quarta-feira, 5 de maio de 2010

Rosa Cruz e Silva: Tchitundo-hulo para património mundial

No dia em que se abriram as actividades para o Março Mulher, ontem, fomos falar com a ministra da Cultura, Rosa Cruz e Silva.

Falamos sobre a condição da mulher, sobre o seu pelouro e sobre o CAN, um espaço em que sobreveio a sua qualidade de historiadora vincada nas apresentações de abertura e de encerramento do campeonato e que recentrou os angolanos, orgulhosos, no seu espaço de território e de cultura. Mas falamos também de cinema, de carnaval e de gravuras rupestres.
Estou perante a Sra. ministra da Cultura que é mulher, historiadora e governante. Nestas condições, e olhando para o papel histórico da mulher angolana, tivemos uma fase em que o seu papel foi socialmente mais reduzido, depois esteve a par com o homem na luta de libertação nacional, mas agora, numa fase de desenvolvimento e crescimento, temos que a mulher chega aos lugares de poder também pela via da percentagem representativa por quota. Acha que essa ascensão é uma âncora necessária, ou o caminho natural …
Penso que é um caminho natural feito pela mulher. Disse que teriam antes tido um papel restrito, eu não o qualificaria assim, mas circunscrito às condições históricas do início da formação das sociedades, da nossa sociedade, neste território … há um papel da mulher, de facto, não só na família mas também na divisão social do trabalho, a mulher tem um papel importante na agricultura que depois da sedentarização foi a base do sustento das primeiras sociedades que depois foram evoluindo. Mas no caso de Angola temos registos de mulheres que se destacaram não só no âmbito agrícola mas também no fórum político, vou lembrar figuras que desempenharam um papel importante para a transformação das sociedades …

Vai falar-me da Rainha Ginga ….
Ia falar de duas mulheres, Ginga MBandi e Kimpa Vita. Ginga MBandi, política, sim … ela tornou-se numa embaixadora do reino do NDongo, por força das circunstâncias políticas que o reino vivia, o Estado estava a ser invadido pelas tropas portuguesas e o rei recorreu a uma mulher para negociar com as autoridades portuguesas. Ela desempenhou o papel em duas missões consecutivas, em 1622 e 1623, até que se tornou ela própria a soberana, a senhora do reino, como ela se intitulava. E teve um papel político importante. E mais tarde poderia falar-lhe de Kimpa Vita que, por força também das circunstâncias políticas do Estado do Congo, liderou um movimento de contestação religioso …

Temos que enquanto a rainha Ginga se converteu ao cristianismo, fazendo-se baptizar, a Kimpa procurou reformar o cristianismo no seu espaço …
Atenção. Ginga MBandi converteu-se ao cristianismo a dois momentos, o primeiro foi pelas circunstâncias, não por adesão imediata como muitas vezes se diz, foi uma estratégia, dela e do soberano. Ou seja, ela cumpriu instruções do soberano do NDongo. Mas num outro momento da vida dela, já a caminho da morte sim, aí se encontra uma Ginga MBandi convertida ao cristianismo.

Mas Kimpa Vita propôs reformas ao cristianismo …
Sim propôs. Mas para falar de Kimpa Vita vale a pena falar também de outras mulheres anónimas mas que participaram no movimento que transformou o processo de passagem de conhecimento no Congo, que era feito pelas vias tradicionais mas que, depois, com a chegada dos portugueses e com a apropriação do sistema português, criaram-se escolas no Congo, e muitas e … reclamava um missionário que tinha estado no Congo e tinha voltado para a Europa e, numa segunda viagem, ficou espantado porque havia muitas escolas no Congo e elas eram dirigidas por mulheres. Isso significa que da actividade agrícola, da organização da família, elas aderem a um novo sistema de transmissão do conhecimento. As pessoas até se questionavam por o rei do Congo saber ler a bíblia, se ele reportava os ensinamentos da bíblia na correspondência que foi tendo … todos os reis do Congo aderiram e mantiveram a correspondência escrita que se tornou num instrumento não apenas para a administração mas também para as relações internacionais…

