fronteiras de Angola e a evolução histórica
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As primeiras dificuldades surgem em 1846, quando a Inglaterra contestou a soberania de Portugal nos territórios da costa ocidental de África, situados entre os paralelos 5º 12’ e 8º de latitude S., isto é, entre a margem direita do Zaire e o sul do Ambriz. Tal objecção ao direito e ao regular exercício da soberania de Portugal é o que rigorosamente veio a constituir a Questão do Ambriz, e o seu prolongamento, a Questão do Zaire. Para este facto, muito contribuiu o “erro fatal” em que resvalou a diplomacia portuguesa na redacção do texto do tratado de 28 de Julho de 1817 que celebrou com a Inglaterra.
Efectivamente, este tratado, relativo ao regime de excepção no tráfico de escravos (o terceiro após os celebrados a 19 de Fevereiro de 1810 no Rio de Janeiro, e a 22 de Janeiro de 1815 em Viena), propôs-se, ao contrário dos dois primeiros, fixar matematicamente, com uma grande precisão geográfica, os limites fixados àquele regime de excepção, declarando que os territórios em que os súbditos portugueses continuariam a ter liberdade de tráfico, pela única razão (indicada nos tratados de 1810 e 1815), de pertencerem esses territórios à coroa portuguesa, eram:
1º  Todos os efectivamente possuídos por essa coroa entre o paralelo 18º e o 8º lat. S.
2º Aqueles sobre os quais Portugal declarara que reservava os seus direitos, chamados Molembo e Cabinda, na costa oriental de África, desde o paralelo 5º 12’, ao paralelo 8º lat. S.
Esta determinação pretensiosamente definitiva, geográfica, precisa, dos diplomatas de 1817, não podia de facto ter sido mais desastrosa. Em primeiro lugar, porque se lançaram na Costa Oriental os territórios de Molembo e Cabinda. E curiosamente só dois anos depois, esse erro foi corrigido, sob a modesta qualificação de um “erro verbal” - a verbal mistake -, pela convenção adicional de 30 de Abril de 1819. Em segundo lugar, e contrariamente às inofensivas consequências da inexacta localização geográfica de Cabinda, a factura a pagar pela fixação dos paralelos geográficos como limites dos territórios referidos, foi extraordinariamente avultada.
Ao norte, os “domínios de Portugal”, que se estendiam ao Cabo de Lopo Gonçalves, 0º 36’ lat. S., o cabo Lopez da carta Inglesa, que no século XVII a convenção de Madrid de 1786 acabou por acolher no princípio fundamental que lhe deu origem e que teve por fim definir:
“A França não contesta nem pretende diminuir os direitos soberanos de Portugal na costa do norte e no grande rio africano, e nenhum embaraço e nenhuma objecção põe a essa soberania e ao seu exercício”, retraiu-se até ao Chiloango, paralelo 5º 12’. Portugal “perdeu” pois 5º de costa. Assim mesmo, poderia argumentar-se que os tratados anteriores fixavam já a Costa de Molembo como limite extremo. Todavia esses mesmos tratados referiam tão-somente os territórios de Molembo e Cabinda, sendo que este último termina na embocadura do rio Zaire, na ponta do Diabo (a red point das cartas inglesas, em 5º 44’S.), ou quando muito na ponta Banana, em 6º 2’., e a aludida convenção absurdamente situava esse mesmo limite a 8º S. além mesmo do Ambriz, alargando assim a área dos territórios sobre os quais Portugal “reservava direitos” ou, o que é o mesmo, reduzindo aqueles que eram positivamente reconhecidos “domínios efectivos” da coroa portuguesa, cerceando-lhes nem mais nem menos do que toda a região compreendida entre o paralelo 8º e a margem direita do rio, incluindo-o.
Se este erro se não tivesse cometido, nunca se teria levantado a famosa Questão do Ambriz e, possivelmente, tão pouco a que se lhe seguiu, a não menos célebre Questão do Zaire.
Os direitos reservados continuariam a abranger apenas os territórios de Molembo e Cabinda. Para o sul, incluindo o rio, haveria somente o “domínio efectivo”, claramente afirmado e nunca posto em dúvida, de Portugal, à face dos tratados de 1810 e de 1815, e perfeitamente de acordo com a convenção de Madrid de 1786.
Apesar de tudo, só em 1846 se verificaram as consequências do pouco auspicioso tratado de 1817. Nesse ano, e a propósito da apreensão e do julgamento regular de um navio negreiro do Brasil, ao norte do Ambriz, pelas autoridades portuguesas, o representante inglês em Lisboa observava ao Governo português que o seu governo apenas reconhecia a soberania portuguesa, do paralelo 8º para o sul, segundo o texto do tratado de 1817, começando dali para o norte, a região, sobre a qual Portugal reservara direitos, mas que a Inglaterra, na opinião do diplomata inglês, não reconhecia. A nota do representante inglês em Lisboa, data de 24 de Novembro de 1846.
Dias depois, na sequência do julgamento por um Tribunal português, de um navio português apresado pelas autoridades portuguesas, na latitude de 7º 36´sul, outra nota do Governo inglês, desta feita do próprio Lorde Palmerston, ratifica e reproduz a doutrina da primeira, comunicando o receio de alguns membros da comissão mista luso-britânica (criada pelo tratado de 3 de Julho de 1842 entre Portugal e a Grã-Bretanha, para julgar as presas feitas por crime de tráfico) (1), de que Portugal fizesse valer (forced) os seus direitos de soberania entre o 5º 12´ e o 8ºS., prejudicando os traficantes ingleses que negociavam livremente naquela parte da Costa.
Paradoxalmente, porém, Lorde Palmerston afirmava expressamente nesse documento que, por um lado, Molembo era o território extremo setentrional da soberania reservada de Portugal não reconhecida efectivamente (actually) pela Inglaterra, e que o Ambriz era o ponto extremo daquele lado do território sobre o qual a Inglaterra reconhecia essa soberania. O paradoxo resulta precisamente do facto de que, ficando o Ambriz a 7º 52’, isto é, ao norte do paralelo 8º, aquele reconhecimento colidia com tais limitações fixadas pelo tratado de 1817, irrelevando as correspondentes alegações inglesas.
Curiosamente, a 9 de Novembro de 1850, o Embaixador inglês em Lisboa dignou-se explicar ao Governo português que Lorde Palmerston apenas em 1847 soubera realmente, pelos comissários britânicos de Luanda, que o Ambriz ficava ao norte do paralelo 8º. Surpreendente de facto!
A estranheza dessa justificação é tanto maior quanto se sabe que à data abundavam já os mapas ingleses, alguns até oficiais, que determinavam a posição exacta do Ambriz. De qualquer forma, ainda que reconhecendo o equívoco, o Governo inglês não abriu mão da contestação ao direito português de ocupação do Ambriz, arguindo que um erro geográfico não prevaleceria sobre o texto e a interpretação dos tratados.
Acresce a esta sequência de controvérsias a nota de 26 de Novembro de 1853, que, repetindo as declarações anteriores, vem aduzir que é certo que “Portugal adquiriu no século XV” o direito à soberania da região compreendida entre o 5º 12’e o 8ºS., mas que esse direito se acha prejudicado pelo abandono, “suffered to lapse”, porque não ocupara (2).
O governo português, em reacção, e verificando que efectivamente não havia nesse lugar autoridades permanentes que afirmassem a sua soberania e se opusessem ao tráfico (limitando-se a polícia às visitas de cruzadores), resolveu pôr termo à Questão do Ambriz, mediante a sua ocupação efectiva por uma expedição militar chefiada por José Baptista de Andrade, em 6 de Junho de 1855, ocupação projectada de há muito e terminantemente ordenada pelo Governo português em 20 de Janeiro daquele mesmo ano. Resolvida a ocupação, Portugal resolveu ao mesmo tempo mantê-la, fossem quais fossem as consequências. E manteve-a.
O fundamento dos direitos portugueses assentava: 1º na prioridade do descobrimento; 2º na posse conservada durante séculos; 3º na introdução da civilização pelo cristianismo; 4º na conquista pelas armas; 5º no reconhecimento do seu domínio pelos indígenas (3).
Desde que o Governo inglês, pela nota de 26 de Novembro de 1853, insinuou que Portugal “havia deixado cair o direito que pela prioridade da descoberta tinha a essa parte da costa porque a não havia ocupado”, o Governo português resolveu “...fazer uma ocupação efectiva que permitisse acabar com o tráfico da escravatura, proteger e promover o comércio lícito e exercer o seu direito de soberania” (4).
Todavia a Inglaterra não desarmou e opôs-se tenazmente a que Portugal estendesse a ocupação para o norte, como era seu propósito nessa data. Ameaçando o uso da força, dirigiu deste modo em 1860, a nota seguinte ao Embaixador de Portugal em Londres: “Qualquer tentativa para estender a ocupação encontrará a oposição das forças navais inglesas. Neste sentido foram dadas, em tempo, instruções aos comandantes dos cruzadores ingleses da costa ocidental de África. As autoridades portuguesas de Ambriz e Angola foram por mais de uma vez, desde 1855, informadas destas instruções.
Estas instruções continuam em vigor e qualquer interferência dos navios de guerra ou autoridades portuguesas para impedir o comércio de navios ou súbditos britânicos em Quissembo encontrará a oposição das forças navais inglesas”. Perante a ameaça inglesa, Portugal teve de submeter-se e para evitar que o conflito se agravasse, desistiu da ocupação de Cabinda, tentada em 1875 (5), limitando-se a, periodicamente, lembrar o fundamento dos seus direitos e propor uma solução do caso em aberto (6).

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