Isso faz pensar que haverá um défice no conhecimento do papel da mulher angolana, há poucas heroínas desse tempo, terá havido outras mulheres, outras soberanas de que não se fala …
Não terá havido o registo. Por exemplo, a importância que tiveram essas mulheres que organizaram as escolas no Congo, infelizmente não é tratada na nossa historiografia, e é um dado. Vai sendo abordado e espero que com a profundidade que a temática sugere. Mas há ainda muitas mulheres sobre o papel da mulher ao longo dos vários momentos históricos de Angola. Estávamos nos séc.
XVII e XVIII, mas depois falou-me do papel da mulher na libertação, também aderimos com muita facilidade ao apelo, ao chamamento para a libertação, participamos nas reuniões clandestinas, no movimento literário, nas associações culturais que tinham uma vocação empacotada de política e, naturalmente, ingressamos nas fileiras da luta de libertação, na guerrilha, na direcção política … até a ascensão à independência fomos, paulatinamente, conquistando, daí eu dizer que foi uma trajectória natural e não a tal necessidade apenas de se pôr números. É um direito conquistado, embora não tenha sido fácil, porque algumas limitações conceptuais, do entendimento da organização da sociedade, levaram a que ficássemos muito aquém nessa participação, não é por falta de vontade das mulheres, é porque lhes estava vedado o acesso.
Isso não é exclusivo de Angola, é uma realidade universal, mas que está a ser revista pela dinâmica das sociedades e tendo em conta a força das próprias mulheres.

A figura da zungueira, a mulher que vai aos limites do espaço habitado para ir buscar alimentos, para o sustento … essa é uma figura que não é tão nova em Luanda …
Não, não é tão nova. A venda de produtos no espaço urbano começa no mercado fixo, regular, mas as dificuldades no lar foram-se tornando cada vez mais acentuadas, isso remonta ao século passado, há essa necessidade de deambular. Temos a peixeira, as mulheres que vendiam farinha … isso no século XIX e séc. XX, as que vendiam frutos … depois disso houve a introdução de novos produtos como a roupa e outros artigos da vida doméstica.

Voltando ao século XVII, temos casos de mulheres que também vendiam ou negociavam escravos …
O que digo sobre os séc. XVI e XVII é que a captura de escravos tem um início que passa pelos centros políticos, naquela negociação inicial com os europeus, mas esses centros políticos, tendo em conta as próprias características, rebelam-se … e a captura e venda de escravos passa a ser feita de forma mais coerciva que de mercado natural. As nossas sociedades nos séc. XVI e VXII tinham na base da pirâmide social os escravos mas o escravo era um membro da sociedade a que são retirados alguns direitos, por várias razões, como crimes cometidos, dívidas, enfim … mas esse escravo na nossa sociedade tradicional perde alguns direitos mas tem outros, não fica absolutamente sem direitos nenhuns, de tal forma que na casa do seu senhor, ele pode casar com a filha do seus senhor … é a escravatura que a história chama de doméstica. Mas com a introdução do tráfico essa situação se altera, no espaço do comércio, ou feira, tínhamos o espaço tradicional onde se vendiam os produtos locais e, ao lado, podíamos ter o local onde se vendiam os escravos, as tais pessoas apanhadas na guerra e transformadas em escravos, ou que tinham dívidas, que cometiam crimes, mas na casa do senhor onde ia prestar serviço doméstico, e pode-se comparar o escravo doméstico com o servo da Gleba, o escravo tinha direito a um espaço para poder cultivar para si e para a sua família, é um elemento comparativo, mas ele acabava por ser integrado na família, daí a designação de escravatura doméstica.

Tirando D. Ana Joaquina não há registos de outras mulheres que tivessem participado no tráfico de escravos?
Eu penso que sim. A D. Ana Joaquina, a historiografia deu-lhe um destaque à altura da importância do papel que ela desempenhou na sociedade escravocrata de Luanda, mas há uma lista de outras mulheres que também tinham negócios na altura. É um trabalho ainda a ser feito, porque uma das forma de fugir um pouco a lógica do sistema colonial foi a encontrada pelas chefias africanas que favoreciam o casamento de algumas mulheres das suas famílias com algumas figuras da sociedade portuguesa, nomeadamente militares, etc., e essas mulheres tiveram um papel importante na estrutura económica da sociedade colonial da época. Este estudo ainda não está “muito feito”, existem alguns trabalhos da historiadora Selma Pantoja que estuda as quitandeiras, as mulheres, Luanda e o seu interland, onde encontramos essas mulheres. É preciso continuar a estudar porque eu penso que Ana Joaquina teve efectivamente um papel importante na economia da época, ela fez parte do grupo de empresários da época mas houve outras mulheres cujos nomes não são tão divulgados mas que merecerão, seguramente, o tratamento dos historiadores.

E o trabalho dos historiadores, de pesquisa, investigação, cabe no Fundo de Apoio a Cultura, ou merece outro tratamento orçamental?
Naturalmente que a cultura tem um papel importante junto das instituições que o ministério tutela, as instituições de investigação, os museus, os institutos de pesquisa, seja as línguas, sejam as questões religiosas, nas indústrias culturais, no arquivo nacional, etc., mas eu penso que é necessário estabelecer um vínculo muito forte com as universidade, e temos de reconhecer que há um défice nesse intercâmbio que deve existir. Dá quase a sensação de que a responsabilidade da investigação fica apenas para o ministério da Cultura. Lembremonos que na sociedade colonial existiu um Instituto de Investigação Científica com vários ramos e onde a área das ciências sociais se destacou. A maior parte dos trabalhos sobre antropologia, etnologia e história, embora quase todos na perspectiva colonial, foram feitos dentro desse instituto ou dentro de alguns museus, nomeadamente o Museu do Dundo que foi um laboratório de investigação científica de especialistas vindos de diversas partes do mundo, da Alemanha, Hungria, Portugal …

E agora temos peças do Museu do Dundo em diversas partes do mundo …
Exactamente, não só resultante das nossas debilidades de conservação, preservação, mas do período dessa mesma investigação. Há material resultante dessa investigação que está na Alemanha. Nós temos um acordo, chamemos assim, com uma historiadora alemã que recebeu o legado de um dos grandes investigadores alemães que esteve aqui no Museu do Dundo, a professora Beatriz Heinz, ela foi aluna do professor Mabaun que produziu muitos trabalhos sobre os povos da região leste de Angola e ela tem estado a publicar estes trabalhos.
Tem estado a publicar fontes de exploradores alemães que estiveram em Angola. Mas eu dizia que esse instituto de investigação produziu muito material na perspectiva colonial, mas que serão fontes de pesquisa para os trabalhos actuais, sobretudo para aquilo que tem que ser a revisão da perspectiva.
Há bocado falamos da rainha Ginga e da Kimpa Vita, claro que nesses estudos a perspectiva colonial nem sempre dava o tratamento científico, na verdadeira acepção da palavra, da figura da rainha Ginga. Claro que reconheciam a sua capacidade de dirigente, reconheciam a sua inteligência, as virtudes, mas, numa palavra, essa historiografia tratou-a como uma bárbara que até comia pessoas, era antropofágica, e outros nomes que lhe deram. Isso tinha a ver com o olhar preconceituoso desses especialistas, agora compete-nos a nós revisitar essas fontes e produzir novos estudos, até porque temos novos instrumentos metodológicos mais elaborados, mais eficazes, para reconstituir os momentos, as acções, as realizações dessas figuras importantes da história.

Se tivéssemos partido de um olhar colonial na apresentação feita na abertura do CAN, em vez de pessoas e hábitos humanos teríamos tido coisa como “tipo mumuíla”, para representar as pessoas, uma espécie de apresentação peças não humanas …
Seriam peças mais museológicas do que peças que resultam de acções porque, na perspectiva colonial, essas sociedades eram, muitas vezes, tão arcaicas, tão primitivas, que não se lhes reconhecia a capacidades das realizações que efectivamente tiveram.
Por isso dizia que compete a nós, os especialistas angolanos, os verdadeiros investigadores e cientistas, porque os há, enquanto aqui se publicavam coisas nessa perspectiva, nos laboratórios de ciências sociais de outros países tínhamos outros investigadores a trabalhar seriamente. Por isso é que quando realizamos o Encontro Internacional de História de Angola temos tido a oportunidade de convidar especialistas americanos como o prof.
John Thornton, o prof. Joseph Neel, o prof. Jean Ganzina, alguns professores portugueses como a prof. Maria Emília, Isabel Castro Henrique, o prof.
Alfredo Margarido, que não o tivemos por problemas de saúde, mas Jean Jacques Veneau … que são especialistas que perseguem as realizações dos angolanos desses períodos mais antigos …

Estava à espera que a apresentação no CAN fosse tão bem recebida pelos angolanos?
Não criei muitas expectativas em relação à reacção das pessoas porque a preparação não teve o tempo que nós pretendíamos. Tenho que reconhecer que estávamos um bocado receosos, não pelos conteúdos mas pela capacidade de representação … o problema era sobretudo do ponto de vista estético, não era dos conteúdos que acreditávamos que os angolanos se iriam reconhecer neles.

A reacção não foi como se os angolanos se tivessem esquecido de si próprios e de repente, afinal ….
Não sei, acho que a reacção foi de bastante deslumbre pela luz, pela cor, mas sobretudo porque o que estava ser reflectido naquela luz eram conteúdos que lhes diziam respeito. É a identificação com os actos que aquelas pessoas estavam aí a representar.

Sobre os museus, temo-los pouco atractivos, ou temos cidadãos pouco virados para a história …
ou a própria vida das cidades não dá espaço para a visita ao museu? Penso que eles não deixam de ser atractivos, os conteúdos são atractivos, mas precisam de ser melhorados e, sobretudo, os técnicos dos nossos museus precisam de mais formação especializada. Quem tem as peças num museu tem de ser capaz de transformar essas peças num apelo a qualquer cidadão, seja ele nacional ou estrangeiro. É preciso ter conhecimento, é preciso saber qual é o significado do acervo, o significado das exposições que montamos, como é que levamos a mensagem do museu para o público, para o atrair, para o informar, etc., há efectivamente um défice desta natureza nos nossos museus e na maior parte das nossas instituições culturais que queremos ir resolvendo.
O ministério concebeu um projecto de formação generalizada para todos os nossos órgãos, nos serviços centrais e nas províncias, numa parceria com a UNESCO. No caso dos museus teremos formações dadas por especialistas em cursos de média e longa duração.
Pretendemos trabalhar com o ensino superior de modo a que consigamos abrir cursos da área da cultura nas nossas universidades porque o pessoal das nossas instituições resulta da formação no exterior, alguns não voltam, e as poucas que voltam, até por razões salariais e outras condições não ficam connosco … nós queremos inverter este quadro num programa de formação direccionado para a formação in situ e fazendo recurso às universidades. Se tivéssemos muitos museólogos esses formariam outros e os técnicos dos museus e isso tornaria mais fácil transformar os museus numa atracção duradoira …

Não está já na hora de se fazer um apelo aos empresários …
A primeira responsabilidade é do Estado, temos de trabalhar mais para conseguir isso… as prioridades ainda não estiveram propriamente voltadas para os museus, mas a perspectiva da política do governo vai neste sentido, temos de preservar os acervos valiosíssimos que temos nos nossos museus e dá-lo a conhecer. Gradualmente chegaremos aos recursos para garantir a preservação do acervo e os apoios que vieram das empresas ou outras instituições serão para os projectos de divulgação e tratamento do acervo.
Estamos agora a espera do parecer da Lei do Mecenato pelo ministério das Finanças, por ser uma lei que tem a ver com os impostos, etc., mas penso que a breve trecho lá chegaremos …

Falar do mecenato é falar de dinheiro, mas falar de dinheiro na cultura é também falar do turismo cultural, que pode gerar muito dinheiro. Não há incentivo a isso, quem está no Menongue, sobre Luanda ouve falar das praias, das discotecas, de uma ou outra praça, mas e os espaços de cultura?
Como em várias áreas, tivemos dificuldades no turismo, que praticamente não se fazia sentir, por razões óbvias. Terá havido um turismo interno de pessoas arrojadas que não querendo ficar na capital iam de avião a esta ou aquela província … mas isso nem era turismo, era mais um desfrute para ir observar, conhecer determinadas regiões do país. Mas agora, com Angola em paz, sendo possível andar de carro de província para província, e tendo em conta as grandes potencialidades do nosso país nesse domínio, temos de fazer um grande programa para incentivar o turismo cultural. Estamos a fazer projectos nesta perspectiva e acho que este ano ainda anunciaremos algumas novidades, estamos a trabalhar com o ministério do Comércio, através da a Secretaria de Estado do Turismo, para que possam receber de nós alguns produtos que se anunciarão para os pacotes turísticos.
Existem já algumas empresas que já começaram no ecoturismo, levando as pessoas a observar paisagens e até sítios e monumentos históricos, mas nem sempre há o conhecimento adequado para anunciar e divulgar a importância dos locais.
E se formos ver a Welwitchia … A Welwítchia, antes de ter esta designação tinha numa das populações locais que era Tómbwa, ou Tomba, e assim foi registada cientificamente. O primeiro registo do especialista que a encontrou, o Welwitchie, chamou-lhe Tómbw Angolensis, é assim que está registada, mas depois os cientistas decidiram que tinham de fazer uma homenagem ao homem que descobriu uma coisa tão rara no mundo e então ela passou a chamar-se Welwitchia Mirabilis. Muitas pessoas não sabem porquê que o município do Tómbwa tem essa designação, é porque foi lá onde o Welwitchie encontrou pela primeira vez a planta rara. Isto é um dado que deve ser explicado, e que se chama Tombwa porque a planta deita uma espécie de líquido, ou resina que as populações locais usavam para fazer fogo, uma espécie de combustível, isso também é um conhecimento que não é generalizado. Isto também serve para o pacote turístico, este conjunto de informações relacionadas com a história da própria planta, da descoberta de outro mundo, porque as populações nhaneka que ocupavam aquele território …

Mas indo ao Namibe ver a Tombwa, lá passaremos pelas pinturas rupestres do tchitundo-hulo …
Exactamente, vamos passar pelas gravuras …

Que foram ou não destruídas?
Não. De facto elas não estão bem, e não estão bem há muito tempo

Há forma de as conservar?
Por isso é que as queremos inscrever na lista do património mundial, para partilharmos esta responsabilidade com o mundo, tendo em conta o valor, a excepcionalidade que aqueles registos históricos têm. A problemática das pinturas e gravuras rupestres é mundial, na sua preservação. Estou a lembrar-me da luta que os franceses tiveram para preservar uma grande pintura rupestre que é Làscaux, que também se deteriorou com o tempo e estavam a apagar-se os registos. Os arqueólogos franceses, de facto especialistas muito especiais, propuseram ao governo a transformação daquilo quase num laboratório para preservar um elemento importante da história do país. Esta questão das gravuras é universal, a céu aberto é muito complicado garantir a preservação dos rigores do clima. Quanto a nós, acho que é possível limitar o lugar e evitar que qualquer pessoa que por aí passe faça o que bem lhe apetecer. Mas para já temos de fazer um registo exaustivo do que ainda existe de gravura, e são as gravuras que estão em perigo, por que as pinturas dentro da caverna estão protegidas por si, digamos, mas as gravuras têm de ser filmadas, fotografadas para estudarmos os conteúdos.
Não sabemos interpretar ainda as mensagens que estão aí… houve tentativas de arqueólogos que por lá passaram, nas pesquisas que efectuaram nos anos 60 e até antes, os primeiros registos da existência daquelas pinturas creio que são dos anos 30 do século passado… enfim, é esta ideia que nos levou a considerar a inscrição na lista do património mundial.

Ainda no sul, com todo este património, há um outro, imaterial, importante, embora a responsabilidade se possa partilhar com outros países, que é a língua dos san, uma população e cultura a preservar …
Os san estão em várias partes do nosso país, estão no Cunene, no Moxico, no Kuando Kubango e na Huila … Estamos a falar de uma língua em perigo em Angola? Sim. Não só a língua, o meio de comunicação, mas sobretudo a própria população. Deverão ser desenvolvidas políticas direccionadas àquela população, de modo a que não se violente a sua identidade, porque há uma atracção muito grande para as “bantuizar”, mas que esse processo decorra da sua própria opção. Neste momento existem dificuldades do espaço vital, porque essas comunidades são caçadoras-recolectoras, ora, se o espaço onde eles irão buscar o alimento estiver esgotado que outro recurso terá essa população? É um trabalho a ser feito por especialistas no sentido de lhes garantir um direito que os assiste como angolanos no nosso território.

Conhecemos pouco das suas histórias, das suas mensagens …
Há trabalhos que estudaram aquelas comunidades, tanto no interior de Angola como na Namíbia e na África do Sul, por isso é que quisemos, no CAN, trazer um registo da presença deles como representantes de comunidades que têm como indicativo o de serem os primeiros povoadores da África austral e de Angola. Os registos que temos ditam isso, antes dos bantos existiam os san, com quem os bantos se foram integrando e eles ficaram numa sobrevivência de pequenas bolsas nas províncias que dissemos. Dai que tivéssemos ido buscar um canto san, para que haja essa lembrança de que somos um povo resultante dessa integração e de uma origem que tem essa população como ponto de partida.

Nesta parte do património temos os artistas, os pintores e os escritores …
estamos a escrever pouco quando ainda temos como referências apenas pessoas que o são há 20, 30 anos? Manuel Rui, Pepetela, Luandino Vieira … não estão a despontar com muita força novos nomes. Os músicos vãose multiplicando … É um percurso silencioso, o crescimento literário. Naturalmente que existem nomes com pouca projecção, mas poucos nomes, e isso indica que o nosso ensino precisa de afinar esta parte da capacidade inovadora dos angolanos … CONTINUA... in Grande Entrevista O País Online
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